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Reabilitação cardiovascular de portadores de cardiopatia isquêmica submetidos a tratamento clínico, angioplastia coronariana transluminal percutânea e revascularização cirúrgica do miocárdio

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a ocorrência de morte e infarto do miocárdio em portadores de obstruções coronarianas hemodinamicamente significativas, participantes de programa de reabilitação cardiovascular, considerados mais graves por: a) não terem sido submetidos a tratamento intervencionista; b) apresentarem sinais de isquemia miocárdica; e c) apresentarem doença obstrutiva multiarterial. MÉTODOS: Coorte retrospectiva de 381 pacientes, com cinecoronariografia evidenciando obstruções hemodinamicamente significativas, o que, pelo viés anatômico, justificaria tratamento intervencionista. Os pacientes foram categorizados pela presença ou ausência de tratamento intervencionista, presença ou ausência de isquemia no teste ergométrico, e número de obstruções coronarianas críticas. A análise estatística foi feita pelos métodos de Kaplan-Meier e regressão logística. RESULTADOS: A probabilidade de sobrevida não diferiu quando foram comparados os pacientes submetidos a tratamento clínico com os submetidos a tratamento intervencionista prévio (odds ratio [OR] = 0,813; intervalo de confiança [IC] 95% = 0,366-1,809), com evidência de isquemia e sem evidência de isquemia no teste de esforço (OR = 0,785; IC 95% = 0,366-1,684), e os com obstrução em uma artéria coronária em relação aos com obstruções em mais de uma artéria coronária (OR = 0,824; IC 95% = 0,377-1,798). CONCLUSÃO: Nesta coorte, não ocorreu evolução desfavorável nos subgrupos formados por pacientes mantidos em tratamento clínico, com evidência de isquemia miocárdica e com doença coronariana multiarterial.

Doenças cardiovasculares; cardiopatia isquêmica; angioplastia coronariana transluminal percutânea; revascularização miocárdica


OBJECTIVE: To evaluate the occurrence of death and myocardial infarction in subgroups of coronary artery disease patients with hemodynamically significant coronary stenoses undergoing treatment in a cardiovascular rehabilitation program and considered severely ill for: a) not having undergone intervention treatment; b) presenting signs of myocardial ischemia; c) presenting multivessel occlusive disease. METHODS: Retrospective cohort study of 381 patients presented previous coronary angiography showing hemodynamically significant coronary stenoses, for which, because of the anatomic bias, intervention treatment was indicated. The patients were categorized according to the presence or absence of intervention treatment; presence or absence of ischemia in the exercise test; and number of critical coronary stenoses. Statistical analysis was performed using the Kaplan-Meier and logistic regression methods. RESULTS: Survival probability was not different when patients undergoing medical treatment were compared to those undergoing previous intervention treatment (OR 0.813; 95% CI; 0.366-1.809); with and without evidence of ischemia in the exercise test (OR 0.785; 95% CI; 0.366-1.684); and with one-vessel coronary artery disease and with more-than-one-vessel coronary artery disease (OR 0.824, 95% CI; 0.377-1.798). CONCLUSION: In this cohort study, no unfavorable outcome was observed in the subgroups comprised of medically treated patients, with evidence of myocardial ischemia and with multivessel coronary artery disease.

Cardiovascular diseases; ischemic heart disease; angioplasty; transluminal percutaneous coronary; myocardial revascularization


ARTIGO ORIGINAL

Reabilitação cardiovascular de portadores de cardiopatia isquêmica submetidos a tratamento clínico, angioplastia coronariana transluminal percutânea e revascularização cirúrgica do miocárdio

Tales de Carvalho; Ana Luiza Hallal Curi; Dalton Francisco Andrade; Julio da Motta Singer; Magnus Benetti; Alfredo José Mansur

Universidade do Estado de Santa Catarina e Universidade de São Paulo – Florianópolis, SC - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Tales de Carvalho Rua Rubens de Arruda Ramos, 2354/201 88015-702 – Florianópolis, SC E-mail: tales@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a ocorrência de morte e infarto do miocárdio em portadores de obstruções coronarianas hemodinamicamente significativas, participantes de programa de reabilitação cardiovascular, considerados mais graves por: a) não terem sido submetidos a tratamento intervencionista; b) apresentarem sinais de isquemia miocárdica; e c) apresentarem doença obstrutiva multiarterial.

MÉTODOS: Coorte retrospectiva de 381 pacientes, com cinecoronariografia evidenciando obstruções hemodinamicamente significativas, o que, pelo viés anatômico, justificaria tratamento intervencionista. Os pacientes foram categorizados pela presença ou ausência de tratamento intervencionista, presença ou ausência de isquemia no teste ergométrico, e número de obstruções coronarianas críticas. A análise estatística foi feita pelos métodos de Kaplan-Meier e regressão logística.

RESULTADOS: A probabilidade de sobrevida não diferiu quando foram comparados os pacientes submetidos a tratamento clínico com os submetidos a tratamento intervencionista prévio (odds ratio [OR] = 0,813; intervalo de confiança [IC] 95% = 0,366-1,809), com evidência de isquemia e sem evidência de isquemia no teste de esforço (OR = 0,785; IC 95% = 0,366-1,684), e os com obstrução em uma artéria coronária em relação aos com obstruções em mais de uma artéria coronária (OR = 0,824; IC 95% = 0,377-1,798).

CONCLUSÃO: Nesta coorte, não ocorreu evolução desfavorável nos subgrupos formados por pacientes mantidos em tratamento clínico, com evidência de isquemia miocárdica e com doença coronariana multiarterial.

Palavras-chave: Doenças cardiovasculares/reabilitação, cardiopatia isquêmica, angioplastia coronariana transluminal percutânea, revascularização miocárdica.

A cardiopatia isquêmica é um dos principais problemas de saúde pública no Brasil1,2. Para seu tratamento, as modificações para estilo de vida mais saudável, incluindo dieta e atividade física regular, são estratégias importantes da orientação terapêutica3-5.

Programas estruturados de reabilitação cardíaca têm sido apresentados como uma modalidade terapêutica das mais interessantes em termos de custo-efetividade, bastante segura, cuja ausência de contra-indicações deve ser recomendada como parte do tratamento6-11. Entretanto, nem sempre programas de reabilitação cardíaca são disponíveis na medida da potencial demanda. Estimulados também por essa carência, iniciamos nossa experiência com programas de reabilitação cardíaca supervisionada em Florianópolis, Estado de Santa Catarina, no início da década de 1990.

Muitos pacientes ingressaram no programa após tratamento intervencionista, cirurgia de revascularização miocárdica ou angioplastia coronariana transluminal percutânea. Entretanto, entre os pacientes que procuraram o programa, por vezes apenas por iniciativa própria, com ou sem encaminhamento do médico assistente, de cujas orientações muitas vezes eles divergiam, havia portadores de obstruções coronarianas hemodinamicamente significativas, demonstradas à cineangiocoronariografia, que exibiam evidência de isquemia miocárdica no teste ergométrico e, apesar disso, optavam por tratamento exclusivamente clínico. Essa demanda, quando correspondia a pacientes clinicamente estáveis, era atendida de forma cautelosa, e com o passar do tempo nos proporcionou uma experiência clínica que deve ser avaliada.

Este estudo observacional teve por objetivo avaliar a ocorrência de desfechos fortes (morte e infarto do miocárdio) em subgrupos de coronariopatas portadores de obstruções coronarianas estáveis, hemodinamicamente significativas, submetidos a tratamento em programa de reabilitação cardiovascular, considerados mais graves por não terem sido submetidos a tratamento intervencionista, por apresentarem sinais de isquemia miocárdica, e por apresentarem doença obstrutiva multiarterial.

Métodos

Delineamento do estudo - População estudada: foi realizado estudo observacional, do tipo coorte retrospectiva, em 381 pacientes que consecutivamente iniciaram o programa de reabilitação entre janeiro de 1992 e dezembro de 2000, que tenham freqüentado pelo menos por três meses programa de reabilitação cardíaca supervisionada, perfazendo no mínimo 36 sessões nesse período, o que corresponde a uma freqüência semanal de três vezes, e que apresentavam, previamente ao ingresso no programa, cinecoronariografia evidenciando obstruções hemodinamicamente significativas, o que, pelo viés anatômico, justificava indicação de tratamento intervencionista. Em consonância com o que ficou estabelecido anteriormente neste texto, dos bancos de dados do Núcleo de Cardiologia e Medicina do Exercício da Universidade do Estado de Santa Catarina e da Clínica de Prevenção e Reabilitação Cardiosport, ambos funcionando na cidade de Florianópolis, no Estado de Santa Catarina, sob a mesma coordenação, utilizando o mesmo método de atendimento e recursos humanos de formação técnica e acadêmica semelhantes, foram selecionados inicialmente os prontuários de 390 pacientes. Destes, pela impossibilidade de atualização das informações (por perda de contato), foram excluídos 9 pacientes (2,6%), o que explica o total de 381 pacientes participantes do estudo. O programa do Núcleo de Cardiologia e Medicina do Exercício atende tanto pacientes do sistema público de saúde como pacientes do sistema de saúde complementar, ou seja, particulares e portadores de planos de saúde privados. A Clínica Cardiosport atende apenas pacientes particulares e portadores de planos de saúde privados.

Protocolo do programa de reabilitação - Ambos os programas destinam-se a atender indivíduos nas fases 2 e 3 do processo de reabilitação, tenham ou não sido atendidos na primeira fase de reabilitação cardíaca supervisionada, em ambiente hospitalar. A segunda fase, na qual as sessões de exercícios físicos são supervisionadas, foi iniciada imediatamente após a alta hospitalar ou alguns dias após um evento coronariano, durando até três meses. A terceira fase, também com sessões de exercícios físicos supervisionados mas com maior diversidade de atividades, durou até nove meses. Após cumprir a terceira fase, os pacientes foram orientados a permanecer regularmente ativos, em atividades não necessariamente supervisionadas, adequadas a sua disponibilidade e recursos. Nas fases 2 e 3, os pacientes exercitaram-se três a cinco vezes por semana, em sessões de 40 minutos (em média) de atividade física aeróbia, realizada por meio de caminhadas ou trotes ao ar livre ou atividades em cicloergômetros e esteiras ergométricas. Fazem parte do protocolo de atividades exercícios de alongamento e exercícios com pesos, chamados de exercícios resistidos, com 12 a 16 repetições em cada série. Todos os pacientes, à época de ingresso no programa de reabilitação cardíaca, foram submetidos a avaliação ergométrica, na vigência dos medicamentos de uso corrente. Considerando que no período em que os pacientes foram recrutados para o estudo ainda não utilizávamos rotineiramente o teste cardiopulmonar de esforço, também denominado ergoespirometria, foi aplicado teste ergométrico convencional, sendo usado o protocolo de Bruce original, exceto para os pacientes mais limitados, para os quais foi utilizado o protocolo de Bruce modificado12. Para facilitar as comparações de desempenho, já que foi considerado o tempo de duração do teste, no caso de ter sido aplicado o Bruce modificado foi considerado o tempo do teste a partir de estágio correspondente a 1,7 milha por hora e 10% de inclinação, que é o primeiro estágio do protocolo de Bruce original. A partir das freqüências cardíacas máximas, observadas no teste ergométrico, foi calculada a zona-alvo entre 60% e 80% da freqüência cardíaca máxima, para o exercício aeróbio. Para o controle da intensidade do exercício, além da freqüência cardíaca-alvo, foi utilizada a escala de percepção de esforço de Borg13, tendo sido os pacientes orientados a se exercitar com intensidade considerada leve ou moderada, correspondendo aos níveis 11 a 13 da escala, de modo que se mantivessem apenas discretamente ofegantes. O componente aeróbio das sessões de condicionamento físico foi complementado por atividades de aquecimento, alongamento e desaquecimento. Pelo menos duas vezes por semana eram realizados exercícios com pesos, em séries de exercícios com 12 a 16 repetições. Do programa de reabilitação cardíaca constaram, ainda, sessões para aprendizado de técnicas para melhor controle do estresse, palestras sobre hábitos saudáveis de vida, e atividades sociais, como festas de confraternização com jogos, danças de salão e excursões turísticas em grupo.

Critérios diagnósticos - a) A cardiopatia isquêmica foi diagnosticada de acordo com quadro clínico, evidência de isquemia miocárdica no teste ergométrico realizado na vigência de medicação de uso corrente, discinesias segmentares no ecocardiograma e lesões coronarianas demonstradas na cineangiocoronariografia. Todos os pacientes selecionados para o estudo, ao ingressar na reabilitação, já apresentavam, à cinecoronariografia, pelo menos uma obstrução hemodinamicamente significativa, decorrente de placa aterosclerótica. b) A condição clínica foi considerada estável quando permitia que o paciente permanecesse nas sessões de condicionamento físico suportando cargas crescentes ou as mesmas cargas estabelecidas inicialmente. Foram, também, considerados estáveis os pacientes que apresentavam manifestações isquêmicas diante de estímulos de mesma intensidade ou gradativamente maiores. Diante de modificações do quadro clínico, que causassem menor tolerância ao esforço, os pacientes eram afastados das atividades e encaminhados aos médicos assistentes. d) Diagnóstico de infarto do miocárdio foi feito com base no quadro clínico, nos dados eletrocardiográficos e laboratoriais, e também nas ventriculografias obtidas por ecocardiografia, estudo hemodinâmico e medicina nuclear, quando disponíveis.

Critérios de inclusão e exclusão - Foram incluídos no estudo todos os pacientes em condição clínica estável, que: a) freqüentaram programa de reabilitação cardíaca no mínimo por três meses, perfazendo 36 sessões supervisionadas (julgados aderentes à reabilitação); b) apresentavam obstruções estimadas qualitativamente como superiores a 70% em artérias coronárias à cineangiocoronariografia. Foram excluídos os coronariopatas que não se enquadravam nessas condições ou sobre os quais não houve possibilidade de atualizar as informações.

Amostra do estudo - Foram incluídos 381 portadores de cardiopatia isquêmica que preencheram os critérios de inclusão, que não apresentavam critérios de exclusão, e que ingressaram nos programas de reabilitação entre os anos de 1992 e 2000. A média de idade por ocasião do ingresso na reabilitação cardíaca foi de 56 anos, sendo 307 (80,6%) homens e 74 (19,4%) mulheres.

Características clínicas dos pacientes - Tratamento prévio à entrada no programa de reabilitação: neste estudo de coorte, os 381 pacientes estudados foram agrupados inicialmente conforme houvessem ou não sido submetidos a tratamento intervencionista, angioplastia coronariana transluminal percutânea ou cirurgia de revascularização miocárdica, previamente ao ingresso na reabilitação cardíaca. Foram, ainda, formados subgrupos de acordo com a presença de isquemia miocárdica na ocasião em que ingressaram na reabilitação cardíaca e o número de obstruções coronarianas críticas. Foram seguidos 263 (69,0%) indivíduos com tratamento intervencionista, sendo 210 (79,8%) do sexo masculino e 53 (20,2%) do sexo feminino, e 118 indivíduos (31,0%) com tratamento clínico exclusivo, sendo 97 (82,2%) do sexo masculino e 21 (17,8%) do sexo feminino. Por ocasião de ingresso no programa, a média de idade dos pacientes do grupo de tratamento intervencionista era de 55,8 anos (desvio padrão, 10,0), e do grupo de tratamento clínico exclusivo era de 56,5 anos (desvio padrão, 9,6). Os demais aspectos clínicos referentes aos sujeitos do estudo estão apresentados na tabela 1.

Tempo de seguimento - O tempo médio de seguimento dos indivíduos do grupo de tratamento intervencionista foi de 975,9 dias (desvio padrão, 795,0), e do grupo de tratamento clínico exclusivo foi de 1.074 dias (desvio padrão, 828,52).

Variáveis estudadas - Foram estudados: a) gênero, b) idade, c) índice de massa corporal (IMC), d) hipertensão arterial sistêmica, f) diabetes melito, g) infarto do miocárdio prévio, h) fração de ejeção de ventrículo esquerdo, i) tolerância ao esforço, j) perfil metabólico (colesterol total [CT], colesterol da lipoproteína de alta densidade [HDL-colesterol], relação CT/HDL-colesterol, colesterol da lipoproteína de baixa densidade [LDL-colesterol], trigliceridemia), k) tabagismo, e l) uso de medicamentos cardiovasculares. As variáveis foram analisadas também em relação à modalidade de tratamento prévio, clínico ou intervencionista (angioplastia coronariana transluminal percutânea ou revascularização cirúrgica do miocárdio).

Desfechos - Foram considerados desfechos o infarto do miocárdio e o óbito. A causa de morte foi verificada no atestado de óbito, em prontuário de hospital e/ou em entrevista com cônjuges ou parentes próximos. Quando ocorreu infarto seguido de morte, com intervalo de poucas horas, o infarto e a morte foram considerados como partes do mesmo evento.

Análise estatística - Preliminarmente foi realizada uma análise descritiva, sendo utilizadas médias e desvios padrão para as variáveis quantitativas e proporções para as variáveis qualitativas. Para avaliar a associação entre as variáveis qualitativas de interesse foi utilizado o teste do qui quadrado de Pearson. As chances de desfecho do grupo clínico foram comparadas com as chances de desfecho do grupo intervencionista por intermédio de regressão logística, tendo como variáveis de controle sexo e idade e cada uma das outras variáveis consideradas individualmente: fração de ejeção de ventrículo esquerdo; tolerância ao esforço; CT, HDL-colesterol, relação CT/HDL-colesterol, LDL-colesterol; trigliceridemia, tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, infarto do miocárdio prévio, IMC e uso de medicamentos cardiovasculares.

Foram considerados significativos resultados com p < 0,05.

Aspectos éticos - O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética Institucional.

Resultados

Características clínicas dos pacientes - Em relação às variáveis, apresentadas na tabela 1, foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos com ou sem tratamento intervencionista prévio apenas no que se refere ao número de obstruções coronarianas, à isquemia miocárdica e ao uso de betabloqueadores. A doença uniarterial foi mais prevalente no grupo de tratamento clínico exclusivo (p = 0,019) e a doença triarterial e/ou de tronco de coronária esquerda, no grupo de tratamento intervencionista (p = 0,001). A isquemia miocárdica foi mais prevalente no grupo de tratamento clínico exclusivo (p = 0,002). Betabloqueador foi usado com maior freqüência no grupo de tratamento clínico exclusivo (p = 0,025). Em relação às demais variáveis estudadas, não foi observada diferença significativa.

Desfechos - Ocorreram 20 casos de infarto agudo do miocárdio (IAM) e 17 casos de morte, sendo 14 destes relacionados à cardiopatia isquêmica. As três mortes de causa não-cardíaca não foram consideradas desfecho do estudo. A incidência total desses eventos coronarianos maiores foi de 34 casos, com incidência de 9,6% no grupo de tratamento intervencionista e de 7,7% no grupo de tratamento clínico exclusivo (risco relativo [RR] = 1,25; intervalo de confiança [IC] 95% = 0,60-2,58). Para um único indivíduo, dentre 33 acometidos por evento coronariano maior, foram contabilizados dois desfechos principais, pois ocorreu IAM não-fatal e morte de origem cardíaca, com intervalo de um ano entre os dois eventos.

Comparadas as chances de desfechos, IAM ou óbito por causa cardíaca, por intermédio de regressão logística controlando para sexo e idade e cada uma das outras variáveis consideradas individualmente (IMC, tabagismo, fração de ejeção de ventrículo esquerdo, tolerância ao esforço, CT, HDL-colesterol, CT/HDL-colesterol, LDL-colesterol, trigliceridemia, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, IAM prévio e uso de medicamentos cardiovasculares), não se verificou diferença estatisticamente significativa na comparação dos grupos formados inicialmente de acordo com eventual tratamento intervencionista prévio e conforme a presença de isquemia e o número de coronárias obstruídas: a) indivíduos submetidos a tratamento exclusivamente clínico vs. indivíduos submetidos a tratamento intervencionista (odds ratio [OR] = 0,813; IC 95% = 0,366-1,809); b) pacientes sem evidência de isquemia miocárdica vs. pacientes com isquemia (OR = 0,785; IC 95% = 0,366-1,684); c) pacientes com uma artéria coronária criticamente comprometida vs. pacientes com duas ou mais artérias coronárias criticamente comprometidas (OR = 0,824; IC 95% = 0,377-1,798). A curva de sobrevivência estimada pelo método de Kaplan-Meier para os grupos de tratamento clínico exclusivo e angioplastia coronariana transluminal percutânea e/ou cirurgia de revascularização miocárdica não evidenciou diferenças significativas (fig. 1).


Discussão

Deve ser destacada a ausência de diferença significativa em relação à incidência de IAM e morte de causa cardíaca entre os grupos comparados conforme o tratamento prévio: clínico exclusivo vs. tratamento intervencionista (OR = 0,813; IC 95% = 0,366-1,809). Trata-se de algo compreensível diante dos resultados do tratamento clínico exclusivo, evidenciado em vários estudos14-18.

A inexistência de relação entre os eventos coronarianos maiores e o número de artérias com obstrução, demonstrada na comparação do grupo composto por pacientes com obstrução em uma artéria vs. o grupo composto por pacientes com obstrução em mais de uma artéria (OR = 0,824; IC 95% = 0,377-1,798), corrobora os resultados de outros estudos que demonstram inexistir relação positiva entre a ocorrência desses eventos com o maior grau de obstrução e o número de artérias coronárias comprometidas19-21. Admite-se que a fissura, com ruptura da placa aterosclerótica e trombose, responsável pela maioria dos eventos coronarianos ocorre mais freqüentemente em obstruções pequenas a moderadas22,23. Tem sido verificada a existência de maior número de coronárias com obstruções em pacientes com angina estável que em pacientes com angina instável ou infarto do miocárdio, demonstrando um mecanismo de adaptação natural de proteção do organismo humano, que poderia ser otimizado pelo tratamento clínico pleno, no qual há utilização dos recursos da reabilitação, em especial o exercício físico24,25. Além da opção dos pacientes em não se submeterem ao tratamento intervencionista, contando ou não com a concordância do médico assistente, já que muitas vezes o paciente recusava o tratamento intervencionista proposto, os resultados dos estudos já referidos19-25 permitiram que mantivéssemos nos programa de reabilitação esses pacientes com obstruções coronarianas crônicas hemodinamicamente significativas, passíveis de tratamento intervencionista segundo o ponto de vista anatômico.

Vale ressaltar, ainda, que a normalização do perfil lipoprotéico plasmático, dentre outros benefícios da terapêutica clínica plena, contribui para estabilizar as placas ateroscleróticas, tanto pequenas como grandes, reduzindo consideravelmente a possibilidade de eventos coronarianos agudos26,27. São, portanto, vários os mecanismos a serem considerados para a modificação do prognóstico de cardiopatas isquêmicos, inclusive os decorrentes da prática de exercícios físicos3,7,8, e outras medidas não-farmacológicas4-8. Deve ser considerada até mesmo a hipótese de regressão no processo de aterosclerose coronariana como mecanismo fisiopatológico, reiterando a oportunidade do tratamento que também inclua a reabilitação cardíaca5,7,26,27.

A maior prevalência de isquemia miocárdica no grupo composto por pacientes submetidos a tratamento clínico exclusivo, quando comparado ao grupo composto por pacientes submetidos a tratamento intervencionista (48,3% vs. 34,2%; IC 95% p= 0,002), não ocasionou piores resultados. A inexistência de relação positiva da isquemia com os desfechos (OR = 0,785; IC 95% = 0,366-1,684) fez com que ela não fosse considerada, neste estudo, fator preditivo para eventos coronarianos maiores, o que pode ser interpretado pela hipótese do precondicionamento isquêmico, segundo a qual episódios isquêmicos prévios preparariam o miocárdio para evitar ou suportar melhor subseqüentes episódios, inclusive um evento coronariano agudo de maior porte, como infarto do miocárdio. Uma das possíveis conseqüências da revascularização intervencionista eletiva seria a supressão da isquemia, conseqüente desaparecimento dos mecanismos de proteção, como o precondicionamento isquêmico e a circulação colateral, seguida de reestenose, que comprometeria um miocárdio, agora, sem proteção28-30.

Assim, a falta de relação entre o número de lesões coronarianas críticas e a isquemia miocárdica com os eventos coronarianos maiores, IAM e morte, constatada neste estudo, a exemplo do que já havia sido observado em outros estudos19-21,28-31, e a baixa ocorrência de complicações em programas de reabilitação cardíaca11 são alguns dos aspectos que conferem margem de segurança aceitável à proposta de tratamento clínico que incorpore o processo de condicionamento físico.

Nosso estudo apresenta limitações, inerentes a uma coorte retrospectiva. Dentre essas limitações, podemos citar o fato de não existir um grupo controle, composto por pacientes não submetidos a tratamento em programa de reabilitação cardiovascular, e de a divisão entre os grupos não ter sido aleatória. Entretanto, mesmo sem seleção aleatória os grupos formados apresentavam características não muito díspares, considerando-se a maioria das variáveis estudadas. Tampouco foi avaliada a relação custo-efetividade dos dois tipos de tratamento, o clínico exclusivo e o intervencionista acrescido do tratamento clínico, algo que seria relevante na comparação dos diferentes grupos de tratamento. Essa falta pode ser considerada outra limitação do estudo, embora isso só seria possível em caso de estudo controlado, com pacientes aleatoriamente selecionados para os diferentes tratamentos8-10,18. Por outro lado, ressaltemos que o estudo foi realizado com dados obtidos a partir da prática clínica, que foi pioneira no momento no qual se iniciou, permitindo discussão que reflete o mundo real, diferente das condições de protocolo, desenvolvidos com grupos muito homogêneos de pacientes, em decorrência dos critérios rigorosos de seleção.

Conclusão

Nesta coorte de coronariopatas, considerando como desfecho a morte de causa cardiovascular e o IAM, não ocorreu evolução desfavorável nos subgrupos formados por pacientes mantidos em tratamento clínico, com evidência de isquemia miocárdica e com doença coronariana multiarterial, submetidos a tratamento em programa de reabilitação cardiovascular supervisionada.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 01/06/04; revisado recebido em 16/08/06; aceito em 20/10/06.

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Jan 2007

    Histórico

    • Aceito
      20 Out 2006
    • Recebido
      01 Jun 2004
    • Revisado
      16 Ago 2006
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