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Cirurgia de revascularização miocárdica em pacientes com artéria circunflexa anômala

Resumos

A anomalia de origem da artéria circunflexa (Cx) é incomum e apresenta variações de trajeto que podem dificultar a cirurgia de revascularização miocárdica (RM). Dois pacientes evoluindo com angina instável foram submetidos a cinecoronariografia, que revelou, em ambos, lesão triarterial, em que havia também presença de Cx com origem anômala e trajeto retroaórtico com lesão obstrutiva grave. Ambos os pacientes foram submetidos a cirurgia de RM com uso de enxerto bilateral de artéria torácica interna (ATI). A cirurgia de RM com uso bilateral de ATI mostrou-se factível em casos de origem anômala da Cx, que, entretanto, pode constituir dificuldade técnica adicional.

Anastomose de artéria torácica interna-coronária; ponte de artéria coronária; arterosclerose coronariana; revascularização miocárdica; artéria torácica interna


The anomalous origin of the circumflex artery (Cx) is uncommon and presents course variations that might make the coronary artery bypass surgery (CABG) difficult. Two patients presenting unstable angina were submitted to coronary angiography that disclosed tri-vessel disease and presence of Cx with an anomalous origin and retroaortic course with severe stenosis. Both patients underwent CABG with use of bilateral internal thoracic artery (ITA) grafts. Therefore, CABG with bilateral ITA use is feasible in cases of an anomalous origin of the Cx artery. However, this finding may constitute an additional technical setback.

Internal mammary-coronary artery anastomosis; coronary artery bypass; coronary arteriosclerosis; myocardial revascularization; mammary arteries


RELATO DE CASO

Cirurgia de revascularização miocárdica em pacientes com artéria circunflexa anômala

Walter J. Gomes; Rodrigo P. Paez; Francisco A. Alves

Hospital Geral de Pirajussara – OSS-SPDM – Taboão da Serra, SP

Correspondência Correspondência: Walter J. Gomes Rua Borges Lagoa, 1080/608 04038-002 – São Paulo, SP E-mail: wjgomes.dcir@epm.br

RESUMO

A anomalia de origem da artéria circunflexa (Cx) é incomum e apresenta variações de trajeto que podem dificultar a cirurgia de revascularização miocárdica (RM). Dois pacientes evoluindo com angina instável foram submetidos a cinecoronariografia, que revelou, em ambos, lesão triarterial, em que havia também presença de Cx com origem anômala e trajeto retroaórtico com lesão obstrutiva grave. Ambos os pacientes foram submetidos a cirurgia de RM com uso de enxerto bilateral de artéria torácica interna (ATI). A cirurgia de RM com uso bilateral de ATI mostrou-se factível em casos de origem anômala da Cx, que, entretanto, pode constituir dificuldade técnica adicional.

Palavras-chave: Anastomose de artéria torácica interna-coronária, ponte de artéria coronária, arterosclerose coronariana, revascularização miocárdica, artéria torácica interna.

Introdução

Anomalias congênitas das artérias coronárias compreendem alterações na origem e no trajeto, sendo a incidência dessas anomalias relativamente baixa, variando entre 0,2% e 1,2% da população1,2.

Anomalia da artéria circunflexa (Cx) originando-se na porção inicial da artéria coronária direita ou do seio aórtico direito é encontrada em 0,45% a 0,67% dos casos de angiografia coronariana, e tem sido associada à maior incidência de aterosclerose e isquemia miocárdica, podendo conduzir à morte súbita2-4.

A variação no trajeto e as características anatômicas dessa Cx anômala podem dificultar o procedimento de revascularização cirúrgica desses vasos, já que essas artérias sempre apresentam trajeto retroaórtico, o que impõe certa dificuldade técnica adicional. Relatamos o tratamento cirúrgico de duas variantes anatômicas da origem anômala da artéria circunflexa (OAAC), em que em ambos os casos a revascularização foi possível, com a utilização de enxertos bilaterais de artéria torácica interna (ATI).

Relato dos Casos

Dois pacientes do sexo masculino, de 51 e 56 anos de idade, respectivamente, apresentando quadro de angina instável, foram submetidos a estudo cinecoronariográfico, que revelou, em ambos, existência de lesões triarteriais e presença de OAAC. No primeiro paciente, a Cx originava-se da porção proximal da artéria coronária direita, apresentando lesão obstrutiva grave proximal (fig. 1A). No segundo paciente, a Cx nascia de óstio separado no seio aórtico direito e a lesão estenótica se localizava no segmento médio (fig. 2A). Como esperado, ambas as Cx tinham trajeto retroaórtico. Os pacientes foram submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica (RM). No primeiro paciente, os ramos marginais da Cx, na parede lateral do ventrículo esquerdo, eram de fino calibre (< 1 mm), impossibilitando anastomose adequada. Então, a Cx anômala foi dissecada desde sua origem no sulco atrioventricular direito e em todo seu trajeto retroaórtico no seio transverso. O enxerto de ATI direita in situ foi anastomosado ao segmento da Cx no seio transverso, por detrás e além da aorta, sem uso de circulação extracorpórea (CEC) (fig. 1B). No segundo paciente, a lesão na Cx localizava-se no segmento médio e os ramos marginais na parede lateral do ventrículo esquerdo eram de calibre adequado. O enxerto in situ de ATI direita, passado por via retroaórtica, foi anastomosado ao ramo marginal, com técnica convencional (fig. 2B). Em ambos os casos, a artéria descendente anterior foi revascularizada com uso de enxerto de ATI esquerda, tendo sido confeccionada ponte adicional de veia safena para a artéria descendente posterior. Os dois pacientes tiveram evolução hospitalar sem intercorrências e continuam em acompanhamento ambulatorial, com evolução estável.



Discussão

A anomalia de origem da Cx com trajeto retroaórtico está associada a morte súbita, decorrente de isquemia miocárdica5. O trajeto retroaórtico do segmento inicial da Cx anômala faz com que, em condições de esforço ou exercício, possa haver compressão pela aorta e isquemia2. Também tem sido relatada ocorrência documentada de espasmo envolvendo Cx anômala6.

Ueyama e cols.7, estudando os casos de OAAC em série consecutiva de angiocoronariografias, demonstraram que em 35% dos casos a Cx origina-se de um óstio separado no seio aórtico direito, com o restante saindo como um ramo da artéria coronária direita. Em todos os casos, a Cx anômala tinha trajeto retroaórtico antes de cursar o sulco atrioventricular esquerdo. Ainda nesse estudo, 80% das Cx anômalas tinham mais de 2 mm de diâmetro entre a origem e o início do trajeto no sulco atrioventricular esquerdo. Entretanto, após emergir do sulco atrioventricular esquerdo, 70% dos ramos marginais mediam menos de 1,5 mm, o diâmetro mínimo possível para a realização de anastomose coronariana com enxerto venoso ou arterial7.

Em ambos os casos aqui relatados, foi possível a utilização da ATI direita in situ para revascularizar a Cx através do seio transverso, em um caso sem uso de CEC. Essa técnica possibilita a conjugação de dois grandes avanços recentes da cirurgia de RM, ou seja, a técnica sem uso de CEC e a utilização de enxerto duplo de ATI para o sistema coronariano esquerdo8.

No primeiro caso, a ATI direita teve que ser anastomosada à Cx em seu trajeto retroaórtico, logo após a obstrução aterosclerótica, pelo reduzido calibre dos ramos marginais. No segundo caso, foi possível a realização da técnica convencional, com revascularização da artéria marginal na parede lateral, com enxerto de ATI direita.

Comparada à técnica convencional, a RM sem CEC está associada a melhor resultado imediato, com menor morbidade perioperatória e substancial redução de custos9. O uso bilateral de ATI proporciona benefícios adicionais, diminuindo a incidência de eventos cardiovasculares e aumentando a sobrevida em longo prazo, quando comparado ao uso único de ATI10. Esse benefício significativo ocorre quando ambas as ATIs são usadas para revascularizar o sistema coronariano esquerdo, sendo observado mesmo em subgrupos de pacientes de mais alto risco, como diabéticos, idosos e aqueles com disfunção ventricular10.

Em conclusão, a revascularização cirúrgica completa do miocárdio é factível em casos de OAAC, com uso de enxerto bilateral de ATI. Entretanto, essa variação pode constituir dificuldade técnica ao cirurgião por apresentar detalhes anatômicos inusitados. As técnicas aqui empregadas mostraram-se efetivas no tratamento das diferentes formas de apresentação da OAAC.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 26/05/06; revisado recebido em 28/10/06; aceito em 06/12/06.

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  • Correspondência:

    Walter J. Gomes
    Rua Borges Lagoa, 1080/608
    04038-002 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      06 Dez 2006
    • Recebido
      26 Maio 2006
    • Revisado
      28 Out 2006
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