IN MEMORIAN
Professor Luiz Venere Décourt um legado
Protásio L. da Luz
Diretor, Divisão de Cardiologia Clínica, InCor-FMUSP
Em 20 de maio de 2007 faleceu no InCor, aos 96 anos, o notável professor Luiz Venere Décourt, nascido em Campinas, SP, no dia 7 de dezembro de 1911, filho do também professor Paulo Décourt e de Alzira Venere Décourt. Foi professor titular de Clínica Médica da Universidade de São Paulo entre 1950 e 1981; um dos idealizadores do InCor e seu diretor científico entre 1978 e 1981. Recebeu o título de Professor Emérito da Universidade de São Paulo em 1981. Além de suas obrigações regulares na Faculdade de Medicina, manteve um Curso de Especialização em Cardiologia durante vinte anos, e Curso de Pós-Graduação durante dez anos. Foi autor dos livros Lições de patologia cardiocirculatória (1945), Biópsia do coração humano (1965), Doença reumática (1969) e Medicina preventiva em Cardiologia (1988). Publicou 324 artigos científicos em revistas nacionais e internacionais; proferiu 306 conferências científicas no Brasil e no exterior (Argentina, Bélgica, Equador, França, Itália, Peru e Venezuela). Foi membro de 40 sociedades científicas nacionais e 21 estrangeiras. Recebeu os títulos de Doutor "Honoris Causa" das Universidades de Coimbra, Rio Grande do Sul e Paraná. Recebeu também 34 prêmios de sociedades médicas e do governo. Dentre esses destacam-se o Prêmio Alfred Jurzkwoski, da Academia Nacional de Medicina, o Prêmio Astra de Medicina e Cirurgia, o Prêmio Moinhos Santista em Ciências da Saúde e o Prêmio Professor Emérito-Troféu Guerreiro da Educação.
Professor Décourt foi um homem muito especial. Chegou cedo à posição de professor titular e honrou o cargo como poucos. Dotado de rara inteligência, concentrou notáveis conhecimentos de Clínica Médica e, portanto, sempre foi visto como um grande médico.
Sempre foi um estudioso disciplinado, um leitor voraz, que mantinha fichas pessoais dos artigos que lia. E não apenas de medicina são lendários seus profundos conhecimentos de música, matemática, história e artes em geral. Sempre valorizou a cultura geral, não como um luxo de intelectuais, mas como um instrumento valioso de comunicação entre os homens, de aproximação entre médico e pacientes.
Amparou os jovens, incentivando-os com seu entusiasmo e mostrando-lhes caminhos. Foi ao mesmo tempo disciplinador, compreensivo e sensível; intolerante com falácias e preconceitos, com a maldade e a ignorância; acolhia, no entanto, livremente a discussão de idéias, e sobretudo tinha enorme compreensão pelo ser humano, aceitando suas limitações e diferenças. Graças a essa grande capacidade de compreensão dos homens, foi um agregador, um formador de equipes. Pelo seu serviço de Cardiologia passaram 897 estagiários, com pelo menos um ano, de todo o Brasil e da América Latina. Sempre procurava o lado bom das pessoas, e ajudou a muitos, senão todos nós que convivemos com ele, em algum momento de nossas vidas. Desde os tempos do Hospital das Clínicas cunhou a expressão "a mística da enfermaria", para significar que a nossa profissão tem um cunho sacrossanto porque se dedica a preservar valores inalienáveis da pessoa humana, como a saúde e a vida.
Olhando retrospectivamente, parece que Décourt teve três objetivos principais na vida profissional: a ciência, o ensino e a pessoa humana. Na ciência, estudou, escreveu livros e artigos, pesquisou e esteve sempre atualizado. No ensino, foi insuperável; para muitos, nosso maior didata. Como humanista, um defensor dos pobres, dos doentes e um pregador do respeito pela pessoa humana.
Ao perseguir esses objetivos, algumas outras características se destacaram:
Integridade, dedicação e visão do futuro.
Essas qualidades fizeram dele um exemplo inesquecível, e um líder cuja contribuição para a Cardiologia brasileira e da América Latina de muito excede sua existência terrena. Foi, sem dúvida, o cardiologista clínico mais influente de sua época. Suas opiniões sempre mereceram grande respeito. E o que deu credibilidade à liderança do Prof. Décourt foi a coerência de sua vida: ele pregou humanismo e foi caridoso; pregou amor pela ciência e sempre venerou o conhecimento e o progresso; pregou a necessidade de ensinar; ensinou com palavras e exemplos, mas sobretudo, inspirou seus alunos, como um verdadeiro mestre deve fazer.
Há sempre uma tristeza e uma conscientização da nossa finitude quando alguém tão marcante como Luiz Venere Décourt desaparece. Mas lembremos que ele deixou lições inesquecíveis, exemplos memoráveis. Seu legado é uma lição de profissionalismo, dedicação, retidão de caráter e humanismo. Isso assegura que sua memória ficará sempre conosco. Sua existência foi uma benção que dignificou a humanidade. Seus ensinamentos serão sempre um guia para nós todos, para a prática da medicina e o magistério sob os nobres princípios de dignidade e humanismo, que ele sempre defendeu.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
05 Set 2007 -
Data do Fascículo
Ago 2007