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Ressincronização ventricular: comparando os marcapassos biventriculares com os marcapassos bifocais de ventrículo direito

Resumos

OBJETIVO: Realizar uma análise da estimulação biventricular convencional (BV), da estimulação bifocal (BF) de ventrículo direito (VD) e uma análise comparativa das duas técnicas, em relação aos parâmetros clínicos, funcionais e ecocardiográficos, em uma população sem os critérios de exclusão dos trabalhos clássicos. MÉTODOS: Foram analisados de forma prospectiva, não randomizada, 36 pacientes submetidos a cirurgia para implantes de marcapassos multissítos devido a QRS > 130 ms, disfunção ventricular esquerda grave e insuficiência cardíaca congestiva classe funcional III ou IV. RESULTADOS: Os resultados favoráveis da ressincronização foram obtidos com as duas técnicas, sem diferenças significativas na comparação dos dois grupos, exceto por maior estreitamento do QRS e tendência a menor número de internações no grupo dos BV. Quando os grupos foram analisados individualmente e comparados, antes e após os procedimentos, observamos que as melhoras foram bem mais expressivas no grupo dos biventriculares, assim como os índices de relevância estatística maiores. CONCLUSÃO: A terapia de ressincronização cardíaca mostrou ser terapia eficaz nos 2 grupos analisados, entretanto com resultados mais expressivos no grupo dos biventriculares.

Ressincronização ventricular; marcapasso artificial; estimulação cardíaca artificial; insuficiência cardíaca congestiva


OBJECTIVE:To analyze the conventional biventricular pacing (BV) and the bifocal (BF) right ventricular (RV) pacing, and to perform a comparative analysis of these two techniques in relation to clinical, functional and echocardiographic parameters in a population without the exclusion criteria of the major studies. METHODS:A prospective non-randomized analysis of 36 patients undergoing surgery for multisite pacemaker implantation due to QRS > 130 ms, severe left ventricular dysfunction, and NYHA functional class III or ambulatory class IV congestive heart failure was performed. RESULTS: Favorable results of resynchronization were obtained with both techniques, with no significant differences in the comparison of the two groups, except for a higher QRS narrowing in the BV group, and a trend of a lower number or hospital admissions in the BV group. When the groups were analyzed separately and compared before and after the procedures, we observed that improvement was much more significant in the biventricular group, as were the more statistically relevant rates. CONCLUSION: Cardiac resynchronization therapy proved to be an efficient therapy in both groups analyzed, although with more significant outcomes in the biventricular group.

Ventricular resyncronization; pacemaker, artificial; cardiac pacing, artificial; heart failure, congestive


ARTIGO ORIGINAL

Ressincronização ventricular – comparando os marcapassos biventriculares com os marcapassos bifocais de ventrículo direito

Eduardo Arrais Rocha; Tatiana Pereira Gondim; Sebastião Abreu; Roberto Farias; Vera Marques; Almino Rocha; Demóstenes Ribeiro; Ricardo Pereira; Pedro Negreiros; Carlos Roberto M. Rodrigues; José Nogueira Paes Júnior

Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Ceará, Hospital Prontocárdio, Hospital Monte Klinikum - Fortaleza, CE - Brasil

Correspondência Correspondência: Eduardo Arrais Rocha Av. Padre Antônio Tomás, 3535/1301 60190-020 - Fortaleza, CE - Brasil E-mail: eduardoa@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Realizar uma análise da estimulação biventricular convencional (BV), da estimulação bifocal (BF) de ventrículo direito (VD) e uma análise comparativa das duas técnicas, em relação aos parâmetros clínicos, funcionais e ecocardiográficos, em uma população sem os critérios de exclusão dos trabalhos clássicos.

MÉTODOS: Foram analisados de forma prospectiva, não randomizada, 36 pacientes submetidos a cirurgia para implantes de marcapassos multissítos devido a QRS > 130 ms, disfunção ventricular esquerda grave e insuficiência cardíaca congestiva classe funcional III ou IV.

RESULTADOS: Os resultados favoráveis da ressincronização foram obtidos com as duas técnicas, sem diferenças significativas na comparação dos dois grupos, exceto por maior estreitamento do QRS e tendência a menor número de internações no grupo dos BV. Quando os grupos foram analisados individualmente e comparados, antes e após os procedimentos, observamos que as melhoras foram bem mais expressivas no grupo dos biventriculares, assim como os índices de relevância estatística maiores.

CONCLUSÃO: A terapia de ressincronização cardíaca mostrou ser terapia eficaz nos 2 grupos analisados, entretanto com resultados mais expressivos no grupo dos biventriculares.

Palavras-chave: Ressincronização ventricular, marcapasso artificial, estimulação cardíaca artificial, insuficiência cardíaca congestiva.

Introdução

O tratamento da insuficiência cardíaca congestiva (ICC) tem evoluído com grandes avanços terapêuticos nas últimas duas décadas, com evidentes reduções na morbidade e mortalidade desses pacientes. Entretanto, muitos pacientes persistem com sintomas importantes e com elevado número de internações, tendo prognóstico reservado e alto custo do tratamento1,2.

Distúrbios de condução pelos ramos direito ou esquerdo podem ser observados em 30% a 50% dos casos. Atrasos na condução do estímulo intra- ou interventricular (dissincronismo) podem ser vistos em até 80% dos pacientes com bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e, em proporções menores, nos bloqueios de ramo direito (BRD) com hemibloqueios associados (HB)3. É descrito também que até 20% a 30% dos pacientes com ICC e QRS estreito (sem bloqueios de ramo) podem ter dissincronismo, sendo importante a avaliação ecocardiográfica4 ou a análise de fases, pela medicina nuclear, para determinar a presença e o grau de dissincronismo.

Vários estudos recentes têm demonstrado que a terapia de ressincronização ventricular com implante de marcapassos multissítios (átrio direito, ventrículo direito e ventrículo esquerdo) reduz sintomas, número de internações, melhorando a classe funcional (CF) e a qualidade de vida, com modificações significativas nos parâmetros ecocardiográficos, com melhora da função sistólica, diastólica e redução do grau de insuficiência mitral. Esses efeitos podem estar relacionados à correção do dissincronismo presente, induzindo ao que se denomina remodelamento reverso ou reduções nos diâmetros e na morfologia do ventrículo esquerdo5,6.

Mais recentemente, dois grandes "Trials" multicêntricos e randomizados evidenciaram impacto significativo dessas terapias na redução da mortalidade, quer isoladamente com marcapassos biventriculares7 quer quando associadas a desfibriladores implantáveis (CDI)8.

A estimulação multissítio com dois eletrodos em ventrículo direito (ponta de VD e na região do trato de saída de VD) e com um em átrio direito, denominada estimulação bifocal (BF), também tem se mostrado, em casuísticas menores não randomizadas9,10, uma alternativa viável na tentativa de ressincronização, com procedimentos mais rápidos e de menores custos (fig.1). Entretanto, os estudos com essa técnica são escassos, principalmente quando comparados com o padrão clássico de ressincronização, com o eletrodo em seio coronariano estimulando o ventrículo esquerdo.


O objetivo do presente estudo foi realizar uma análise da estimulação biventricular convencional (BV), da estimulação bifocal (BF) de ventrículo direito (VD) e uma análise comparativa das duas técnicas, em relação aos parâmetros clínicos, funcionais e ecocardiográficos, em uma população com indicação convencional para ressincronização, sem excluir, entretanto, da análise, populações de pacientes com bloqueio de ramo direito, fibrilação atrial, marcapassos convencionais prévios com estimulação em VD, diferentes miocardiopatias, inclusive chagásica e com presença ou não de BAV 1º grau.

Métodos

Foram analisados, de forma prospectiva não-randomizada, 36 pacientes submetidos a cirurgia para implante de marcapassos multissítio (terapia de ressincronização ventricular), por apresentarem distúrbios de condução (QRS > 130 ms), disfunção ventricular esquerda grave e por se encontrarem em insuficiência cardíaca congestiva classe funcional (CF) da NYHA III ou IV, em análise média dos últimos seis meses. Os pacientes necessitavam estar devidamente compensados, por, pelo menos, 15 dias, para serem submetidos ao procedimento. As cirurgias foram realizadas em diferentes hospitais pela mesma equipe médica. Os procedimentos foram acompanhados por médico eletrofisiologista, para ajuda na cateterização do seio coronariano, caso necessário, e por dois médicos especialistas em estimulação cardíaca e um anestesista para sedação venosa. Foram 15 pacientes no grupo do bifocal (BF) e 21 pacientes no grupo dos biventriculares (BV).

Os marcapassos biventriculares utilizados foram Insync da Medtronic, Contak da Guidant e Frontier da St Jude. Em alguns pacientes selecionados para estimulação bifocal foram utilizados marcapassos convencionais dupla-câmara com adaptadores (26,6%); e, em 13,3% do grupo BF com fibrilação atrial foram usados marcapassos dupla-câmara, com a entrada atrial servindo para entrada do eletrodo de via de saída de VD, sendo encurtado o intervalo atrio ventricular para o menor valor possível. Os exames ecocardiográficos foram realizados pela mesma equipe de ecocardiografistas, sendo a FE analisada preferencialmente pelo método de Simpson e/ou ventriculografia radioisotópica (figs. 2 e 3).



A opção pela estimulação bifocal ocorreu pelos seguintes fatores: idade mais avançada, opção do médico ou pelo insucesso no implante pela técnica clássica. O tempo estimado de procedimento variou entre duas e quatro horas e meia para os biventriculares, e duas horas para os bifocais, havendo nítido decréscimo no tempo, com o maior número de procedimentos realizados e com a melhora nos cateterese introdutores para cateterização do seio coronariano (fig. 1).

Não ocorreu mortalidade hospitalar em até quatro meses do procedimento (tab. 1). Uma paciente apresentou edema agudo de pulmão em sala, tendo o procedimento sido trocado para bifocal de VD. Ocorreu deslocamento do eletrodo de seio coronariano em um paciente, não sendo esse incluído nesta análise. Cinco pacientes, já portadores de marcapasso convencional no lado direito, receberam implante de biventricular através de acesso por veia jugular interna direita, para facilitar cateterização do seio coronariano. Nos marcapassos biventriculares, para angiografia do seio coronariano, foram utilizados contrastes não-iônicos, variando entre 20 e 50 ml diluídos em 50 ml de solução salina. Cinco pacientes com biventricular (BV) tiveram limiar maior que 3,0 volt, sendo 2 acima de 5,0 volts. Esses pacientes não necessitaram ser reoperados. Não ocorreram infecções nos dois grupos.

Os grupos eram homogêneos em relação às diversas variáveis analisadas, como sexo, etiologia das miocardiopatias, presença de fibrilação atrial, bloqueio de ramo direito e portadores de marcapasso prévio. Ocorreu maior tendência estatística (p=0,102) para pacientes mais idosos no grupo do bifocal (BF) e com significância estatística para maior tempo de acompanhamento nos bifocais (p=0,019). Em relação às etiologias, predominaram miocardiopatia dilatada em ambos os grupos (61,9% BV x 60% BF), miocardiopatia isquêmica (33,3% BV x 33,3% BF) e miocardiopatia chagásica (4,8% BV x 6,7% BF). Os grupos tiveram incidência semelhante de pacientes com BAV de 1º grau concomitante aos BR (61,9%BV x 61,5% BF). Os pacientes estavam em tratamento otimizado para ICC, estando a maior parte deles em uso de dois ou mais comprimidos de diurético de alça. O uso de betabloqueador e inibidores da enzima de conversão foi tentado e otimizado ao máximo em todos os pacientes previamente.

O tempo de seguimento médio no grupo BF foi de 18,5 meses e no grupo BV de 10,10 meses (p=0,019). O acompanhamento clínico e de programação dos marcapassos foi realizado com 12 dias, dois meses e em seguida, bimestralmente, sendo dessa forma assegurada a estimulação 100% nos ventrículos. Os exames ecocardiográficos foram realizados entre três e seis meses (primeiro controle) e, em seguida, após um ano. Os eletrodos ventriculares no grupo BV eram posicionados em ponta de VD, trato de via de saída de VD (3p) e o de VE, em veia lateral, posterior ou póstero-lateral de VE. No grupo BF, os eletrodos foram posicionados na ponta de VD e na região do trato de saída de VD (parede livre de VD ou região do septo alto) (fig. 4).


Os pacientes com implante de marcapassos biventriculares foram submetidos a avaliação paralela de dissincronismo, estando presente em todos os 12 pacientes analisados, com melhor ou reversão em 11 pacientes. A identificação prévia de dissincronismo ventricular é importante na determinação da melhora dos pacientes11.

Análise estatística - As variáveis quantitativas foram descritas em valores de média, com desvio ou erro-padrão, para refletir melhor a precisão da estimativa do parâmetro. Utilizou-se o teste exato de Fisher para verificar a homogeneidade ou associações em tabelas de contingência (cruzamento de dados qualitativos). O teste de Levene foi aplicado para a comparação da variabilidade das variáveis contínuas e o teste de Shapiro-Wilk, para verificar a normalidade da distribuição dessas variáveis.

Para a comparação das médias das variáveis cuja distribuição é normal, em populações pareadas, foi usado o teste t de Student pareado e o teste do Sinal, para análise das variáveis contínuas, cuja distribuição não é normal (ausência de padrão de Gauss). Parâmetros como classe funcional (CF) e grau de disfunção diastólica (DD) foram analisados na forma de escores para os respectivos valores, com análises pelo teste t de Student para populações não-pareadas, e o teste de Mann-Whitney, para a comparação de escores médios em populações não-pareadas. Alguns parâmetros foram analisados apenas de forma descritiva, por impossibilidade de análise inferencial.

O p foi considerado significativo quando inferior a 0,05 (5%) e com tendência estatística entre 0,05 e 0,15 (5% a 15%).

Resultados

Marcapassos biventriculares - A análise dos marcapassos biventriculares identificou melhoras significativas em todos os parâmetros considerados, com significância estatística bem mais expressiva do que nos marcapassos bifocais (tab. 2). A análise da função diastólica mostrou apenas tendência de melhora estatística. Houve importante redução no número de internações hospitalares, variável muito relevante quando considerado o impacto dos custos do tratamento.

Observamos a completa normalização da função ventricular sistólica e das dimensões do ventrículo esquerdo em duas pacientes, no acompanhamento tardio após um ano e meio. A análise dessas pacientes foi realizada com ecocardiograma e ventriculografia radioisotópica. As duas pacientes tinham disfunção ventricular esquerda grave, crônica, documentada em vários exames realizados nos últimos anos, com CF pré-III(1p) e CF IV(1p), com evolução para CF I em ambas tardiamente.

O índice de insucesso terapêutico foi de 9,5%, se utilizados critérios clínicos, e de 19%, se utilizados critérios ecocardiográficos, como ausência de melhora (aumento de 15% na FE) e ausência de remodelamento ventricular. Entretanto, desses 19 %, apenas um paciente não melhorou clinicamente. Os demais pacientes considerados como não-responsivos por avaliação da função sistólica e das dimensões de VE devem ter obtido melhora atribuída à redução do grau de disfunção diastólica.

Marcapassos bifocais - A análise dos marcapassos bifocais identificou significância estatística no estreitamento do QRS, na melhora da fração de ejeção, na redução das dimensões de ventrículo esquerdo, sendo observada apenas tendência na melhora da classe funcional. Não houve redução significativa no número de internações (tab. 3). A análise detalhada da função diastólica não foi realizada na maioria dos pacientes desse grupo.

Foram considerados não-responsivos 19,5% dos pacientes desse grupo, quando observados critérios clínicos; e 33% dos pacientes, quando observada a ausência de melhora nos parâmetros ecocardiográficos.

Bifocal versus biventricular - Na análise estatística comparativa entre os dois grupos, não foram observadas diferenças clínicas ou ecocardiográficas estatisticamente significativas, exceto por maior streitamento do QRS no grupo dos biventriculares, maior tempo de acompanhamento no grupo dos bifocais e com tendência estatística a menor número de internações no grupo dos biventriculares (tab. 4).

Observamos também um maior número de não-responsivos clínicos (19,5% BF x9,5 % BV) e ecocardiográficos (33% BF x 19% BV) no grupo bifocal (BF), em relação ao grupo biventricular (BV).

Discussão

Os resultados apresentados neste trabalho são, de maneira global, bastante concordantes com a literatura1,2 entretanto, várias peculiaridades merecem ser mencionadas. As análises comparativas entre a estimulação biventricular e bifocal são escassas de publicações, ou não existem em nossa revisão realizada, assim como a avaliação de pacientes sem os critérios tradicionais de exclusão da maioria dos grandes estudos, que rotineiramente acabam por não retratar a realidade clínica encontrada pelos cardiologistas.

Os primeiros grandes estudos clínicos com a estimulação multissítio foram realizados na Europa e nos Estados Unidos entre 1995 e 1998, sendo inicialmente utilizados eletrodos epicárdicos, com várias limitações desses procedimentos realizados por toracotomia, em razão da elevada morbidade cirúrgica1,2,3. Esses trabalhos foram seguidos pelos estudos de Cazeau e cols. na França12, já por via endocárdica; entretanto, ainda com muitas limitações, em virtude do material inadequado utilizado na época.

Os três "Trials" clínicos (MIRACLE, MIRACLE ICD e CONTAK CD) que levaram à aprovação nos Estados Unidos dos marcapassos biventriculares, e desses, associados com desfibriladores, foram randomizados, controlados, duplo-cegos, tendo períodos como marcapasso não-funcionante por meses, para avaliar o efeito placebo da terapia. Os objetivos eram avaliação da melhora clínica e ecocardiográfica desses pacientes5,13,14.

A nova geração de estudos, iniciada em 2000, teve como principal objetivo a avaliação do efeito dessa terapia na mortalidade, como a metanálise de 200315 e o estudo COMPANION8, mostrando resultados na redução da mortalidade e redução nas hospitalizações por ICC. Neste último estudo citado, a redução da mortalidade ocorreu no grupo associado de desfibriladores com ressincronizadores. Outras grandes metanálises realizadas confirmaram esses achados, de redução na morbidade e mortalidade e mortalidade isoladamente16,17.

Alguns trabalhos têm demonstrado que a maior duração do QRS seria um bom preditor de resposta à ressincronização, como nos subgrupos dos estudos CONTAK CD e MIRACLE18; entretanto, vários outros trabalhos não têm confirmado o mesmo achado19, passando a avaliação do dissincronismo, por técnicas ecocardiográficas, a ter grande importância. No nosso estudo, os pacientes respondedores tiveram estreitamentos relevantes no QRS, assim como os não-respondedores. Apenas um paciente apresentou alargamento do QRS após cirurgia, evoluindo sem melhora e dois outros pacientes não tiveram estreitamento do QRS, ambos com melhora clínica e ecocardiográfica, porém discretas.

O remodelamento ventricular pode ocorrer nos pacientes ressincronizados até precocemente (três meses após implante)20, sendo fundamental como preditor de melhora clínica sustentada21 . Diversas variáveis clínicas tentam identificar subgrupos com possíveis respostas favoráveis à ressincronização; entretanto, sem uniformidade nos achados22,23. Os pacientes com padrão restritivo podem não ter bons resultados com a ressincronização24, resultado diferente do encontrado em nossa casuística, em que muitos desses pacientes também tiveram benefícios.

Observamos bons resultados na ressincronização com as duas técnicas utilizadas, sendo verificado que a estimulação biventricular promove resultados estatísticos bem mais significativos que a estimulação bifocal. Esta última demonstrou apenas tendência de melhora na classe funcional, não promovendo redução no número de internações. Na avaliação da fração de ejeção e das dimensões do ventrículo esquerdo, ambas mostraram resultados estatísticos significativos. Observamos também um maior número de não-responsivos clínicos (19,5% BF x 9,5% BV) e ecocardiográficos (33% BF x 19% BV) no grupo bifocal (BF), em relação ao grupo biventricular (BV).

Na análise comparativa direta entre os dois grupos, o grupo BV teve QRS mais estreito (p=0,016) e determinou menor número de internações do que o grupo BF (p=0,127). Esses resultados colocam a estimulação bifocal com uma boa opção para pacientes em que não se consegue a ressincronização clássica pelo seio coronariano (BV). Alguns estudos vão ao encontro desses resultados apresentados9,10. Em três pacientes do grupo BV, realizamos o implante do eletrodo de ventrículo direito (VD) em região do trato de saída de VD, visando à otimização da ressincronização ventricular, técnica essa defendida por alguns autores25.

É possível que a etiologia das miocardiopatias possa ter contribuído para os melhores resultados nesses grupos analisados, considerando que alguns estudos têm demonstrado que os pacientes com miocardiopatia de origem isquêmica responderiam menos à terapia de ressincronização. A razão seria pelas extensas áreas de necrose desenvolvidas após infartos do miocárdio prévios26,27.

A análise comparativa nos grupos, em relação à mortalidade, não conseguiu demonstrar critérios de significância estatística (p=0,129), em virtude do desenho do estudo e do número depacientes; entretanto, na análise descritiva, observa-se que no grupo dos bifocais (BF), seis pacientes (40%) faleceram no acompanhamento médio de 18,5 meses, enquanto três pacientes (15%) faleceram no grupo BV em acompanhamento médio de 10,1 meses. Os óbitos no grupo dos BF foram três por morte súbita, dois por ICC e um por acidente vascular cerebral. No grupo dos BV, um óbito ocorreu por ICC, um por morte súbita e um por infecção respiratória e insuficiência renal, não relacionada ao procedimento. Historicamente, em pacientes selecionados e bem acompanhados dos grandes "Trials", a mortalidade geral desses pacientes é de mais de 30% em dois anos7.

A redução significativa do número de internações desses pacientes no grupo BV pode atenuar em muito os efeitos dos custos iniciais como implante dos marcapassos, considerando que na análise de custo-efetividade o grande peso dos custos deve-se às internações. Essa análise deriva de estudos de custo-efetividade envolvendo os ressincronizadores28,29.

A opção de realizar upgrade de pacientes já portadores de marcapassos para modelos biventriculares foi realizado em 19% dos pacientes no grupo BV e em 13,3% no grupo BF, com melhora também nesses subgrupos, não sendo realizada essa análise estatística em razão do número reduzido. Esses achados vão ao encontro de algumas casuísticas na literatura mundial30.

Obtivemos normalização completa dos parâmetros ecocardiográficos em duas pacientes no grupo biventricular, achados esses com dois anos de acompanhamento. Com menos de um ano da análise, já se observava importante melhora da fração de ejeção e redução das dimensões de VE dessas pacientes. Não ocorreram outras causas passíveis de tamanha melhora das pacientes, senão a ressincronização realizada. No grupo dos BF, não observamos esse fato em nenhum paciente.

Conclusões

A terapia de ressincronização cardíaca mostrou ser uma terapia eficaz, concomitante ao tratamento com os fármacos convencionais, em pacientes com disfunção ventricular grave, distúrbios de condução e insuficiência cardíaca crônica CF III e IV ambulatorial. Essa terapia encurta o QRS, melhora a classe funcional, a função sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo, promove um remodelamento reverso, com significativas reduções nas dimensões do VE e redução no número de internações. Esses resultados vão ao encontro dos demonstrados pelos grandes estudos de ressincronização. O índice de insucesso terapêutico foi menor do que o descrito, talvez pela seleção dos pacientes e pelo tipo de análise realizada. Os resultados foram obtidos em uma população sem os critérios convencionais de exclusão dos grandes estudos.

Os resultados favoráveis da ressincronização foram obtidos com as duas técnicas testadas, seja pela estimulação bifocal seja pela estimulação clássica biventricular, sem diferença estatística significativa, quando da análise comparativa cruzada dos dois grupos, exceto por maior estreitamento do QRS e tendência a menor número de internações no grupo dos biventriculares. A mortalidade foi mais elevada no grupo dos bifocais (40%) em um tempo de acompanhamento mais longo desse grupo, contra 15% dos biventriculares; entretanto, sem diferença estatística.

Quando os grupos foram analisados individualmente e comparados, antes e após os procedimentos, observamos que as melhoras dos parâmetros médios das variáveis analisadas foram bem mais expressivas no grupo dos biventriculares, assim como os índices de relevância estatística maiores. O grupo dos bifocais não conseguiu mostrar redução no número de internações, e apenas tendência na melhora da classe funcional.

Artigo recebido em 18/07/06; revisado recebido em 22/11/06; aceito em 05/02/07.

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  • Correspondência:
    Eduardo Arrais Rocha
    Av. Padre Antônio Tomás, 3535/1301
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Fev 2007
    • Revisado
      22 Nov 2006
    • Recebido
      18 Jul 2006
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