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Perfil lipídico e intensidade de doença aterosclerótica na síndrome coronariana aguda

Resumos

FUNDAMENTO: A relação entre doença arterial coronariana (DAC) e dislipidemia nas síndromes coronariana agudas tem sido pouco demonstrada por meio de estudos clínico-epidemiológicos. OBJETIVO: Avaliar associação entre perfil lipídico e intensidade de DAC em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. MÉTODOS: Neste estudo retrospectivo, foram revisados prontuários de 107 pacientes consecutivos, admitidos no período de um ano com diagnóstico de síndrome coronariana aguda (SCA) sem supradesnivelamento de ST, que realizaram cineangioronariografia durante a internação. A avaliação laboratorial incluiu níveis séricos das frações lipídicas. A intensidade de DAC foi determinada pela avaliação do número, grau e escore das obstruções das artérias coronárias. Análise estatística: Teste t de Student, qui-quadrado e ANOVA com significância estatística definida por p<0,05. Realizou-se análise multivariada. RESULTADOS: Dos 107 pacientes incluídos, 94 (88%) tinham DAC e, destes, 50 (53,2%) eram do sexo masculino e com predominância de lesões multiarteriais. Sobre o perfil lipídico, observou-se que 64 (59,8%) dos pacientes tinham CT<200 mg/dl, 33 (30,8%) tinham HDL< 40mg/dl e 38 (35,5%) com LDL<100 mg/dl. Na análise das cineangiocoronariografias: 94 (88%) pacientes tinham DAC, 84% com estenose >70%. Na associação entre perfil lipídico e DAC, observou-se que a relação CT/HDL foi superior nos grupos multiarterial e biarterial quando comparados ao grupo uniarterial (4,3±2, 4,0±1,7, 2,9±1,6, respectivamente) com p ANOVA igual a 0,049. Na análise multivariada, a relação CT/HDL permaneceu um preditor significativo (p = 0,016). CONCLUSÃO: A relação CT/HDL foi marcador de gravidade de DAC em relação ao número de vasos comprometidos, demonstrando que perfil lipídico pode ser um determinante de gravidade em pacientes com SCA sem supradesnivelamento de ST.

Doença da artéria coronariana; arteriosclerose coronariana; dislipidemias; cineangiocoronariografia


BACKGROUND: The relationship between coronary artery disease (CAD) and dyslipidemia in acute coronary syndromes has been rarely demonstrated in clinical and epidemiological studies. OBJECTIVE: To evaluate the association between lipid profile and severity of CAD in patients with acute coronary syndrome without ST-segment elevation. METHODS: In this retrospective study, the authors reviewed medical records of 107 consecutive patients diagnosed with acute coronary syndrome (ACS) without ST-segment elevation admitted within a one-year period and who had undergone coronary angiography during hospitalization. Laboratory evaluation included serum levels of lipid fractions. Severity of CAD was determined by evaluating the number, degree, and score of coronary artery obstructions. For statistical analysis, the Student’s t test, chi-square test and ANOVA with statistical significance set at p<0.05, as well as multivariate analysis were performed. RESULTS: A total of 107 patients were included; 94(88%) had CAD, of which 50 (53.2%) were males with predominance of multivessel disease. As regards the lipid profile, 64(59.8%) patients were observed to have TC<200mg/dl, 33(30.8%) had HDL<40mg/dl, and 38(35.5%) had LDL<100mg/dl. The analysis of coronary angiographies showed that 94(88%) patients had CAD, and 84% had > 70% stenosis. In the association between lipid profile and CAD, we observed a higher TC/HDL ratio in the multivessel and two-vessel groups in comparison with the one-vessel group (4.3±2, 4.0±1.7, 2.9±1.6, respectively) with ANOVA p=0.049. In the multivariate analysis, the TC/HDL ratio remained a significant predictor (p = 0.016). CONCLUSION: The TC/HDL ratio was a marker of severity of CAD in relation to the number of vessels affected, thus demonstrating that the lipid profile can be a determinant of severity in patients with ACS without ST-segment elevation.

Coronary atherosclerosis; atherosclerosis; dyslipidemias


ARTIGO ORIGINAL

Perfil lipídico e intensidade de doença aterosclerótica na síndrome coronariana aguda

Rafaela Andrade Penalva; Marçal de Oliveira Huoya; Luis Cláudio Lemos Correia; Gilson Soares Feitosa; Ana Marice Teixeira Ladeia

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Hospital Santa Izabel, Salvador, BA - Brasil

Correspondência Correspondência: Rafaela Andrade Penalva Rua Altino Seberto de Barros, 295/1004 - Itaigara 41825-010, Salvador, BA - Brasil E-mail: rafaelapenalva@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A relação entre doença arterial coronariana (DAC) e dislipidemia nas síndromes coronariana agudas tem sido pouco demonstrada por meio de estudos clínico-epidemiológicos.

OBJETIVO: Avaliar associação entre perfil lipídico e intensidade de DAC em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST.

MÉTODOS: Neste estudo retrospectivo, foram revisados prontuários de 107 pacientes consecutivos, admitidos no período de um ano com diagnóstico de síndrome coronariana aguda (SCA) sem supradesnivelamento de ST, que realizaram cineangioronariografia durante a internação. A avaliação laboratorial incluiu níveis séricos das frações lipídicas. A intensidade de DAC foi determinada pela avaliação do número, grau e escore das obstruções das artérias coronárias. Análise estatística: Teste t de Student, qui-quadrado e ANOVA com significância estatística definida por p<0,05. Realizou-se análise multivariada.

RESULTADOS: Dos 107 pacientes incluídos, 94 (88%) tinham DAC e, destes, 50 (53,2%) eram do sexo masculino e com predominância de lesões multiarteriais. Sobre o perfil lipídico, observou-se que 64 (59,8%) dos pacientes tinham CT<200 mg/dl, 33 (30,8%) tinham HDL< 40mg/dl e 38 (35,5%) com LDL<100 mg/dl. Na análise das cineangiocoronariografias: 94 (88%) pacientes tinham DAC, 84% com estenose >70%. Na associação entre perfil lipídico e DAC, observou-se que a relação CT/HDL foi superior nos grupos multiarterial e biarterial quando comparados ao grupo uniarterial (4,3±2, 4,0±1,7, 2,9±1,6, respectivamente) com p ANOVA igual a 0,049. Na análise multivariada, a relação CT/HDL permaneceu um preditor significativo (p = 0,016).

CONCLUSÃO: A relação CT/HDL foi marcador de gravidade de DAC em relação ao número de vasos comprometidos, demonstrando que perfil lipídico pode ser um determinante de gravidade em pacientes com SCA sem supradesnivelamento de ST.

Palavras-chave: Doença da artéria coronariana, arteriosclerose coronariana, dislipidemias, cineangiocoronariografia.

Introdução

Dislipidemia é um fator de risco estabelecido para o surgimento de doença arterial coronariana (DAC), o que tem sido demonstrada por meio de inúmeros estudos clínico-epidemiológicos1-7. A concentração plasmática elevada da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) tem relação direta com o desenvolvimento de doença arterial coronariana8, e a baixa concentração plasmática da lipoproteína de alta densidade (HDL-C) tem sido apontada como um dos mais fortes fatores de risco independentes para a doença aterosclerótica coronariana9. Novas evidências indicam que aumentos modestos nos triglicerídeos aumentam o risco de eventos coronarianos e a progressão da doença arterial coronariana, como também a formação de novas lesões10-12.

É conhecida a relação entre o perfil lipídico e a doença coronariana obstrutiva13-14, porém a literatura ainda é escassa na determinação do papel dos níveis de lipoproteínas como marcadores de gravidade da síndrome coronariana aguda (SCA). Embora a manifestação clínica da SCA não dependa exclusivamente da extensão de DAC15, o comprometimento obstrutivo e o número de vasos acometidos poderão interferir na estratégia terapêutica. Assim, infere-se que, se uma das frações lipídicas for preditora do grau do comprometimento anatômico na cineangiocoronariografia, poderá potencialmente influenciar na decisão de uma estratégia de investigação invasiva em pacientes com SCA.

Dessa forma, este estudo teve como objetivo avaliar se existe associação entre o perfil lipídico e a intensidade de doença aterosclerótica coronariana em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST.

Métodos

Neste estudo retrospectivo, foram revisados prontuários de 107 pacientes consecutivos, admitidos no período entre outubro de 2003 e setembro de 2004, com diagnóstico de síndrome coronariana aguda (SCA) sem supradesnivelamento de ST, pertencentes ao banco de dados da Unidade de Dor Torácica (UDT) do Hospital Santa Izabel (HSI), Salvador (BA) e que realizaram cineangioronariografia durante a internação. O diagnóstico de SCA sem supradesnível de ST incluiu infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de ST (IAMSS) e angina instável (AI). O diagnóstico de IAMSS foi identificado em pacientes que apresentaram dor torácica retroesternal irradiada ou não para pescoço, mandíbula, epigástrio, ombro e braço esquerdo, com início súbito e duração de 30 minutos ou mais, sendo de intensidade e sintomatologia variáveis; ao ECG, verificou-se ausência de supradesnivelamento do segmento ST, porém com elevação dos marcadores bioquímicos de necrose miocárdica – CK total e CK-MB. Constatou-se também angina instável caracterizada por quadro clínico de precordialgia com duração entre 5 e 30 minutos, constrictiva, com irradiação para membro superior esquerdo ou mandíbula ou ombro direito, associada a sudorese fria, náuseas, vômitos ou que tenha obtido alívio com o nitrato; por meio de quadro laboratorial baseado nos níveis de troponina T> 0,01 e < 0,1 com CPK-massa normal e alterações no eletrocardiograma (ECG), observou-se o seguinte: inversão de T > 1,0 mm, infradesnivelamento de ST > 1,0 mm e supradesnivelamento transitório de segmento ST > 1,0 mm (regressão espontânea ou com nitrato)16. A avaliação das variáveis clínico-epidemiológicas incluiu identificação de fatores de risco para DAC e dados referentes a pressão arterial sistêmica, pulso radial, freqüência respiratória, terapia domiciliar, além do resultado do ECG.

A avaliação laboratorial incluiu dados referentes às medidas de colesterol total (CT), colesterol HDL (HDL) e triglicérides (TG), dosados pelo método enzimático; o cálculo do colesterol LDL (LDL) foi realizado pela fórmula de Friedwald17; e calculou-se o colesterol não-HDL (CTNHDL) pela diferença entre CT e HDL. Segundo o protocolo da UDT, todos os exames foram realizados em amostra de sangue colhido na admissão, no laboratório de análises clínicas do HSI. Não foi critério de exclusão os pacientes não estarem em jejum. O perfil lipídico foi classificado de acordo III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemia e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia18.

Todas as cineangioronariografias (CINES) foram realizadas pelo método de Judkins e analisadas de forma subjetiva por profissionais do Serviço de Hemodinâmica do HSI. Com base nos laudos, foram anotados dados referentes ao porcentual de obstruções, separados em três categorias (< 50%, > 50 e < 70%, > 70%), e o número de vasos comprometidos, com identificação específica para vasos principais e secundários. A DAC foi definida pela presença de qualquer obstrução quantificada no laudo. Para a análise da intensidade da DAC, consideraram-se dois critérios: porcentual de obstrução e número de artérias comprometidas. Além disso, para análise quantitativa da DAC, foi utilizado o sistema de escore de Nikita e cols.19,20. As artérias principais (descendente anterior (DA), circunflexa (CX), coronária direita (CD) e tronco de coronária esquerda (TCE)) foram analisadas e pontuadas quanto à presença de lesões nos segmentos proximal, medial e distal; as artérias secundárias receberam pontuação apenas pelo grau de obstrução, independentemente da localização. A intensidade de DAC foi definida pela soma dos escores de todas as lesões, sendo a pontuação para localização em artérias principais apenas lesões > 50% (tab. 1).

Na análise estatística, a característica clínica idade foi avaliada por meio de média e desvio padrão respectivo; as variáveis clínicas categóricas (sexo, fatores de risco cardiovascular e uso de medicamentos) foram expressas em proporções. Para avaliar a associação entre perfil lipídico e número de vasos comprometidos, utilizou-se a comparação de médias pelo teste ANOVA. A comparação entre médias nos grupos com presença ou não de obstruções foi feita utilizando o Teste t de Student. Definiu-se a significância estatística por valor de p < 0,05. Realizou-se análise multivariada. Na regressão logística, a variável dependente foi o número de vasos acometidos; essa variável foi dicotomizada em 1 ou mais que 1 vaso acometido. As variáveis independentes foram as variáveis significativas na análise univariada. Os dados foram inseridos e analisados pelo software SPSS, versão 10.0.

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Santa Izabel.

Resultados

Dos 107 pacientes incluídos, 94 (88%) tinham DAC, e destes 50 (53,2%) eram do sexo masculino e com predominância de lesões multiarteriais. As médias de idade foram superiores nos grupos biarterial e multiarterial quando comparados ao grupo uniarterial (68 ± 9 vs. 61 ± 13 anos, p = 0,035). O diabete melito (DM) e a hipertensão arterial sistêmica (HAS) foram mais freqüentes no grupo multiarterial (p = 0,004 e p = 0,042, respectivamente), e os demais fatores de risco não apresentaram diferenças entre os grupos. A angina instável representou a manifestação clínica mais freqüente dessa população, apresentando porcentual de 73% dos pacientes no grupo uniarterial e 69% no grupo multiarterial (tab. 2).

Na análise do perfil lipídico, observou-se que 64 (59,8%) dos pacientes tinham CT <200 mg/dl, 18 (16,8%) > 240 mg/dl, 33 (30,8%) HDL <40 mg/dl, 23 (21,5%) HDL >60 mg/dl e 52 (48,6%) TG <150 mg/dl. O valor médio de CT, LDL, triglicérides e CNHDL foram respectivamente de 190,71 ± 55,12 mg/dl, 109,03 ± 49,42 mg/dl, 180,81 ± 95,99 mg/dl e 141,43 ± 56,55 mg/dl, não havendo diferença significativa nas variáveis lipídicas entre pacientes com e sem obstrução (tab. 3).

Na análise da associação entre perfil lipídico e número de vasos acometidos, observou-se que a relação colesterol total/HDL foi superior no grupo multiarterial, com significância estatística e p ANOVA igual a 0,049 (tab. 4). O LDL-colesterol, embora tenha sido superior no grupo com DAC multiarterial quando comparado ao uniarterial, apresentando médias de 115,98 ± 53,88 e 85,54 ± 32,31, não foi observada diferença com significância estatística (tab. 4).

Na análise multivariada, tendo como variável dependente o número de vasos acometidos e como variáveis independentes a relação CT/HDL, HAS, DM e idade, observou-se que a relação CT/HDL permaneceu como um preditor significativo (p = 0,01). Além disso, a HAS e idade também foram preditores do número de vasos comprometidos, tendo o DM perdido a significância após o ajuste (p = 0,75).

Na análise da associação entre perfil lipídico e porcentual de obstrução, não se observou diferença entre os três graus de obstrução (<50%, > 50 e <70%, > 70%) para todas as variáveis lipídicas avaliadas (tab. 5).

Na avaliação da intensidade da DAC pelo sistema de escore, observou-se que a média do escore foi de 10,8 ± 4,6 entre os pacientes com obstrução e a mediana igual a 11 nesse mesmo grupo. Tendo como base a média e a mediana, as CINES foram classificadas em três faixas de escore: < 6, > 6 e < 15, > 15. A freqüência de distribuição por faixa de escore evidenciou que 12,8% (12) pacientes possuíam escore menor que seis; 66% (62) entre seis e quinze; 21,3% (20) maior que quinze. Não houve diferença entre os grupos na avaliação da intensidade de DAC por meio do sistema de escore e o perfil lipídico para nenhuma das variáveis estudadas, contudo observou-se tendência estatística nas frações lipídicas colesterol total, LDL-c e colesterol total não-HDL a serem menores no grupo com escore < 6 (tab. 6).

Discussão

Na análise das CINES, verificou-se que a maioria da população deste estudo apresentava obstruções > 70%, em vasos principais com comprometimento multiarterial. Essa predominância é concordante com a descrita na literatura, demonstrando que a DAC compromete preferencialmente os vasos principais14, além do que, com a progressão da doença, existe maior freqüência de comprometimento multiarterial4. Além disso, a avaliação laboratorial evidenciou que os valores médios obtidos para o LDL e o TG foram superiores aos considerados de baixo risco para DAC, de acordo com a III Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia18. Esses dados validam o perfil de alto risco de DAC obstrutiva dessa população, o que a torna adequada para estabelecer a associação entre perfil lipídico e comprometimento anatômico das coronárias.

Neste estudo, os níveis médios das variáveis lipídicas não permitiram a discriminação para a presença ou ausência de DAC, contudo constatou-se que a variável CT/HDL apresentou associação em relação ao número de vasos comprometidos, estando mais elevada nos grupos com obstruções biarterial e multiarterial quando comparados aos grupos com obstruções uniarteriais. Vale ressaltar que, apesar de a hipertensão arterial e a idade se mostrarem como preditoras do número de vasos, a relação CT/HDL se manteve na análise multivariada, de forma independente. No que se refere à variável CT/HDL e à sua relação com a presença e gravidade da DAC, estudos clínicos e angiográficos a correlacionaram com a progressão ou regressão da DAC3,21,22. Portanto, esse achado reforça a importância da medida da relação CT/HDL como fator de risco individual de DAC, assim como um indicador de sua extensão e gravidade, mesmo na presença de níveis de colesterol considerados normais, sugerindo que o desequilíbrio entre o nível de CT e HDL tenha um papel mais significativo na fisiopatologia da aterogênese. É importante considerar que a função protetora do HDL não se restringe ao transporte reverso do colesterol, podendo também transportar enzimas antioxidantes, quebrar frações lipídicas oxidadas e neutralizar seus efeitos pró-inflamatórios23. Vale ressaltar que, na nossa população, 38,8% tinham HDL < 40 mg/dl e apenas 21,5% apresentavam níveis considerados ateroprotetores.

Na análise do LDL, observou-se que essa variável foi crescente em relação ao número de vasos comprometidos. Os uniarteriais apresentaram LDL de 85,54 ± 332,31 mg/dl, enquanto os multiarteriais, 115,98 ± 53,88 mg/dl (p = 0,077). Embora não tenha sido observada significância estatística, que pode ter decorrido do pequeno número de pacientes em cada subgrupo, a diferença observada no nível sérico de LDL entre os dois grupos sugere importante valor clínico, uma vez que os multiarteriais tinham níveis de LDL >100 mg/dl, considerado de corte para prevenção de DAC em pacientes de alto risco10. Vários estudos indicam que os níveis elevados de LDL correlacionam-se com a presença e intensidade de DAC2,15,21. Korhonen e cols.4 acrescentam que as concentrações elevadas de LDL estão associadas com um risco aumentado de DAC, e quanto mais vasos se apresentarem estenosados, maior será o nível sérico de LDL no grupo, concordando, portanto, com os dados deste estudo.

No nosso estudo, vale ressaltar que a relação CT/HDL, embora tenha se mostrado associada com maior número de vasos comprometidos, não se associou, assim como as demais variáveis lipídicas, com o grau de estenose em pacientes com SCA sem supra de ST. Isso pode ser explicado pelo fato de as lesões mais potencialmente instáveis e propensas à ruptura serem freqüentemente não-oclusivas e muitas vezes não diagnosticadas na angiografia24. Essas lesões apresentam um grande núcleo lipídico, com sinais de inflamação ativa e acumulação de macrófagos no local da ruptura da placa24. Contudo, tem sido demonstrada ausência de relação entre o LDL colesterol sérico e o LDL colesterol oxidado na placa em SCA15.

Na análise da intensidade da DAC, pelo sistema de escore, não se observou diferença para nenhuma das variáveis, embora as frações lipídicas colesterol total, LDL-c e colesterol total não-HDL tenham apresentado uma discreta tendência a serem menores quando associadas ao escore menor que seis. O sistema de escore, por incluir em sua análise o grau de obstrução, pode ter contribuído para uma capacidade discriminativa restrista, visto que, de acordo com a literatura, o grau de obstrução não é, provavelmente, o fator mais importante para desencadear os quadros clínicos de SCA24.

Este estudo pode apresentar limitações decorrentes do seu modelo retrospectivo e de análise das CINES realizada por vários profissionais. Contudo, vale ressaltar que a possível limitação decorrente da variabilidade dos laudos não compromete a validade dos resultados, por tratar-se de hospital especializado e de referência na área de cardiologia, onde os profissionais de hemodinâmica desse centro possuem alta experiência na análise de obstrução coronariana. Outro aspecto que pode ser considerado limitador é a dosagem do perfil lipídico a partir de sangue colhido na admissão, de acordo com o protocolo da UDT, não tendo sido observado o jejum de 12 horas. Todavia, é importante ressaltar que triglicérides são basicamente a fração lipídica que apresenta importante variação pós-prandial25,26. Além disso, os critérios usados para definir angina instável, embora tenham sido os vigentes no momento em que se iniciou a construção do banco de dados, podem merecer uma reavaliação ante as definições mais recentes que sugerem que a elevação da TnT acima do percentil 99 (0,01) e abaixo do coeficiente de variação de 10% (0,03) como indicador de necrose deve ser avaliada no contexto clínico27. Contudo, essa limitação não compromete o objetivo do trabalho, uma vez que os pacientes foram rigorosamente avaliados de acordo com os protocolos vigentes na UDT e por profissionais aptos para identificar presença de necrose miocárdica mesmo em situações clínicas pouco claras.

Ainda que a aterosclerose não decorra simplesmente do acúmulo de lípides, neste estudo, que incluiu uma população apresentando DAC grave, caracterizada por comprometimento multiarterial e predominância de obstruções >70% e em vasos principais, o CT e a relação CT/HDL foram marcadores de gravidade de DAC em relação ao número de vasos comprometidos, demonstrando que o perfil lipídico pode ser um determinante de maior comprometimento anatômico também em pacientes com SCA sem supra de ST. Assim, considerando que normalmente ocorre uma diminuição das variáveis lipídicas algumas horas após os quadros de síndromes coronarianas agudas28, os dados deste estudo enfatizam a necessidade de avaliação do perfil lipídico na admissão desses pacientes, para identificar pacientes com maior risco potencial.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação acadêmica deste estudo a programa de pós-graduação.

Artigo recebido em 15/12/06; revisado recebido em 29/6/07; aceito em 8/10/07.

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  • Correspondência:

    Rafaela Andrade Penalva
    Rua Altino Seberto de Barros, 295/1004 - Itaigara
    41825-010, Salvador, BA - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Jan 2008

    Histórico

    • Recebido
      15 Dez 2006
    • Revisado
      29 Jun 2007
    • Aceito
      08 Out 2007
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