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Ablação por radiofreqüência da fibrilação atrial paroxística: fatores determinantes da eficácia clínica a longo-prazo

Resumos

FUNDAMENTO: A maioria dos trabalhos tem descrito preditores de recorrência de fibrilação atrial após ablação por cateter, com tempos de seguimento relativamente curtos. OBJETIVO: Avaliar retrospectivamente, em longo prazo, os preditores de recorrência de fibrilação atrial paroxística (FA) em pacientes submetidos ao isolamento das veias pulmonares, após um único procedimento. MÉTODOS: Foram estudados 139 pacientes (102 homens com idade média de 55 ± 12 anos) submetidos à ablação por radiofreqüência, por meio das técnicas ostial ou extra-ostial de abordagem do átrio esquerdo, associadas ou não à ablação do istmo cavo-tricuspídeo (ICT). Variáveis pré, intra e pós-ablação foram avaliadas por análise uni e multivariada, para determinar os preditores de recorrência da FA após um procedimento. RESULTADOS: Após um seguimento de 33 ± 12 meses, observou-se que maior tempo de história de FA, uso de mais antiarrítmicos e recorrência de FA num período de sessenta dias pós-procedimento aumentaram o risco de recorrência de FA em longo prazo. Por sua vez, a associação de flutter atrial e a ablação concomitante do ICT reduziram o risco de recorrência. CONCLUSÃO: Variáveis clínicas como tempo de história de FA e maior quantidade de antiarrítmicos já utilizadas influenciam os resultados da ablação por cateter. Em pacientes com flutter atrial associado, a realização concomitante de linha de bloqueio no ICT reduziu significativamente a recorrência de fibrilação atrial em longo prazo.

Fibrilação atrial; ablação por cateter; recidiva; seguimentos


BACKGROUND: Most of the studies on this subject have reported predictors of recurrence of atrial fibrillation after catheter ablation with relatively short follow-up periods. OBJECTIVE: To retrospectively evaluate predictors of long-term recurrence of paroxysmal atrial fibrillation (AF) in patients undergoing pulmonary vein isolation following one single procedure. METHODS: The authors studied a total of 139 patients (102 men; mean age of 55 ± 12 years) undergoing radiofrequency ablation using the ostial or extra-ostial techniques for left atrial approach, combined or not with cavotricuspid isthmus ablation (CTI). Pre, intra and post-ablation variables were evaluated using univariate and multivariate analyses to determine the predictors of recurrence of AF after one procedure. RESULTS: After a 33 ± 12-month follow-up, we observed that a longer time of history of AF, use of more antiarrhythmic drugs, and recurrence of AF within 60 days post-procedure increased the risk of long-term recurrence of AF. On the other hand, the association of atrial flutter and concomitant CTI ablation reduced the risk of recurrence of AF. CONCLUSION: Clinical variables such as time of history of AF and a larger number of antiarrhythmic drugs already used influenced the outcomes of catheter ablation. In patients with associated atrial flutter, simultaneous CTI block significantly reduced the long-term recurrence of atrial fibrillation.

Atrial fibrillation; catheter ablation; recurrence; follow-up studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Ablação por radiofreqüência da fibrilação atrial paroxística: fatores determinantes da eficácia clínica a longo-prazo

Raul José Pádua Sartini; Maurício Ibrahim Scanavacca; Eduardo Sosa; Luiz Felipe Moreira; Sissy Lara; Carina Hardy; Francisco Darrieux; Denise Hachul

Instituto do Coração de São Paulo, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Raul José Pádua Sartini Rua Regente Feijó, 774/34 - Centro 13400-100, Piracicaba, SP - Brasil E-mail: sartini@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A maioria dos trabalhos tem descrito preditores de recorrência de fibrilação atrial após ablação por cateter, com tempos de seguimento relativamente curtos.

OBJETIVO: Avaliar retrospectivamente, em longo prazo, os preditores de recorrência de fibrilação atrial paroxística (FA) em pacientes submetidos ao isolamento das veias pulmonares, após um único procedimento.

MÉTODOS: Foram estudados 139 pacientes (102 homens com idade média de 55 ± 12 anos) submetidos à ablação por radiofreqüência, por meio das técnicas ostial ou extra-ostial de abordagem do átrio esquerdo, associadas ou não à ablação do istmo cavo-tricuspídeo (ICT). Variáveis pré, intra e pós-ablação foram avaliadas por análise uni e multivariada, para determinar os preditores de recorrência da FA após um procedimento.

RESULTADOS: Após um seguimento de 33 ± 12 meses, observou-se que maior tempo de história de FA, uso de mais antiarrítmicos e recorrência de FA num período de sessenta dias pós-procedimento aumentaram o risco de recorrência de FA em longo prazo. Por sua vez, a associação de flutter atrial e a ablação concomitante do ICT reduziram o risco de recorrência.

CONCLUSÃO: Variáveis clínicas como tempo de história de FA e maior quantidade de antiarrítmicos já utilizadas influenciam os resultados da ablação por cateter. Em pacientes com flutter atrial associado, a realização concomitante de linha de bloqueio no ICT reduziu significativamente a recorrência de fibrilação atrial em longo prazo. (Arq Bras Cardiol 2008; 90(2): 122-129)

Palavras-chave: Fibrilação atrial, ablação por cateter, recidiva, seguimentos.

Introdução

A fibrilação atrial (FA) é a arritmia sustentada mais comum, com prevalência crescente nas últimas décadas1, sendo responsável por substancial aumento de morbidade e mortalidade na população geral2, principalmente quando associada a co-morbidades como insuficiência cardíaca e disfunção ventricular esquerda3.

Desde que Haissaguerre e cols.4, Jais e cols. 5 e Shah e cols.6 chamaram a atenção para a importância das veias pulmonares na deflagração de episódios de FA, diversos estudos têm procurado determinar qual a melhor técnica a ser empregada no tratamento não-farmacológico dessa arritmia, assim como evidenciar quais fatores podem predizer a maior chance de recorrência após esses procedimentos. A literatura mostra resultados variáveis7-10 tanto pela diferença na seleção de pacientes quanto com relação à eficácia dessas técnicas9,11,12, não havendo, portanto, consenso sobre qual deva ser a melhor opção terapêutica para o controle do paciente portador de FA. Ainda, a maioria desses trabalhos apresenta resultados obtidos após mais de uma intervenção e também com tempos de seguimento habitualmente curtos, possivelmente superestimando o sucesso do procedimento.

Objetivo

Investigar em longo prazo os preditores de recorrência de FA paroxística em pacientes submetidos à ablação por radiofreqüência (RF), após um único procedimento.

Casuística e métodos

População estudada - Foram estudados 139 pacientes consecutivamente (102 homens com idade média de 55 ± 12anos), entre maio de 2001 e julho de 2004, submetidos ao isolamento das veias pulmonares, por meio da técnica ostial ou extra-ostial. Eram portadores de FA paroxística, bastante sintomáticos e com crises freqüentes da arritmia, apesar de já terem usado 2 ± 1 drogas antiarrítmicas. Apresentavam história de FA havia 6 ± 5 anos. Somente 7% tinham doença cardíaca estrutural.

Protocolo de estudo- O protocolo de estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Instituto do Coração de São Paulo, e, antes do procedimento, os pacientes assinaram termo de consentimento.

Os pacientes que utilizavam varfarina foram orientados a suspendê-la, pelo menos cinco dias antes do procedimento. Eles foram então mantidos com enoxiparina sódica subcutânea, na dose de 1 mg/kg de 12/12 horas, a qual foi suspensa 12 horas antes da ablação. Realizou-se coleta de sangue para a medida do tempo de protrombina, a fim de obter um INR (International normalized ratio) inferior a 1,8. Os pacientes foram submetidos ao ecocardiograma transesofágico para confirmar a ausência de trombos intracavitários. Após 8 horas de jejum, foram encaminhados ao laboratório de eletrofisiologia e submetidos à sedação profunda, controlada por anestesista, com propofol, midazolam e fentanil endovenosos. As vias aéreas foram mantidas por meio de entubação orotraqueal ou do uso de máscara laríngea. Realizaram-se monitorização não-invasiva da pressão arterial, oximetria de pulso e mensuração do CO2 expirado. Por meio de punções na veia femoral direita, foram introduzidos e posicionados três cateteres multipolares: um decapolar (Irvine, Daig-St. Jude Medical’s ou Johnson & Johnson) no seio coronário;um decapolar circular (Lasso, Biosense Webster) no átrio esquerdo através de forame oval pérvio ou punção transeptal; um quadripolar para ablação, com espaço intereletrodos de 2 mm e eletrodo distal com 4 mm ou 8 mm (EPT-Boston Scientific ou Johnson & Johnson) também no átrio esquerdo, por segunda punção transeptal. O posicionamento do Lasso foi orientado pela angiografia das veias pulmonares (VP) com contraste (Ioxalato de Meglumina 32,5 g/100 ml),exceto nas inferiores direitas nas quais não foi realizada sistematicamente. A determinação anatômica das VP foi realizada por fluoroscopia, e as imagens foram obtidas por aparelho Fisher (Fisher Electrophysiology X-Ray Imaging System) ou General Electric (OEC Series 9800 plus), em projeções oblíquas anterior esquerda e direita (30°-45°). Eletrocardiograma de superfície e eletrogramas bipolares intracavitários, filtrados na faixa entre 50 e 500 Hz, foram obtidos e gravados em sistema digital (Eletrophysiologic Measurement System - EMS – Netherlands ou EP-Tracer V 0.7711 - Cardiotek - Netherlands). Rotineiramente, realizaram-se estimulações atrial e ventricular programadas, para descartar a concomitância de outras arritmias.

Os 63 pacientes iniciais, entre maio de 2001 e fevereiro de 2003, foram submetidos à ablação ostial, a fim de obter o isolamento elétrico das VP. Após as punções transeptais, administraram-se 10.000 UI de heparina intravenosa. Após 15 minutos, mediu-se o tempo de coagulação ativado (TCA), procedimento repetido a cada hora. Doses suplementares de heparina foram feitas com objetivo de manter o TCA entre 250 e 300 segundos.O mapeamento foi guiado por Lasso de 15 mm de diâmetro, locado aproximadamente 5 mm no interior de cada VP abordada, permitindo o registro dos potenciais veno-atriais. Para a ablação, utilizou-se cateter de 4 mm que era movido em direção ao dipolo do Lasso,que registrava o potencial venoso mais precoce. Pulsos de RF foram então aplicados no óstio, a fim de desconectar esses potenciais (fig. 1). Quando isso era conseguido, o cateter de ablação era deslocado para pontos de conexão mais precoce, até o completo isolamento dos potenciais. Mesmo que a desconexão ocorresse antes, pulsos foram aplicados até se completar toda circunferência da veia. As aplicações de RF foram limitadas, em torno de 30 W, 50°C, com duração entre 30 e 60 segundos.


Os 76 pacientes subseqüentes, entre fevereiro de 2003 e julho de 2004, foram submetidos à ablação circunferencial extra-ostial, também com o objetivo de conseguir o isolamento elétrico das VP. Após a punção venosa, administraram-se 5.000 UI de heparina, seguidas de mais 5.000 UI para cada punção transeptal, com o intuito de manter o TCA > 300 segundos; esse procedimento foi repetido a cada meia hora.

Lasso com diâmetro de 20 a 25 mm foi locado em uma posição mais extra-ostial, no antro das VP, delimitando a região a ser cauterizada. Os pulsos de RF foram aplicados em torno do cateter circular, com o cateter de ablação de 8 mm sendo lentamente deslocado linearmente ao seu redor por uma distância de 5 a 20 mm do óstio, evitando-se o contato direto com o Lasso. As aplicações foram limitadas entre 50 e 60 W, 50 a 60°C, com duração entre 40 e 60 segundos, a fim de realizar a ablação circunferencial e conseguir o isolamento das VP.

Independentemente da técnica, nos pacientes com registro prévio de flutter atrial ou naqueles em que, durante o procedimento, este tenha sido induzido, realizou-se bloqueio do istmo cavo-tricuspídeo (ICT), utilizando-se o mesmo cateter de ablação, ou seja, 4 mm na abordagem ostial ou 8 mm na extra-ostial.

Após o procedimento, os pacientes mantiveram repouso no leito por um período mínimo de 6 horas. Heparina de baixo peso molecular foi introduzida num período de 6 a 8 horas após o término do exame e mantida após a alta hospitalar, até que a anticoagulação oral alcançasse níveis terapêuticos adequados. Esta última foi mantida por um período mínimo de 30 dias. Eletrocardiograma de doze derivações foi realizado após o procedimento e também no dia seguinte. Os pacientes receberam alta após, pelo menos, 24 horas de observação.

Drogas antiarrítmicas foram mantidas na alta hospitalar, quando da presença de recorrências imediatas ou de extra-sístoles sintomáticas. Sua suspensão foi habitualmente realizada pelo médico assistente do paciente.

Variáveis analisadas - Para a análise dos preditores de recorrência em longo prazo, as variáveis estudadas foram agrupadas em classes da seguinte maneira:

a) Pré-ablação: sexo, idade, tempo de FA, flutter atrial associado, outros diagnósticos associados (diabetes, hipertensão arterial, valvopatia, cardiopatia estrutural), tamanho de átrio esquerdo, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, cardioversão prévia (elétrica, química ou ambas), número de medicações previamente utilizadas.

b) Intra-ablação: abordagem ostial ou extra-ostial, ablação de flutter, cateter para ablação do flutter, potência, temperatura e tempo das aplicações, número de veias abordadas e desconectadas, tempos de exame e fluoroscopia.

c) Pós-ablação: tempo para recorrência inferior ou superior a sessenta dias.

Desfechos

Classificaram-se as recorrências, sintomáticas ou não, em: precoces (quando ocorreram nos primeiros sessenta dias) ou tardias (quando ultrapassaram os sessenta dias iniciais após a ablação). Essas recorrências foram discriminadas em: fibrilação atrial, flutteratrial ou taquicardia atrial. Para a construção da curva de eventos, adotaram-se, como critério de recorrência, somente os casos de FA ocorridos nos primeiros sessenta dias, mas que persistiram também além desse período, ou os que ocorreram em qualquer momento do seguimento além desse prazo inicial. Definiu-se o sucesso do procedimento quando os pacientes não apresentaram recorrência de FA ao final do seguimento, após um procedimento, usando ou não drogas antiarrítmicas. Bem controlados aqueles que, embora tenham apresentado recorrências, as tiveram em quantidade menor que antes do procedimento e em que as medicações previamente ineficazes passaram a controlar as crises. Considerou-se insucesso quando o procedimento não reduziu as crises, a arritmia tornou-se permanente ou persistente, foi necessária a reintervenção ou indicou-se implante de marca-passo definitivo (MPD).

Dividiram-se as complicações em maiores ou menores. Elas foram definidas como maiores quando prolongaram a hospitalização, requereram intervenção para tratamento e resultaram em lesão permanente ou morte.

Seguimento - Os pacientes foram reavaliados ambulatorialmente em trinta dias, três, seis e doze meses por meio de eletrocardiograma de doze derivações e holter de 24 horas. Após esse período, a avaliação foi realizada pelos médicos assistentes. Os pacientes residentes fora da cidade de São Paulo foram contatados por carta, telefone ou telegrama, até que fosse completado o seguimento. Foi-lhes enviado um questionário objetivo, solicitando-lhes respostas simples e diretas sobre a percepção da arritmia pré e pós-ablação. Todos enviaram eletrocardiograma ou holter de seguimento para nosso serviço. Aqueles com sensação de palpitações, taquicárdicas ou não, foram instruídos a registrar os episódios com eletrocardiograma, holter ou monitor de eventos. Havendo registro de fibrilação, flutter ou taquicardia atrial, optou-se ou não pela reintervenção, após decisão conjunta com o paciente e seu médico assistente.

Análise estatística

Dados quantitativos são descritos como média ± desvio padrão. Dados categóricos foram analisados utilizando-se o Teste t de Student ou teste de qui-quadrado. Com o modelo de regressão proporcional de Cox, realizaram-se duas análises: a) univariada dos possíveis fatores associados com recorrência de fibrilação atrial em longo prazo, após um procedimento; e multivariada, para determinar os preditores independentes de risco para sua recorrência. As curvas de eventos foram comparadas pelo teste de log rank. Estabeleceu-se nível de significância estatística quando p < 0,05. Foi utilizado o programa estatístico SPSS para Windows versão 13.0.

Resultados

Visão geral - Os 63 (45%) pacientes submetidos à ablação ostial não diferiram significativamente dos 76 (55%) da extra-ostial, com relação às características clínicas (tab. 1).

A duração média dos procedimentos foi de 223 ± 49 minutos, com 67 ± 18 minutos de fluoroscopia. Em média, a característica das aplicações foi de: potência (45 ± 13 W), temperatura (52 ± 4°C) e tempo das aplicações (45 ± 14 segundos).

Abordaram-se, em média, quatro veias com isolamento de 3 ± 1 veia. Receberam em média 16 ± 10 pulsos de radiofreqüência distribuídos da seguinte forma: VP superior esquerda (19 ± 11 pulsos), VP superior direita (18 ± 9 pulsos), VP inferior esquerda (12 ± 8 pulsos) e VP inferior direita (15±11 pulsos).

Quarenta e quatro (32%) pacientes foram submetidos também ao bloqueio do ICT, sendo 19 (43%) com cateter de 4 mm e 25 (57%) com 8 mm. Dentre os dezenove pacientes, três (16%) não tinham antecedente de flutter atrial. Um (4%) paciente abordado com cateter de 8 mm não tinha registro de flutter. Quatro pacientes com registro de flutter não tiveram o ICT abordado, sendo dois de cada grupo.

Recorrências e não-recorrências - Em seguimento de 33 ± 12meses, após um único procedimento, 70 (50%) pacientes não apresentaram nenhuma recorrência. Dos 69 (50%) que recorreram, 6 (4%) apresentaram episódio isolado de FA nos primeiros sessenta dias, 2 (2%) episódio isolado de FA em noventa dias e 9 (7%) episódios de flutter ou taquicardia atrial, enquanto 52 (37%) apresentaram crises recorrentes de FA. Assim, verificou-se sucesso em 50% dos pacientes, 25% ficaram bem controlados e 25% foram considerados como insucesso. Entre os pacientes com sucesso, 42 não usam antiarrítmicos, 12 usam betabloqueador e 16 usam antiarrítmicos classe III. Entre os controlados, 8 estão sem antiarrítmicos, 2 usam betabloqueador e 25 usam antiarrítmicos classe I ou III. Dentre os insucessos, 30 foram encaminhados para o segundo procedimento, 2 aguardam reintervenção, um evoluiu para FA permanente e um foi submetido ao implante de MPD.

Preditores de recorrência - Para análise das curvas de livres de recorrência, os pacientes com episódios isolados de FA e aqueles com flutter ou taquicardia atriais foram somados ao grupo dos não-recorrentes, quando foi assumido um período de blanking de sessenta dias (gráf. 1). Esse período é a censura das recorrências obtidas em períodos variáveis e predeterminados após a ablação, assumindo-se que, nessa fase, eventuais recorrências não influem no resultado tardio do procedimento. Foi realizada também a análise sem blanking. Nessa circunstância, aqueles com episódios isolados de FA nos primeiros sessenta dias foram somados ao grupo dos recorrentes.


Após considerar-se o período de blanking de sessenta dias, observou-se que, em 3, 6, 9, 12, 15, 24 e 57 meses de seguimento, 85%, 77%, 71%, 67%, 63%, 62% e 58% dos pacientes, respectivamente, permaneciam livres de recorrência sintomática de FA.

Por meio de análise univariada, observou-se que: [idade (p = 0,05), tempo de FA (p <0,001), número de drogas (p = 0,021) e flutter associado (p = 0,003)]; [potência das aplicações (p <0,054), ablação de flutter (p = 0,005) e cateter para ablação de flutter (p = 0,005)] e [recorrência nos primeiros sessenta dias (p <0,001)] poderiam influenciar na recorrência de FA, sendo então utilizadas na análise multivariada.

Na análise multivariada, verificou-se que tempo de FA (p <0,01; risco relativo = 1,07; IC 95% 1,02 a 1,13) e número de drogas (p = 0,02; risco relativo =1,32; IC 95% 1,04 a 1,69) eram fatores independentes de maior risco para recorrência tardia de FA, enquanto a presença de flutter associado (p <0,01; risco relativo = 0,31; IC 95% 0,15 a 0,64) era fator independente de menor risco. A ablação do flutter atrial (p <0,01; risco relativo = 0,39; IC 95% 0,20 a 0,75) e cateter de 8 mm utilizado para ablação do flutter (p <0,01; risco relativo = 0,07; IC 95% 0,01 a 0,48) eram preditores de menor risco para recorrência tardia de FA. A recorrência nos primeiros sessenta dias (p <0,01; risco relativo = 4,95; IC 95% 2,76 a 8,89) permanecia como fator independente de maior risco para recorrência tardia de FA.

Como observado no gráfico 2, sessenta e cinco por cento dos pacientes com menos de quatro anos de história de FA não haviam recorrido, contra 48% daqueles com maior tempo de evolução.


Observou-se também que, dentre os pacientes com uso prévio de três ou mais drogas antiarrítmicas, somente 34% estavam livres de recorrência, se comparados com os 61% que utilizavam menor quantidade (gráf. 3).


Por sua vez, a história prévia de flutter reduziu o risco de recorrência de FA (risco relativo = 0,31), e a utilização de cateter de 8 mm para ablação do flutter atrial associado diminuiu ainda mais esse risco (risco relativo = 0,07). Assim, ao final do seguimento de 33 meses, observou-se que 80% dos pacientes que apresentavam flutter em associação com a FA estavam livres de recorrência, contra somente 48% daqueles sem documentação prévia dessa arritmia (gráf. 4). Ainda, para o mesmo tempo de observação, 96% dos pacientes que foram submetidos à ablação concomitante do ICT com cateter de 8 mm não haviam recorrido, contra 63% daqueles com esta intervenção com cateter de 4 mm e somente 46% dos que não tiveram esta região abordada (gráf. 5).



Complicações - Cento e dezesseis (83%) pacientes não tiveram complicações, enquanto 23 (17%) apresentaram alguma, conforme discriminado a seguir:

a) Maiores: um acidente vascular cerebral isquêmico transitório; um infarto agudo do miocárdio em parede inferior ao término do procedimento, sendo submetido à angioplastia primária com sucesso; uma fístula átrio-esofágica com posterior óbito; cinco hemopericárdios drenados durante o procedimento; uma trombose venosa profunda; um pseudoaneurisma corrigido cirurgicamente.

b) Menores: uma hipocinesia de frênico; três estenoses de VP sem repercussão clínica; duas queimaduras por placa indiferente; dois supradesnivelamentos transitórios do segmento ST; duas congestões pulmonares na primeira semana pós-ablação; e três hematomas extensos com resolução espontânea.

Discussão

Os resultados deste trabalho sugerem que a resposta em longo prazo dos pacientes submetidos à ablação por RF possa depender não somente da técnica utilizada, mas também do perfil clínico do paciente. Observou-se que certas características variáveis, como o tempo de história com FA e a quantidade de drogas previamente utilizadas, influíram no resultado.

Apesar de a ocorrência de fibrilação e flutter atrial em um mesmo indivíduo ser comum, sua razão permanece incerta. Neste estudo, o calibre do cateter e a técnica empregada na modificação do substrato atrial esquerdo não pareceram influenciar na evolução dos pacientes, em longo prazo. Porém, quando se associou à ablação do ICT, houve repercussão positiva no resultado final. Dos pacientes submetidos a esse procedimento com cateter de 8 mm, 96% não apresentaram recorrência. Naqueles em que se utilizou o cateter de 4 mm, essa taxa foi de 63%. Ambos os porcentuais se sobrepuseram acentuadamente aos 46% dos pacientes que não tiveram o istmo abordado.

Essas observações estão em concordância com os resultados de trabalhos que evidenciam o papel do ICT. Schemieder e cols.13 observaram que, após o bloqueio do ICT, a taxa de ocorrência de fibrilação atrial reduziu de 55% para 33%, passando de 45% de sucesso para 67%, valor próximo ao resultado obtido nesta pesquisa, com cateter de 4 mm (63%). Kumagai e cols.14 e Sharf e cols.15 também observaram, em seus trabalhos, a vantagem da associação do bloqueio do ICT com a ablação de focos pulmonares. Bottoni e cols.16 evidenciaram uma taxa de 64% de recorrência de episódios arrítmicos sintomáticos após a ablação de flutter, constatando, entretanto, diminuição no número de episódios e internações em um grupo de 56 pacientes com história de FA.

Com essas observações, poder-se-ia ficar com a impressão de que somente a ablação do ICT seria capaz de reduzir a chance de recorrência de FA. Porém, Bertaglia e cols.17 mostram claramente que a recorrência de FA após somente bloqueio do ICT aumenta progressivamente com o passar do tempo. Wazni e cols.18 randomizaram pacientes com FA e flutter em dois grupos (um somente para isolamento das VP e outro para isolamento e bloqueio do ICT) e observaram, em seguimento inferior a um ano, que o isolamento sozinho era capaz de controlar ambas as arritmias, embora o bloqueio do istmo evitasse a recorrência precoce destas. No presente trabalho, porém, a associação do isolamento e do ICT diminuiu a recorrência também em longo prazo.

Também chama a atenção neste estudo a observação de uma taxa de sucesso inferior àquela referida por outros trabalhos4,7,9, com variações entre 62% e 88%. Entretanto, essas porcentagens são referentes a tempos de seguimento que variaram de 5 a 15 meses, o que pode superestimar o sucesso do procedimento. Neste trabalho, o seguimento foi de 33 ± 12 meses, o que possivelmente levou a uma taxa de sucesso menor se comparada aos trabalhos supracitados. Della Bella e cols.19 mostraram taxa de sucesso semelhante à apresentada aqui, considerando-se seguimento de doze meses (65% naquele vs. 67% deste). Recentemente, Cheema e cols.12,20 e Lee e cols.21 apresentaram seus resultados baseados em tempos de seguimento maiores, que variaram de 11 a 30 meses, e nessa circunstância alcançaram taxas de sucesso não superiores a 69%. Além disso, alguns desses trabalhos7,12 consideram as taxas de sucesso não somente após um procedimento, e sim somando-se os resultados positivos conseguidos após a repetição da intervenção. Assim como no trabalho de Cheema e cols.20, no presente trabalho as taxas de sucesso foram obtidas considerando-se somente um único procedimento, o que também possivelmente tenha contribuído para uma porcentagem menor de sucesso.

Dentre as complicações, a mais grave foi a fístula átrio-esofágica com posterior óbito do paciente22. Até aquele momento, não havia na literatura nenhum relato sobre tal complicação com a ablação por cateter. Contemporaneamente a sua ocorrência neste estudo22, Pappone e cols.23 descreveram dois casos de fístula átrio-esofágica, e um deles também evoluiu a óbito. O maior risco para a sua ocorrência encontra-se no fato da realização de aplicações com alta energia, principalmente na parede posterior do átrio esquerdo. Tal complicação levou à utilização de termômetro intra-esofágico24 ou à administração oral de contraste baritato, o que permite demarcar a posição do esôfago25, evitando-se aplicações próximas a ele.

Algumas limitações deste estudo devem ser levadas em consideração. Uma delas é o fato de ter sido um trabalho retrospectivo. Outra seria a consideração de não se ter buscado ativamente a ocorrência de episódios assintomáticos de fibrilação atrial. Entretanto, o longo tempo de seguimento provavelmente tenha atenuado essa limitação, uma vez que houve uma chance maior de registro espontâneo da arritmia.

A alta taxa de sucesso entre aqueles submetidos ao bloqueio do ICT pode decorrer do fato de que eram pacientes com história prévia de flutter associado à FA, e assim ter selecionado um subgrupo específico. Talvez não se aplique a todos os pacientes com FA paroxística, sendo necessário reproduzir estes resultados em trabalho prospectivo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de doutorado de Raul José Pádua Sartini, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Artigo recebido em 18/04/07; revisado recebido em 20/08/07; aceito em 16/10/07.

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  • Correspondência:

    Raul José Pádua Sartini
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      16 Out 2007
    • Revisado
      20 Ago 2007
    • Recebido
      18 Abr 2007
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