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Valor preditivo da mieloperoxidase na identificação de pacientes de alto risco admitidos por dor torácica aguda

Resumos

FUNDAMENTO: A mieloperoxidase (MPO) é uma enzima intensamente expressa diante da ativação leucocitária, com múltiplas ações aterogênicas, incluindo a oxidação do colesterol (LDL), e relacionada à instabilização da placa aterosclerótica. É preditora de eventos adversos em indivíduos sadios, coronariopatas ou em investigação de dor torácica. OBJETIVO: Analisar a contribuição da MPO na identificação de pacientes com dor torácica aguda, eletrocardiograma (ECG) sem elevação de segmento ST e com alto risco para eventos adversos intra-hospitalares. MÉTODOS: O nível sérico da MPO foi mensurado na admissão de pacientes com dor torácica aguda, ECG sem elevação de segmento ST e submetidos a protocolo estruturado de investigação. RESULTADOS: De uma coorte de 140 pacientes, 49 (35%) receberam o diagnóstico de síndrome coronariana aguda, tendo sido estabelecido diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (troponina I > 1,0 ng/ml) sem elevação de ST em 13 pacientes (9,3%). O melhor ponto de discriminação da MPO para infarto agudo do miocárdio foi identificado em > 100 pM pela curva ROC (AUC = 0,662; IC 95% = 0,532-0,793), que demonstrou elevada sensibilidade (92,3%) e elevado valor preditivo negativo (98,1%), embora com baixa especificidade (40,2%). Na análise multivariada, a MPO mostrou-se a única variável independente para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio em evolução, com razão de chance de 8,04 (p = 0,048). CONCLUSÃO: Em pacientes com dor torácica aguda e sem elevação de ST, a MPO admissional elevada é importante ferramenta preditiva de eventos adversos intra-hospitalares, com razão de chance de oito vezes para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.

Peroxidases; mediadores de inflamação; coronariopatia; dor no peito


BACKGROUND: Myeloperoxidase (MPO) is a highly expressed enzyme due to leukocyte activation, with multiple atherogenic actions, including LDL cholesterol oxidation, and is related to the instability of atherosclerotic plaque. It is a predictor of adverse events in healthy individuals, patients with heart disease or those undergoing chest pain investigations. OBJECTIVE: To analyze the contribution of MPO to identify patients with acute chest pain, non-ST elevation ECG and at high risk for in-hospital adverse events. METHODS: Patients presenting acute chest pain and a non-ST elevation ECG, were admitted to the hospital and submitted to serum MPO level measurements and a structured examination protocol. RESULTS: From a cohort of 140 patients, 49 (35%) were diagnosed with acute coronary syndrome, of which 13 patients (9.3%) were diagnosed with non-ST elevation acute myocardial infarction (AMI) (troponin I >1.0 ng/mL). The best MPO cut-off point for AMI was identified as >100 pM using the ROC curve (AUC=0.662; CI 95%=0.532-0.793) revealing elevated sensitivity (92.3%) and negative predictive value (98.1%), however with low specificity (40.2%). In the multivariate analysis, MPO proved to be the only independent variable to diagnose AMI in evolution, with an odds ratio of 8.04 (p=0.048). CONCLUSION: In patients with acute chest pain and no ST elevation, high MPO levels upon admission to the hospital are an important tool to predict in-hospital adverse events, with an odds ratio of eight for the diagnosis of AMI.

Peroxidases; inflammation mediators; coronary disease; chest pain


ARTIGO ORIGINAL

Valor preditivo da mieloperoxidase na identificação de pacientes de alto risco admitidos por dor torácica aguda

Roberto EsporcatteI; Helena Cramer Veiga ReyI; Fernando Oswaldo Dias RangelI; Ricardo Mourilhe RochaI; Hugo Tannus Furtado de Mendonça FilhoI; Hans Fernando Rocha DohmannI; Francisco Manes Albanesi FilhoII

IHospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

IIPrograma de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Roberto Esporcatte Rua Baronesa de Poconé, 137/301 22471-270 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: resporcatte@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A mieloperoxidase (MPO) é uma enzima intensamente expressa diante da ativação leucocitária, com múltiplas ações aterogênicas, incluindo a oxidação do colesterol (LDL), e relacionada à instabilização da placa aterosclerótica. É preditora de eventos adversos em indivíduos sadios, coronariopatas ou em investigação de dor torácica.

OBJETIVO: Analisar a contribuição da MPO na identificação de pacientes com dor torácica aguda, eletrocardiograma (ECG) sem elevação de segmento ST e com alto risco para eventos adversos intra-hospitalares.

MÉTODOS: O nível sérico da MPO foi mensurado na admissão de pacientes com dor torácica aguda, ECG sem elevação de segmento ST e submetidos a protocolo estruturado de investigação.

RESULTADOS: De uma coorte de 140 pacientes, 49 (35%) receberam o diagnóstico de síndrome coronariana aguda, tendo sido estabelecido diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (troponina I > 1,0 ng/ml) sem elevação de ST em 13 pacientes (9,3%). O melhor ponto de discriminação da MPO para infarto agudo do miocárdio foi identificado em > 100 pM pela curva ROC (AUC = 0,662; IC 95% = 0,532-0,793), que demonstrou elevada sensibilidade (92,3%) e elevado valor preditivo negativo (98,1%), embora com baixa especificidade (40,2%). Na análise multivariada, a MPO mostrou-se a única variável independente para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio em evolução, com razão de chance de 8,04 (p = 0,048).

CONCLUSÃO: Em pacientes com dor torácica aguda e sem elevação de ST, a MPO admissional elevada é importante ferramenta preditiva de eventos adversos intra-hospitalares, com razão de chance de oito vezes para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.

Palavras-chave: Peroxidases/uso diagnóstico, mediadores de inflamação, coronariopatia/sangue, dor no peito/diagnóstico.

Introdução

A isquemia miocárdica aguda é uma das principais causas de dor torácica e sua precisa identificação por meio de protocolos estruturados é fundamental para evitar internações desnecessárias e liberações hospitalares inadequadas1-4. O correto diagnóstico é confirmado pelas características da dor, pelo eletrocardiograma (ECG) e pelo padrão de liberação de marcadores de necrose miocárdica (MNM), mas por vezes torna-se necessário o emprego de métodos provocativos de isquemia. Quando inicialmente normais, os MNM devem ser reanalisados nas horas subseqüentes para certeza diagnóstica. Além de critério diagnóstico para o infarto agudo do miocárdio, a elevação desses marcadores guarda relação direta com a incidência dos principais eventos cardiovasculares adversos, tanto a curto como a longo prazos.

No processo de instalação, progressão e vulnerabilidade da placa aterosclerótica, várias etapas estão relacionadas às ações de diversas células e mediadores inflamatórios5,6, os quais têm demonstrado significativa acurácia diagnóstica e prognóstica em diversos estudos clínicos relacionados à cardiopatia isquêmica.

A mieloperoxidase (MPO) é uma enzima liberada pela ativação e pela degranulação de polimorfonucleares na microcirculação coronariana nas síndromes coronarianas agudas7. Na aterosclerose, a MPO está envolvida na oxidação da fração lipoprotéica de baixa densidade do colesterol (LDL-c)8,9 e na ativação de metaloproteinases, participando da instabilização e da ruptura da placa10, interferindo na biodisponibilidade do óxido nítrico derivado do endotélio11, alterando, assim, o tônus vasomotor e certas propriedades antiinflamatórias. Em diferentes ensaios clínicos envolvendo indivíduos sadios12, em pacientes com coronariopatia crônica13, aguda14 ou em investigação por dor torácica15, assim como naqueles com insuficiência cardíaca16, a elevação da MPO tem sido estudada, observando-se elevada sensibilidade e especificidade, com boa acurácia para o diagnóstico de necrose miocárdica e grande valor prognóstico para os principais eventos cardiovasculares adversos.

Este estudo testou a hipótese de que a MPO agrega importante valor para o diagnóstico das síndromes coronarianas agudas e para a identificação de subgrupos de alto risco em pacientes atendidos por dor torácica aguda e com ECG sem supradesnivelamento do segmento ST.

Métodos

No período de 1º de julho a 31 de dezembro de 2004, 140 pacientes consecutivos atendidos em setor de emergência por dor torácica foram incluídos no protocolo. Como critérios de inclusão os pacientes deveriam apresentar queixa de dor torácica aguda (até 24 horas de evolução), idade maior que 21 anos e assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido aprovado previamente pela Comissão Científica e pelo Comitê de Ética institucional, consoante a Declaração de Helsinque. Os critérios de exclusão foram presença de elevação do segmento ST no ECG de admissão, presença ou suspeita de síndrome inflamatória ou infecciosa, presença de neoplasia ou uso de drogas com ação sabidamente relevante sobre o sistema imunológico.

Os pacientes foram submetidos a um protocolo assistencial sistematizado para investigação de dor torácica. De maneira resumida, esse protocolo prevê a realização de ECG e mensuração de MNM admissionais repetidos a cada três a seis horas, ecocardiograma bidimensional e testes provocativos (teste ergométrico em esteira rolante ou cintigrafia miocárdica) nos pacientes em que foi afastada presença de necrose ou isquemia miocárdica em repouso. A coronariografia (estratégia nº 1) foi realizada de forma precoce (primeiras 12 horas) após a admissão hospitalar em pacientes considerados pelo médico assistente de maior risco para eventos adversos, a partir da análise dos dados clínicos e laboratoriais. O número de ECGs assim como de dosagens de MNM varia na dependência das características da dor, sendo recomendadas pelo menos três medidas para as apresentações de dor provavelmente anginosa (estratégia nº 2) e de pelo menos duas medidas para os pacientes com dor provavelmente não-anginosa (estratégia nº 3) ou definitivamente não-anginosa (estratégia nº 4). As análises bioquímicas do protocolo assistencial foram processadas imediatamente e seus resultados foram utilizados para a tomada de decisão clínica. A troponina sérica foi avaliada pelo método de imunofluorescência comercializado pela empresa Dade-Behring, com sensibilidade analítica de 0,1 ng/ml e limite superior de normalidade para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio de 1,0 ng/ml. A MPO foi colhida no momento da admissão e as amostras foram congeladas e processadas ao final do período de inclusão por um único biólogo independente e cego quanto ao curso clínico dos pacientes. A MPO foi quantificada pelo método ELISA, importado da empresa Oxis Research International, Inc. (Portland, Oregon, EUA), após autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Sua sensibilidade (limite inferior de detecção) é de 0,7 ng/ml a 1,5 ng/ml e os valores normais para seres humanos situam-se na faixa de 40 ng/ml a 80 ng/ml.

Diagnóstico final - Os pacientes foram agrupados de acordo com os seguintes diagnósticos, por ocasião da alta hospitalar:

– Grupo 1 – Infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST: elevação de troponina-I (> 1,0 ng/ml) em qualquer momento nas 12 horas iniciais com ou sem curva típica de creatinofosfoquinase fração MB (CK-MB), com ou sem modificações de ST/T, na ausência de qualquer outra causa de dor torácica demonstrável;

– Grupo 2 – Angina instável: dor torácica típica com mais de 20 minutos de duração, sem elevação de troponina-I ou CK-MB associada a depressão de segmento ST (> 0,1 mV) ou inversão de onda T no ECG, ou teste provocativo positivo para isquemia miocárdica ou doença coronariana significativa em coronariografia realizada durante a internação;

– Grupo 3 – Não-síndrome coronariana aguda: dor torácica sem elevação de troponina-I ou CK-MB, sem depressão de segmento ST (> 0,1 mV) ou inversão de onda T no ECG, e ausência de teste provocativo positivo para isquemia miocárdica ou doença coronariana significativa em coronariografia realizada durante a internação;

– Grupo 4 – Indeterminado não-infarto agudo do miocárdio: dor torácica sem elevação de troponina-I ou CK-MB, com ausência de depressão de segmento ST (> 0,1 mV) ou inversão de onda T no ECG, mas sem realização de teste provocativo para isquemia miocárdica ou coronariografia durante a internação;

– Grupo 5 – Indeterminado: dor torácica com alta hospitalar sem completar rotina de investigação diagnóstica pela dosagem de MNM, ECG, teste provocativo de isquemia ou coronariografia.

Os custos dos materiais e de seguimento não previstos na prática assistencial receberam financiamento institucional.

Análise estatística - O teste de Kolmogorov Smirnov foi realizado para testar a distribuição da amostra. A análise univariada foi utilizada para a descrição das variáveis estudadas, a partir das tabelas de freqüências simples e porcentual para as variáveis discretas e média e desvio padrão para as variáveis contínuas. A análise bivariada foi utilizada para as variáveis discretas, empregando tabelas de contingências e os testes qui-quadrado e exato de Fisher quando indicados. Para as variáveis contínuas foram utilizados os testes t de Student, pareado ou não, e de Mann-Whitney. Foi utilizada a curva ROC (Receiver Operating Characteristic) para determinar o melhor ponto de corte da MPO e foram calculados os parâmetros desse teste estatístico. Foi realizada regressão logística para determinar o valor preditivo da MPO para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio intra-hospitalar.

Resultados

A tabela 1 descreve os dados demográficos, os fatores de risco para doença arterial coronariana e os sinais vitais na admissão e a tabela 2 descreve as investigações realizadas e os diagnósticos finais da coorte. Pouco mais da metade dos pacientes eram do sexo masculino, com elevada prevalência de fatores de risco como hipertensão arterial (62,8%), diabetes melito (27,8%), infarto do miocárdio prévio (27,1%), hipercolesterolemia (54,2%) e relato de coronariografia prévia (38,5%). Um número pequeno de pacientes foi submetido a coronariografia precoce (rota nº 1 = 7,1%) ou considerado de menor probabilidade de síndrome coronariana aguda (rota nº 4 = 4,2%). Para a maioria dos pacientes foi proposta uma investigação para dor torácica mais extensa, com múltiplos ECG e MNM (rota nº 2 = 72,1%).

Não houve nenhum óbito durante a fase hospitalar. Ao final da investigação, dos 140 pacientes avaliados, 13 pacientes (9,3%) receberam diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, segundo o critério de elevação de troponina sérica > 1,0 ng/ml e 36 (25,7%), diagnóstico de angina instável. Para a maioria da coorte foi possível afastar o diagnóstico de síndrome coronariana aguda, embora em cerca de um quarto dos pacientes o diagnóstico tenha sido classificado como indeterminado.

Nessa pequena coorte, não foi possível estabelecer diferenças significativas nos valores médios, medianos ou percentis dos diversos subgrupos ou mesmo na análise comparativa entre os subgrupos caracterizados como síndrome coronariana aguda (grupos 1 + 2) e os restantes, possivelmente determinado por alguns valores máximos muito elevados (tab. 3).

O ponto de corte da MPO que gerou a melhor área sob a curva ROC (estatística C) (fig. 1) para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio foi o valor de 100 pM, sendo identificada uma área de 0,662 (IC 95% = 0,532-0,793).


Analisando-se o subgrupo que recebeu o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, observa-se que 12 dos 13 pacientes apresentavam MPO e" 100 pM na admissão (tab. 4), conferindo a esse parâmetro sensibilidade de 92,3% (IC 95% = 66,7%-99,6%), especificidade de 40,2% (IC 95% = 32,0%-48,9%), valor preditivo positivo de 13,6% (IC 95% = 8,0%-22,3%) e valor preditivo negativo de 98,1% (IC 95% = 89,9%-99,9%), razão de verossimilhança positiva de 1,543 (IC 95% = 1,248-1,907) e razão de verossimilhança negativa de 0,192 (IC 95% = 0,029-1,274). Dos 13 pacientes, apenas 6 apresentavam troponina positiva na admissão, tendo os 7 restantes apresentado elevação nas análises subseqüentes.

Por regressão logística, foi analisado o valor preditivo da MPO e dos principais fatores de risco para doença coronariana para a determinação do diagnóstico final de infarto agudo do miocárdio. Na análise multivariada, apenas o nível sérico de MPO > 100 pM na admissão hospitalar mostrou-se preditor independente, com razão de chance de 8,04 (p = 0,048). As demais variáveis, incluindo hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, dislipidemia, tabagismo, história prévia de infarto agudo do miocárdio, obesidade, e história familiar de coronariopatia, não foram identificadas como variáveis independentes.

Não se encontrou diferença entre os subgrupos de MPO em relação às diversas variáveis clínicas (tab. 4).

Discussão

Dependendo da população estudada, até 50% dos pacientes com dor torácica podem ser internados, embora não mais que 20% recebam diagnóstico final compatível com alguma forma de doença coronariana1-4. Por outro lado, cerca de 4% a 5% dos pacientes são liberados sem diagnóstico correto, sendo posteriormente reconhecida a presença de síndrome coronariana aguda.

A CK-MB e as troponinas são os principais MNM e agregam importantes informações diagnósticas e prognósticas na avaliação da dor torácica e nas síndromes coronarianas agudas. Entretanto, muitos pacientes com ECG e MNM normais são, posteriormente, identificados como portadores de infarto do miocárdio ou síndrome coronariana de alto risco. A alocação em rotas de investigação, com número maior ou menor de ECG ou de aferições de MNM, assim como a realização de testes provocativos de isquemia miocárdica dependem da probabilidade do diagnóstico de síndrome coronariana aguda determinada pelo examinador, coerente com a prática clínica e as recomendações da literatura3,4.

O envolvimento de mediadores e reações inflamatórias está demonstrado em todos os estágios de evolução da placa aterosclerótica, desde as fases iniciais de disfunção endotelial, passando pela formação do ateroma até sua ruptura5,6. A MPO pode trazer um novo significado no rastreamento das síndromes coronarianas agudas na medida em que possa expressar não apenas a presença de necrose ou isquemia, mas também a presença de placas vulneráveis, o que permitiria identificar pacientes em estágios iniciais do processo de instabilização clínica das síndromes coronarianas agudas. O envolvimento das reações catalisadas pela MPO na iniciação da aterosclerose in vivo tem sido proposto, com base na detecção de MPO17 e de marcadores específicos da oxidação catalisada pela MPO18,19 em lesões ateroscleróticas humanas, onde ela se co-localiza20 nos macrófagos ricos em lipídios.

Foi descrita a co-localização de MPO e de proteínas modificadas pelo ácido hipocloroso (HClO) também no subendotélio de placas culpadas em regiões de fissura ou ruptura ou mesmo de erosões superficiais10,21. Níveis reduzidos de HClO gerados pela MPO liberada pelos macrófagos presentes na placa aterosclerótica ativam as células endoteliais, levando à expressão e à ativação do fator tecidual. Níveis mais elevados dos oxidantes gerados pela MPO promovem apoptose da célula endotelial. A MPO parece também estar envolvida na ativação de metaloproteinases latentes em suas formas ativas10,22.

Em nossa coorte de pacientes consecutivos admitidos por dor torácica sem elevação do segmento ST, a MPO foi a única variável independente para o diagnóstico final de infarto agudo do miocárdio. Pacientes com níveis séricos de MPO > 100 pM na admissão apresentaram grande probabilidade de elevação da troponina durante a investigação (razão de chance = 8,04; p = 0,048).

O ponto de corte da MPO que gerou a melhor área sob a curva ROC para o diagnóstico final de infarto agudo do miocárdio foi o valor de 100 pM, com área sob a curva igual a 0,662 (IC 95% = 0,532-0,793). Não se observou diferença quanto aos principais dados demográficos e fatores de risco para doença coronariana entre os pacientes com MPO > 100 pM ou < 100 pM, semelhante ao observado em outros estudos14.

Do total de 140 pacientes com dor torácica e ECG sem supradesnivelamento do segmento ST, 13 (9,3%) apresentaram elevação desse marcador (troponina > 1,0 ng/ml) na admissão (6 pacientes) ou em pelo menos uma das aferições subseqüentes, caracterizando o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. Desses pacientes, 12 (92,3%) apresentavam MPO > 100 pM (valor médio = 233,8 ± 126,3 pM). Os valores de sensibilidade e de especificidade, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo devem ser analisados com cautela, em decorrência do tamanho da coorte. Entretanto, deve ser salientada a elevada sensibilidade (92,3%) da MPO para elevação da troponina, pois demonstra seu potencial como novo marcador para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, auxiliando sobremaneira na prática clínica criteriosa e minimizando o risco de liberações hospitalares inadequadas. O alto valor preditivo negativo (98,1%) significa que poucos pacientes com MPO negativa deverão apresentar troponina positiva.

Os resultados observados estão em concordância com as principais conclusões de diversos autores. Os níveis de MPO de nossa coorte variaram de zero a 3.485 pM (média = 219,73 ± 337,14 pM), semelhante a outras séries (valor mediano = 198 pM, faixa de zero a 4.666 pM)15.

Em uma subanálise do estudo c7E3 Antiplatelet Therapy in Unstable Refractory Angina (CAPTURE), que testou a utilização do abciximab em pacientes com síndrome coronariana aguda, a MPO foi detectável em todos os pacientes, com valor mediano de 1980,3 pM (faixa de 10,3 pM a 7.672,8 pM)14.

Em outra importante série com 604 pacientes, Brennan e cols.15 demonstraram haver relação direta entre os valores de MPO admissional e o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, com razão de chance de 3,7 (IC 95% = 1,6-8,5), comparando-se o primeiro e o quarto quartis da população15. Esses autores também demonstraram o valor prognóstico e o maior risco de eventos adversos em 30 dias e 6 meses, diretamente proporcional ao nível admissional de MPO.

A utilização de novos e múltiplos marcadores tem se mostrado confiável em várias séries e, de maneira geral, quanto maior o número de marcadores positivos, maior a probabilidade da presença de síndrome coronariana aguda e pior o prognóstico23-27. No ensaio prospectivo Multicentre Biomarker Study, Blankenberg e cols.28 analisaram o comportamento de diversos marcadores no rastreamento da dor torácica incluindo a MPO, a mioglobina, a troponina-I, a CK-MB e o peptídeo natriurético tipo B (BNP)28. A MPO foi o marcador que se elevou mais precocemente e, nos pacientes com apresentação entre zero e três horas, demonstrou a melhor área sob a curva quando comparada à de qualquer outro marcador isolado, tanto na identificação da angina instável (AUC de 0,92 comparativamente a controles sadios; 0,77 comparativamente a dor não-cardíaca), como para angina instável e infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (AUC de 0,88 para controles; 0,71 para dor não-cardíaca). Esse desempenho da MPO só foi inferior ao exibido pelo índice de múltiplos marcadores, com AUC de 0,94 (em comparação com controles) e de 0,81 (comparado com dor não-cardíaca) para o diagnóstico de síndrome coronariana aguda. Na análise prospectiva, o BNP foi o melhor preditor de risco para mortalidade tardia. Para tomada de decisão clínica, esses valores de área sob a curva são expressivamente mais significativos que os observados no presente estudo. Além disso, não foi possível demonstrar relação temporal da MPO devido ao tamanho reduzido da coorte.

Mocatta e cols.29 acompanharam 512 pacientes com infarto agudo do miocárdio (81% com elevação de ST) por um período de cinco anos e observaram risco ajustado de óbito 1,8 vez maior em pacientes com MPO elevada (> 380 pM)29.

A análise da MPO em pacientes portadores de coronariopatia estável revela resultados controversos. Zhang e cols.13 foram os primeiros a descrever a existência de correlação entre níveis séricos de MPO, níveis leucocitários de MPO e presença de coronariopatia13. Em outra série de pacientes submetidos a coronariografia, os níveis séricos de MPO não diferiram entre os grupos com ou sem coronariopatia, sugerindo seu uso restrito a pacientes com sintomas agudos30. Outros autores consideraram que a MPO está relacionada ao prognóstico tardio de pacientes com angina estável28. Mais recentemente foi descrito, em indivíduos sadios acompanhados por cerca de oito anos, que níveis elevados de MPO determinaram maior risco futuro de coronariopatia, mesmo em indivíduos considerados de menor risco (LDL-c < 130 mg/dl,fração lipoprotéica de alta densidade do colesterol [HDL-c]> 50 mg/dl ou proteína C-reativa < 2 mg/dl), o que sugere que a ativação inflamatória antecede a doença arterial em muitos anos12.

Tanto a acurácia diagnóstica como o valor prognóstico da MPO deve sofrer influência e variações de acordo com a intensidade de expressão da MPO. O genótipo GG para MPO, presente em 60% a 66% da população ocidental, está associado a maiores níveis de MPO que os genótipos AG ou AA31. Estudos de polimorfismo genético identificaram diferentes capacidades individuais de expressão, observando-se que pacientes com baixa expressão apresentam menos eventos cardiovasculares e maior predisposição a infecções graves32. Por outro lado, indivíduos homozigóticos GG para MPO submetidos a coronariografia eletiva são expressores fortes e apresentam menor sobrevida33.

Este estudo e seus resultados apresentam diversas limitações. A coorte foi obtida em sala de emergência com características peculiares, por tratar-se de hospital privado voltado principalmente para o atendimento de doenças clínicas e cardiovasculares, sendo a conduta determinada com freqüência pelo médico assistente, independentemente do protocolo institucional. O número reduzido de pacientes, o longo intervalo (até 24 horas) entre o início dos sintomas e a admissão, a baixa incidência de eventos adversos intra-hospitalares e a ausência de diagnóstico definitivo em parte da amostra (grupos "indeterminado não-infarto agudo do miocárdio" e "indeterminado") por não conclusão de investigação, em especial de testes provocativos para isquemia, representam limitações adicionais ao estudo.

Em conclusão, a MPO deve ser considerada novo marcador para a avaliação de pacientes com dor torácica sem elevação do segmento ST e troponina negativa, demonstrando importante valor preditivo para eventos adversos, com elevada sensibilidade. A MPO e" 100 pM na admissão, aponta para risco oito vezes maior para o diagnóstico final de infarto agudo do miocárdio. A utilização da MPO de forma isolada ou associada a outros marcadores necessita ser analisada em novos ensaios envolvendo pacientes em avaliação para dor torácica, assim como portadores de síndromes coronarianas agudas.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado por Hospital Pró-Cardíaco.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de doutorado de Roberto Esporcatte pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Artigo recebido em 17/09/07; revisado recebido em 05/10/07; aceito em 10/10/07.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      17 Set 2007
    • Revisado
      05 Out 2007
    • Aceito
      10 Out 2007
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