Acessibilidade / Reportar erro

Polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica: influência sobre a incidência de doença arterial coronariana prematura e sobre os lípides plasmáticos

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito do polimorfismo S447X sobre os lípides plasmáticos em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) prematura. MÉTODOS: Os lípides plasmáticos e a genotipagem foram determinados em 2 grupos: 313 pacientes com DAC prematura (<55 anos) e 150 controles sem DAC. RESULTADOS: A freqüência do polimorfismo S447X foi de 18% nos pacientes com DAC e de 23% no grupo controle. O polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica está relacionado com diminuição das concentrações plasmática de triglicérides nos pacientes do sexo masculino com DAC, não havendo essa relação no sexo feminino. CONCLUSÃO: A presença do polimorfismo S447X da lípase lipoprotéica não foi associada à incidência de DAC.

Mutações da lípase lipoprotéica; colesterol; lipoproteínas; triglicérides


OBJECTIVE: The objective of this study was to evaluate the effect of polymorphism S447X on plasma lipids of patients with premature coronary artery disease (CAD). METHODS: Plasma lipids and genotypes were determined in 2 groups: 313 patients with premature CAD (<55 years of age) and 150 controls without CAD. RESULTS: Frequency of the S447X polymorphism was 18% in patients with CAD and 23% in the control group. The S447X polymorphism of lipoprotein lipase is related to a decrease in plasma triglyceride concentrations in male patients with CAD, but this correlation is not observed in female patients. CONCLUSION: The presence of the S447X lipoprotein lipase polymorphism was not associated with the incidence of CAD.

Lipoprotein lipase mutations; cholesterol; lipoproteins; triglycerides


ARTIGO ORIGINAL

Polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica: influência sobre a incidência de doença arterial coronariana prematura e sobre os lípides plasmáticos

Kátia A. Almeida; Célia M. C. Strunz; Raul C. Maranhão; Antonio P. Mansur

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Raul C. Maranhão InCor - Laboratório de Metabolismo de Lípides Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo, SP E-mail: ramarans@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito do polimorfismo S447X sobre os lípides plasmáticos em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) prematura.

MÉTODOS: Os lípides plasmáticos e a genotipagem foram determinados em 2 grupos: 313 pacientes com DAC prematura (<55 anos) e 150 controles sem DAC.

RESULTADOS: A freqüência do polimorfismo S447X foi de 18% nos pacientes com DAC e de 23% no grupo controle. O polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica está relacionado com diminuição das concentrações plasmática de triglicérides nos pacientes do sexo masculino com DAC, não havendo essa relação no sexo feminino.

CONCLUSÃO: A presença do polimorfismo S447X da lípase lipoprotéica não foi associada à incidência de DAC.

Palavras-chave: Mutações da lípase lipoprotéica, colesterol, lipoproteínas, triglicérides.

Introdução

A lipase lipoprotéica é a enzima que catalisa a hidrólise dos triglicérides dos quilomícrons e das lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL). Essa reação ocorre na superfície endotelial dos capilares sangüíneos, onde a lipase fica presa através de moléculas de proteoglicanos. As lipoproteínas ricas em triglicérides ligam-se à lipase por meio da apolipoproteína (apo) CII, presente na superfície da lipoproteína, a qual também estimula a ação enzimática. Os produtos de degradação dos triglicérides, ácidos graxos e glicerol, são absorvidos por tecidos como o adiposo e o músculo, onde são reesterificados e armazenados1. Esse mecanismo possibilita o armazenamento e a disponibilização pelo organismo da sua fonte energética mais importante, as gorduras.

A diminuição na atividade da lipase lipoprotéica pode influenciar as concentrações de lípides plasmáticos causando graus variados de hipertrigliceridemia isolada ou associada a hipercolesterolemia2. Mais de 60 diferentes mutações do gene da lipase lipoprotéica foram descritas até agora, podendo resultar tanto na diminuição da síntese da enzima quanto na sua atividade. Além disso, a hipertrigliceridemia causa diminuição da HDL3,4.

Isso se dá pela lei de ação de massas e pela presença das proteínas de transferência de lípides, como a proteína de transferência do éster de colesterol (CETP) que tende a transferir os ésteres de colesterol das HDL para as VLDL. Desse modo, mutações no gene da lipase lipoprotéica que afetem a ação enzimática podem contribuir para o risco de DAC, mediante o seu impacto na concentração dos lípides plasmáticos5,6.

O gene da lipase lipoprotéica (LPL) está localizado no cromossomo 8p227. É composto por 10 exons, interrompidos por 9 introns, com massa molecular de aproximadamente 30 Kb, e codifica uma proteína com 475 aminoácidos8,9. Das várias mutações descritas no gene, a LPL Asp9Asn, Asn291Ser e a S447X são as mais importantes pela maior freqüência e influência na suscetibilidade à aterosclerose3,10,11.

O polimorfismo S447X é um dos mais freqüentes entre as várias proteínas envolvidas no metabolismo intravascular de lípides, incidindo em 17% a 22% da população caucasiana12-14. Ocorre no exon 9 do gene LPL, havendo a substituição de citosina (C) por guanina (G) na posição 159515,16. Isso resulta na troca de uma serina por um códon de terminação e na supressão dos dois últimos aminoácidos, serina e glicina na posição 447 da proteína11. O efeito do polimorfismo sobre a atividade da lipase lipoprotéica é controverso.

Testada in vitro, a atividade tem sido descrita tanto como muito aumentada6 e aumentada17 quanto como ligeiramente diminuída18, mas na maioria dos estudos não estava alterada19,20.

Alguns trabalhos indicam que o polimorfismo S447X pode ser favorável ao catabolismo das VLDL, diminuindo a concentração de triglicérides de jejum6,13,14,21,22, com pequena elevação nas concentrações de HDL-colesterol13,14. A hipertrigliceridemia associada à concentração de HDL diminuída constitui um fator de risco importante no desenvolvimento de DAC. Dessa forma, o polimorfismo S447X poderia ter um papel antiaterogênico.

Tendo em vista a grande freqüência desse polimorfismo e os resultados heterogêneos provenientes do estudo em outras populações, julgamos importante avaliar o seu impacto tanto sobre os lípides plasmáticos como sobre a incidência de DAC prematura em uma amostragem da população brasileira. Nessa, predomina intensa miscigenação racial não observada nas outras populações em que o polimorfismo foi descrito.

Métodos

Casuística - Foram estudados 150 indivíduos sem história clínica de DAC (sem DAC), 60 do sexo masculino e 90 do sexo feminino, funcionários do Instituto do Coração da FMUSP, e 313 pacientes com DAC prematura, definida como manifestação clínica da doença antes dos 55 anos, sendo 182 do sexo masculino e 131, do feminino, selecionados no ambulatório do Instituto. No grupo sem DAC foram incluídos indivíduos com avaliações clínica, cardiológica e eletrocardiograma de repouso e de esforço normais. No grupo com DAC foram incluídos pacientes com a doença documentada angiograficamente, ou com episódio de infarto do miocárdio diagnosticado pela dor precordial e presença de alterações eletrocardiográficas características.

Foram excluídos deste estudo portadores de doenças reumáticas, hepáticas, renais, endócrinas, neurológicas e mulheres grávidas.

Todos os participantes eram voluntários e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Análises bioquímicas - As análises de triglicérides, colesterol e HDL colesterol foram realizadas em equipamento automatizado, Cobas Integra 700, Roche, utilizando-se testes enzimaticocolorimétricos específicos do equipamento. Os valores do LDL-colesterol foram calculados pela fórmula de Friedewald e cols.23.

Genotipagem - O DNA genômico foi isolado de sangue periférico segundo o método de Miller e cols.24. A lise de hemácias foi realizada por meio de mistura de cloreto de amônio 0,144 M e bicarbonato de amônio 0,01 M em quantidade igual ao volume de sangue. Após centrifugação os núcleos celulares foram lisados com 3,0 mL de tampão Tris-HCl 10 mMpH 8.0; NaCl 400 mM; Na2EDTA 0,5 M pH 8,0; 200 µL de SDS 10%; 500 µL de tampão com proteinase K (10 µL de proteinase K; 50 µL SDS 10%; 2 µL de Na2EDTA 0,5 M pH 8; 0,488 mL de água destilada). As proteínas foram removidas por precipitação salina com 1 mL de NaCl 6 M. O DNA presente no sobrenadante foi isolado, purificado por precipitação em etanol absoluto e ressuspendido com 100 µL de tampão (Tris-HCl 10 mM; EDTA 1 mM pH 8) e mantido a -20°C.

Nos resultados o polimorfismo S447X foi apresentado com a nomenclatura do gene, ou seja, LPL C1595G. O polimorfismo foi analisado pela amplificação do DNA genômico, por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR), seguida da técnica do polimorfismo de tamanho de fragmento de restrição (RFLP). Os iniciadores com as seqüências oligonucleotídicas foram descritos por Groenemeijer e cols.13.

O produto da PCR (488 pb) foi submetido à ação da enzima de restrição Mnl I, 10 U de enzima (MBI Fermentas), a 37°, por 18 horas, e submetido a eletroforese em gel de agarose 2,5% para a identificação dos produtos de digestão. A presença dos fragmentos de 288 e 200 pb indica homozigose do alelo selvagem (CC), enquanto a presença dos produtos de 288, 200 e 50 pb indica homozigose do alelo mutante (GG) e dos produtos de 288,238,200 e 50 pb indica heterozigose (genótipo CG). O polimorfismo S447X representa os genótipos GG e CG. A documentação dos géis foi feita pelo sistema Eagle Eye.

Análise estatística - Para avaliar as variáveis contínuas utilizamos a análise descritiva. Para avaliar as variáveis categóricas utilizamos tabelas de freqüência. Os valores com distribuições assimétricas e grandes variabilidades foram submetidos à transformação logarítmica (log10) para posterior aplicação da análise estatística.

Foi utilizado o teste do qui-quadrado para verificar o equilíbrio de Hardy-Weinberg (HWE) nos grupos estudados (sem DAC e DAC). Para avaliar o efeito do polimorfismo na variação dos valores dos parâmetros bioquímicos analisados foi utilizado o teste t de Student para comparar variáveis com duas categorias.

A análise de covariância (ANCOVA) foi utilizada para analisar a influência das variáveis: idade, tabagismo, diabetes, hipertensão e antecedentes familiares sobre os valores de lípides nos genótipos CC versus CG+GG.

A regressão logística multivariada foi utilizada para analisar a influência dos fatores de risco para DAC e foram utilizadas as seguintes variáveis independentes: idade >40 anos, IMC >25 kg/m2, ser tabagista, ter hipertensão arterial sistêmica, ter diabetes, ter antecedentes familiares, ter concentrações de triglicérides >200 mg/dL, de colesterol total >238 mg/dL, de LDL-c >159 mg/dL e HDL-c <40 mg/dL. Os valores de referência são aqueles sugeridos pelas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, de 200125. A DAC foi a variável dependente.

O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p< 0,05). As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa SAS for Windows (Statistical Analysis System), versão 6.12. SAS Institute Inc, 1989-1996, Cary, NC, USA.

Resultados

Freqüência do polimorfismo LPL C1595G - A tabela 1 mostra que não houve diferença entre os grupos sem DAC e com DAC na freqüência do polimorfismo LPL C1595G. Com referência à distribuição dos genótipos, CC, CG e GG, o grupo sem DAC estava em equilíbrio de Hardy-Weinberg, o que não aconteceu no grupo com DAC. A freqüência dos genótipos CC, CG e GG não foi diferente comparando-se o grupo sem DAC com o grupo com DAC.

Na tabela 1 também consta a avaliação da freqüência do polimorfismo e do genótipo de acordo com o sexo. Não houve diferenças nesses entre os dois sexos, tanto no grupo sem DAC quanto no grupo com DAC.

Polimorfismo LPL C1595G e lípides plasmáticos - Na tabela 2, vemos que tanto no grupo sem DAC quanto no grupo com DAC não houve diferenças entre os indivíduos com e sem o polimorfismo quanto à concentração plasmática de triglicérides, colesterol total, LDL-c e HDL-c.

No sexo feminino não houve diferença entre os indivíduos com e sem o polimorfismo nos valores de triglicérides, colesterol total, LDL-c e HDL-c tanto no grupo sem DAC quanto no grupo com DAC. No sexo masculino, os valores de triglicérides foram menores no grupo com DAC na presença do polimorfismo comparado com os pacientes sem o polimorfismo. No entanto, não houve diferenças no que toca aos valores de colesterol total e frações.

Genótipos e lípides plasmáticos: análise de covariância - Tendo em vista que apenas nos pacientes do grupo DAC de sexo masculino a presença do polimorfismo está relacionada a valores menores de triglicérides, analisamos possíveis influências das variáveis como idade, tabagismo, diabetes, hipertensão e antecedentes familiares nas concentrações dos lípides plasmáticos, usando a análise de covariância (ANCOVA).

As concentrações de lípides plasmáticos foram similares entre os genótipos selvagem e polimorfismo S447X quando os fatores de risco clássicos para DAC foram desconsiderados para os grupos controle (ambos os sexos) e grupo DAC (sexo feminino).

Os resultados apresentados na tabela 3, porém, confirmam que houve diferença na concentração plasmática de triglicérides quando comparados o genótipo selvagem com os genótipos do polimorfismo S447X nos pacientes do sexo masculino do grupo DAC. As análises foram corrigidas levando em conta os fatores de risco clássicos (idade, tabagismo, diabetes, hipertensão e antecedentes familiares).

Polimorfismo S447X como fator protetor contra DAC: análise de regressão multivariada - A análise de regressão logística multivariada foi realizada para aquilatar a influência dos fatores de risco e obter o risco relativo dos genótipos na presença de DAC.

Os fatores de risco que foram incluídos nesta análise foram triglicérides, colesterol total, LDL-c, HDL-c, tabagismo, idade e antecedentes familiares. Foram excluídos os fatores de risco hipertensão e diabetes por serem variáveis que, pela baixa freqüência no grupo controle, resultaram num risco relativo superestimado. As variáveis raça e IMC foram excluídas por não discriminarem DAC dos controles.

Pelos resultados apresentados na tabela 4, observamos que as variáveis selecionadas pela análise de regressão logística multivariada como possíveis candidatas a fator prognóstico foram: idade (OR=9,05; p<0,001); tabagismo (OR=9,02; p<0,001); antecedentes familiares (OR=2,27; p<0,001); triglicérides (OR=8,06; p<0,001); colesterol total (OR=5,38; p=0,003); e HDL-c (OR=2,58; p<0,001). A presença dos genótipos do polimorfismo S447X não foi considerada como um fator protetor contra DAC.

Os resultados apresentados na tabela 4 indicam que, no sexo feminino, as variáveis selecionadas pela análise de regressão logística multivariada como possíveis candidatas a fator prognóstico foram: idade (OR=11,53; p<0,001); tabagismo (OR=6,86; p<0,001) e triglicérides (OR=11,14; p<0,023). A presença do polimorfismo S447X não foi considerada como fator protetor contra a DAC no sexo feminino.

Os resultados apresentados na tabela 4 indicam que, no sexo masculino, as variáveis selecionadas pela análise de regressão logística multivariada como possíveis candidatas a fator prognóstico foram: idade (OR=9,21; p<0,001); tabagismo (OR=13,48; p<0,001); triglicérides (OR=7,43; p=0,003) e HDL-c (OR=3,21; p=0,001). A presença do polimorfismo S447X não foi considerada como fator protetor contra a DAC no sexo masculino.

Discussão

A ação da lipase lipoprotéica constitui-se no evento central do processo de catabolismo das lipoproteínas na circulação plasmática. Ao catalisar a hidrólise dos triglicérides das VLDL e dos quilomícrons, a lipase lipoprotéica passa a ser a principal determinante da concentração no plasma não só das VLDL e dos quilomícrons, mas também dos remanescentes dessas lipoproteínas e das HDL. No caso dessa última, o acúmulo de VLDL decorrente da ação diminuída da enzima resulta em transferência do colesterol das HDL para as VLDL pela ação das proteínas de transferência. Daí, o "efeito gangorra", em que o aumento da trigliceridemia leva à diminuição do colesterol das HDL e a diminuição da trigliceridemia leva ao aumento do colesterol das HDL. Portanto, polimorfismos ou mutações que afetem essa enzima podem influenciar a concentração plasmática e o metabolismo de todas as lipoproteínas, gerando fatores de risco para DAC.

O polimorfismo S447X ocorre na região C terminal da lipase lipoprotéica, região onde ocorrem as ligações entre receptores da lipase lipoprotéica e lipoproteínas. A deleção dos dois últimos aminoácidos pode potencializar este modo de ação e aumentar a retirada dos triglicérides dos quilomícrons e das VLDL; isso resulta em redução do conteúdo de triglicérides26,27. Entretanto, o modo de ação exato não está completamente esclarecido.

O presente trabalho constitui-se no primeiro relato da freqüência do polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica em pacientes com DAC prematura na população brasileira, caracterizada por intensa miscigenação racial. Apresenta a limitação intrínseca ao desenho transversal, mas estudos prospectivos em doença precoce são de difícil realização pelo período de seguimento necessariamente longo.

Neste trabalho a freqüência do polimorfismo S447X foi de 23%. Essa freqüência foi similar às reportadas anteriormente em populações caucasianas da Europa, Austrália e América do Norte4,28,19. A freqüência desse polimorfismo em pacientes com DAC foi de 18%, similar às descritas em populações caucasianas com DAC12,19,28. Entretanto, pacientes caucasianos do sexo masculino e hipertrigliceridêmicos apresentaram uma freqüência de 10%15,16 e pacientes chineses hipertrigliceridêmicos apresentaram freqüência de 9%11. As diferentes freqüências encontradas podem estar relacionadas ao fator racial e aos critérios de inclusão usados para definir o grupo controle.

Neste estudo analisamos também os efeitos do polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica sobre os lípides plasmáticos em pacientes com DAC prematura. Dados epidemiológicos mostram que a incidência de DAC difere entre os sexos feminino e masculino. Esse fato pode ocorrer por exposição aos fatores de risco envolvidos na doença e por diferenças hormonais. No sexo feminino a presença do polimorfismo S447X não teve efeito sobre as concentrações plasmáticas de lípides, a exemplo dos resultados descritos em populações européias21,27,29. No sexo masculino a presença desse polimorfismo no grupo DAC foi associada a menores concentrações plasmáticas dos triglicérides em comparação com as concentrações plasmáticas dos pacientes com DAC sem o polimorfismo. Resultados similares foram descritos na população européia caucasiana do sexo masculino com DAC13,14,21,29. Outros estudos, contudo, mostraram que a presença desse polimorfismo não alterou as concentrações plasmáticas de triglicérides19,20.

A associação entre sexo masculino, diminuição na concentração de triglicérides e polimorfismo S447X pode estar relacionada com as ações da testosterona. Concentrações diminuídas de testosterona estão associadas com diminuição da atividade da lipase lipoprotéica30, e em homens com hipogonadismo a reposição da testosterona leva ao aumento na atividade da lipase lipoprotéica31. Por sua vez, o estrógeno diminui a atividade da lipase lipoprotéica32 pela desregulação na transcrição do gene33 ou por uma possível modificação pós-transcricional da proteína34. É interessante notar que a diminuição da concentração dos triglicérides tende a se acompanhar de aumento do HDL-c, o que não aconteceu neste trabalho. Isto se deve, possivelmente, pelo fato de a faixa dos valores de triglicérides observada nos grupos de estudo e o porcentual de redução da trigliceridemia determinado pelo polimorfismo não tenham sido suficientes para provocar aumento das HDL.

Pela análise de regressão multivariada nossos resultados mostraram que a presença do polimorfismo S447X não foi um fator de proteção independente contra DAC no sexo feminino. A propósito, em concordância com nossos dados, o polimorfismo não foi considerado um fator de proteção em mulheres européias21,27. Em nosso estudo, no sexo masculino, a presença do polimorfismo S447X também não apareceu como fator de proteção independente para DAC.

Esse aspecto é controverso na literatura, havendo alguns estudos que indicam que o polimorfismo pode conferir proteção anti-DAC14,21,27,35, enquanto outros não confirmam esta linha de achados35,36. Os efeitos protetores ou antiaterogênicos podem ser parciais e independentes dos efeitos sobre os lípides plasmáticos16,21.

Em conclusão, neste estudo, o polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica está relacionado com diminuição das concentrações de triglicérides nos pacientes do sexo masculino com DAC, não havendo essa relação com o sexo feminino. A presença do polimorfismo S447X da lipase lipoprotéica não foi associada com a incidência de DAC.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 10/03/06; artigo revisado recebido em 20/07/06; aceito em 17/08/06.

  • 1. Goldberg IG. Lipoprotein lipase and lipolysis: central roles in lipoprotein metabolism and atherogenesis. J Lipid Res. 1996; 37: 693-707.
  • 2. Assmann G, Betteridge DJ, Gotto AM Jr, Steiner J. Management of hypertriglyceridemic patients: treatment classifications and goals. Am J Cardiol. 1991; 68: 30A-34A.
  • 3. Murthy V, Julien P, Gagné C. Molecular pathobiology of the human lipoprotein lipase gene. Pharmacol Ther. 1996; 70: 101-35.
  • 4. Wittrup HH, Tybajaerg-Hasen A, Nordestgaard BG. Lipoprotein lipase mutations, plasma lipids and lipoproteins, and risk of ischemic heart disease a meta-analysis. Circulation. 1999; 99: 2901-7.
  • 5. Stein Y, Stein O. Lipoprotein lipase and atherosclerosis. Atherosclerosis. 2003; 170: 1-9.
  • 6. Henderson HE, Kastelien JJP, Zwinderman AH, Cagne E, Jukema JW, Reymer PWA, et al. Lipoprotein lipase activity is decreased in a large cohort of patients with coronary artery disease and is associated with changes in lipids and lipoproteins. J Lipid Res. 1999; 40: 735-43.
  • 7. Sparkes RS, Zollmans S, Klisak I, Kirshgessner TG, Komaromy MC, Mohandas T, et al. Human genes involved in lipolysis of plasma lipoproteins: mapping of loci for lipoprotein lipase to 8p22 and hepatic lipase to 15q21. Genomics. 1987; 1: 138-44.
  • 8. Deeb SS, Peng R. Struture of the human lipoprotein lipase gene. Biochemistry. 1989; 28: 4131-5.
  • 9. Oka K, Tralcevic GT, Nakano T, Tucker H, Ishimura-Oka K. Structure and polymorphic map of human lipoprotein lipase gene. Biochm Biophys Acta. 1990; 1049: 21-6.
  • 10. Hokanson JE. Lipoprotein lipase gene variants and risk of coronary disease: a quantitative analysis of population-base studies. Int J Clin Lab Res. 1997; 27: 24-34.
  • 11. Hata A, Robertson M, Emi, M. Laloue JM. Direct detection and automated sequencing of individual alleles after eletrophoretic strand separation: identification of a common nonsense mutation in exon 9 of the human lipoprotein lipase gene. Nucleic Acids Res. 1990; 18: 5407-11.
  • 12. Wittrup HH, Tybajaerg-Hasen A, Steffensen R, Deeb SS, Brunzel JD, Jensen G, et al. Mutations in the lipoprotein lipase gene associated with Ischemic Heart Disease in men the Copenhagen City heart study. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 1999; 19: 1535-40.
  • 13. Groenemeijer BE, Hallman MD, Reymer PW, Cagne E, Kuivenhoven JA, Bruin T, et al. Genetic variant showing a positive interaction with beta-blocking agents with a beneficial influence on lipoprotein lipase activity, HDL cholesterol, and triglycerides levels in coronary artery disease patients. The Ser447Stop substitution in the lipoprotein lipase gene. Regress Study group. Circulation. 1997; 95: 2628-35.
  • 14. Jemaa R, Fumeron F, Poirier O, Lecerf L, Evans AL, Arveiler D, et al. Lipoprotein lipase gene polymorphisms: association with myocardial infarction and lipoprotein levels, the ECTIM study. J Lipid Res. 1995: 36: 2141-6.
  • 15. Stocks J, Thorn JA, Galton DJ. Lipoprotein lipase genotypes for a common termination codon mutation detected by PCR-mediated site-directed mutagenesis and restriction digestion. J Lipid Res. 1992; 33: 853-76.
  • 16. Peacock RE, Harmsten A, Nilsson-Ehle P, Humphries SE. Associations between lipoprotein lipase gene polymorphism and plasma correlation of lipids, lipoproteins and lipase activities in young myocardial infarction survivors and age-matched healthy individuals from Sweed. Atherosclerosis. 1992; 97: 171-85.
  • 17. Miesenbock G, Holzl B, Foger B. Heterozygous lipoprotein lipase deficiency due to a missense mutation as the cause of impaired triglycerides tolerance with multiple lipoprotein abnormalities. J Clin Invest. 1993; 91: 448-55.
  • 18. Previato L, Guardamagna O, Dugi KA. A novel missense mutation in the C-terminal domain of lipoprotein lipase (Glu410-val) leads to enzyme inactivation and familial chylomicronemia. J Lipid Res. 1994; 35: 1552-60.
  • 19. Sing K, Balatyne C, Ferlic L, Brugada R, Cushman, I, Dunn JK, et al. Lipoprotein lipase gene mutations, plasma lipid levels, progression/regression of coronary atherosclerosis, response to therapy, and future clinical events. Atherosclerosis. 1999; 144: 435-42.
  • 20. Knudsen P, Murtomak S, Antinen M, Ehnholm S, Lahdenpera S, Ehnholm C, et al. The Asn291Ser and Ser447Stop mutations of the lipoprotein lipase gene and their significante for lipid metabolism in patients with hypetrigluceridemia. Eur J Clin Invest. 1997: 27: 928-35.
  • 21. Cagné SE, Larson MG, Pimstone S N, Schaefer E J, Kastelien JJ, Wilson PW. A common truncation variant of lipoprotein lipase (S447XX) confers protection against coronary heart disease: the Framingham Offspring Study. Clin Genet. 1999, 55: 450-4.
  • 22. Kuivenhoven JÁ, Groenemeyer BE, Boer JMA, Reymer PWA, Berghuis R, Bruin T. S447X stop mutation in lipoprotein lipase is associated with elevated HDL cholesterol levels in normolipidemic males. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 1997; 17: 595-9.
  • 23. Friedewald WT, Levy RI, Fredrickson DS. Estimation of the concentration of low-density lipoprotein cholesterol in plasma, without use of the preparative ultracentrifugation. Clin Chem. 1972;18: 499-509.
  • 24. Miller AS, Dykes DD, Polesky HF. A simple salting out procedure for extracting DNA from human nucleated cells. Nucleic Acids Res. 1988; 16 (3): 1215.
  • 25
    III Diretrizes Brasileiras sobre dislipidemias e diretriz de prevenção da aterosclerose do departamento de aterosclerose da sociedade brasileira de cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2001; 77: 4-8.
  • 26. Lookene A, Nielsen MS, Glieman J, Olivecroma G. Contribuiton of the carboxy-terminal domain of lipoprotein lipase to interaction with heparin and lipoprotein. Biochem Biophys Res Commun. 2000; 271: 15-21.
  • 27. Wittrup HH, Nordestgard BG, Steffensen R, Jensen G, Tybajarerg-Aasen A. Effect of gender on phenotypic expression of the S447X mutation in LPL The Copenhagen City Heart Study Atherosclerosis. 2002;165: 119-26.
  • 28. Bockxmeer FM, Liu Q, Mamotte C, Burke V, Taylor R. Lipoprotein lipase D9N, N291S and S447X polymorphisms: their influence on premature coronary heart disease and plasma lipds. Atherosclerosis. 2001; 157: 123-9.
  • 29. Hall S, Talmud PJ, Cook DG. Frequency and allelic association of common variants in the lipoprotein lipase gene in different ethnic groups: The Wandsworth Heart and Stroke Study. Genet Epidemiol. 2000; 18: 203-16.
  • 30. Zhang H, Reymer PWA, Liu MS, Forsythe IJ, Groenemeyer BE, Frohlich J, et al. Patients with Apo E3 deficiency (E2/2, E3/2 and E4/2) who manifest with hyperlipidemia have increased frequency of na Asn291-Ser mutation in the human LPL gene. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 1995; 15: 1695-703.
  • 31. Breier C, Muhlberger V, Drexel H, Herold M, Lisch HJ, Knapp E, et al. Essencial role of post-heparin lipoprotein lipase activity and of plasma testoterone in coronay artery disease. Lancet. 1985; 1: 1242-4.
  • 32. Sorva R, Kuusi T, Taskine MR, Perbeentupa J, Nikkila EA Testosterone substitution increases the activity of lipoprotein lipase and hepatic lipase in hypogonadal males Atherosclerosis. 1988; 69: 191-7.
  • 33. Iverius PH, Brunzell JD. Relationship between lipoprotein lipase activity and plasma sex steroid level in obese women. J Clin Invest. 1988; 82: 1106-12.
  • 34. Homma H, Kurachi H, Nishio Y. Estrogen supress transcription of lipoprotein lípase gene. Existence of a unique estrogen response element on the lipoprotein lipase promoter. J Biol Chem. 2000; 275: 11404-11.
  • 35. Price TM, OBrien SN, Welter BH, George R, Anandjiwata J, Kilgore M. Estrogen regulation of adipose tissue lipoprotein lipase-possible mechanism of body fat distribution Am J Obstet Gynecol. 1998; 178: 101-7.
  • 36. Mattu RK, Needham EW, Morgan R. DNA variants at the LPL gene locus associate with angiographically defined severity of atherosclerosis and serum lipoprotein levels in a Welsh population Arterioscler Thromb. 1994; 14: 1090-7.
  • 37. Sass C, Zannad F, Siest G. Apolipoprotein E4, lipoprotein lipase C447 and angiotensin-I converting enzyme deletion alleles were not associated with increased wall thickness of carotid and femoral arteries in subjects from the Stanislas cohort. Atherosclerosis. 1998; 140: 89-95.
  • Correspondência:
    Raul C. Maranhão
    InCor - Laboratório de Metabolismo de Lípides
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
    05403-000 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      17 Ago 2006
    • Revisado
      20 Jul 2006
    • Recebido
      10 Mar 2006
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br