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Uso de rTPA e aspirina no tratamento de trombose intracardíaca em recém-nascido

Resumos

Descreve-se o caso de um recém-nascido prematuro de peso muito baixo, gemelar, com trombose intracardíaca. O recém-nascido apresentou quadro compatível com sepse neonatal, sendo submetido a suporte avançado de vida, terapia com antibióticos, nutrição parenteral, uso de hemoderivados e cateterismo venoso profundo. Evoluiu com suspeita de endocardite infecciosa, sendo realizada ecocardiografia bidimensional com Doppler, quando foi evidenciado volumoso trombo intracavitário. Pela alta letalidade e pela dificuldade técnica da cirurgia, que, em alguns casos, é contra-indicada, optou-se pelo uso do trombolítico ativador de plasminogênio tecidual recombinante humano (rTPA) associado a aspirina, obtendo-se dissolução total do trombo sem efeitos adversos.

Fibrinolíticos; plasminogênio; aspirina; trombose; inibidores da agregação de plaquetas


We describe a case of a very low birth weight premature female twin with intracardiac thrombosis. Her condition was consistent with neonatal sepsis, and she was treated with advanced life support, antibiotic therapy, parenteral nutrition, blood transfusion, and central venous catheterization. Infective endocarditis was suspected, and a large intracavitary thrombus was detected by two-dimensional Doppler echocardiography. Surgical procedure was not only technically difficult but also highly lethal, being contraindicated in some cases. Consequently, the use of the thrombolytic recombinant tissue-plasminogen activator (rTPA) associated with aspirin was the treatment of choice, and complete dissolution of the thrombus was achieved without adverse effects.

Fibrinolytic agents; plasminogen; aspirin; thrombosis; platelet aggregation inhibitors


RELATO DE CASO

Uso de rTPA e aspirina no tratamento de trombose intracardíaca em recém-nascido

Fernanda Almeida Tardin; Antônio Carlos Avanza Júnior; Marcos Rogério Arantes Andião; Sônia Maria Alves Andrade Rabello; Emília de Mattos Gouvêa Cristello; Edna Cellis Vaccari Baltan; Edelweiss Bussinguer Pereira Pegurin; Norma Suely Oliveira

Santa Casa de Misericórdia de Vitória, UTI da Criança, Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória – Vila Velha, ES

Correspondência Correspondência: Fernanda Almeida Tardin Rua Marechal Barbacena, 1088/42 – Vila Regente Feijó 03333-000 – Vila Velha, ES E-mail: ferdialmeida@hotmail.com

RESUMO

Descreve-se o caso de um recém-nascido prematuro de peso muito baixo, gemelar, com trombose intracardíaca. O recém-nascido apresentou quadro compatível com sepse neonatal, sendo submetido a suporte avançado de vida, terapia com antibióticos, nutrição parenteral, uso de hemoderivados e cateterismo venoso profundo. Evoluiu com suspeita de endocardite infecciosa, sendo realizada ecocardiografia bidimensional com Doppler, quando foi evidenciado volumoso trombo intracavitário. Pela alta letalidade e pela dificuldade técnica da cirurgia, que, em alguns casos, é contra-indicada, optou-se pelo uso do trombolítico ativador de plasminogênio tecidual recombinante humano (rTPA) associado a aspirina, obtendo-se dissolução total do trombo sem efeitos adversos.

Palavras-chave: Fibrinolíticos, plasminogênio, aspirina, trombose/complicações, inibidores da agregação de plaquetas.

Introdução

Complicações trombóticas podem ocorrer em recém-nascidos em cuidado intensivo que necessitam de internações prolongadas, uso de cateter venoso profundo, terapia com antibióticos de amplo espectro, nutrição parenteral e uso de hemoderivados. A causa desses trombos está associada principalmente ao uso de cateter venoso profundo e às infecções sistêmicas. O diagnóstico diferencial entre as massas intracardíacas (trombo, tumor e vegetação) deve ser realizado cuidadosamente por meio de história clínica, avaliação do exame físico, e análises laboratorial (hemocultura) e ecocardiográfica1,2.

Há controvérsias quanto ao tratamento (clínico ou cirúrgico) da trombose intracardíaca em neonatos, pois não existem evidências científicas suficientes para nortear a melhor conduta até o momento3. Em decorrência do risco de tromboembolismo, por vezes fatal, nesses pacientes, o ativador de plasminogênio tecidual recombinante (rTPA) é o trombolítico que vem sendo utilizado atualmente, com sucesso, na faixa pediátrica4. Há pouco relato do uso dessa medicação em recém-nascidos, principalmente em prematuros de peso muito baixo, não se conhecendo, portanto, o alcance terapêutico desse agente. Os antiagregantes plaquetários (aspirina), outra opção descrita como coadjuvante no tratamento antitrombótico, têm demonstrado efeito satisfatório5.

Relato do Caso

Recém-nascido do sexo feminino, prematuro (idade gestacional pós-natal de 34,4 semanas), primeiro gemelar, parto operatório, membranas íntegras, escore de Apgar 7/8, pesando 1.490 g, com perímetro cefálico de 29 cm e comprimento de 40 cm, foi internado em Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal (UTI da Criança) em decorrência de quadro de desconforto respiratório precoce. No início dos 75 dias de internação, apresentou doença de membrana hialina moderada, sepse neonatal precoce associada a meningite, pneumonia e icterícia. Fez uso de surfactante exógeno, suporte ventilatório tanto invasivo como não-invasivo (811 horas de exposição ao oxigênio), terapia com antibióticos de amplo espectro (cobertura para Gram-positivos e Gram-negativos, anaeróbios e fungos), fototerapia, agentes cardiotônicos, hemoderivados, imunoglobulina endovenosa (três dias) e nutrição parenteral total (32 dias). Evoluiu com enterocolite necrotizante (estágio II de Bell), anemia, derrame pleural à direita, displasia broncopulmonar, coagulação intravascular disseminada, refluxo gastroesofágico e incoordenação da sucção e da deglutição. Além do acesso vascular periférico, houve necessidade de inserção de cateter central por via periférica (veia braquial), utilizado por 17 dias. Após controle tanto clínico como cirúrgico (ressecção intestinal e ileostomia) do quadro descrito, o recém-nascido apresentou elevação dos níveis de proteína C-reativa (> 50 mg/dl; valor de referência, < 6 mg/dl), a despeito de culturas negativas (sangue, líquor, urina, líquido pleural, ponta de cateter venoso), hemograma normal, pesquisa negativa de sífilis, toxoplasmose, hepatite B e citomegalovírus, e de a mãe ser HIV-negativa. Nesse momento (49 dias de vida), houve suspeita de infecção clínica inaparente (artrite séptica, osteomielite, endocardite), sendo adotada propedêutica para tal. Os exames de imagem (inventário ósseo e ultra-sonografia das articulações) foram normais, mas ao ser realizada ecocardiografia bidimensional com Doppler evidenciou-se imagem sugestiva de trombo intracavitário, de contornos regulares, no interior do átrio direito, com protrusão em direção ao ventrículo direito durante a sístole atrial (fig. 1). Após consentimento familiar, iniciou-se o uso de rTPA, com aumento progressivo das doses diárias (0,2 mg/kg/h até 0,5 mg/kg/h), em infusão de seis horas, por 10 dias. Durante o período de tratamento, foram realizados estudos ecocardiográficos seriados para acompanhar a regressão do trombo, fato esse observado após o final de terapêutica trombolítica (fig. 2). Finalizado o tratamento com rTPA, utilizou-se ácido acetilsalicílico (3 mg/kg/dia) durante três meses com controle ecocardiográfico ambulatorial, revelando dissolução total do trombo (fig. 3). Durante a terapêutica trombolítica, não foram observados efeitos adversos.




Discussão

Recém-nascido prematuro de peso muito baixo freqüentemente evolui com complicações cardiorrespiratórias e infecciosas graves, dentre elas osteomielite, artrite séptica e endocardite. O uso de cateter venoso profundo é necessário para o tratamento desses pacientes; sendo assim, há possibilidade de ocorrência de complicações secundárias a esse procedimento. Cateter venoso central e endocardite infecciosa são causas possíveis de formação de trombos6.

Pelas características clínico-laboratoriais apresentadas pelo recém-nascido em questão, optou-se por iniciar o tratamento para endocardite infecciosa e propedêutica para tal. Dentre as possibilidades diagnósticas, como trombo, tumor e vegetação, a hipótese de trombose foi a mais provável, em virtude do uso prolongado de cateter venoso profundo, ausência de sintomas cardiovasculares, hemocultura negativa, imagem ecocardiográfica evidenciando câmaras cardíacas normais e presença de massa ecodensa, única e homogênea em átrio direito, com aspecto de superfície lisa, não aderente à parede nem à valva tricúspide.

Inserção periférica de cateter central é um procedimento de rotina em recém-nascido, com o objetivo de otimizar a nutrição e providenciar estável infusão de medicações no sistema vascular central. Cateteres centrais são relacionados a eventos tromboembólicos e podem ser observados em 13% a 74% dos pacientes pediátricos7,8. Entre os fatores de risco, relata-se não haver relação com o tipo de inserção do cateter (periférica ou central), com o diâmetro ou com o tempo de uso, mas com a localização do mesmo (mais freqüentes em veias femoral e subclávia e menos freqüentes em veias braquial e jugular)9. Apesar de a via utilizada no caso ser de menor risco, eventos trombóticos podem ocorrer, entretanto não é usual a localização intracardíaca nem o grande volume encontrado2.

A abordagem cirúrgica, além de apresentar alta taxa de mortalidade e técnica operatória difícil, principalmente em prematuros, pode ser contra-indicada em tromboses localizadas em câmaras direitas6. Apesar de a experiência do uso de rTPA em neonatos ser limitada, alguns autores utilizaram essa medicação na faixa pediátrica com sucesso. Embora ainda não haja ensaio clínico aleatório, duplo-cego, avaliando a eficácia terapêutica e os efeitos colaterais desse agente, sabe-se que o rTPA tem baixa afinidade pelo plasminogênio circulante, o que permite dissolução do trombo sem repercussões sistêmicas4, justificando sua opção para o caso. Obteve-se excelente resultado após tratamento com esse trombolítico associado a aspirina, com dissolução total do trombo e ausência de complicações, principalmente hemorrágicas, observadas com o uso de outros trombolíticos6. O fato de a aspirina ter boa eficácia como antiagregante plaquetário e ser relativamente segura e de existirem estudos anteriores encorajadores5 faz com que seja uma opção promissora no tratamento de trombo intracavitário.

O objetivo do relato foi demonstrar a possibilidade do uso de rTPA/aspirina como alternativa eficiente nos casos de trombose intracardíaca em prematuros de peso muito baixo (< 1.500 g), nos quais a cirurgia, além da alta mortalidade e da dificuldade técnica, pode ser contra-indicada. Soma-se a isso a inclusão de mais uma evidência científica no sentido de aperfeiçoar a modalidade terapêutica nesses casos, em que ainda não há consenso na literatura.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 17/08/06, revisado recebido em 09/11/06, aceito em 14/12/06.

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  • Correspondência:

    Fernanda Almeida Tardin
    Rua Marechal Barbacena, 1088/42 – Vila Regente Feijó
    03333-000 – Vila Velha, ES
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Recebido
      17 Ago 2006
    • Revisado
      09 Nov 2006
    • Aceito
      14 Dez 2006
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