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Tratamento da doença arterial coronariana em renais crônicos em diálise do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP

Resumos

FUNDAMENTO: O tratamento intervencionista da insuficiência coronariana é subempregado nos pacientes em diálise, pois há poucos estudos comprovando sua eficácia. OBJETIVO: Avaliar os resultados do tratamento intervencionista da doença arterial coronariana em pacientes tratados por diálise no HC da FMB. MÉTODOS: Foram avaliados 34 pacientes em diálise submetidos à angiografia coronariana entre set/95 e out/04, divididos de acordo com a presença ou ausência de lesão coronariana, tipo de tratamento e presença ou ausência de diabetes. Os grupos foram comparados de acordo com suas características clínicas e sobrevida. A sobrevida dos pacientes submetidos a tratamento intervencionista foi comparada à sobrevida geral dos 146 pacientes em diálise na instituição no mesmo período. O tratamento intervencionista foi indicado nas mesmas situações clínicas que na população geral. RESULTADOS: Os 13 pacientes que realizaram coronariografia e não exibiam lesões coronarianas apresentaram sobrevida de 100% em 48 meses, contra 35% dos 21 coronarianos no mesmo período. Os diabéticos coronarianos apresentaram sobrevida inferior aos não-diabéticos. A angioplastia exibiu pior prognóstico quando comparada à cirurgia; entretanto 80% dos submetidos a angioplastia eram diabéticos. Os 17 pacientes submetidos a procedimentos de revascularização coronariana apresentaram sobrevida semelhante aos 146 pacientes gerais do serviço. CONCLUSÃO: Esta pequena casuística mostra que a revascularização miocárdica, quando indicada, pode ser realizada em pacientes em diálise. Esta conclusão é corroborada pelo índice de mortalidade semelhante nos dois extratos de pacientes: coronarianos revascularizados e pacientes em diálise de maneira geral.

Insuficiência renal crônica; doença arterial coronariana; revascularização miocárdica


BACKGROUND: Interventional treatment of coronary insufficiency is underemployed among dialysis patients. Studies confirming its efficacy in this set of patients are scarce. OBJECTIVE: To assess the results of interventional treatment of coronary artery disease in patients undergoing dialysis. METHODS: A total of 34 dialysis patients submitted to coronary angiography between September 1995 and October 2004 were divided according to presence or absence of coronary lesion, type of treatment and presence or absence of diabetes mellitus. The groups were compared according to their clinical and survival characteristics. Survival of patients undergoing interventional treatment was compared to overall survival of 146 dialysis patients at the institution in the same period. Interventional treatment was indicated to the same clinical conditions in the general population. RESULTS: Thirteen patients with no angiography coronary lesions presented a survival rate of 100% in 48 months as compared to 35% of 21 patients with coronary artery disease. Diabetic patients had a lower survival rate compared with non-diabetics. Angioplasty had a worse prognosis compared to surgery; however, 80% of patients undergoing angioplasty were diabetic. Seventeen patients submitted to interventional procedures presented a survival rate similar to that of the others 146 hemodialysis patients without clinical evidence of coronary disease. CONCLUSION: This small series shows that myocardial revascularization, whenever indicated, can be performed in dialysis patients. This conclusion is corroborated by similar mortality rates in two groups of patients: coronary patients submitted to revascularization and overall dialysis patients.

Renal insufficiency, chronic; coronary artery disease; myocardial revascularization


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento da doença arterial coronariana em renais crônicos em diálise do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP

Paula Ferreiro Vieira; Paula Dalsoglio Garcia; Edson Antonio Bregagnollo; Fábio Cardoso Carvalho; Ana Cláudia Kochi; Antonio Sérgio Martins; Jaqueline Costa Teixeira Caramori; Roberto Jorge da Silva Franco; Pasqual Barretti; Luis Cuadrado Martin

Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP – Botucatu, SP

Correspondência Correspondência: Luis Cuadrado Martin Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp Rua Rubião Júnior s/n – Botucatu, SP E-mail: cuadrado@fmb.unesp.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O tratamento intervencionista da insuficiência coronariana é subempregado nos pacientes em diálise, pois há poucos estudos comprovando sua eficácia.

OBJETIVO: Avaliar os resultados do tratamento intervencionista da doença arterial coronariana em pacientes tratados por diálise no HC da FMB.

MÉTODOS: Foram avaliados 34 pacientes em diálise submetidos à angiografia coronariana entre set/95 e out/04, divididos de acordo com a presença ou ausência de lesão coronariana, tipo de tratamento e presença ou ausência de diabetes. Os grupos foram comparados de acordo com suas características clínicas e sobrevida. A sobrevida dos pacientes submetidos a tratamento intervencionista foi comparada à sobrevida geral dos 146 pacientes em diálise na instituição no mesmo período. O tratamento intervencionista foi indicado nas mesmas situações clínicas que na população geral.

RESULTADOS: Os 13 pacientes que realizaram coronariografia e não exibiam lesões coronarianas apresentaram sobrevida de 100% em 48 meses, contra 35% dos 21 coronarianos no mesmo período. Os diabéticos coronarianos apresentaram sobrevida inferior aos não-diabéticos. A angioplastia exibiu pior prognóstico quando comparada à cirurgia; entretanto 80% dos submetidos a angioplastia eram diabéticos. Os 17 pacientes submetidos a procedimentos de revascularização coronariana apresentaram sobrevida semelhante aos 146 pacientes gerais do serviço.

CONCLUSÃO: Esta pequena casuística mostra que a revascularização miocárdica, quando indicada, pode ser realizada em pacientes em diálise. Esta conclusão é corroborada pelo índice de mortalidade semelhante nos dois extratos de pacientes: coronarianos revascularizados e pacientes em diálise de maneira geral.

Palavras-chave: Insuficiência renal crônica, doença arterial coronariana, revascularização miocárdica.

Introdução

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em pacientes com insuficiência renal crônica (IRC) tratados por diálise, com destaque para a doença arterial coronariana (DAC)1. As doenças cardiovasculares respondem por mais da metade dos óbitos dos pacientes em diálise nos Estados Unidos e na Europa2,3. No Brasil, correspondem a 51% do total de óbitos4, se somadas as causas de mortalidade cardíacas e cerebrovasculares.

A elevada mortalidade cardiovascular observada entre os renais crônicos decorre, pelo menos em parte, da elevada prevalência nesses pacientes de fatores de riscos cardiovasculares tradicionais, tais como hipertensão arterial, diabete melito e hiperlipidemia. A prevalência de aterosclerose entre os renais crônicos é superior à esperada, o que pode ser imputado à presença de outros fatores predisponentes de lesão coronariana e inerentes à condição urêmica: elevação da lipoproteína A, hiper-homocisteinemia, aumento do estresse oxidativo, estado inflamatório, baixos níveis séricos de HDL, além da sobrecarga volêmica associada à insuficiência renal5. Assim, a doença renal crônica participa diretamente no processo de aterogênese6.

O miocárdio urêmico é mais suscetível à morte celular ante a agressão isquêmica que o miocárdio de indivíduos com função renal normal7. A suscetibilidade à isquemia também é agravada pela prevalência elevada de hipertrofia ventricular entre os urêmicos. A manutenção da perfusão adequada dos miócitos nessa população é, portanto, de grande importância.

Em pacientes transplantados, a principal causa de óbito também é cardiovascular, com mesmo destaque para DAC8. A mortalidade perioperatória e a falência do enxerto renal em pacientes com DAC não corrigida são elevadas, a ponto de desencorajar a realização deste procedimento9. Portanto, é necessária a investigação coronariana de candidatos ao transplante renal. Entretanto, a coronariografia não é indicada para todos os renais crônicos, por ser invasiva, de elevado custo e não isenta de riscos. Dessa maneira, a coronariografia fica reservada àqueles pacientes considerados de alto risco para DAC significativa8.

A população em diálise cresceu significativamente nos últimos anos. Havia no Brasil 15 mil pacientes em diálise em 1995, número esse triplicado em 2000. Estima-se que haja 70 mil pacientes em tratamento no presente momento9. Tal aumento denota acréscimo na população de renais crônicos com lesões coronarianas, o que ressalta a importância do estudo da DAC em diálise.

As diretrizes européias e norte-americanas de tratamento da DAC no portador de IRC10,11, bem como a maioria dos especialistas12-14 postulam que as indicações de revascularização miocárdica nesses pacientes devam ser semelhantes às da população geral. No entanto, os resultados são consideravelmente inferiores se comparados aos obtidos na população geral, mas superiores se comparados ao prognóstico dos renais crônicos que não sofreram terapia intervencionista15,16. Apenas um estudo controlado e randomizado17 e poucas casuísticas sustentam essa conduta, e, de nosso conhecimento, nenhuma casuística publicada no Brasil.

O presente estudo tem por objetivo avaliar os resultados dos tratamentos intervencionistas de revascularização miocárdica da DAC em renais crônicos tratados por diálise no HC da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).

Métodos

Foi realizado estudo prospectivo não-concorrente de todos os pacientes em programa de diálise submetidos a angiografia coronariana no período de setembro de 1995 a outubro de 2004 (34 pacientes). Todos os dados necessários ao estudo foram coletados mediante a análise dos prontuários dos pacientes.

Critérios de inclusão - Pacientes renais crônicos submetidos a coronariografia que apresentaram ou não lesão aterosclerótica coronariana, que sofreram ou não tratamento intervencionista para insuficiência coronariana. Consideraram-se tratamento intervencionista os procedimentos de angioplastia coronariana e cirurgia de revascularização do miocárdio. As indicações de revascularização seguiram o proposto pela NKF11 e EDTA12, para manejo da doença coronariana em renais crônicos, que recomendam tratamento intervencionista, nas mesmas condições de indicação dos pacientes não-renais crônicos.

Grupos - A casuística foi dividida em diferentes grupos de acordo com os seguintes critérios: presença ou não de lesão coronariana e realização ou não de tratamento intervencionista. Entre os que foram submetidos a tratamento intervencionista, considerou-se ainda a presença ou não de diabete e o tipo de procedimento realizado. O número de pacientes foi determinado pelo somatório de todos os casos que preencheram os critérios de inclusão e cujos dados estavam disponíveis para análise.

Dos 34 pacientes submetidos ao exame coronariano, 21 apresentaram positividade para DAC, denominados, assim, como grupo GOC (portadores de obstrução coronariana). Os 13 pacientes restantes, caracterizados pela ausência de lesão de coronárias, compreenderam o grupo GSO (grupo sem obstrução coronariana). No grupo GOC, 17 pacientes foram submetidos a tratamento intervencionista, agrupados como G1. Tal grupo foi, por sua vez, subdividido quanto à presença de diabete em: G1a constituído por diabéticos (n=10) e G1b por não-diabéticos (n=7). Calcularam-se e compararam-se, então, as sobrevidas desses diferentes grupos.

O grupo G1 sofreu ainda outra divisão, levando-se em conta o procedimento intervencionista adotado. Chamou-se de Grupo Cir o grupo de pacientes submetido à cirurgia (n=10) e Grupo Angio àqueles submetidos à angioplastia (n=7); todos os pacientes submetidos a angioplastia receberam stent.

A sobrevida dos pacientes submetidos a tratamento intervencionista foi também comparada à sobrevida geral dos 146 pacientes em programa de diálise (41 diabéticos e 105 não-diabéticos) na instituição no mesmo período (grupo controle).

O estudo foi realizado de acordo com a resolução 169/96 do Conselho Nacional de Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP.

Variáveis avaliadas - As seguintes variáveis foram obtidas por análise dos prontuários médicos e transcritas em ficha padronizada: número do prontuário, gênero, idade, raça, método dialítico (hemodiálise ou diálise peritoneal), causa da insuficiência renal, data de início do programa de diálise, data da coronariografia, data da intervenção (quando realizada), data do último seguimento e situação nesse momento (óbito ou censura, considerada censura a recuperação da função renal, a transferência para outro Serviço, o transplante renal ou o paciente vivo e ainda em diálise), sintomas (compatíveis com insuficiência cardíaca congestiva), antecedentes pessoais de tabagismo, diabete, hipertensão arterial e exames complementares (colesterol total, HDL-colesterol e triglicérides).

Os dados paramétricos foram expressos como média ± desvio-padrão, enquanto os não-paramétricos, como mediana e intervalo interquartílico. A sobrevida foi expressa em porcentagem no decorrer dos anos. As inferências sobre as variáveis contínuas foram realizadas pelo teste "t" para amostras independentes e pelo teste do Qui-quadrado (c2) para as variáveis discretas. As curvas de sobrevida foram traçadas considerando-se tempo de sobrevida a partir do momento da realização do método intervencionista até a morte ou censura, bem como a partir do início do programa de diálise, no sentido de corrigir esse dado para o tempo prévio em programa de diálise.

Foi realizada a comparação da sobrevida dos pacientes dentro dos diferentes grupos e também em relação ao grupo controle utilizando-se do método estatístico de tábua de sobrevida. A inferência estatística foi calculada pelo método proposto por Greenwod18.

Resultados

Houve diferença estatisticamente significante quanto à sobrevida dos grupos GOC (paciente com obstrução coronariana) e GSO (pacientes sem obstrução coronariana). A partir da data da coronariografia, evidenciou-se sobrevida de 100% em 48 meses no grupo GSO e de 71% (intervalo de confiança - IC: 62% a 80%), 35 % (IC:23%-47%) e 23% (IC: 10%-36%) em 12, 48 e 60 meses, respectivamente, para o grupo GOC (p<0,05). A sobrevida desses grupos está expressa na figura 1. Não foi encontrada diferença estatística quanto à idade, etnia e causa de insuficiência renal entre esses dois grupos; com maior freqüência do sexo masculino, no grupo com lesão coronariana (tab. 1). Quanto às variáveis clínicas, esses grupos não apresentaram diferenças estatisticamente significantes (tabs. 1 e 2). Em relação aos lípides plasmáticos, observou-se tendência estatística a maior nível de colesterol no grupo GOC (tab. 3).


No grupo GSO, não houve nenhum evento fatal. As causas das 17 mortes ocorridas no grupo GOC foram infarto do miocárdio em sete casos, três óbitos no período periprocedimento de revascularização, um óbito por acidente vascular encefálico, um por edema agudo de pulmão, um por neoplasia e quatro por infecção.

A sobrevida dos pacientes do grupo G1 (todos que sofreram intervenção coronariana) e de seus subgrupos foi calculada a partir da data do procedimento intervencionista e os seguintes valores foram encontrados: grupo G1, 59% (IC:36%-82%) em 12 meses, 35% (IC: 21%-49%) de 24 até 60 meses, com idade do grupo de 59 (57-68) (tab. 1). No mesmo período, o grupo G1a (subdivisão composta pelos diabéticos do G1) apresentou uma sobrevida de 50% (IC: 29%-61%) em 12 meses contra 78% (IC:65%-91%) do G1b (p<0,05). Aos 24 meses, G1a e G1b apresentaram sobrevida, respectivamente, de 33% (IC:12%-54%) e 41% (IC: 16%-66%). Quanto às variáveis demográficas e clínicas, esses grupos não apresentaram diferenças estatisticamente significantes (tab. 1 e 2). Quanto aos lípides plasmáticos, a média dos triglicérides foi significativamente superior no G1a, havendo tendência a níveis inferiores de HDL-colesterol (0,05<p<0,1). Os valores dos lípides plasmáticos estão expressos na tabela 3.

A sobrevida geral dos 41 diabéticos em diálise no mesmo período (grupo controle) foi de, respectivamente, 64% (IC: 55%-73%) em 12 meses, de 54% (IC: 43%-65%) em 24 meses, 54 % (IC: 43%-65%) em 36 meses e de 39% (IC: 26%-52%) em 48 meses. Tais resultados foram comparáveis com as curvas de sobrevida de G1a. Essa comparação foi realizada após ajuste que incluía no cálculo da sobrevida dos subgrupos o tempo em diálise antes do período da intervenção. Assim, nesse mesmo período, a sobrevida avaliada a partir do início da diálise dos diabéticos revascularizados foi de, respectivamente, 65% (IC: 51%-79%) em 12 meses, de 54% (IC: 36% -72%) em 24 meses, 41% (IC: 20% - 62%) em 36 meses e de 41% (IC: 20% - 62%) em 48 meses.

A sobrevida geral dos 105 não-diabéticos em diálise no mesmo período (grupo controle) foi de, respectivamente, 79% (IC: 74%-84%) em 12 meses, 70% (IC: 63%-77%) em 24 meses, 66% (IC: 57%-75%) em 36 meses e de 62% (IC: 52%-62%) em 48 meses. Tais resultados foram comparáveis com as curvas de sobrevida de G1b. Essa comparação foi realizada após ajuste que incluía no cálculo da sobrevida dos subgrupos o tempo em diálise antes do período da intervenção. Assim, nesse mesmo período, a sobrevida dos não-diabéticos revascularizados foi de, respectivamente, 81% (IC: 67%-95%) em 12 meses, de 58% (IC: 37%-79%) em 24, 36 e 48 meses.

Dos 21 pacientes que apresentaram obstruções epicárdicas à coronariografia, quatro não realizaram tratamento intervencionista, apesar de haver indicação clínica. Um recusou o procedimento e, nos demais, a conduta foi considerada inviável, sendo realizado apenas tratamento clínico. Dois desses pacientes faleceram com menos de um ano e um se mantém vivo com seguimento de nove meses.

Considerando o procedimento de revascularização adotado (cirurgia ou angioplastia), a sobrevida do grupo Cir foi de 71% (IC: 63%-79%) em 12 meses, 37% (IC: 22%-52%) a partir de 24 meses até os 60 meses, já a do grupo Angio foi de 51% (IC: 40%-62%) em 12 meses e 34% (IC: 17%-51%) em 24 meses (p<0,05 em 12 meses). Os indivíduos que sofreram procedimento cirúrgico, portanto, apresentaram sobrevida superior aos submetidos à angioplastia. Cabe ressaltar que 80% dos pacientes do grupo Angio tinham diabete como causa de sua insuficiência renal, enquanto no grupo Cir nenhum dos pacientes estava em diálise por nefropatia diabética (tab. 1), o que resultou em diferença estatística. O mesmo se aplica à maior freqüência de diabete no grupo Angio (tab. 2). Em relação às médias dos lípides plasmáticos, o grupo Angio apresentou níveis de colesterol e triglicérides significativamente superiores ao grupo Cir (tab. 3).

Discussão

Nesta casuística, composta por renais crônicos em diálise, a sobrevida dos pacientes coronarianos revascularizados foi semelhante à dos renais crônicos em geral desse serviço, o que corrobora a conduta intervencionista, nas mesmas indicações da população geral.

Alguns estudos, que compararam casuísticas de renais crônicos submetidos à revascularização miocárdica, com séries de pacientes não-renais crônicos submetidos aos mesmos procedimentos, sugerem que a presença de insuficiência renal implica prognóstico sombrio. Essas observações levaram alguns autores a desencorajar esses procedimentos entre os renais crônicos coronarianos. No entanto, nesses trabalhos, não houve comparação de grupos compostos por renais crônicos portadores de DAC com indicação de revascularização que, de fato, foram revascularizados, com pacientes de iguais características nos quais nenhuma intervenção tenha sido realizada. Existe apenas um trabalho, com pequena amostra, que realizou tal comparação com controle randomizado que, apesar de apresentar mortalidade perioperatória de 20%, obteve sobrevida de 80% em um ano no grupo intervenção, e de 20% no mesmo período no grupo de tratamento clínico17.

Na presente casuística, quando comparadas as sobrevidas de diabéticos e não-diabéticos, houve diferença estatística na sobrevida em 12 meses após o procedimento intervencionista (50% e 78%, respectivamente). Dessa maneira, a presença de diabete mostrou-se importante fator prognóstico negativo em renais crônicos submetidos a revascularização coronariana.

Comparando-se a sobrevida da população de diabéticos em diálise, desse Serviço, com a dos diabéticos com DAC que sofreram intervenção no presente estudo (G1a), corrigida para o tempo pregresso em diálise, obtivemos resultados de sobrevida semelhantes. Evidencia-se, assim, que a correção da lesão coronariana aproximou a curva desses dois grupos, uma vez que seria esperado que os pacientes com DAC tivessem sobrevida inferior. Já a sobrevida dos renais crônicos não-diabéticos com DAC revascularizados, quando comparada aos renais crônicos não-diabéticos do Serviço, mostrou-se discretamente inferior. Essa diferença, no entanto, não atingiu significância estatística, o que nos leva a conclusão análoga para os não-diabéticos.

As causas de morte entre os pacientes com lesão coronariana não foram, contudo, apenas de origem cardiovascular. Cinco entre os 17 óbitos deveram-se a outras causas (um decorrente de neoplasia e quatro de infecções). Para explicar tal observação, pode-se especular que os portadores de cardiopatias sejam menos resistentes a um evento infeccioso que aqueles com a integridade do sistema cardiovascular preservada.

Estudos prévios18 sugerem que pacientes em diálise, submetidos a tratamento cirúrgico, apresentam maior sobrevida do que aqueles submetidos a intervenção coronariana percutânea. No presente estudo, os resultados foram concordantes com a literatura. No entanto, não se pode deixar de considerar que, entre o grupo de pacientes submetidos a angioplastia, 90% eram diabéticos, enquanto apenas 14% eram portadores dessa doença no grupo correspondente ao tratamento cirúrgico. A presença de diabete pode, portanto, ser encarada como provável causador da maior mortalidade observada no grupo submetido a angioplastia. Ademais, o perfil lipídico dos diabéticos foi pior que o dos não-diabéticos.

Coorte estadunidense multicêntrica de 15.784 pacientes em diálise, submetidos a procedimentos invasivos de revascularização miocárdica19, mostrou sobrevida de 65,7% a 71,5% em 12 meses, 48,2% a 56,4% em 24 meses, e 28,6% a 37,0% em 42 meses. Os dados do presente trabalho aproximam-se dos obtidos no referido estudo que possuía 44,7% a 47,6% de diabéticos. A nossa casuística, por sua vez, apresenta 58,8% de diabéticos, o que pode justificar a sobrevida discretamente inferior.

Dois estudos japoneses20,21 mostram sobrevida de pacientes em diálise submetidos a cirurgia de revascularização de 74,5% em 40 meses e 45% em 70 meses no primeiro estudo, e 89%, 84% e 71% para um, três e cinco anos, respectivamente, no segundo estudo. Esses valores mostram-se superiores aos encontrados tanto na presente casuística quanto no estudo realizado nos Estados Unidos. Há que ressaltar, entretanto, que a sobrevida em diálise no Japão é superior à dos Estados Unidos. Esses resultados são análogos aos encontrados no presente estudo, na medida em que a sobrevida dos pacientes em diálise coronarianos revascularizados na casuística japonesa acompanha a sobrevida em diálise daquele país.

Estudo italiano22 mostrou sobrevida de 52,9% em um ano e 47% em dois anos de renais crônicos em diálise submetidos a procedimentos de revascularização coronariana. Tais resultados foram semelhantes aos obtidos no presente trabalho, com a diferença que este possui 58,8% de diabéticos contra 35% na casuística italiana. Os resultados daquele trabalho evidenciam o alto risco da revascularização miocárdica nos pacientes em diálise; portanto, os seus autores sugerem uma avaliação e tratamento precoce da doença coronariana nessa população, idéia essa compartilhada pelos autores do presente estudo.

Estudo da sobrevida de renais crônicos em diálise que realizaram cirurgias cardíacas (75% revascularizações coronarianas e 25% valvoplastias) mostrou que, em condições eletivas, o risco do procedimento é aceitável. Seus pacientes apresentaram expectativa de vida semelhante à da população em diálise, sem doenças cardíacas. Ainda que aquele autor23 não tenha estudado isoladamente o procedimento de revascularização coronariana, seus resultados corroboram os achados deste estudo.

O presente trabalho possui limitações. A amostra avaliada contém um número restrito de pacientes, além de corresponder à população em diálise de um único centro. Ainda, o número restrito de pacientes impossibilita a realização de análises múltiplas; porém, de maneira geral, as características clínicas foram homogêneas entre os grupos. As eventuais diferenças foram salientadas e o possível impacto das co-morbidades sobre os resultados foram discutidos. Entretanto, apesar do tamanho limitado, é interessante notar que os resultados são análogos às poucas grandes coortes de outros países publicadas e que nenhuma coorte brasileira nesse subgrupo de pacientes tenha sido, todavia, publicada. Os dados ora apresentados encorajam a realização de estudos multicêntricos que também avaliem a sobrevida desse grupo particular de pacientes para que possamos, no futuro, obter dados nacionais com número maior de pacientes.

Conclusão

A presença de DAC em renais crônicos parece estar associada à pior prognóstico, particularmente quando associada ao diabete. Os resultados ora apresentados, revelando índice de complicações semelhante ao de pacientes em diálise de maneira geral, sugerem que a revascularização miocárdica pode ser realizada por equipe experiente nesse grupo específico de pacientes nas mesmas situações em que seria indicada na população geral. Esses resultados corroboram as condutas propostas pela National Kidney Foundation11 e a European Dialysis and Transplantation Association12.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 29/06/06; revisado recebido em 02/01/07; aceito em 11/01/07.

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  • Correspondência:

    Luis Cuadrado Martin
    Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp
    Rua Rubião Júnior s/n – Botucatu, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2006
    • Revisado
      02 Jan 2007
    • Aceito
      11 Jan 2007
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