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Trombose aguda de prótese mecânica mitral tratada efetivamente com trombólise

Resumos

Mulher com 61 anos de idade, portadora há 11 anos de prótese mecânica, foi internada com dispnéia súbita, palidez e fibrilação atrial. A avaliação diagnóstica incluiu ecocardiografia transesofágica, que demonstrou restrição importante da mobilidade de um dos folhetos da prótese mitral e imobilidade do outro, juntamente com imagem de espessamento compatível com trombo aderido à valva. Foi feito o diagnóstico de trombose de prótese mecânica mitral e instituída terapia trombolítica (rtPA) com sucesso. A paciente está em acompanhamento há mais de um ano, com evolução satisfatória.

Trombose; fibrinólise; próteses valvulares cardíacas; terapia trombolítica


A 61-year-old female patient using a mechanical prosthesis for 11 years was admitted to the hospital with sudden dyspnea, pallor and atrial fibrillation. The diagnostic evaluation included transesophageal echocardiogram, which showed a significantly reduced motion of one of the leaflets of the mitral prosthesis and immobility of the other, in addition to a thickened structure compatible with a thrombus adherent to the valve. The patient was diagnosed with thrombosis of mechanical mitral valve prosthesis. Thrombolytic therapy (rtPA) was started successfully. The patient has been followed up for more than one year with a favorable outcome.

Thrombosis; fibrinolysis; heart valve prosthesis; thrombolytic therapy


RELATO DE CASO

Trombose aguda de prótese mecânica mitral tratada efetivamente com trombólise

Wilson Coelho Pereira Filho; Abrahão Hallack Neto; Leandro Caetano Pimentel; Glauco Resende Bonato; Felipe de Sousa Possani; Moisés Caminatti

Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora – Juiz de Fora, MG

Correspondência Correspondência: Wilson Coelho Pereira Filho Av. Rio Branco, 2288/810 36016-310 – Juiz de Fora, MG E-mail: wcoelho@cardiol.br

RESUMO

Mulher com 61 anos de idade, portadora há 11 anos de prótese mecânica, foi internada com dispnéia súbita, palidez e fibrilação atrial. A avaliação diagnóstica incluiu ecocardiografia transesofágica, que demonstrou restrição importante da mobilidade de um dos folhetos da prótese mitral e imobilidade do outro, juntamente com imagem de espessamento compatível com trombo aderido à valva. Foi feito o diagnóstico de trombose de prótese mecânica mitral e instituída terapia trombolítica (rtPA) com sucesso. A paciente está em acompanhamento há mais de um ano, com evolução satisfatória.

Palavras-chave: Trombose/complicações, fibrinólise, próteses valvulares cardíacas, terapia trombolítica.

Introdução

Com o avanço da medicina, a população tem alcançado maior expectativa de vida. Em relação às valvopatias, esse avanço tem proporcionado intervenções cirúrgicas repetidas, com indicação cada vez maior do implante de próteses valvares mecânicas. A trombose constitui uma de suas complicações mais temidas, atingindo incidência de 0,2% a 6% em câmaras cardíacas esquerdas e de até 20% em próteses tricúspides1. Sua principal condição predisponente é a anticoagulação inadequada, encontrada em 82% dos casos1-3. Intervenção cirúrgica tem sido o tratamento tradicional, porém os índices de morbidade e de mortalidade podem chegar a 69% em pacientes com insuficiência cardíaca em classes funcionais III e IV da New York Heart Association (NYHA)1. A utilização efetiva de fibrinolítico no tratamento de trombose de prótese Starr-Edwards em posição tricúspide foi descrita pela primeira vez por Luluaga e cols.4, em 1971. Atualmente, a terapia trombolítica tem sido documentada como um tratamento alternativo eficaz, sendo a primeira escolha nas câmaras direitas3-6. Entretanto, o risco de eventos embólicos, de eventos hemorrágicos e de recidivas ainda faz da trombólise um tratamento discutível no acometimento valvar aórtico e mitral5. Relatamos um caso de trombose em prótese mitral mecânica que obteve sucesso com a terapia trombolítica.

Relato do Caso

Mulher com 61 anos de idade foi internada com quadro súbito de dispnéia aos mínimos esforços, ortopnéia, dispnéia paroxística noturna, astenia, palidez cutaneomucosa e sudorese.

Sua história médica incluía lesão mitral reumática e duas trocas valvares: colocação de prótese biológica inicialmente e colocação de prótese metálica Carbomedics 27 há 11 anos. Portadora há cinco meses de linfoma não-Hodgkin de grandes células B, estava sendo submetida a tratamento quimioterápico com esquema CHOP (ciclofosfamida, adriamicina, vincristina e prednisona). A paciente usava warfarina na dose de 5 mg por dia, que foi substituída por enoxaparina na dose de 40 mg por dia três meses antes da internação, em decorrência de possível interação medicamentosa com os quimioterápicos. Foi examinada dias antes da internação e encontrava-se totalmente assintomática.

Ao ser internada, o exame físico revelou freqüência respiratória de 20 incursões por minuto (ipm), pulso irregular com boa amplitude, freqüência cardíaca de 100 batimentos por minuto, pressão arterial de 110 mmHg x 70 mmHg, mucosas descoradas (2+/4+) e temperatura axilar de 37ºC. Estava lúcida e sem déficit neurológico, tendo sido observados murmúrio vesicular reduzido em bases pulmonares e estertores até o terço médio bilateralmente, com ritmo cardíaco irregular e hiperfonese acentuada de P2, sem sopros. Apresentava edema de membros inferiores 1+/4+.

A radiografia de tórax (fig. 1) demonstrou congestão pulmonar significativa e derrame pleural bilateral. O exame eletrocardiográfico demonstrou fibrilação atrial e ausência de isquemia miocárdica. Foram os seguintes os resultados da análise sanguínea: hemoglobina, 10,4 g/dl; potássio, 3,0 mEq/l; tempo de tromboplastina parcial, 30,0 s (idêntico ao controle); atividade de protrombina, 81,4%; e relação normatizada internacional (RNI), 1,22.


O ecocardiograma transtorácico demonstrou aumento grave de átrio esquerdo, fração de ejeção de 61%, prótese metálica mitral com orifício de fluxo calculado de 1,7 cm2, alto gradiente diastólico transprotético compatível com estenose grave da prótese mitral, e hipertensão arterial pulmonar moderada.

Diante da evidência ecocardiográfica de provável trombose da valva protética mitral foi iniciada heparinização plena e solicitada ecocardiografia transesofágica.

O ecocardiograma transesofágico (fig. 2) acrescentou dados de restrição significativa da mobilidade de um dos folhetos da prótese mitral e imobilidade do outro, juntamente com imagem de espessamento compatível com trombo aderido à valva, aumento do gradiente AE/VE (átrio esquerdo/ventrículo esquerdo) máximo de 31 mmHg e médio de 17 mmHg, com área valvar estimada em 0,55 cm2 e pressão sistólica arterial pulmonar (PSAP) de 61 mmHg.


A paciente evoluiu com piora significativa da função respiratória, freqüência respiratória de 32 ipm, esforço ventilatório e hipotensão arterial.

Foi instituída terapia trombolítica com rtPA na dose de 100 mg por via endovenosa em infusão contínua por duas horas, seguida de retorno da heparinização plena. Logo após o término da infusão, o ecocardiograma transtorácico já demonstrava diminuição do gradiente AE/VE e da PSAP. A paciente evoluiu com melhora gradual do quadro clínico.

A ecocardiografia transesofágica (fig. 2) realizada três dias após a trombólise evidenciou átrio esquerdo de 55 mm, fração de ejeção de 76%, restrição significativa da mobilidade de um dos folhetos da prótese, com boa mobilidade do outro, gradiente AE/VE máximo de 17 mmHg e médio de 6 mmHg, área valvar estimada em 2,0 cm2, PSAP estimada em 42 mmHg, refluxo protético mitral discreto a moderado, e refluxo tricúspide moderado.

A paciente está em acompanhamento cardiológico e mantém-se assintomática. Usa anticoagulante oral contínuo e não apresentou novos eventos tromboembólicos.

A ecocardiografia realizada em julho de 2005 revelou área valvar de 3,7 cm², gradiente transvalvar normal, PSAP de 39 mmHg e presença de contraste espontâneo no átrio esquerdo. Nova ecocardiografia foi feita em março de 2006, demonstrando átrio esquerdo de 47 mm, área valvar de 2,94 cm2, PSAP de 34 mmHg, e prótese sem sinais de disfunção.

O linfoma não-Hodgkin encontra-se em remissão.

Discussão

O ecocardiografia transesofágica é a melhor ferramenta diagnóstica para determinar alterações no mecanismo oclusivo valvar ou existência de massas valvares trombóticas, principalmente na posição mitral. Caracteriza o tipo, o tamanho e a localização do trombo, auxiliando na escolha do tratamento mais apropriado5.

Terapia trombolítica para trombose de prótese valvar (TPV) em câmaras esquerdas é aceitável em pacientes criticamente enfermos, como o caso relatado, nos quais a intervenção cirúrgica apresenta alto risco, ou naqueles com contra-indicação cirúrgica. A argumentação favorável à cirurgia em pacientes em classes funcionais I ou II da NYHA baseia-se na baixa mortalidade nesse grupo, em oposição ao alto risco de embolia (12% a 17%) da trombólise7. Lengyel e cols. encontraram, em revisão de 200 artigos sobre trombólise em TPV de câmaras esquerdas, sucesso inicial de 82%, com taxa de tromboembolia de 12% e mortalidade de 10%8.

Antecedente de acidente vascular cerebral e tamanho do trombo observado pela ecocardiografia são preditores independentes de complicação relacionada à trombólise. Para cada aumento de 1 cm2 na área do trombo corresponde aumento da taxa de complicações de 2,4 vezes. Pacientes que apresentam trombo com área < 0,8 cm2 têm sucesso na trombólise sem efeitos adversos significativos. A presença de trombo com área > 0,8 cm2 foi preditora de complicação, com sensibilidade de 79% e especificidade de 68%6.

Finalmente, Reddy e cols9. sugeriram que a trombólise pode representar uma alternativa importante nos países em desenvolvimento, em que não se dispõe de cirurgia cardíaca, principalmente se houver extrema gravidade clínica.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 10/08/06, revisado recebido em 14/09/06, aceito em 14/09/06.

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  • 9. Reddy NK, Padmanabhan TNC, Singh S, Kumar DN, Raju PR, Satyanarayana PV, et al. Thrombolysis in left-sided prosthetic valve occlusion: immediate and follow-up results. Ann Thorac Surg. 1994; 58: 462-71.
  • Correspondência:

    Wilson Coelho Pereira Filho
    Av. Rio Branco, 2288/810
    36016-310 – Juiz de Fora, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Set 2006
    • Revisado
      14 Set 2006
    • Recebido
      10 Ago 2006
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