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Sincronia ventricular em portadores de miocardiopatia dilatada e indivíduos normais: avaliação através da ventriculografia radioisotópica

Resumos

OBJETIVO: Estabelecer parâmetros de sincronia intra- e interventricular em indivíduos normais e compará-los aos de pacientes com miocardiopatia dilatada com e sem distúrbios de condução ao eletrocardiograma (ECG). MÉTODOS: Três grupos de pacientes foram incluídos no estudo: 18 indivíduos (G1) sem cardiopatia e com ECG normal (52+/-12 anos, 29% masculinos); 50 portadores de miocardiopatia dilatada e disfunção ventricular esquerda grave, sendo 20 pacientes (G2) com QRS < 120 ms (51+/-10 anos, 75% masculinos) e 30 pacientes (G3) com QRS > 120 ms (57+/-12 anos, 60% masculinos). Todos foram submetidos à ventriculografia radioisotópica (VR). Para avaliar dissincronia intraventricular esquerda foi estudada a largura do histograma de fase e para avaliar dissincronia interventricular foi medida a diferença da média do ângulo de fase entre o ventrículo direito e o esquerdo (DifDE). RESULTADOS: As frações de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)s foram: 62±6% (G1), 27±6% (G2) e 22±7% (G3) e do VD foram: 46 ± 4% (G1), 38±9%(G2) e 37±9% (G3). A avaliação da largura do histograma de fase foi de: 89±18 ms (G1), 203±54 ms (G2) e 312±130 ms (G3), p<0,0001. A medida da difVDVE foi de: 14±11 ms (G1), 39±40 ms (G2) e 87±49 ms (G3); quando se compararam G1 x G2 e G1 x G3, p<0,0001 e G2 x G3, p=0,0007. CONCLUSÃO: Os parâmetros analisados discriminam os três grupos de pacientes de acordo com o grau de sincronia ventricular. Pacientes com miocardiopatia dilatada e sem bloqueio de ramo ao ECG (QRS < 120 ms) podem apresentar dissincronia, porém em menor grau que os pacientes com QRS alargado.

Ventriculografia radioisotópica; imagem de fase; sincronia ventricular


OBJECTIVE: To establish the parameters of intra- and interventricular synchrony in normal individuals and to compare them with patients with dilated cardiomyopathy with and without conduction disorders shown in the electrocardiogram (ECG) examination. METHODS: Three groups of patients were included in this study: 18 individuals (G1) with no cardiomyopathy and with a normal ECG (52±12 years, 29% male); 50 patients with dilated cardiomyopathy and severe left ventricular dysfunction, with 20 patients (G2) presenting QRS <120ms (51±10 years, 75% male) and 30 patients (G3) with QRS >120ms (57±12 years, 60% male). All patients underwent RV. Evaluation of left intraventricular dyssynchrony was carried out with the measurement of the phase histogram width and interventricular dyssynchrony was evaluated by the difference of the mean phase angle between the right and left ventricles (RLDif). RESULTS: Left ventricle ejection fractions (LVEF)s were: 62 ± 6% (G1), 27 ± 7% (G2) and 22 ± 8% (G3) and right ventricle ejection fractions were: 46 ± 5% (G1), 41 ± 6%(G2) and 38 ± 8% (G3). Evaluation of the phase histogram width was: 89 ± 18 ms (G1), 203 ± 54 ms (G2) and 312 ± 130 ms (G3), p<0.0001. The measurement of RLDif was: 14 ± 11 ms (G1), 39 ± 40 ms (G2) and 87 ± 49 ms (G3); comparing G1 vs. G2 and G1 vs. G3, p<0.0001 and G2 vs. G3, p=0.0007. CONCLUSION: The parameters analyzed discriminate the three groups of patients according to the ventricular synchrony degree. Patients with dilated cardiomyopathy and withno branch block in ECG (QRS <120 ms) may present dyssynchrony, but at a lower degree than patients with widened QRS.

Radionuclide ventriculography; phase image; ventricular synchrony


ARTIGO ORIGINAL

Sincronia ventricular em portadores de miocardiopatia dilatada e indivíduos normais: avaliação através da ventriculografia radioisotópica

Simone Cristina S. Brandão; Maria Clementina P. Giorgi; Rodrigo T. de Miche; Silvana D'Orio Nishioka; Rafael Willain Lopes; Marisa Izaki; José Soares Junior; Martino Martinelli Filho; José Cláudio Meneghetti

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – InCor-FMUSP – São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Maria Clementina P. Giorgi Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 05403-900 – São Paulo, SP E-mail: mcp.giorgi@incor.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Estabelecer parâmetros de sincronia intra- e interventricular em indivíduos normais e compará-los aos de pacientes com miocardiopatia dilatada com e sem distúrbios de condução ao eletrocardiograma (ECG).

MÉTODOS: Três grupos de pacientes foram incluídos no estudo: 18 indivíduos (G1) sem cardiopatia e com ECG normal (52+/-12 anos, 29% masculinos); 50 portadores de miocardiopatia dilatada e disfunção ventricular esquerda grave, sendo 20 pacientes (G2) com QRS < 120 ms (51+/-10 anos, 75% masculinos) e 30 pacientes (G3) com QRS > 120 ms (57+/-12 anos, 60% masculinos). Todos foram submetidos à ventriculografia radioisotópica (VR). Para avaliar dissincronia intraventricular esquerda foi estudada a largura do histograma de fase e para avaliar dissincronia interventricular foi medida a diferença da média do ângulo de fase entre o ventrículo direito e o esquerdo (DifDE).

RESULTADOS: As frações de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)s foram: 62±6% (G1), 27±6% (G2) e 22±7% (G3) e do VD foram: 46 ± 4% (G1), 38±9%(G2) e 37±9% (G3). A avaliação da largura do histograma de fase foi de: 89±18 ms (G1), 203±54 ms (G2) e 312±130 ms (G3), p<0,0001. A medida da difVDVE foi de: 14±11 ms (G1), 39±40 ms (G2) e 87±49 ms (G3); quando se compararam G1 x G2 e G1 x G3, p<0,0001 e G2 x G3, p=0,0007.

CONCLUSÃO: Os parâmetros analisados discriminam os três grupos de pacientes de acordo com o grau de sincronia ventricular. Pacientes com miocardiopatia dilatada e sem bloqueio de ramo ao ECG (QRS < 120 ms) podem apresentar dissincronia, porém em menor grau que os pacientes com QRS alargado.

Palavras-chave: Ventriculografia radioisotópica, imagem de fase, sincronia ventricular.

Introdução

Com o surgimento da terapia de ressincronização cardíaca (TRC), no início da década de 1980, o estudo da sincronia de contração ventricular tornou-se de grande importância1. A TRC através da estimulação atriobiventricular melhora a qualidade de vida, a tolerância ao exercício, reduz o número de internações2,3, a mortalidade por progressão da insuficiência cardíaca (IC) e a mortalidade total4,5. De acordo com as diretrizes de tratamento da IC do Colégio Americano de Cardiologia e Sociedade Americana de Cardiologia, essa terapia está indicada em pacientes com IC refratária ao tratamento clínico otimizado, duração do QRS maior que 120 ms ao eletrocardiograma (ECG), principalmente na presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) menor que 35%6. Por sua vez, sabe-se que a presença isolada de BRE não traduz especificamente o dissincronismo e que cerca de 27% dos pacientes com IC e QRS menor que 120 ms têm dissincronia ventricular7.

Diante da complexidade técnica, dos custos da TRC e especialmente dos benefícios que ela pode oferecer aos pacientes com IC, é importante identificar indivíduos potencialmente responsivos à terapia na população de portadores de cardiomiopatia dilatada, em que a evidência do dissincronismo ventricular é essencial. A duração do QRS tem sido o principal parâmetro na identificação de dissincronia ventricular1. Entretanto, evidências crescentes têm demonstrado uma pobre correlação entre a resposta clínica e funcional à TRC e a duração do intervalo QRS8,9. Por sua vez, medidas diretas da dissincronia eletro-mecânica baseadas em métodos de imagem simples e não-invasivos podem melhorar os critérios de seleção e predizer melhor a resposta à TRC9,10. Alguns estudos têm utilizado a cintilografia sincronizada das câmaras cardíacas, ou ventriculografia radioisotópica (VR) de equilíbrio, para avaliar, através das imagens paramétricas de fase e amplitude, a sincronia de movimentação dos ventrículos11-20. Assim, parâmetros quantitativos que avaliem objetivamente o grau de sincronia inter- e intraventricular esquerda podem ajudar na melhor seleção e acompanhamento desses pacientes pré e pós TRC, acrescentando informação à medida do QRS ao ECG.

O objetivo deste estudo foi determinar valores de sincronia inter- e intraventricular em indivíduos sem cardiopatia e com ECG normal, através das imagens de fase derivadas da transformação de Fourier da VR, e compará-los aos de pacientes com miocardiopatia dilatada e duração do QRS ao ECG maior e menor que 120 ms.

Métodos

Foi realizado estudo prospectivo, transversal, no qual foram avaliados os dados de 68 ventriculografias radioisotópicas realizadas no serviço de Medicina Nuclear do Instituto do Coração da cidade de São Paulo, Brasil, no período de março de 2005 a maio de 2006. O comitê de ética da instituição aprovou o projeto.

Casuística - A análise das imagens de fase da VR foi feita em exames selecionados de pacientes que foram encaminhados para uma avaliação não-invasiva da função ventricular. Todos os pacientes foram adequadamente informados do objetivo do estudo e assinaram termo de consentimento.

Os pacientes foram separados em três grupos. O primeiro grupo (G1) compreendeu 18 indivíduos sem história de cardiopatia e ECG normal (idade média de 52+/-12 anos, 29% do sexo masculino); o segundo (G2) consistiu de 20 pacientes portadores de miocardiopatia dilatada, FEVE ao ecocardiograma inferior a 35%, classe funcional (CF) de IC pela New York Heart Association (NYHA) I a III e intervalo QRS ao ECG inferior a 120 ms (idade média de 51+/-10 anos, 75% do sexo masculino); e o terceiro grupo (G3) constou de 30 candidatos à TRC, portadores de miocardiopatia dilatada, CF de IC pela NYHA III ou IV com tratamento medicamentoso otimizado, FEVE ao ecocardiograma inferior a 35% e QRS ao ECG superior ou igual a 120 ms (idade média de 57+/-12 anos, 60% do sexo masculino). As características da população estão condensadas na tabela 1.

Ventriculografia radioisotópica sincronizada ao ECG - A marcação de hemácias foi realizada pela técnica in vivo. Para isso, os pacientes receberam cloreto estanoso por via venosa (2 mg), aguardaram-se 20 minutos, e a seguir foi administrado o pertecnetato (99mTcO4-) na dose de 740 MBq. As imagens foram adquiridas em gama câmara (LEM-Siemens) equipada com colimador de alta sensibilidade, para baixa energia e propósitos gerais e processadas em um computador utilizando o software ERNA. O pico da onda R do ECG foi utilizado para definir o início da aquisição das imagens. As imagens foram adquiridas inicialmente na projeção oblíqua anterior esquerda de melhor separação ventricular ("best septal view") e depois na oblíqua anterior esquerda de 30°. Foram realizadas 32 imagens por ciclo cardíaco com cerca de 300000 a 400000 contagens em cada quadro, utilizando-se matriz de 64 x 64. Para fins de análise da função ventricular foi calculada a FEVE e a FE do ventrículo direito (FEVD) com a seguinte fórmula:

Análise das imagens de fase - A seqüência de movimentação das paredes ventriculares foi avaliada quantitativamente através das imagens paramétricas de fase obtidas com a primeira harmônica de Fourier da curva tempo versus atividade de cada pixel das imagens adquiridas20. O ciclo cardíaco é um fenômeno periódico e pode ser representado pela projeção de um movimento circular, de duração igual à duração do R-R. Dessa forma se obtém uma correspondência entre os momentos, ou tempos, do ciclo R-R e os respectivos ângulos da circunferência, chamados ângulos de fase. As contagens de cada pixel variam de acordo com a fase do movimento ventricular. Cada pixel posicionado na imagem de fase foi codificado em uma escala de cores. Os pixels com o mesmo ângulo de fase, ou seja, com redução simultânea de contagens ou mesma fase de movimento demonstram a mesma cor. Os histogramas de fase de ambos os ventrículos e de cada um separadamente foram construídos a partir desses dados. Na abscissa do histograma encontram-se os ângulos de fase de movimentação ventricular, e na ordenada o número de pixels em cada ângulo de fase. A imagem de fase mostra o retardo relativo da movimentação das regiões ventriculares em relação ao pico da onda R do ECG em cada pixel da imagem (retardo eletromecânico). A sincronia interventricular (DVV) foi avaliada pela diferença entre o ângulo de fase média de movimentação do ventrículo direito (VD) e do ventrículo esquerdo (VE). A sincronia intraventricular esquerda (DVE) foi avaliada pela largura do histograma de fase do VE e os ângulos de fase com número de pixels inferior a 10% do valor médio de todos os pixels da região de interesse do VE foram excluídas. Assim foi possível padronizar a medida para todos os pacientes do estudo. Os valores obtidos foram transformados em milissegundos para análise estatística (figs. 1 e 2).



Análise estatística - As variáveis numéricas foram descritas através da média ± desvio-padrão (DP). Foram utilizados testes paramétricos. A comparação dos dados da VR entre os três grupos de pacientes estudados foi feita através do teste ANOVA; em seguida, foi realizado o teste de Bonferroni para localizar as diferenças. Para avaliar a diferença de distribuição de homens e mulheres entre os grupos foi utilizado o teste do Qui-quadrado. Um valor de p inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

Resultados

Grupos de pacientes - A média da duração do QRS em cada grupo é mostrada na tabela 2. Em relação à função ventricular sistólica global analisada através da VR, a média da FEVE no G1 foi de 62±6%, no G2 foi de 27±6% e no G3 de 22±7%, sendo a diferença entre os grupos estatisticamente significante (p<0,0001). A FEVD média foi de 46±4%, 38±9% e 37±9% para G1, G2 e G3, respectivamente. A diferença foi estatisticamente significante entre G1 e G2 (p=0,002) e G1 e G3 (p=0,0006) mas não entre G2 e G3 (p=0,7) (tab. 2).

Avaliação da sincronia interventricular (DVV) - A diferença temporal da motilidade média entre os dois ventrículos (difVDVE) foi 14±11 ms no G1, 39±40 ms no G2 e 87±49 ms no G3, p<0,0001. O atraso foi significantemente maior no G2 quando comparado ao G1 (p<0,0007) e no G3 quando comparado ao G1 e G2, p<0,0001 (gráfico 1).


Avaliação da sincronia intraventricular esquerda (DVE) - A diferença temporal de movimento entre as regiões ventriculares foi estatisticamente diferente entre os três grupos (p<0,0001) sendo muito maior no G3 (312±130 ms) quando comparado ao G2 (203±54 ms) e ao G1 (89±18 ms) (gráfico 2).


Discussão

No coração, o sistema de condução elétrica controla desde a sístole atrial até a coordenação de contração das paredes ventriculares. Na cardiomiopatia dilatada, ocorre aumento dos volumes ventriculares em razão das alterações funcionais e estruturais que interferem com a dinâmica cardíaca, provocando atrasos e prejudicando a contração atrial e a coordenação de contração dos ventrículos (atraso na condução inter- e intraventricular). Esse dissincronismo de contração piora ainda mais o desempenho cardíaco e os sintomas de IC21-24. Por exemplo, na presença BRE, observa-se uma ativação mais precoce da região septal associada a um estresse da região lateral que resulta na contração atrasada dessa parede e um grande estresse do septo já ativado prejudicando a contração miocárdica25. A TRC leva a uma melhora da ativação elétrica com conseqüente melhora na sincronia ventricular, na eficiência da função de bomba e na redução da regurgitação mitral1-6.

Cerca de 30% dos pacientes que recebem marcapasso com a finalidade de ressincronização não apresentam benefícios. Entretanto, uma proporção significante de pacientes com IC, disfunção ventricular esquerda importante e QRS inferior a 120 ms pode se beneficiar dessa terapia. Porém, de acordo com os critérios atuais de seleção, os pacientes com QRS menor que 120 ms não são candidatos à TRC1,8,26. Vários estudos têm sugerido que a medida do grau de dissincronia ventricular pelos métodos diagnósticos, tais como ressonância nuclear magnética, ecocardiograma com Doppler tecidual e ventriculografia radioisotópica poderiam melhor predizer a resposta à TRC8-12,14-17,26.

Por meio do presente estudo, foi possível verificar quais parâmetros quantitativos de sincronismo ventricular obtidos da análise de fase permitem estabelecer diferenças entre os três grupos de pacientes de acordo com o desempenho funcional do miocárdio ventricular e a largura do QRS. Foi observado que em pacientes candidatos a TRC, o retardo eletromecânico de movimentação ventricular é bem maior em relação ao de pacientes sem cardiopatia e ECG normal. Ainda mais, pacientes portadores de miocardiopatia dilatada com disfunção sistólica grave do VE e duração do QRS inferior a 120 ms podem apresentar dissincronia ventricular, porém em valores inferiores aos de pacientes com QRS alargado.

Alguns estudos já têm demonstrado através da ecocardiografia com Doppler tecidual que a avaliação de dissincronia ventricular parece ser mais importante que a duração do QRS na seleção de candidatos a TRC26-28. Fauchier e cols.16 relataram que a presença de dissincronia intraventricular esquerda avaliada através das imagens de fase da VR foi um preditor independente de evento cardíaco na cardiomiopatia dilatada idiopática sem relação com a largura do QRS. Esses autores também sugeriram que valores expressos em milissegundos, em vez de em graus, são mais adequados porque levam em conta a duração do ciclo cardíaco. Nosso estudo também usou os valores em milissegundos para padronizar a unidade com os outros métodos que avaliam dissincronia.

A ventriculografia radioisotópica é uma técnica bem estabelecida e foi pioneira na avaliação da sincronia da motilidade ventricular13. É de fácil utilização, rápida, reprodutível e permite também avaliar a função sistólica global de ambos os ventrículos com pouca interferência do operador. Mediante um recurso matemático (1ª harmônica de Fourier) é possível avaliar o grau de sincronia ventricular29. Esse método avalia a sincronia de movimentação ventricular por pixel da imagem, diferindo nesse ponto do ecocardiograma. Neste estudo foi possível encontrar diferenças temporais na movimentação das paredes inter- e/ou intraventriculares, mesmo em pacientes que apresentavam QRS com duração normal, parecendo ser a análise de fase uma ferramenta extremamente sensível na detecção de dissincronia. Esse dado sugere que o método poderia ser utilizado especialmente nos pacientes em que a TRC se apresenta como opção terapêutica mas nos quais outros métodos não identificaram dissincronia.

Os resultados mostraram valores médios de dissincronia interventricular através da VR cerca de três vezes maiores no G2 e seis vezes maiores no G3, e de dissincronia intraventricular esquerda cerca de duas vezes maiores no G2 e três vezes maiores no G3 em relação ao grupo de normais (G1). Valores acima de 40 ms são usados por muitos serviços na caracterização de dissincronia inter- e intraventricular esquerda através do ecocardiograma com Doppler tecidual30. Nosso estudo avaliou dissincronia ventricular esquerda de modo diferente dos outros estudos que usaram a VR12-16,18. Foi medida a largura do histograma de fase do VE e não o desvio-padrão. Em alguns pacientes, o DP parecia subestimar o grau de dissincronia, por isso optou-se por utilizar a largura do histograma. Assim foi medido o tempo de movimentação de toda a área de interesse do VE sendo encontrados valores maiores de dissincronia intraventricular esquerda quando comparados com os valores da literatura. Entretanto, esses valores foram bem diferentes nos três grupos estudados, mostrando que essa medida discrimina os pacientes de acordo com diferentes graus de sincronia ventricular. Em indivíduos com grandes dispersões dos ângulos de fase, a aferição da largura do histograma torna-se mais difícil. Mais estudos precisam ser feitos para avaliar a reprodutibilidade dos valores encontrados.

A VR também permite calcular a FEVD, sendo um excelente método na avaliação da função ventricular direita31. Neste estudo a FEVD dos grupos G2 e G3 foi discretamente menor que nos voluntários normais. A FEVD deve ser considerada relevante, pois, em pacientes que apresentam FEVE abaixo de 35% ela se apresenta como o fator prognóstico mais importante32. Recentemente, Bleeker e cols.33 relataram através do ecocardiograma que a TRC induz a remodelamento reverso não somente sobre o VE, mas também sobre o VD. Esse efeito foi mais pronunciado em pacientes com dilatação importante do VD e esse benefício só foi alcançado nos pacientes com dissincronia intraventricular esquerda comprovada através do ecocardiograma com Doppler tecidual antes do implante do marcapasso. Logo, a presença de dissincronia intraventricular esquerda parece mandatória para ocorrer benefícios com a TRC e a avaliação da FEVD pode ser usada para acompanhamento e avaliação do prognóstico destes pacientes.

Limitações - Encontramos um desvio-padrão relativamente alto nos valores obtidos em todos os grupos. Esse fato pode ser explicado pelo pequeno número de indivíduos estudados. A proporção maior de voluntários normais do sexo feminino pode ter interferido nos valores dos parâmetros estudados.

A inclusão dos pacientes no estudo foi feita de forma consecutiva à medida que eles foram encaminhados ao serviço de medicina nuclear para realização da VR, o que também pode ter influenciado os resultados obtidos. Houve uma diferença estatisticamente significante na FEVE entre os grupos 2 e 3. Dessa forma, a diferença encontrada no grau de dissincronia ventricular, com maiores valores para o grupo 3, pode ter sido influenciada pela pior função contrátil observada nestes pacientes.

Perspectivas futuras - A VR feita em duas projeções pode caracterizar anormalidades na sincronia ventricular, porém a localização da região que se encontra atrasada não pode ser feita de forma precisa. Estudos com tomografia computadorizada por emissão de fóton único estão sendo desenvolvidos, o que pode melhorar o desempenho dessa técnica na avaliação de dissincronia e ajudar na determinação do local de implante do eletrodo no VE34. Por sua vez, a determinação de valores normais para grupos específicos, como as mulheres, poderá refinar os achados de dissincronia nessa população. Esses achados sugerem que essa técnica pode ser utilizada na seleção de pacientes candidatos a TRC, adicionando informações com o objetivo de diminuir o número de não-responsivos.

Conclusões

A VR pode avaliar de forma quantitativa sincronia inter- e intraventricular esquerda, além de ser um excelente método na avaliação da função global de ambos os ventrículos. Os parâmetros analisados discriminam os três grupos de pacientes de acordo com o grau de sincronia ventricular. Pacientes com miocardiopatia dilatada e sem distúrbios de condução ventricular ao ECG (QRS < 120 ms) podem apresentar dissincronia, porém em menor grau que os pacientes com QRS alargado.

Financiamento: Financiado em parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) projeto 04/12160.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 22/08/06; revisado recebido em 19/09/06; aceito em 24/11/06.

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  • Correspondência:

    Maria Clementina P. Giorgi
    Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
    05403-900 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Aceito
      24 Nov 2006
    • Revisado
      19 Set 2006
    • Recebido
      22 Ago 2006
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