Acessibilidade / Reportar erro

Ocorrência e preditores clínicos de pseudocrise hipertensiva no atendimento de emergência

Resumos

OBJETIVOS: Descrever a prevalência de pseudocrise hipertensiva em pacientes atendidos em unidade de emergência com níveis de pressão arterial substancialmente elevados, comparando-a entre serviços privado e público; descrever a freqüência de tratamento indevido para essa condição; identificar, no momento da triagem, preditores independentes de pseudocrise; e avaliar o prognóstico dos pacientes com pseudocrise. MÉTODOS: Durante seis meses, foram incluídos pacientes com idade > 18 anos, atendidos nas Emergências de dois hospitais (privado e público), com pressão arterial diastólica > 120 mmHg. Pseudocrise hipertensiva foi definida na ausência de critérios para crise hipertensiva, segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia. RESULTADOS: Em 110 pacientes estudados, a prevalência de pseudocrise hipertensiva foi de 48% (intervalo de confiança de 95% [IC 95%] = 39%-58%), predominando no serviço privado (59% vs 37%; p = 0,02). A freqüência de tratamento indevido foi semelhante nos dois serviços (94% vs 95%; p = 0,87). Após análise multivariada, a presença de cefaléia na admissão (odds ratio = 5,4; IC 95% = 5,1-13; p < 0,001) e o nível da pressão arterial diastólica (odds ratio = 0,93; IC 95% = 0,89-0,97; p = 0,002) foram preditores independentes de pseudocrise. A mortalidade em cinco meses foi menor no grupo pseudocrise em relação à crise hipertensiva (0% vs 21%; p = 0,0004). CONCLUSÕES: A prevalência de pseudocrise hipertensiva é elevada em pacientes com suspeita de crise hipertensiva, especialmente em serviço privado. A freqüência de tratamento indevido é semelhante nos serviços privado e público. A presença de cefaléia e o nível da PA diastólica são preditores independentes dessa condição clínica. A pseudocrise hipertensiva é uma situação clínica de baixa letalidade.

Hipertensão; pseudocrise hipertensiva; crise hipertensiva; prevalência; preditores; atendimento de emergência


OBJECTIVES: To describe the prevalence of hypertensive pseudocrisis in patients treated in emergency rooms with substantially elevated blood pressure levels. To compare this prevalence in private and public hospitals. To describe the frequency of wrong treatment for this condition. To identify, during triage, independent predictors of pseudocrisis. To evaluate the prognosis of patients with pseudocrisis. METHODS: Patients above the age of 18, admitted to the Emergency Rooms of two hospitals (private and public) during a 6 month timeframe, with diastolic blood pressure > 120 mmHg were included in the study. Hypertensive pseudocrisis was determined when none of the criteria for hypertensive crisis were present (Guidelines of the Brazilian Society of Cardiology¹). RESULTS: In the 110 patients studied, the prevalence of hypertensive pseudocrisis was 48% (95% CI = 39%-58%) and prevailed in the private hospital (59% vs 37%, p=0.02). The frequency of wrong treatment was similar between the two hospitals (94% vs 95%, p=0.87). After multivariate analysis, the presence of headache upon admission (Odds Ratio=5.4; 95% CI = 5.1-13; p< 0.001) and diastolic BP levels (Odds Ratio=0.93; 95% CI = 0.89-0.97; p=0.002) were independent predictors of pseudocrisis. The 5 month mortality rate was lower in the pseudocrisis group than the hypertensive crisis group (0% vs 21%, p=0.0004). CONCLUSIONS: There is a high prevalence of hypertensive pseudocrisis in patients when hypertensive crisis is suspected, particularly in the private hospital. The frequency of wrong treatment was similar for both the private and public hospitals. Headaches and diastolic BP levels are independent predictors for this clinical condition. Hypertensive pseudocrisis has a low rate of lethality.

Hypertension; prevalence; predictors; emergency medical services


ARTIGO ORIGINAL

Ocorrência e preditores clínicos de pseudocrise hipertensiva no atendimento de emergência

Silvestre Sobrinho; Luís C. L. Correia; Constança Cruz; Mila Santiago; Ana Catarina Paim; Bruno Meireles; Mariana Andrade; Mariana Kerner; Paula Amoedo; Carlos Marcílio de Souza

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – EBMSP/Unidade de Emergência – Hospital da Cidade – HC/Unidade de Emergência – Hospital Geral do Estado – HGE/Serviço de Oftalmologia – Hospital Humberto Castro Lima – Salvador, BA

Correspondência Correspondência: Silvestre Sobrinho Rua Magno Valente, 110/801 – Pituba 41810-620 – Salvador, BA E-mail: ssnb.ba@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Descrever a prevalência de pseudocrise hipertensiva em pacientes atendidos em unidade de emergência com níveis de pressão arterial substancialmente elevados, comparando-a entre serviços privado e público; descrever a freqüência de tratamento indevido para essa condição; identificar, no momento da triagem, preditores independentes de pseudocrise; e avaliar o prognóstico dos pacientes com pseudocrise.

MÉTODOS: Durante seis meses, foram incluídos pacientes com idade > 18 anos, atendidos nas Emergências de dois hospitais (privado e público), com pressão arterial diastólica > 120 mmHg. Pseudocrise hipertensiva foi definida na ausência de critérios para crise hipertensiva, segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

RESULTADOS: Em 110 pacientes estudados, a prevalência de pseudocrise hipertensiva foi de 48% (intervalo de confiança de 95% [IC 95%] = 39%-58%), predominando no serviço privado (59% vs 37%; p = 0,02). A freqüência de tratamento indevido foi semelhante nos dois serviços (94% vs 95%; p = 0,87). Após análise multivariada, a presença de cefaléia na admissão (odds ratio = 5,4; IC 95% = 5,1-13; p < 0,001) e o nível da pressão arterial diastólica (odds ratio = 0,93; IC 95% = 0,89-0,97; p = 0,002) foram preditores independentes de pseudocrise. A mortalidade em cinco meses foi menor no grupo pseudocrise em relação à crise hipertensiva (0% vs 21%; p = 0,0004).

CONCLUSÕES: A prevalência de pseudocrise hipertensiva é elevada em pacientes com suspeita de crise hipertensiva, especialmente em serviço privado. A freqüência de tratamento indevido é semelhante nos serviços privado e público. A presença de cefaléia e o nível da PA diastólica são preditores independentes dessa condição clínica. A pseudocrise hipertensiva é uma situação clínica de baixa letalidade.

Palavras-chave: Hipertensão, pseudocrise hipertensiva, crise hipertensiva, prevalência, preditores, atendimento de emergência.

Introdução

A pseudocrise hipertensiva é definida pela elevação acentuada da pressão arterial, sem risco de deterioração aguda de órgãos-alvo1,2. É assim denominada por ser comumente confundida com a crise hipertensiva, situação que apresenta risco potencial ou evidências de lesão aguda de órgãos-alvo ou risco iminente de morte3. Por ser uma condição de menor risco, não há indicação de redução agressiva dos níveis pressóricos com medicamentos anti-hipertensivos, conduta que pode levar a quadros de isquemia, pela redução abrupta da pressão arterial4,5.

A despeito de ser uma condição aparentemente freqüente em unidades de emergência, não há descrição na literatura sobre sua prevalência, sobre as características clínicas desses pacientes ou sobre a conduta a que os mesmos são submetidos. No primeiro contato da equipe de emergência com o paciente, na triagem, ele é classificado em relação à gravidade e à necessidade de atendimento. Nesse momento, a definição inadequada poderá levar a uma seqüência de raciocínio equivocada. Por esse motivo, é importante definir, desde o início, a chance de esses indivíduos estarem ou não apresentando quadro verdadeiramente relacionado ao aumento dos níveis pressóricos. No entanto, não há evidência prévia na literatura a respeito de preditores de pseudocrise hipertensiva.

O presente estudo tem os seguintes objetivos: 1) descrever a prevalência da pseudocrise hipertensiva em pacientes atendidos em unidade de emergência, apresentando pressão arterial diastólica > 120 mmHg; 2) verificar se há diferença quanto à prevalência de pseudocrise entre os serviços privado e público; 3) descrever a ocorrência de tratamento indevido de pseudocrise, comparando o atendimento oferecido nos serviços privado e público; 4) identificar características clínicas encontradas na triagem que indiquem maior chance diagnóstica da referida condição clínica; e, finalmente, 5) comparar a sobrevida dos grupos de pacientes com crise e pseudocrise hipertensiva, em seguimento prospectivo, a fim de confirmar o caráter mais benigno desta última condição.

Métodos

De fevereiro a agosto de 2005, foram incluídos no estudo pacientes com idade > 18 anos, sintomáticos, que buscaram atendimento em unidade de emergência com pressão arterial diastólica > 120 mmHg. O estudo foi realizado em dois hospitais: Hospital da Cidade (HC) e Hospital Geral do Estado (HGE), representando, respectivamente, os serviços privado e público. Os pacientes foram submetidos a anamnese e exame físico, incluindo fundoscopia realizada por oftalmologista. Duas medidas da pressão arterial foram realizadas, com intervalo de um minuto, sendo considerada apenas a menor delas6. Para tal, foram utilizados aparelho aneróide calibrado e métodos previamente estabelecidos7. Os pesquisadores não influenciaram a conduta terapêutica, que ficou a critério das equipes médicas de cada hospital. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências, e os pacientes incluídos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Pseudocrise hipertensiva foi definida quando nenhuma das seguintes condições estava presente: encefalopatia hipertensiva, acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico, hemorragia subaracnóide, ataque isquêmico transitório, hipertensão maligna, trauma craniencefálico, dissecção aguda da aorta, síndrome coronariana aguda, insuficiência cardíaca, edema agudo de pulmão, glomerulonefrite aguda, vasculite e epistaxe grave3. Na presença de alguma dessas condições, o paciente foi definido como portador de crise hipertensiva. Para essas definições, os pacientes foram submetidos, no momento da admissão, aos seguintes exames complementares: radiografia do tórax, eletrocardiografia, hemograma, creatinina e sumário de urina. Ecocardiografia e tomografia computadorizada foram realizadas nos pacientes cujas suspeitas diagnósticas indicaram essa necessidade (aneurisma dissecante de aorta, encefalopatia hipertensiva, acidente vascular isquêmico ou hemorrágico, hemorragia subaracnóide, ataque isquêmico transitório e trauma craniencefálico). Foi considerado "tratamento indevido" quando o paciente com pseudocrise fez uso de medicação anti-hipertensiva, no intuito de redução imediata da pressão arterial.

No momento da triagem, variáveis clínicas foram obtidas por meio de entrevista e exame físico, para serem testadas como preditores de pseudocrise hipertensiva. No intuito de registrar letalidade, os pacientes foram acompanhados por um tempo mínimo de três meses. O seguimento hospitalar foi realizado pela equipe de pesquisadores e após a alta o contato foi feito por telefone.

As prevalências foram expressas por porcentual e intervalo de confiança de 95% (IC 95%), sendo comparadas pelo teste do qui-quadrado. Para comparar as características clínicas entre pacientes do grupo "pseudocrise" e os do grupo "crise hipertensiva", foi utilizado teste do qui-quadrado para as variáveis categóricas e teste t de Student para as variáveis contínuas. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar as variáveis contínuas sem distribuição normal ("pressão arterial diastólica", que apresentou grande concentração no valor de 120 mmHg, nível mínimo para inclusão dos pacientes no estudo). As variáveis independentes significativas na análise univariada entraram em modelo multivariado de regressão logística. A curva Receiver Operator Characteristics (ROC) foi utilizada para avaliar variáveis contínuas que se apresentaram como preditores independentes na análise multivariada, sugerindo-se o ponto de corte ideal para predição da presença de pseudocrise hipertensiva. A comparação da sobrevida entre pacientes com pseudocrise e crise hipertensiva foi realizada pela curva de Kaplan-Meier e pelo teste do Log Rank. A análise estatística foi realizada com o uso do programa SPSS, versão 10.0, e a significância estatística foi previamente definida por valor de p < 0,05.

Resultados

Foram selecionados 113 pacientes, dos quais três não concordaram em participar do estudo. Dessa forma, foram avaliados 110 pacientes, com média de idade de 58 ± 15 anos, 64% dos quais eram do sexo feminino, sendo 56 pacientes (51%) do hospital privado e 54 (49%) do hospital público. A prevalência de pseudocrise entre esses pacientes foi de 48% (IC 95% = 39%-58%), sendo maior no serviço privado, comparativamente ao público (59% vs 37%; p = 0,02). Entre os pacientes com critério diagnóstico para pseudocrise, 50 deles (94%) receberam tratamento indevido (anti-hipertensivo). Esse fenômeno ocorreu de forma semelhante nos serviços privado e público (94% vs 95%, respectivamente; p = 0,87).

Com relação às variáveis preditoras analisadas, pacientes com pseudocrise hipertensiva eram mais freqüentemente da raça branca (36% vs 19%; p < 0,04), apresentavam cefaléia como queixa principal (60% vs 19%; p < 0,001) e menores níveis de pressão arterial sistólica (196 ± 23 mmHg vs 214 ± 30 mmHg; p = 0,001) e de pressão arterial diastólica (124 ± 6 mmHg vs 137 ± 21 mmHg; p < 0,001), quando comparados aos pacientes com crise hipertensiva. As demais características não diferiram entre os dois grupos (tab. 1). Quanto à história clínica prévia, pseudocrise esteve menos associada a doença arterial coronariana (0% vs 12%; p = 0,008) e a insuficiência cardíaca (0% vs 8,8%; p = 0,03) (tab. 2). As variáveis significativas na análise univariada foram conjuntamente avaliadas em análise multivariada de regressão logística, permanecendo significativas apenas "cefaléia" (odds ratio [OR] = 5,4; IC 95% = 5,1-13; p < 0,001) e "pressão arterial diastólica" (OR = 0,93; IC 95% = 0,89-0,97; p = 0,002) como preditores independentes de pseudocrise (tab. 3).

A mediana da pressão arterial diastólica foi de 130 mmHg no grupo crise hipertensiva, comparada a 120 mmHg no grupo pseudocrise hipertensiva (p < 0,001) (fig. 1). Para o diagnóstico de pseudocrise, o nível da pressão arterial diastólica apresentou área abaixo da curva ROC significativa (0,71; IC 95% = 0,61-0,80) (fig. 2). Nesta análise, o ponto de corte de melhor acurácia foi de 121 mmHg, obtendo-se sensibilidade de 64% e especificidade de 68%. Assim, pacientes com pressão arterial diastólica menor que 121 mmHg apresentaram 65% de chance de pseudocrise, comparados a 33% dos pacientes com pressão arterial diastólica > 121 mmHg (p = 0,001).



O tempo de seguimento foi semelhante entre os grupos pseudocrise e crise hipertensiva (157 ± 39 dias vs 161 ± 49 dias, respectivamente; p = 0,65), havendo perda de contato com quatro pacientes (três deles com crise hipertensiva). Todos os pacientes do grupo "pseudocrise" continuavam vivos, enquanto 12 pacientes do grupo "crise hipertensiva" faleceram, representando 21% de letalidade (p = 0,0004) (fig. 3). Esses pacientes apresentaram maiores níveis pressóricos (pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica) em relação àqueles com pseudocrise, fato que também guardou relação com lesão aguda de órgãos-alvo da hipertensão. Ainda com relação aos óbitos, oito deles (66%) ocorreram por acidente vascular cerebral; dois deles (17%) ocorreram por encefalopatia hipertensiva, um ocorreu por dissecção aguda da aorta e o último deles, por infarto agudo do miocárdio. Os óbitos ocorridos durante a internação representaram 75% do total, e o restante ocorreu após a alta hospitalar. Do total de 12 óbitos, nove (75%) ocorreram no hospital público.


Discussão

O presente estudo demonstra elevada prevalência de pseudocrise hipertensiva em pacientes atendidos em unidade de emergência com sintomas atribuídos ao aumento dos níveis pressóricos, observação mais evidente no serviço privado em relação ao público. Em ambos os cenários, a maioria dos pacientes com pseudocrise foi conduzida indevidamente, recebendo tratamento anti-hipertensivo, como se fosse portadora de crise hipertensiva verdadeira. Entre as diversas características clínicas avaliadas no momento da triagem, a presença de cefaléia e o nível da pressão arterial diastólica foram identificados como preditores independentes de pseudocrise hipertensiva. Por fim, confirmando o caráter benigno dessa condição clínica, não foram registrados óbitos no seguimento desses pacientes, enquanto indivíduos com crise hipertensiva apresentaram alta letalidade em seguimento médio de cinco meses.

Os dados da literatura a respeito de pseudocrise hipertensiva são escassos, sendo este o primeiro estudo brasileiro a descrever em detalhes a freqüência dessa condição em distintos serviços de emergência. Além disso, esta descrição também abrangeu a forma como o plantonista de emergência está interpretando e conduzindo essa freqüente situação clínica. A necessidade de sua exclusão tem sido pontuada em citações sobre crises hipertensivas2,3,8. Possivelmente, a elevada freqüência de pseudocrise hipertensiva decorre do fato de a população atribuir sintomas inespecíficos ao aumento dos níveis pressóricos, quando na maioria das vezes a elevação pressórica é conseqüência desses sintomas. Sua maior prevalência no serviço privado pode resultar do mais fácil acesso desses indivíduos à assistência médica. Com isso, esses pacientes procuram atendimento na presença de sintomas menos intensos e inespecíficos, enquanto pacientes do serviço público resistem mais à procura desse atendimento na presença de sintomas semelhantes, por conta de acesso mais dificultado a serviços de emergência.

Quase a totalidade de pacientes com pseudocrise foi tratada como sendo portadora de crise verdadeira. Em concordância com os dados deste estudo, Gus e cols.9 demonstraram que a pressão arterial elevada, mesmo em serviço de emergência cardiológica, foi tratada em 76,3% dos casos, quando apenas 7,5% dos pacientes foram classificados como portadores de urgência ou emergência hipertensiva. Neste estudo, a freqüência de tratamento indevido para pseudocrise hipertensiva foi elevada e semelhante nos serviços privado e público. Esse achado, além de original, reflete o comportamento semelhante entre os médicos de ambos os serviços, e sugere a necessidade de abrangente ação no sentido de educação continuada, a fim de minimizar potenciais conseqüências negativas de condutas inadequadas. São relatados casos de infarto cerebral5,10 e de infarto do miocárdio11 com o uso de nifedipina. Identificam-se, também, relatos de isquemia miocárdica com o uso de diazóxido12 e de infarto cerebral com o uso de clonidina13, todas essas complicações ocorridas após redução aguda da pressão arterial. Esses dados alertam para o fato de a redução brusca e inadequada da pressão arterial poder transformar a pseudocrise em crise verdadeira, decorrente de evento isquêmico em órgão nobre. Assim, o aumento da pressão arterial isoladamente, sem clínica de urgência ou emergência hipertensiva, raramente requer terapia específica14,15. Por outro lado, em se considerando a favorável evolução dos pacientes com pseudocrise neste estudo, parecem raros os eventos decorrentes de ações anti-hipertensivas.

A alta prevalência de pseudocrise hipertensiva e o elevado índice de tratamento inadequado encontrados neste estudo apontam para a necessidade de melhor reconhecimento dessa condição na prática clínica. No intuito de aprimorar essa capacidade de reconhecimento, foram pesquisadas características que identificam esses pacientes desde o momento da triagem. A cefaléia, como queixa principal, associou-se de forma independente à pseudocrise hipertensiva. A esse respeito, Nobre e cols.16 encontraram queixa de cefaléia em 88% dos pacientes equivocadamente diagnosticados como portadores de crise hipertensiva, e Lima e cols.17 obtiveram melhores resultados quando utilizaram analgésico, em comparação a anti-hipertensivo, nos quadros de "hipertensão e cefaléia" no setor de emergência. Outras publicações têm tentado desvincular a cefaléia como sendo secundária à elevação da pressão arterial18,19. Isso pode refletir a quebra de um mito: cefaléia como conseqüência do aumento da pressão arterial. Ao contrário, em parte significativa dos pacientes, esse sintoma parece constituir a causa da elevação da pressão arterial, passando a admitir um novo foco no atendimento inicial aos hipertensos que buscam atendimento de urgência com essa queixa. Com relação aos níveis pressóricos, observou-se que quanto menor a pressão arterial diastólica maior a chance de pseudocrise, constituindo-se em preditor independente na análise multivariada. De acordo com esses dados, Varon e Marik20 pontuam que a disfunção de órgãos-alvo, com algumas exceções, é incomum com níveis de pressão arterial diastólica abaixo de 130 mmHg. Martin e cols.8, nos pacientes com emergência hipertensiva, encontraram níveis maiores de pressão arterial diastólica, comparativamente aos identificados como urgência hipertensiva, respectivamente. Este estudo, portanto, sugere que, ainda na triagem, observação de cefaléia como queixa principal e menores níveis de pressão arterial diastólica aumentam a probabilidade de estarmos diante de pseudocrise, ao invés de crise hipertensiva.

Para confirmar o caráter benigno da pseudocrise, comparada à crise verdadeira, foram acompanhados pacientes com ambas as condições clínicas por período médio de cinco meses. Todos os óbitos ocorreram no grupo de pacientes com crise hipertensiva, a maioria deles por complicações neurológicas, achados semelhantes àqueles encontrados em trabalhos que relatam complicações das emergências hipertensivas8. Por outro lado, os dados da literatura2-4 e os resultados práticos de trabalhos sobre o uso de fármacos destinados ao tratamento dos sintomas em pressão arterial elevada no setor de emergência17 apontam para o uso desses medicamentos como terapêutica mais adequada para as situações de pseudocrise hipertensiva. Pacientes com essa condição clínica, portanto, devem ser avaliados com maior cautela antes da instituição de terapêutica anti-hipertensiva, devendo ter seus sintomas iniciais (emoção, dor, desconforto, epistaxe, etc.) tratados e controlados, devendo ser considerada a causa e não a conseqüência do aumento dos níveis pressóricos, sobretudo na ausência de risco de lesão aguda de órgãos-alvo.

Considerações acerca das limitações deste estudo devem ser pontuadas:

1) Os achados deste estudo são aplicáveis somente a pacientes com pressão arterial diastólica igual ou superior a 120 mmHg, fato, inclusive, que subestima a prevalência de pseudocrise em unidades de emergência. No entanto, esse ponto de corte foi escolhido, pois é nessa faixa pressórica que ocorre, mais comumente, a confusão diagnóstica entre pseudocrise e crise hipertensiva;

2) Apesar de a amostra deste estudo não ter sido probabilística, os pacientes foram incluídos consecutivamente, dando caráter de não-intencionalidade à seleção dos mesmos;

3) Os aparelhos para mensuração da pressão arterial foram aneróides, não tão precisos quanto os digitais validados. No entanto, foi dada atenção especial à calibração dos mesmos e ao método de mensuração da pressão arterial7;

4) O caráter favorável da pseudocrise foi provavelmente superestimado, uma vez que não foram pesquisados os efeitos adversos menores e imediatos da terapêutica anti-hipertensiva nos pacientes com essa condição (mal-estar, tontura, hipotensão postural, etc.), pois foi avaliado somente o desfecho "letalidade".

O presente estudo se situa como original na descrição da prevalência da pseudocrise hipertensiva em nosso meio, abordando os aspectos clínicos que predizem essa condição, verificando a ocorrência de tratamento indevido e determinando seu prognóstico. Cremos que o melhor reconhecimento prático da pseudocrise, prevalente condição clínica, sirva como auxílio aos médicos em geral, resultando em terapêuticas adequadas, evitando riscos de iatrogenia, custos indevidos, fatores de estresse e permanência equivocada do paciente no setor de emergência.

Concluiu-se que a pseudocrise hipertensiva tem elevada prevalência no atendimento de emergência, além de cefaléia e nível de pressão arterial diastólica terem sido identificados como preditores independentes dessa condição clínica. Adicionalmente, sua prevalência foi maior no serviço privado quando comparado ao público, e o tratamento indevido foi semelhante em ambos os serviços. Finalmente, concluiu-se que a pseudocrise é uma condição clínica que apresenta bom prognóstico.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 06/08/06; revisado recebido em 02/12/06; aceito em 17/01/07.

  • 1. IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Sociedade Brasileira de Hipertensão/Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Nefrologia. Arq Bras Cardiol. 2004; 82 (Supl 4): 1-14.
  • 2. Franco RJS. Crise hipertensiva: definição, epidemiologia e abordagem diagnóstica. Rev Bras Hipertens. 2002; 9: 340-5.
  • 3. Praxedes JN, Santello JL, Amoedo C, Giorgi DMA, Machado CA, Jabur P. Encontro multicêntrico sobre crises hipertensivas: relatório e recomendações. J Bras Nefrol. 2001; 23 (supl 3): 1-20.
  • 4. Valdés SG, Roessler BE. Recomendaciones para el manejo de las crisis hipertensivas: Documento de Consenso de la Sociedad Chilena de Hipertensión Arterial. Rev Med Chile. 2002; 130: 1-17.
  • 5. Sanchez M, Sobrino J, Ribera L, Adrian MJ, Torres M, Coca A. Long-acting lacidipine vs. short-acting nifedipine in the treatment of asymptomatic blood pressure increase. J Cardiovasc Pharmacol. 1999; 33: 479-84.
  • 6. Santello JL, Praxedes JN. Emergências hipertensivas. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2003; 1: 176-88.
  • 7. European Society of Hypertension European Society of Cardiology. Guidelines for the management of arterial hypertension. J Hypertens. 2003; 21 (6): 1011-53.
  • 8. Martin JFV, Higashiama E, Garcia E, Luizon MR, Cipullo JP. Perfil de crise hipertensiva: prevalência e apresentação clínica. Arq Bras Cardiol. 2004; 83: 125-30.
  • 9. Gus M, Andrighetto AG, Balle VR, Pilla MB. Therapeutic approach to patients complaining of high blood pressure in a Cardiological Emergency Room. Arq Bras Cardiol. 1999; 72 (3): 324-6.
  • 10. Schwartz M, Naschitz JE, Yeshurun D, Sharf B. Oral nifedipine in the treatment of hypertensive urgency: cerebrovascular accident following a single dose. Arch Intern Med. 1990; 150: 686-7.
  • 11. OMailia JJ, Sander GE, Giles TD. Nifedipine-associated myocardial ischemia or infarction in the treatment of hypertensive urgencies. Ann Intern Med. 1987; 107: 185-6.
  • 12. Kanada SA, Kanada DJ, Hutchinson RA, Wu D. Angina-like syndrome with diazoxide therapy for hypertensive crisis. Ann Intern Med. 1976; 84: 696-9.
  • 13. Spitalewitz S, Porush JG, Oguagha C. Use of oral clonidine for rapid titration of blood pressure in hypertension. Chest. 1983; 83: 404-7.
  • 14. The Sixth Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure (JOINT VI). Arch Intern Med. 1997; 157: 2412-45.
  • 15. Fuchs FD. Hipertensão arterial sistêmica. In: Barros E, Manfro RC, Thomé FS, Gonçalves LF, eds. Nefrologia: rotinas, diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 242-66.
  • 16. Nobre F, Chauchar F, Viana JM, Pereira GJV, Lima NKC. Evaluation of the medical care of patients with hypertension in an Emergency Department and in Ambulatory Hypertension Unit. Arq Bras Cardiol. 2002; 78 (2): 159-61.
  • 17. Lima SG, Nascimento LS, Santos Filho CN, Albuquerque MFPM, Victor EG. Hipertensão arterial sistêmica no Setor de Emergência: o uso de medicamentos sintomáticos como alternativa de tratamento. Arq Bras Cardiol. 2005;85:115-22.
  • 18. Pickering T. Headache and hypertension something old, something new. J Clin Hypertens. 2000;2:345-7.
  • 19. Fernandes LC, Martins PD, Specialli JG, Gorayeb R, Coelho EB, Nobre F. Cefaléia e hipertensão: causa ou conseqüência? Rev Bras Hipertens. 2002;9:83-6.
  • 20. Varon J, Marik PE. The diagnosis and management of hypertensive crises. Chest. 2000; 118: 214-27.
  • Correspondência:

    Silvestre Sobrinho
    Rua Magno Valente, 110/801 – Pituba
    41810-620 – Salvador, BA
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Aceito
      17 Jan 2007
    • Recebido
      06 Ago 2006
    • Revisado
      02 Dez 2006
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br