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Homocistéina e metilenotetrahidrofolato redutase em indivíduos submetidos à angiografia coronariana

Resumos

OBJETIVO: Determinar os níveis plasmáticos de homocisteína e a incidência do polimorfismo C677T no gene da enzima metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR) em um grupo de indivíduos submetidos a angiografia coronariana, buscando estabelecer a possível correlação entre esses parâmetros e a gravidade da doença arterial coronariana (DAC), bem como investigar a correlação entre hiper-homocisteinemia e a presença do polimorfismo. MÉTODOS: Vinte indivíduos com ausência de ateromatose nas coronárias (controles), quatorze indivíduos apresentando ateromatose leve/moderada e vinte e nove indivíduos apresentando ateromatose grave foram avaliados. RESULTADOS: Para o parâmetro homocisteína foram observadas diferenças significativas entre as médias dos grupos controle e ateromatose grave (p < 0,001). Entre os demais grupos não foram observadas diferenças significativas. O grupo ateromatose grave apresentou uma freqüência de 62,0% e 6,9% para o polimorfismo C677T no gene da enzima MTHFR, em heterozigose e homozigose, respectivamente. Entretanto, não foi observada correlação entre a presença da mutação e hiper-homocisteinemia. Foi observada uma correlação positiva da ordem de 41,91% (p < 0,001) entre hiper-homocisteinemia e a presença de DAC. CONCLUSÃO: O achado mais importante deste estudo foi a associação entre hiper-homocisteinemia e a presença de estenose coronariana superior a 70%; entretanto, permanece a dúvida se o aumento da concentração plasmática de homocisteína constitui um fator determinante para o agravamento da lesão aterosclerótica nas coronárias ou se o mesmo é uma conseqüência desta lesão.

Homocisteína; metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR); angiografia coronariana


OBJECTIVE: To determine plasma homocysteine levels and the incidence of methylenetetrahydrofolate reductase (MTHFR) gene C677T polymorphism in a group of subjects who underwent coronary angiography, in an attempt to establish a correlation between these parameters and the severity of coronary artery disease (CAD), as well as investigate the correlation between hyperhomocysteinemia and the presence of polymorphism. METHODS: Twenty subjects with no coronary atheromatosis (controls), fourteen subjects with mild/moderate atheromatosis, and twenty-nine subjects with severe atheromatosis were evaluated. RESULTS: Significant differences were observed in mean homocysteine levels between the control and the severe atheromatosis groups (p < 0.001). No significant differences were observed among the other groups. The severe atheromatosis group showed rates of 62.0% and 6.9% for the C677T MTHFR gene polymorphism, in heterozygous and homozygous subjects, respectively. However, there was no correlation between the presence of mutation and hyperhomocysteinemia. A positive correlation of 41.91% (p < 0.001) was found between hyperhomocysteinemia and CAD. CONCLUSION: The most important finding of this study was the association between hyperhomocysteinemia and coronary stenosis > 70%; yet, whether elevated plasma homocysteine worsens atherosclerosis or is a consequence remains to be established.

Homocysteine; methylenetetrahydrofolate reductase (MTHFR); coronary angiography


ARTIGO ORIGINAL

Homocistéina e metilenotetrahidrofolato redutase em indivíduos submetidos à angiografia coronariana

Luciana Moreira Lima; Maria das Graças Carvalho; Ana Paulo Fernandes; Adriano de Paula Sabino; Andréia Assis Loures-Vale; Cirilo Pereira da Fonseca Neto; José Carlos Faria Garcia; Jamil Abdala Saad; Marinez Oliveira Sousa

Universidade Federal de Minas Gerais, Hospital Socor, Belo Horizonte, Minas Gerais - Belo Horizonte, MG

Correspondência Correspondência: Marinez Oliveira Sousa UFMG – Faculdade de Farmácia Av. Antônio Carlos, 6627 31270-901 Belo Horizonte, MG E-mail: marinez@farmacia.ufmg.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar os níveis plasmáticos de homocisteína e a incidência do polimorfismo C677T no gene da enzima metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR) em um grupo de indivíduos submetidos a angiografia coronariana, buscando estabelecer a possível correlação entre esses parâmetros e a gravidade da doença arterial coronariana (DAC), bem como investigar a correlação entre hiper-homocisteinemia e a presença do polimorfismo.

MÉTODOS: Vinte indivíduos com ausência de ateromatose nas coronárias (controles), quatorze indivíduos apresentando ateromatose leve/moderada e vinte e nove indivíduos apresentando ateromatose grave foram avaliados.

RESULTADOS: Para o parâmetro homocisteína foram observadas diferenças significativas entre as médias dos grupos controle e ateromatose grave (p < 0,001). Entre os demais grupos não foram observadas diferenças significativas. O grupo ateromatose grave apresentou uma freqüência de 62,0% e 6,9% para o polimorfismo C677T no gene da enzima MTHFR, em heterozigose e homozigose, respectivamente. Entretanto, não foi observada correlação entre a presença da mutação e hiper-homocisteinemia. Foi observada uma correlação positiva da ordem de 41,91% (p < 0,001) entre hiper-homocisteinemia e a presença de DAC.

CONCLUSÃO: O achado mais importante deste estudo foi a associação entre hiper-homocisteinemia e a presença de estenose coronariana superior a 70%; entretanto, permanece a dúvida se o aumento da concentração plasmática de homocisteína constitui um fator determinante para o agravamento da lesão aterosclerótica nas coronárias ou se o mesmo é uma conseqüência desta lesão.

Palavras-chave: Homocisteína, metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR), angiografia coronariana.

Introdução

A homocisteína, um aminoácido proveniente do metabolismo da metionina, atualmente tem sido considerado um fator de risco independente para o desenvolvimento de aterosclerose. Estudos demonstram ainda que níveis elevados de homocisteína possuem ação tóxica ao endotélio vascular1. A elevação da homocisteína no sangue possui causas multifatoriais, entre estas a ingestão elevada de metionina, redução do metabolismo, alterações genéticas ou deficiência de enzimas (cistationina b sintase ou metilenotetrahidrofolato redutase – MTHFR) ou de vitaminas (B12, B6 e ácido fólico) importantes no processo de metabolismo da homocisteína. Esses fatores podem promover o acúmulo da homocisteína e, conseqüentemente, a injúria do endotélio vascular2, desencadeando o processo de instalação das lesões ateroscleróticas. A MTHFR é uma enzima envolvida na via de transmetilação, na qual a homocisteína é convertida em metionina. A mutação C677T no gene da MTHFR gera uma variante termolábil que pode interferir nas atividades enzimáticas das vias metabólicas da homocisteína e predispõe à hiper-homocisteinemia1,3. Indivíduos homozigotos para a mutação C677T do gene da MTHFR podem apresentar níveis plasmáticos de homocisteína duas vezes mais aumentados quando comparados com indivíduos não portadores4.

Alguns estudos5-7 demonstraram associação entre hiper-homocisteinemia e doença vascular periférica, doença cerebrovascular e DAC, constatando que a concentração deste aminoácido era significativamente mais elevada que a encontrada em indivíduos hígidos. Deste modo, a hiper-homocisteinemia passou a ser considerada fator de risco para as condições clínicas citadas. Investigações sobre diferentes fatores, como tabagismo8, perfil lipídico9, idade avançada10, hipertensão arterial10, diabetes mellitus11 e obesidade12, além da homocisteína, revelaram que a sua concentração plasmática pode ser considerada fator de risco independente para a doença aterosclerótica. Deve ser ressaltado que os valores da homocisteinemia parecem ter também grande importância como preditores de mortalidade em pacientes com DAC, além de mostrar relação com a intensidade do processo aterosclerótico13-15.

Diante do contexto exposto acima, o presente estudo teve como objetivo investigar a existência de associação entre hiper-homocisteinemia e a presença do polimorfismo C667T no gene que codifica a enzima MTHFR, bem como estabelecer os níveis plasmáticos de homocisteína em pacientes com diagnóstico de DAC estabelecido por angiografia e comparando-os com indivíduos angiograficamente normais, buscando correlacionar as possíveis alterações com a gravidade da lesão.

Métodos

Foram avaliados 63 indivíduos, com faixa etária de 46 a 68 anos, de ambos os sexos, selecionados em um período de três meses no Departamento de Hemodinâmica do Hospital Socor de Belo Horizonte, em Minas Gerais, após realização de angiografia coronariana. Os participantes deste estudo foram selecionados buscando uma homogeneidade em relação às variáveis sexo, idade, nível socioeconômico e Índice de Massa Corporal (IMC). Com base nos resultados da angiografia coronariana, os indivíduos foram divididos em três grupos: controle (n = 20), ateromatose leve/moderada (n = 14) e ateromatose grave (n = 29). O protocolo de estudo recebeu parecer favorável sob o ponto de vista ético e formal do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Socor e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.

Aos indivíduos selecionados foi feito o esclarecimento dos objetivos da pesquisa, e aqueles que estiveram de acordo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. Uma ficha clínica de cada indivíduo com identificação, dados demográficos, história familiar e resultado da angiografia coronariana foi preenchida pelos cardiologistas do Departamento de Hemodinâmica.

Foram excluídos do estudo indivíduos portadores de doenças intercorrentes como distúrbios da coagulação, doenças renais, hepáticas, auto-imunes e câncer.

A presença das variáveis tabagismo, sedentarismo e história familiar para DAC foi constatada com base nas recomendações das III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Prevenção de Aterosclerose16. Foram considerados diabéticos indivíduos com diagnóstico clínico prévio de Diabetes Mellitus, com glicemia de jejum igual ou superior a 126 mg/dL17. Foram classificados como hipertensos indivíduos com pressão sangüínea igual ou superior a 140 mmHg para a pressão arterial sistólica ou 90 mmHg para a pressão arterial diastólica, ou que estivessem fazendo uso de medicação anti-hipertensiva18.

As amostras de sangue venoso foram obtidas com o paciente em jejum de 12 horas. Os mesmos foram orientados a não praticarem atividade física vigorosa e evitar a ingestão de etanol, nas 24 e 72 horas, respectivamente, que antecederam a coleta de sangue, na tentativa de obter amostras biológicas de pacientes em estado metabólico de equilíbrio. Foram coletados 10 ml de sangue venoso (5 ml sem anticoagulante e 5 ml em EDTA), em tubos do Sistema Vacutainer® (Becton-Dickinson). As amostras obtidas sem anticoagulante foram rapidamente centrifugadas a 2500 rpm por 10 minutos para separação do soro, que foi aliquotado e estocado a –70ºC, até o momento da dosagem de homocisteína. Foi extraído o DNA das amostras obtidas com EDTA, que permaneceu armazenado a -20°C até a realização da análise genética.

A determinação quantitativa da homocisteína foi realizada no soro utilizando-se o conjunto diagnóstico Axsym® Homocisteína (Abbott® Laboratories - Alemanha), cujo princípio analítico é o imunoensaio de fluorescência polarizada, seguindo as instruções fornecidas pelo fabricante. O ensaio foi realizado no equipamento Axsym® (Abbott® Laboratories – Alemanha), utilizando-se três soros-controle comerciais para verificar o desempenho do ensaio. A presença da mutação C677T na enzima MTHFR foi investigada por PCR-RFLP usando-se oligonucleotídeos e endonucleases de restrição previamente descritos3. As reações de PCR foram realizadas no termociclador PT100 PCR thermocycler (MJ Research, Waltham, USA), usando-se 1 pMol de cada primer (Invitrogen®, São Paulo, SP), 0,2 mM de dNTPs (GIBCO BRL®, São Paulo, SP), e 1 unidade de Taq polimerase (Phoneutria® – Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil). As reações de PCR foram submetidas a 40 ciclos, consistindo de 1 minuto a 94ºC para desnaturação, 1 minuto a 64ºC (C677T) para anelamento dos primers e 2 minutos a 72ºC para a extensão dos mesmos. Os produtos de PCR foram submetidos à digestão com endonuclease de restrição (Hinf I – Promega, Inc.) por 4 horas a 37°C. Amostras de DNA de indivíduos previamente tipados foram incluídos para controle da atividade enzimática. As amostras foram submetidas à eletroforese em gel de poliacrilamida, seguida de coloração pela prata.

A angiografia coronariana foi realizada por técnica percutânea, via femoral, tendo sido os filmes examinados por três cardiologistas experientes e os laudos apresentados conforme critérios definidos pela redução dos diâmetros intraluminais da luz das artérias: até 30% de estenose foi classificada como ateromatose leve; de 30 a 69% de estenose foi classificada como ateromatose moderada e acima de 70% de estenose foi classificada como ateromatose grave.

Para os valores de homocisteína, a análise estatística foi realizada utilizando-se análise de variância (ANOVA) seguida de teste de Tukey, após transformação logarítmica dos dados. As variáveis categóricas (fatores de risco e mutação C677T) foram analisadas pelo teste exato de Fisher. Foi utilizado o teste de Spearman para analisar a correlação entre a presença da mutação (variável categórica) e os níveis plasmáticos de homocisteína (variável contínua). A correlação entre a presença de DAC (variável categórica) e a homocisteinemia (variável contínua) também foi analisada pelo teste de Spearman. O tamanho mínimo da amostra foi definido usando-se o coeficiente de variação descrito previamente na literatura19, considerando dez por cento de variação em torno da média, chegando a um número mínimo de onze indivíduos em cada grupo para que fossem demonstradas as possíveis diferenças estatísticas com um nível de significância de 5%. Os programas Sigma Stat versão 1.0 e Prism versão 3.0 foram utilizados para realizar as análises e plotar o gráfico, respectivamente.

Resultados

A tabela 1 apresenta a caracterização dos grupos, com relação ao sexo, idade e IMC, bem como os fatores de risco associados à DAC, e mostra o número de indivíduos e porcentagem da presença de determinada variável. Não houve diferença estatisticamente significativa para as variáveis tabagismo, hipertensão arterial, sedentarismo, história familiar e Diabetes Mellitus entre os três grupos. Os participantes não apresentaram sobrepeso ou obesidade, sugerindo a ausência do componente metabólico nestes indivíduos.

Os resultados da dosagem de homocisteína também são apresentados na tabela 1, como médias e respectivos desvios-padrão. Foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos controle e ateromatose grave (p < 0,001). Entre os demais grupos não foram observadas diferenças significativas nos níveis plasmáticos de homocisteína. A figura 1 apresenta a distribuição dos valores de homocisteína nos grupos estudados.


A incidência da mutação C677T na enzima MTHFR nos grupos controle, ateromatose leve/moderada e ateromatose grave é apresentada na tabela 2, considerando a presença da mutação em homozigoze ou heterozigose e a ausência da mesma. Não houve diferença estatística significativa entre os grupos para a mutação em heterozigose ou homozigose.

Foi observada correlação positiva entre níveis elevados de homocisteína e a presença de DAC (r = 0,4191, p < 0,001). Entre os demais parâmetros não foram observadas correlações.

Discussão

Este estudo de coorte transversal avaliou uma população de risco intermediário a elevado, já que todos os indivíduos selecionados foram encaminhados à cateterismo para avaliação de dor torácica e apresentaram perfil demográfico e fatores de risco para DAC conforme mostrado na tabela 1. Os três grupos avaliados apresentaram homogeneidade em relação à idade, sexo e IMC. Não foram observadas diferenças significativas entre as variáveis clínicas tabagismo, hipertensão arterial, história familiar, sedentarismo e Diabetes Mellitus (tab. 1) na população estudada. Justifica-se tal fato pela própria estrutura do modelo de estudo aqui utilizado, no qual, embora os participantes do grupo controle apresentassem ausência de ateromatose coronariana, os mesmos apresentaram vários fatores de risco para DAC (tab.1).

Vários estudos importantes foram publicados correlacionando níveis plasmáticos de homocisteína e DAC. Alguns demonstraram uma associação entre hiper-homocisteinemia e a incidência de DAC, enquanto outros relataram ausência de associação entre os dois parâmetros20. Algumas razões podem explicar os resultados controversos das pesquisas envolvendo a concentração de homocisteína e DAC: os fatores que afetam os níveis plasmáticos deste aminoácido são diferentes em cada população. Fatores como hábitos nutricionais, fatores genéticos, estilo de vida e raça podem afetar a concentração da homocisteína circulante6. Na população brasileira, que apresenta uma heterogeneidade de etnias21, os resultados das pesquisas envolvendo níveis plasmáticos de homocisteína e DAC são igualmente controversos. Torna-se oportuno ressaltar que a maioria dos autores considera a hiper-homocisteinemia um fator de risco independente para DAC22. A análise da tabela 1 permite observar que os níveis plasmáticos de homocisteína foram significativamente mais altos em pacientes com ateromatose grave em relação ao grupo controle (p < 0,001). No entanto, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos controle e ateromatose leve/moderada, bem como entre os grupos ateromatose leve/moderada e ateromatose grave.

Folson e cols.14 sugeriram que níveis elevados de homocisteína poderiam ser uma conseqüência da DAC e não apenas a causa da doença. Esses autores também sugeriram que a hiper-homocisteinemia poderia prever mau prognóstico, refletindo a gravidade da DAC. Entretanto, a hipótese do aumento da concentração plasmática de homocisteína em conseqüência da lesão aterosclerótica não foi aceita por Boston & Selhub23, por não ser a mesma apoiada pela evidência epidemiológica de vários estudos. Os achados do presente estudo sinalizam que a hiper-homocisteinemia, se não apresenta contribuição para a gravidade da DAC nos indivíduos avaliados, no mínimo, está implicada no processo aterosclerótico. Porém, a dúvida persiste, ou seja, se o aumento da homocisteína é fator agravante para a doença ou se manifesta com o desenvolvimento do processo aterosclerótico. Estudos prospectivos com acompanhamento, envolvendo um grande número de indivíduos já apresentando hiper-homocisteinemia, porém ainda sem coronariopatia, são essenciais para esclarecer, com fidedignidade, a relação entre hiper-homocisteinemia e DAC.

O método utilizado no presente trabalho para a dosagem de homocisteína preconiza um valor de referência para esse parâmetro de 2 a 20 µmol/L. Outro ponto de controvérsia entre os autores são os valores de referência da concentração plasmática de homocisteína para a população em geral. Alguns autores consideram a concentração "normal" de homocisteína plasmática entre 5 e 15 µmol/L24-27, enquanto outros admitem que o valor médio na população em geral para a concentração de homocisteína está em torno de 9 a 10 µmol/L28,29. Boushey e cols.4 concluíram, em estudo de metanálise envolvendo 27 trabalhos e mais de quatro mil pacientes, que quando os valores de homocisteína são maiores que 10 µmol/L, cada 5 µmol/L acrescidos aos valores de homocisteína circulante estão associados a 80% de risco para DAC em mulheres e 60% em homens. Atualmente, valores iguais ou maiores que 10 µmol/L são considerados hiper-homocisteinemia e estão relacionados com risco aumentado de DAC30. Neste estudo, 72% dos pacientes com ateromatose grave apresentaram valores plasmáticos de homocisteína na faixa de referência do método utilizado. Observação semelhante foi feita por Gravina-Taddei e cols.31 analisando idosos com e sem doença coronária usando método semelhante ao deste trabalho.

Entre os 63 indivíduos que compuseram os grupos controle, ateromatose leve/moderada e ateromatose grave, a presença da mutação C677T no gene da enzima MTHFR em homozigose foi observada apenas em quatro indivíduos (tab. 2), resultando numa incidência de 6,3%. Considerando todos os indivíduos avaliados no estudo (n = 63), a freqüência observada para a mutação em heterozigose foi de 44,4%, totalizando 28 indivíduos (tab. 2). De acordo com Arruda e cols.32 a prevalência dessa mutação em caucasianos brasileiros está em torno de 10,3% e 54,2% em homozigose e heterozigose, respectivamente. No entanto, os indivíduos avaliados neste trabalho (n = 63) apresentaram 28,1% de caucasianos, 22,8% de negros e 49,1% de mestiços (mulato, pardo ou outros mestiços), não apresentando diferenças estatisticamente significativas entre os três grupos para as diferentes etnias.

A mutação C677T no gene da enzima MTHFR foi mais freqüente em indivíduos com ateromatose grave (62,0%), entretanto, não foi demonstrada diferença significativa entre o grupo ateromatose grave e os demais grupos estudados. Uma possível explicação para este achado seria o fato de que multifatores estão relacionados com o aumento dos níveis de homocisteína e, considerando que o número de participantes avaliados no presente estudo foi insuficiente para qualquer conclusão nesse sentido, seria necessário um estudo epidemiológico e multicêntrico. Pisciotta e cols.33 demonstraram resultados semelhantes avaliando indivíduos com hipercolesterolemia e DAC, com uma maior prevalência da mutação em pacientes com DAC, porém sem diferença significativa em relação aos indivíduos não acometidos pela doença.

A correlação positiva observada entre níveis plasmáticos elevados de homocisteína e a presença de DAC (r = 0,4191, p < 0,001) no presente estudo está de acordo com a literatura34. Entretanto, não foi observada correlação entre a presença da mutação e níveis elevados de homocisteína na população estudada. Apesar de o grupo ateromatose grave ter apresentado a maior incidência da mutação e níveis significativamente mais elevados de homocisteína, este grupo não apresentou diferença significativa em relação aos demais grupos quanto à prevalência da mutação. Resultados semelhantes foram descritos por outros autores35,36. Logo, o aumento da homocisteína nestes casos deve ser explicado por outros mecanismos não explorados no presente trabalho.

Entre os indivíduos com DAC, considerando os participantes dos grupos ateromatose leve/moderada e ateromatose grave (n = 43), 22 apresentaram a mutação em heterozigose (51,1%) e 3 em homozigose (6,9%), não apresentando diferenças significativas em relação ao grupo controle. Por outro lado, Almawi e cols.37 obtiveram uma freqüência maior, de 71,9% da mutação em heterozigose nos pacientes com DAC e de 45,5% no grupo controle, com diferença significativa entre os dois grupos (p < 0,001). Esses autores demonstraram também uma incidência bem maior da mutação em homozigose (31,3%) em pacientes com ateromatose grave, quando comparada com a do presente estudo (6,9%). O pequeno contingente de amostra dos dados ora apresentados pode ter contribuído para a obtenção de dados discordantes com a literatura.

Neste estudo, não foi observada correlação entre a presença da mutação e a presença de ateromatose coronariana, considerando todos os indivíduos dos grupos ateromatose leve/moderada e ateromatose grave (n = 43). Folsom e cols.14 também demonstraram uma ausência de associação entre DAC e a mutação C677T no gene da enzima MTHFR, em estudo prospectivo envolvendo mais de 15.000 participantes. Da mesma forma, Kölling e cols.38 demonstraram ausência de associação entre a mutação e a presença de DAC angiograficamente estabelecida, em estudo caso-controle envolvendo 2.121 pacientes com DAC e 617 indivíduos angiograficamente normais. Os dois estudos citados demonstraram níveis significativamente elevados de homocisteína plasmática nos indivíduos com DAC quando comparados com o grupo controle, dados concordantes com o estudo ora apresentado.

Limitações do estudo - Apesar de o número de indivíduos avaliados ter sido suficiente para demonstrar diferença significativa para os níveis de homocisteína entre os grupos controle e ateromatose grave, os trabalhos da literatura utilizam um contingente amostral bem maior, principalmente para avaliar a associação entre a mutação C677T e DAC. Outro fator limitante foi que o presente estudo não considerou outros fatores importantes do metabolismo da homocisteína, tais como deficiências de outras enzimas também envolvidas neste metabolismo, hábitos nutricionais e as concentrações plasmáticas de vitamina B12 e ácido fólico dos indivíduos participantes, dados que poderiam enriquecer a discussão deste trabalho.

O achado mais importante deste estudo foi a associação entre hiper-homocisteinemia e a presença de estenose coronariana superior a 70%, entretanto permanece a dúvida se o aumento da concentração plasmática de homocisteína constitui um fator determinante para o agravamento da lesão aterosclerótica nas coronárias ou se o mesmo é uma conseqüência dessa lesão.

Agradecimentos

À Profa. Dra. Ângela Maria Quintão Lana, pelo auxílio na análise estatística. À Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio recebido.

Financiamento: Fundação de Amparo à pesquisa de Minas Gerais - FAPEMIG, CAPES e CNPq.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 23/01/06; revisado recebido em 08/03/06; aceito em 11/05/06.

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  • Correspondência:

    Marinez Oliveira Sousa
    UFMG – Faculdade de Farmácia
    Av. Antônio Carlos, 6627
    31270-901 Belo Horizonte, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      11 Maio 2006
    • Revisado
      08 Mar 2006
    • Recebido
      23 Jan 2006
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