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Comparação entre os resultados do índice de normalização internacional medidos em dispositivo portátil (Hemochron Jr.) e por metodologia convencional

Resumos

OBJETIVO: Comparar os resultados do Índice de Normalização Internacional (INR) obtidos pelo teste rápido com os do método convencional nos pacientes em terapia de anticoagulação oral com varfarina sódica. MÉTODOS: Para 383 pacientes tratados com varfarina (idade média: 56,5 anos; 207 mulheres), o INR foi determinado em sangue capilar pelo equipamento Hemochron Jr. e comparado com os resultados de amostras de plasma venoso analisadas pelo teste convencional realizado em equipamento Coag-A-Mate. Foram avaliados os resultados do desempenho global das amostras e dos seguintes subgrupos: INR < 2,0, entre 2,0 a 3,5 e > 3,5. RESULTADOS: A comparação entre os valores de INR dos dois métodos resultou em um coeficiente de correlação (r) de 0,86. Entretanto, a análise das diferenças médias entre os resultados dos dois testes, considerando os três subgrupos, apresentou diferenças estatisticamente significativas (p < 0,001): 0,14 ± 0,21 (INR < 2,0); 0,54 ± 0,31 (2,0 < INR < 3,5) e 1,64 ± 1,10 (INR> 3,5). O cálculo do teste t-pareado de Student resultou em um p < 0,001 para os três subgrupos analisados. CONCLUSÃO: A adoção do teste rápido para monitoramento da anticoagulação oral apresenta restrições. Esse método subestimou a intensidade da anticoagulação nos três subgrupos estudados.

Varfarina; testes de coagulação sangüínea


OBJECTIVE: to compare the international normalized ratio (INR) measured by a point-of-care (POC) testing device with that measured by the conventional method in patients undergoing anticoagulation therapy with warfarin sodium. METHODS: The INR of 383 warfarin-treated patients (mean age: 56.5 years; 207 female) was measured in capillary blood using the Hemochron Jr. device and compared with that of venous plasma samples determined by the conventional method performed in a Coag-A-Mate analyzer. Results were evaluated globally and for the following subgroups: INR < 2.0, from 2.0 to 3.5, and > 3.5. RESULTS: Using both methods, the comparison between INR values yielded a correlation coefficient (r) of 0.86. However, mean differences in INR in both tests, considering the three subgroups, proved to be statistically significant (p <0.001): 0.14 ± 0.21 (INR< 2.0); 0.54 ± 0.31 (2.0 < INR < 3.5), and 1.64 ± 1.10 (INR> 3.5). Paired Student’s t-test analysis revealed a p value < 0.001 for the three subgroups studied. CONCLUSION: The use of point-of-care testing for monitoring oral anticoagulation has some limitations. Anticoagulation intensity was underestimated by this method in the three subgroups studied.

Warfarin; blood coagulation tests


ARTIGO ORIGINAL

Comparação entre os resultados do índice de normalização internacional medidos em dispositivo portátil (Hemochron Jr.) e por metodologia convencional

Luciana Pereira Almeida De Piano; Célia Maria Cássaro Strunz; Antonio de Pádua Mansur; Roberto Abi Rached

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Célia Maria Cássaro Strunz Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo, SP E-mail: labcelia@incor.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar os resultados do Índice de Normalização Internacional (INR) obtidos pelo teste rápido com os do método convencional nos pacientes em terapia de anticoagulação oral com varfarina sódica.

MÉTODOS: Para 383 pacientes tratados com varfarina (idade média: 56,5 anos; 207 mulheres), o INR foi determinado em sangue capilar pelo equipamento Hemochron Jr. e comparado com os resultados de amostras de plasma venoso analisadas pelo teste convencional realizado em equipamento Coag-A-Mate. Foram avaliados os resultados do desempenho global das amostras e dos seguintes subgrupos: INR < 2,0, entre 2,0 a 3,5 e > 3,5.

RESULTADOS: A comparação entre os valores de INR dos dois métodos resultou em um coeficiente de correlação (r) de 0,86. Entretanto, a análise das diferenças médias entre os resultados dos dois testes, considerando os três subgrupos, apresentou diferenças estatisticamente significativas (p < 0,001): 0,14 ± 0,21 (INR < 2,0); 0,54 ± 0,31 (2,0 < INR < 3,5) e 1,64 ± 1,10 (INR> 3,5). O cálculo do teste t-pareado de Student resultou em um p < 0,001 para os três subgrupos analisados.

CONCLUSÃO: A adoção do teste rápido para monitoramento da anticoagulação oral apresenta restrições. Esse método subestimou a intensidade da anticoagulação nos três subgrupos estudados.

Palavras-chave: Varfarina, testes de coagulação sangüínea/métodos.

Antagonistas da vitamina K, utilizados na terapia de anticoagulação oral, têm se mostrado bastante efetivos na prevenção e no tratamento de eventos tromboembólicos em circunstâncias clínicas diversas1-3.

Alguns pacientes necessitam tratamento com anticoagulante oral por um longo período, tais como pacientes com recorrência de tromboembolismo venoso, fibrilação atrial crônica, próteses valvares mecânica5, história familiar de trombofilia. O anticoagulante oral mais utilizado em nosso meio é a varfarina sódica. Esse medicamento tem como efeito biológico a inibição da produção de fatores de coagulação dependentes de vitamina K (fatores II, V, VII, IX e X)1,3.

A dose ideal para uma anticoagulação eficaz e segura deve ser individualizada. Os fenômenos hemorrágicos são as principais complicações dessa terapia4,5. Em razão disso, o tratamento e a prevenção da doença tromboembólica exigem um controle laboratorial periódico e a utilização de testes padronizados1,3. Atualmente, há um consenso de que o melhor exame para controle da anticoagulação oral é o índice de normalização internacional (INR) do tempo de protrombina.

O exame para determinação do INR pode ser realizado diariamente enquanto não se atinge o nível adequado de anticoagulação e posteriormente a intervalos periódicos1-3. Essa periodicidade, no entanto, ocasiona mudanças na rotina e qualidade de vida dos pacientes.

Com a finalidade de facilitar o controle da anticoagulação e diminuir o tempo de espera dos pacientes entre a coleta e obtenção dos resultados, foram desenvolvidos equipamentos que realizam a análise em amostras obtidas por punção digital e que permitem uma rápida dosagem do INR (teste rápido)6-9. Porém, se discute se os resultados obtidos por testes rápidos e convencionais são equivalentes.

Dessa forma, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia de um teste rápido, Hemochron Jr., para monitoramento da anticoagulação oral comparando-o ao método convencional.

Métodos

Casuística - Pacientes que compareceram ao Laboratório de Análises Clínicas do InCor para realizar o controle de anticoagulação oral e que utilizavam o medicamento (varfarina sódica) há pelo menos três meses foram convidados a participar do protocolo.

Foram selecionados 383 pacientes com idades de treze a 86 anos (56,5 ± 13,9), sendo 54,0% do sexo feminino, e distribuídos da seguinte forma: 36%, portadores de prótese valvar; 24%, com arritmia; 7%, após episódio de acidente vascular cerebral; 6%, com tromboembolismo venoso; 5%, de portadores de marcapasso e 22%, de outras causas.

Todos os pacientes no momento da coleta das amostras responderam a um questionário no qual constavam: nome, registro, idade, sexo, peso, diagnóstico principal, motivo da anticoagulação, dose semanal do anticoagulante, uso de outros medicamentos com as respectivas doses e presença de fenômenos hemorrágicos nos últimos dez dias.

Foram eliminados do estudo pacientes que apresentaram problemas na coleta de material biológico.

Determinação do TP pelo método convencional - As amostras de sangue venoso foram coletadas em tubos contendo uma solução de citrato de sódio a 3,8%. Amostras de plasma foram obtidas a partir de centrifugação a 2.500 rpm por dez minutos e então testadas utilizando-se o equipamento automatizado MTX Coag-A-Mate, Organon Teknika, Biomeurieux, (Marcy-L’Etoile, France), e kit específico, contendo uma solução de tromboplastina, extraída de cérebro de coelho, cujo ISI (Índice de Sensibilidade Internacional) era de 1,2.

Um pool de plasmas normais foi ensaiado diariamente a partir de amostras coletadas de indivíduos normais. Controles de qualidade externos (internacional e nacional) foram utilizados para garantir a confiabilidade dos testes.

Os resultados foram divididos em três grupos de acordo com o INR obtido:

• INR < 2,0 - pacientes insuficientemente anticoagulados.

• 2,0 < INR < 3,5 - pacientes adequadamente anticoagulados.

• INR>3,5 - pacientes excessivamente anticoagulados.

Determinação do TP pelo teste rápido - Amostras de sangue capilar foram obtidas por punção digital e uma gota de sangue foi aplicada ao dispositivo portátil Hemocron Jr. II, ITC, NJ, USA (fig. 1). A tromboplastina utilizada foi extraída de cérebro de coelho apresentando um ISI igual a 1,0.


O teste utiliza uma lâmina que contém tromboplastina liofilizada, estabilizadores e tampões. Para detecção do coágulo há uma série de detectores ópticos alinhados com o canal da lâmina teste. A velocidade com que a amostra de sangue passa entre os dois detectores é medida. Quando um coágulo começa a se formar, o fluxo sangüíneo é diminuído e o movimento fica mais lento. A detecção óptica eletrônica de um coágulo de fibrina na amostra de sangue encerra o teste automaticamente, fazendo que o temporizador do instrumento exiba o tempo de coagulação em segundos. Os resultados do TP, já corrigido para o valor no plasma e do INR são exibidos alternadamente.

A calibração era feita diariamente, como também o ensaio de controles internos comercializados pelo fabricante. Um curso de treinamento de operação do dispositivo foi dado aos profissionais do laboratório que realizaram as dosagens.

Estatística - Os valores de INR dos dois equipamentos foram analisados no grupo total e nos três subgrupos, < 2,0; entre 2,0 e 3,5, e > 3,5 pelo teste t-pareado de Student, por correlação de Pearson e pelo teste Bland-Altman, para avaliação das diferenças entre resultados. O valor de p< 0,05 foi considerado significante.

Resultados

Os 383 participantes do protocolo encontravam-se distribuídos da seguinte forma: 101 (26%) pacientes com INR< 2,0 (insuficientemente anticoagulados); 237 (62%) com INR entre 2,0 e 3,5 (adequadamente anticoagulados); e 45 (12%) com INR> 3,5 (excessivamente anticoagulados).

O coeficiente de correlação (r) obtido por meio da comparação do desempenho global entre os dois métodos foi de 0,86 (fig. 2). Quando dividimos os valores de INR nos subgrupos, os coeficientes caem para 0,65 (< 2,0), 0,72 (entre 2,0 e 3,5) e 0,55 (> 3,5).


A aplicação do teste de Bland Altman aos valores obtidos resultou em diferenças significativas, tanto para o grupo total como para os subgrupos. Além disso, observou-se que o aumento da média do INR foi acompanhado por um aumento significativo das diferenças de INR (tab. 1).

Pela análise da freqüência de distribuição dos valores medidos nas três categorias verificamos uma concordância de resultados entre as duas metodologias de apenas 66% (tab. 2), com uma alta porcentagem de pacientes adequadamente anticoagulados pelo método convencional, mas que se apresentavam insuficientemente anticoagulados pelo teste rápido.

No subgrupo com INR>3,5 foram ainda detectados, após utilização do teste rápido, dois resultados considerados aberrantes, por apresentarem mais do que 50% de desvio do valor real de INR: 7,2 e 9,4 pelo método convencional contra 3,4 e 2,4, respectivamente, pelo teste rápido.

O cálculo do teste t-pareado de Student resultou em diferenças significativas entre as duas metodologias para os três subgrupos analisados (p < 0,001).

Discussão

A demanda de pacientes em terapia de anticoagulação oral tem aumentado muito nos últimos anos, sobrecarregando os centros que realizam seu monitoramento.

Em razão desse fato, o uso de dispositivos de teste rápido tem sido adotado como uma forma de contornar a dificuldade de acesso dos pacientes a esses centros. O objetivo maior do uso desses testes é a melhoria na qualidade de vida do paciente pela maior flexibilidade de sua realização, maior freqüência e menor desconforto10.

Em diversos estudos realizados para validação de diferentes dispositivos portáteis os níveis de exatidão dos testes foram considerados aceitáveis clinicamente6-9. Entretanto, alguns autores relatam problemas na confiabilidade dos resultados desses dispositivos, apontando para necessidade de uma melhor calibração e o uso de controles de qualidade externos11-14.

No presente estudo, avaliamos o desempenho do equipamento Hemochron Jr. diante dos resultados obtidos pelo método convencional. Apesar da boa correlação observada para o desempenho global dos testes (r = 0,86), a aplicação dos testes t-pareado de Student e Bland Altman (tab. 1) resultou em diferenças significativas (p < 0,001) entre as duas metodologias.

Para um número significativo de pacientes com resultados situados na faixa terapêutica (tab. 2), os valores obtidos pelo teste rápido foram inferiores a 2,0 (24%). Esses resultados apresentam relevância clínica, uma vez que mais varfarina seria prescrita a esses pacientes, o que poderia resultar em tendência de sangramento. Além disso, também na faixa referente aos pacientes excessivamente anticoagulados, observamos que os valores obtidos com o teste rápido encontram-se subestimados. Nessa faixa detectamos, aliás, dois resultados considerados aberrantes, em que pacientes com alto risco de sangramento deixariam de ser tratados se os valores adotados fossem os do teste rápido.

O presente estudo foi executado por profissionais treinados de forma a diminuirmos os erros na fase pré-analítica. Assim, acreditamos que as diferenças observadas não devem ser totalmente relacionadas à coleta ou mesmo à manipulação inadequada da amostra no dispositivo. Uma das explicações possíveis diz respeito às diferenças de matriz dos dois métodos. Também a presença, nas amostras de sangue total, de proteínas plaquetárias com atividade moduladora da coagulação pode ter contribuído para os desvios observados.

Os dados apresentados neste trabalho apontam para a falta de exatidão do teste rápido, impondo, dessa forma, restrições ao seu uso no monitoramento da terapia de anticoagulação oral.

Artigo recebido em 19/10/05; revisado recebido em 15/02/06; aceito em 24/02/06.

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  • Correspondência:

    Célia Maria Cássaro Strunz
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
    05403-000 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Jan 2007

    Histórico

    • Aceito
      24 Fev 2006
    • Revisado
      15 Fev 2006
    • Recebido
      19 Out 2005
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