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Compressão extrínseca da artéria coronária esquerda por dilatação aneurismática do tronco pulmonar em adolescente: involução após oclusão cirúrgica de comunicação interatrial seio venoso e plastia redutora do tronco pulmonar

Resumos

Relatamos o caso de um adolescente encaminhado com o diagnóstico de hipertensão pulmonar. A investigação não invasiva detectou comunicação interatrial seio venoso com sinais de hipertensão pulmonar. No estudo hemodinâmico o diagnóstico foi confirmado, sendo também notada compressão esquerda pelo tronco pulmonar. O paciente foi submetido à oclusão cirúrgica da comunicação interatrial e à plastia redutora do tronco pulmonar. Dois anos após o procedimento, o paciente encontra-se bem, com sinais clínicos e ecocardiográficos de hipertensão pulmonar discreta e sem evidências, também pelo ecocardiograma, de obstrução do tronco da artéria coronária esquerda.

Hipertensão pulmonar; anomalias das artérias coronárias; comunicação interatrial


We report the case of an adolescent referred with initial diagnosis of pulmonary hypertension. Non-invasive investigation disclosed a sinus venous atrial septal defect with pulmonary hypertension. The hemodynamic study confirmed diagnosis, and also showed extrinsic compression of left main coronary artery by pulmonary trunk. Surgical closure of the defect in addition to pulmonary trunk plasty were undertaken. Two years after the surgery the patient is well, with clinical signs of mild pulmonary hypertension, and showing no evidence - also on echocardiogram - of left coronary artery trunk obstruction.

Pulmonary hypertension; coronary artery anomalies; atrial septal defect


RELATO DE CASO

Compressão extrínseca da artéria coronária esquerda por dilatação aneurismática do tronco pulmonar em adolescente. Involução após oclusão cirúrgica de comunicação interatrial seio venoso e plastia redutora do tronco pulmonar

Fernando T. V. Amaral; Lafaiete Alves Jr.; João A. Granzotti; Paulo H. Manso; Moysés O. Lima Filho; Mauro C. Jurca; Alfredo J. Rodrigues; Walter V. A. Vicente

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Ribeirão Preto, SP

Correspondência Correspondência: Fernando T. V. Amaral Rua João Pandovan, 195 14024-030 - Ribeirão Preto, SP E-mail: ftamaral@cardiol.br

RESUMO

Relatamos o caso de um adolescente encaminhado com o diagnóstico de hipertensão pulmonar. A investigação não invasiva detectou comunicação interatrial seio venoso com sinais de hipertensão pulmonar. No estudo hemodinâmico o diagnóstico foi confirmado, sendo também notada compressão esquerda pelo tronco pulmonar. O paciente foi submetido à oclusão cirúrgica da comunicação interatrial e à plastia redutora do tronco pulmonar. Dois anos após o procedimento, o paciente encontra-se bem, com sinais clínicos e ecocardiográficos de hipertensão pulmonar discreta e sem evidências, também pelo ecocardiograma, de obstrução do tronco da artéria coronária esquerda.

Palavras-chave: Hipertensão pulmonar, anomalias das artérias coronárias, comunicação interatrial / cirurgia.

Introdução

A compressão extrínseca da artéria coronária esquerda (ACE) pelo tronco da artéria pulmonar (TAP) é de ocorrência rara, estando habitualmente associada à presença de comunicação interatrial (CIA) e/ou hipertensão pulmonar1-5 ou, mais raramente, à persistência do canal arterial6, tetralogia de Fallot7 e defeito do septo atrioventricular8. A grande maioria dos casos publicados é de pacientes adultos que podem apresentar dor precordial e isquemia miocárdica, necessitando revascularização simultaneamente à correção do defeito causador da dilatação do TAP1,4,6. Relatamos a seguir o caso de um adolescente portador de CIA seio venoso com compressão proximal da ACE que evoluiu bem após oclusão do defeito e plastia redutora do TAP.

Relato do Caso

Adolescente de 16 anos, com queixa de dispnéia de esforço e dor precordial atípica e ocasional, foi encaminhado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) com diagnóstico provisório de hipertensão pulmonar primária sem defeito estrutural no ecocardiograma. No exame físico o paciente estava em bom estado geral, os pulsos eram normais e notava-se sopro sistólico ++/6+ no foco pulmonar, sem frêmito. A segunda bulha estava fixamente desdobrada e o componente pulmonar era hiperfonético. O eletrocardiograma (ECG) mostrava sinais de sobrecarga ventricular direita importante, e na radiografia simples do tórax havia hiperfluxo pulmonar, dilatação do ramo direito da artéria pulmonar e TAP muito dilatado (fig.1A). A tomografia computadorizada do tórax (fig.1B), assim como a angiorressonância magnética (fig.1C) deixaram evidentes a importante dilatação dos ramos e tronco pulmonar e a relativa diminuição do calibre da aorta. O ecocardiograma transesofágico evidenciou CIA seio venoso de 10 mm com drenagem venosa anômala da veia pulmonar superior direita no átrio direito. O estudo hemodinâmico confirmou os achados não invasivos e revelou importante compressão do tronco da ACE pelo TAP (fig.1D). A pressão na aorta era de 126/93 mmHg, enquanto na artéria pulmonar era de 110/70 mmHg, caindo para 73/52 mmHg com inalação de O2. A resistência vascular sistêmica (RVS) era de 13 UWood, pulmonar (RVP) 6,8 UWood, e a relação de fluxo pulmonar/sistêmico era de 2,9. O paciente foi operado em 28/1/04 e, após abertura do pericárdio, chamava a atenção o diâmetro do TAP três vezes maior que o da aorta. A CIA foi ocluída com selo de pericárdio bovino, a veia pulmonar anômala foi direcionada para o átrio esquerdo e foi feita plastia redutora do TAP. A evolução imediata foi favorável e o paciente teve alta uma semana após a internação em uso de captopril. Seis meses após, o paciente estava bem, e no estudo hemodinâmico havia CIA residual mínima com relação de fluxo pulmonar/sistêmico de 1,05, RVP: 7 UWood, RVS: 13,7 UWood, pressão na artéria pulmonar: 75/52 mmHg e pressão na aorta: 110/83 mmHg, sendo também notada diminuição da compressão extrínseca da ACE (fig. 2A). Com 21 meses após a cirurgia o paciente estava assintomático, em uso de 50 mg/dia de captopril e na ausculta cardíaca havia "click" pulmonar com discreta hiperfonese da segunda bulha. No eletrocardiograma notou-se regressão importante da sobrecarga ventricular direita e na radiografia do tórax havia discreta diminuição do TAP (fig. 2B). O ecocardiograma transtorácico mostrou pressão sistólica da artéria pulmonar de 55 mm/Hg, septo interatrial íntegro, hipertrofia do ventrículo direito, ausência de compressão da ACE (fig. 2C) e TAP ainda dilatado (fig. 2D). O ecocardiograma de estresse com dobutamina foi negativo para isquemia miocárdica.



Discussão

Descrita pela primeira vez há quase meio século9, a compressão extrínseca da ACE pelo TAP é entidade pouco freqüente. Estudos com casuística importante são raros; porém, há informações na literatura da ocorrência de dois pacientes (1,8%) entre 48 casos de CIA estudados por Kothari e cols.10. Outro estudo importante foi realizado em 1989 por Mitsudo e cols.1 e tem servido como marco para discussão do tema. Estudando 38 pacientes com idade de 15 a 62 anos, esse autor encontrou sete (18%) casos com compressão extrínseca da ACE. Nos casos em que havia hipertensão pulmonar associada, esse número chegava a 44%.

A maioria dos casos descritos mostra associação freqüente com CIA1,2,4,5,11; porém, outras entidades como persistência do canal arterial6, tetralogia de Fallot7 e defeito do septo atrioventricular8 podem estar envolvidas. Pacientes portadores de hipertensão pulmonar primária com dilatação importante do TAP podem também apresentar o mesmo quadro3,12. Essa grave complicação pode ser suspeitada pela presença de dor precordial em pacientes com esse tipo de cardiopatia que apresentem dilatação importante do TAP na radiografia de tórax. O ECG pode mostrar alterações isquêmicas2,3,6 e a obstrução coronariana pode ser visualizada pelo ecocardiograma e pela ressonância magnética nuclear. Entretanto, a confirmação diagnóstica e avaliação da gravidade da compressão é geralmente feita com maior segurança pela coronariografia.

O caso aqui apresentado tem algumas características que, a nosso ver, justificam esse relato. Apesar do tema já ter sido discutido em expressiva casuística nacional4, nosso paciente parece ser o primeiro publicado em nossos periódicos. Além disso, a ocorrência dessa complicação em adolescente, como aqui descrito, parece ser bastante rara, havendo, ao que sabemos, somente um relato nessa faixa etária11.

Um outro aspecto interessante, também evidenciado em nosso caso, é a conduta adotada. Alguns autores acreditam que há necessidade de revascularização nos casos com obstrução importante1. Outros sugerem que somente a redução cirúrgica do TAP pode eliminar a compressão da ACE, principalmente se a hipertensão pulmonar for considerada reversível2. Nosso paciente tinha sinais importantes de hipertensão pulmonar grave com boa resposta ao O2 e notamos, quase dois anos após a cirurgia, involução considerável da obstrução pelo ecocardiograma.

Concluindo, podemos dizer que a compressão extrínseca da ACE pelo TAP é bastante rara, podendo, entretanto, estar subdiagnosticada, como já sugerido4. Em virtude da possibilidade de involução da obstrução, como aqui mostrado, muitos casos de CIA operados sem visualização das coronárias podem não ter sido adequadamente documentados. Pacientes portadores de cardiopatias que levem a um aumento do TAP (com ou sem hipertensão pulmonar) devem ser investigados cuidadosamente, em especial se a queixa de dor precordial estiver presente. Em virtude da raridade dessa complicação, impossibilitando estudo terapêutico randomizado, acreditamos ser difícil definir a necessidade ou não de revascularização rotineira nos casos com obstrução importante. Entretanto, baseado no caso aqui apresentado e nas poucas informações da literatura, parece-nos que em pacientes jovens, sem lesão em outras artérias e com hipertensão pulmonar reversível, a conduta mais apropriada seja a correção do defeito cardíaco associada à plastia redutora do TAP.

Artigo recebido em 18/03/06; revisado recebido em 18/03/06; aceito em 18/05/06.

  • 1. Mitsudo K, Fujino T, Matsunaga K, Doi O, Nishihara Y, Awa J. The coronary angiographic findings in the patients with atrial septal defect and pulmonary hypertension (ASD + PH): compression of left main coronary artery by pulmonary trunk. Kokyu To Junkan. 1989; 37: 649-55.
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  • 11. Kito K, Fujiwara Y, Kimura T, Shimada Y. Left main coronary trunk compression by dilated main pulmonary artery in a patient with atrial septal defect. Masui. 2001; 50: 184-7.
  • 12. Eksinar S, Gedevanishvili A, Koroglu M, Afzal A, Oto A, Conti V, et al. Extrinsic compression of the left main coronary artery in pulmonary hypertension. JBR-BTR. 2005; 88: 190-2.
  • Correspondência:

    Fernando T. V. Amaral
    Rua João Pandovan, 195
    14024-030 - Ribeirão Preto, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      18 Mar 2006
    • Revisado
      18 Mar 2006
    • Aceito
      18 Maio 2006
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