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Índice Tornozelo-Braquial (ITB) determinado por esfigmomanômetros oscilométricos automáticos

Resumos

FUNDAMENTO: Índice Tornozelo-Braquial (ITB) é essencial na prática clínica, mas dificuldades técnicas na sua execução pelo padrão de referência Doppler vascular (DV) tornam-no ainda pouco utilizado. OBJETIVO: Avaliar aplicabilidade da determinação do ITB com uso de esfigmomanômetros oscilométricos automáticos (EOA) e sugerir a utilização dos índices delta-Bráquio-Braquial (delta-BB) e delta-ITB como marcadores de risco cardiovascular. MÉTODOS: Estudo descritivo e observacional de 247 pacientes ambulatoriais (56,2% feminino, média 62,0 anos) submetidos à determinação do ITB com aferição simultânea da pressão arterial (PA) em membros superiores (MMSS) e inferiores (MMII) utilizando-se dois EOA (OMRON-HEM705CP). Nos casos em que não foi possível aferir PA em pelo menos um dos MMII utilizou-se DV. Os pacientes divididos em Grupo N (ITB normal: 0,91 a 1,30) e Grupo A (ITB alterado: <0,90 ou >1,30) tiveram comparados entre si os valores de delta-ITB (diferença absoluta ITB/MMII) e delta-BB (diferença absoluta PAS/MMSS). RESULTADOS: Utilizando-se EOA foi possível determinar ITB em 90,7%. Com dados do Grupo N determinaram-se valores de referência (VR) no percentil 95 de delta-ITB (0-0,13) e delta-BB (0-8 mmHg). Quando comparado com o Grupo N, o Grupo A apresentou prevalência mais elevada tanto de delta-ITB (30/52 contra 10/195; Razão de Chances: 25,23; p<0,0001) como de delta-BB (13/52 contra 7/195; Razão de Chances: 8,95; p<0,0001) acima dos VR. CONCLUSÃO: O ITB pode ser determinado na maioria das vezes com EOA. Delta-ITB e delta-BB acima dos VR estiveram significativamente mais prevalentes nos portadores de ITB alterado e podem ser sugeridos como marcadores de risco cardiovascular em futuros estudos epidemiológicos.

Valor preditivo dos testes; artéria braquial; pressão arterial; doenças vasculares periféricas


BACKGROUND: Assessing Ankle-Brachial Index is an essential procedure in clinical settings, but since its measurement by the gold standard Doppler Ultrasonic (DU) technique is impaired by technical difficulties, it is underperformed. OBJECTIVE: The aim of this study was to assess the efficacy of an automated oscillometric device (AOD) by performing Ankle-Brachial Index (ABI) assessments and to suggest delta brachial-brachial (delta-BB) and delta-ABI as markers of cardiovascular risk. METHODS: In this observational and descriptive study, 247 patients (56.2% females, mean age 62.0 years) had their arterial blood pressure (ABP) measured for ABI calculation. Two AOD (OMRON-HEM705CP) devices were used for simultaneous measurements of the ABP, first of the two arms and then of the arm with higher systolic ABP and a leg, first the left and then the right one. When leg ABP measurements were not possible, ABI determination was performed by using the standard Doppler Ultrasonic (DU) technique. Patients were designated to Group N (normal ABI: 0.91 to 1.30) or Group A (abnormal ABI: <0.90 or >1.30). Other indexes were also calculated: delta-BB (absolute difference in mmHg of systolic ABP between arms) and delta-ABI (absolute difference of ABI between legs) and the results were compared. RESULTS: In most patients (90.7%), it was possible to determine the ABI. Group N data allowed calculation of the 95th percentile reference values (RV) of delta-BB (0 to 8 mmHg) and delta-ABI (0 to 0.13). When compared to Group N, Group A had a significantly higher prevalence of high values greater than the RVs of delta-ABI (30 of 52 and 10 of 195, respectively; Odds Ratio = 25.23; p<0.0001) and delta-BB (13 of 52 and 7 of 195, respectively; Odds Ratio = 8.95; p<0.0001). CONCLUSION: In most patients, the ABI could be measured by AOD. Both indexes, delta-BB and delta-ABI greater than the RVs, were significantly more prevalent in patients with abnormal ABI values, and their usefulness as new markers of cardiovascular disease should be further appraised in epidemiological studies.

Predictive value of tests; brachial artery; blood pressure; peripheral vascular diseases


ARTIGO ORIGINAL

Índice Tornozelo-Braquial (ITB) determinado por esfigmomanômetros oscilométricos automáticos

Takao Kawamura

Cardioclínica Araçatuba, Araçatuba, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Takao Kawamura Rua Tiradentes, 1301 16015-020 - Araçatuba, SP - Brasil E-mail: takaok@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Índice Tornozelo-Braquial (ITB) é essencial na prática clínica, mas dificuldades técnicas na sua execução pelo padrão de referência Doppler vascular (DV) tornam-no ainda pouco utilizado.

OBJETIVO: Avaliar aplicabilidade da determinação do ITB com uso de esfigmomanômetros oscilométricos automáticos (EOA) e sugerir a utilização dos índices delta-Bráquio-Braquial (delta-BB) e delta-ITB como marcadores de risco cardiovascular.

MÉTODOS: Estudo descritivo e observacional de 247 pacientes ambulatoriais (56,2% feminino, média 62,0 anos) submetidos à determinação do ITB com aferição simultânea da pressão arterial (PA) em membros superiores (MMSS) e inferiores (MMII) utilizando-se dois EOA (OMRON-HEM705CP). Nos casos em que não foi possível aferir PA em pelo menos um dos MMII utilizou-se DV. Os pacientes divididos em Grupo N (ITB normal: 0,91 a 1,30) e Grupo A (ITB alterado: <0,90 ou >1,30) tiveram comparados entre si os valores de delta-ITB (diferença absoluta ITB/MMII) e delta-BB (diferença absoluta PAS/MMSS).

RESULTADOS: Utilizando-se EOA foi possível determinar ITB em 90,7%. Com dados do Grupo N determinaram-se valores de referência (VR) no percentil 95 de delta-ITB (0-0,13) e delta-BB (0-8 mmHg). Quando comparado com o Grupo N, o Grupo A apresentou prevalência mais elevada tanto de delta-ITB (30/52 contra 10/195; Razão de Chances: 25,23; p<0,0001) como de delta-BB (13/52 contra 7/195; Razão de Chances: 8,95; p<0,0001) acima dos VR.

CONCLUSÃO: O ITB pode ser determinado na maioria das vezes com EOA. Delta-ITB e delta-BB acima dos VR estiveram significativamente mais prevalentes nos portadores de ITB alterado e podem ser sugeridos como marcadores de risco cardiovascular em futuros estudos epidemiológicos.

Palavras-chave: Valor preditivo dos testes, artéria braquial/fisiopatologia, pressão arterial, doenças vasculares periféricas.

Introdução

Na literatura médica está muito bem estabelecida a importância da determinação do Índice Tornozelo-Braquial (ITB), tanto no diagnóstico de doença arterial periférica (DAP) como no prognóstico de eventos e mortalidade cardiovasculares1. No nosso meio, o método se difundiu graças aos trabalhos de Makdisse2. Inicialmente determinado por método palpatório dos pulsos dos membros inferiores (MMII) como utilizado em um grande estudo de risco cardiovascular3, o ITB com Doppler vascular (DV) foi introduzido em 1968 por Carter4, e desde então essa metodologia tem sido considerada padrão de referência. Sua dificuldade reside no excessivo tempo gasto na sua determinação, na variabilidade temporal da pressão arterial (PA) e, finalmente, por ser método operador dependente5. Em 1987, Adiseshiah e cols.6 publicaram o primeiro trabalho demonstrando a eficácia dos esfigmomanômetros oscilométricos automáticos (EOA) na determinação do ITB, resultado não compartilhado por Ramanathan e cols.7 que não encontraram correlação significativa entre medidas feitas com DV quando comparados com DINAMAP (Device for Indirect Noninvasive Automatic Mean Arterial Pressure). Recentemente um grupo da Harvard demonstrou a aplicabilidade de EOA na determinação do ITB encontrando uma sensibilidade de 88% e uma especificidade de 85% para o diagnóstico de DAP8. Nesse trabalho, os autores utilizaram apenas um EOA, fato que também não eliminou o erro sistemático da variabilidade temporal da pressão arterial.

Métodos

O presente estudo foi desenhado para se avaliar a aplicabilidade da determinação do ITB com o uso de esfigmomanômetros oscilométricos automáticos. Assim, foram utilizados dois EOA com medidas de PA realizadas simultaneamente tanto nos membros superiores (MMSS), para se determinar o membro de PA sistólica (PAS) maior, como no braço de PAS maior e tornozelo de cada lado. Traz como novidade em relação aos anteriores a descrição de novos índices derivados dessa metodologia: delta-BB (diferença absoluta em mmHg da PAS dos MMSS) e delta-ITB (diferença absoluta do ITB de ambos MMII) e discute a possível utilização futura desses como marcadores prognósticos de risco cardiovascular.

Determinação do ITB

Neste estudo descritivo e observacional foram incluídos 247 pacientes ambulatoriais e consecutivos de um serviço de cardiologia (56,3% do sexo feminino, com idade média de 62,0±17,0 anos), depois de excluídos os obesos (que necessitam de manguitos apropriados), os que tinham alguma contra-indicação para aferição de PA nos tornozelos (processos inflamatórios dolorosos, feridas, flebites ou edemas extremos) e os portadores de arritmia cardíaca importante (fibrilação atrial e extra-sistolia freqüente). O tamanho de nossa amostra foi aproximadamente 20% maior que a população estudada de um trabalho anterior8. As medidas pressóricas foram realizadas nos quatro membros durante o exame clínico habitual com dois EOA (OMRON HEM 705 CP), devidamente validado pela British Hypertension Society (BHS)9 e a Association for Advancement of Medical Instrumentation (AAMI)10, de acordo com a técnica descrita a seguir.

Descrição do procedimento

1) Paciente em decúbito dorsal horizontal em ambiente calmo e fresco (temperatura em torno de 25ºC) em repouso por pelo menos cinco minutos.

2) Manguitos posicionados de forma confortável, ajustados nos braços, na mesma altura, acima do maléolo cubital com o "cuff" direcionado para o trajeto da artéria braquial de cada lado.

3) Determinação simultânea da PA nos MMSS. Após registro e anotação dos dados elege-se o braço de pressão arterial sistólica (PAS) maior para confrontá-lo com os MMII. Quando os valores de PAS dos MMSS são idênticos elege-se o braço direito (BD). Se ocorrer uma diferença igual ou superior a 10 mmHg, uma segunda medida é realizada assumindo-se então esses últimos dados.

4) Determinação simultânea da PA do membro superior de PAS maior e do tornozelo, primeiro o esquerdo e em seguida o direito, com o "cuff" direcionado para o trajeto da artéria tibial posterior. No caso de não se conseguir registro de PA nessa posição, então o "cuff" é direcionado para o trajeto da artéria dorsal do pé. Se novamente não se conseguir registro de PA nesse local, procede-se então à determinação do ITB da forma convencional com utilização de DV.

5) Cálculo do ITB de cada membro a partir dos dados obtidos utilizando-se a fórmula: ITB = (PASt / PASb) [PASt = PAS do tornozelo; PASb = PAS do braço].

Composição dos grupos e determinação dos valores de referência

Após a determinação do ITB, os pacientes foram divididos em Grupo N (ITB normal: 0,91 a 1,30) e Grupo A (ITB alterado: < 0,90 ou > 1,30), e fazendo-se uso do mesmo banco de dados pode-se fazer também o cálculo dos seguintes índices:

1) Delta-BB (Delta Bráquio-Braquial: diferença absoluta em mmHg da PAS dos braços medidos simultaneamente).

2) Delta-ITB (diferença absoluta do ITB de ambos os tornozelos).

3) PP (Pressão de pulso: diferença entre a PAS e a PAD em mmHg do braço de PAS maior).

Por serem índices novos, até agora não descritos na literatura, procedemos à determinação dos valores de referência (VR) tanto de delta-BB como de delta-ITB. Utilizando o Grupo N realizamos a distribuição de seus integrantes em uma curva de freqüência normal, determinamos o ponto de corte no valor mais próximo do percentil 95, e dessa maneira encontramos VR = 0 a 8 mmHg para delta-BB e VR = 0 a 0,13 para delta-ITB (tab. 1 e 2).

Análise estatística

A análise dos parâmetros delta-BB e delta ITB nos grupos de ITB normal e alterado foi realizada com a comparação dos intervalos de confiança de 95% do índice Razão de Chances (RC) dos respectivos grupos. Foi aplicado teste de comparação de duas proporções nos resultados dos grupos de ITB alterado e normal, com nível de significância de 5%. Nas outras variáveis quantitativas foi aplicado o teste t de Student para comparação de médias. Os dados de PAS/MMSS nos dois grupos de pacientes foram comparados pela metodologia Análise de Variância (ANOVA) com parcelas subdivididas e nível de significância de 5%. Foi utilizado o programa SAS (Statistical Analysis System) para a análise estatística.

Resultados

Do total de 247 pacientes, em 224 (90,7%) foi possível medir os níveis pressóricos com EOA, e em apenas 23 (9,3%) foi necessário utilizar-se o DV para a determinação do ITB que foi normal em 195 (78,9%) e alterado em 52 (21,1%). Todos os que não conseguiram ter seus dados registrados pelos EOA e que foram encaminhados para realizar DV tiveram confirmado valores de ITB em níveis alterados (tab. 3).

Características clínicas e demográficas

Durante avaliação clínica procurou-se detectar presença de fatores de risco cardiovascular clássicos como tabagismo (hábito de fumar pelo menos um cigarro por dia) e de hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes tipo II (utilizando-se os padrões diagnósticos da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Diabetes) (tab. 4).

Quando comparados com o grupo de ITB normal (Grupo N), os indivíduos do grupo de ITB alterado (Grupo A) tendiam a ser mais idosos e com maior incidência de fatores de risco cardiovascular, como hipertensão arterial e diabete melito (tab. 4). Apresentavam também uma média de pressão de pulso (PP) mais elevada, bem como uma maior incidência de valores considerados de risco (tab. 3).

Curiosamente, no grupo de ITB normal houve uma incidência de PAS maior/MMSS duas vezes superior no braço direito que no esquerdo, fato não verificado no grupo de ITB alterado, onde a incidência desse parâmetro foi bastante equilibrada nos dois membros (tab. 5).

Resultados da determinação do ITB

A presença de delta-BB acima dos VR esteve significativamente mais elevada no Grupo A (tab. 6) do que no Grupo N (13 de 52 no Grupo A contra 7 de 195 do Grupo N; Razão de Chances: 8,95; Intervalo de Confiança 95%: 3,08 a 26,79; p<0,0001). Também a presença de delta-ITB acima dos VR esteve significativamente mais elevada no Grupo A (tab. 6) que no Grupo N (30 de 52 do Grupo A contra 10 de 195 do Grupo N; Razão de Chances: 25,23; Intervalo de Confiança 95%: 10,15 a 64,31; p <0,0001). Além disso, a média dos valores de delta-BB e de delta-ITB esteve significativamente mais elevada (p<0,0001) no Grupo A (8,1 mmHg e 0,19, respectivamente) do que no Grupo N (3,8 mmHg e 0,05, respectivamente) (tab. 3).

Nos anos 1990, foi demonstrado pelo grupo de Michael Alderman risco cardiovascular elevado em portadores de pressão de pulso (PP) acima de 63 mmHg11,12. No nosso material encontramos uma prevalência significativamente mais elevada (P<0,0001) de PP acima desse limiar nos pacientes portadores de DAP: 65,6% versus 34,4%, e médias 73 mmHg versus 58 mmHg, respectivamente, para grupos N e A (tab. 3).

No Grupo N, o membro de maior prevalência de PAS/MMSS mais elevada (tab. 3) foi o braço direito (BD = 61,0%, Igual = 9,7% e BE = 29,2%; BD: braço direito; BE: braço esquerdo), mas a média da PAS de ambos MMSS foi praticamente igual nos dois braços no Grupo N (BD = 139 mmHg; BE = 138 mmHg; p=0,0614) e pouco mais elevada à direita (BD = 152 mmHg; BE = 149 mmHg; p=0,0095) no Grupo A (tab. 5).

Discussão

A determinação do ITB na prática clínica pode ser realizada utilizando-se simultaneamente simples EOA devidamente validados, salvo quando a PAS nos MMII é muito baixa. Nessa minoria de casos há necessidade de se utilizar a metodologia convencional com DV. Essa praticidade do presente método traz vantagens como economia de tempo, maior facilidade de se realizar o exame e diminuição de erros. Conseqüentemente, proporciona um maior acesso para determinação do ITB aos portadores de risco CV, resultando numa melhor avaliação clínica e relação custo-benefício, pois o custo financeiro é muito baixo. Ao contrário do que se poderia supor, a presente metodologia não se opõe à metodologia tradicional com DV. Ao tornar o ITB mais acessível na prática clínica, um maior número de pacientes poderá ter seu diagnóstico de DAP estabelecido, e desses, cerca de metade necessitará fazer a determinação do ITB da forma convencional com DV (tab. 3). E por ser prático, simples e fácil de realizar, o ITB com EOA poderá ser repetido com mais assiduidade ao longo do acompanhamento clínico.

Racional

Os membros do corpo humano são simétricos entre si e imagens em espelho idênticas; é de esperar, portanto, que os valores pressóricos encontrados em um membro sejam muito próximos ao do outro, salvo se existir alguma anormalidade como uma estenose arterial. Um membro é controle perfeito e único do contralateral no mesmo indivíduo; e se nenhuma anormalidade anatomopatológica existir, é de esperar que a diferença de qualquer parâmetro mensurável entre dois membros avaliados seja próxima a zero. Quanto mais distante desse valor, maior a chance de estar ocorrendo alguma anormalidade.

Os novos parâmetros delta-BB e delta-ITB, ora aqui descritos, quando situados fora dos seus valores de referência também aqui calculados, demonstraram ser altamente prevalentes nos indivíduos portadores de DAP. Um outro detalhe interessante a salientar é que poderemos diagnosticar estenoses arteriais nos membros superiores quando o delta-BB estiver elevado. A importância disso é muito grande, pois nesse caso medidas preventivas e diagnósticas deverão ser tomadas e o controle da PA deverá ser feito sempre no membro de PA maior, e não no contralateral, que poderá apontar para uma falsa normalidade. Para indivíduos que, ao longo do seu acompanhamento clínico rotineiro, sempre tiveram níveis semelhantes de PA nos membros superiores e dentro de um quadro súbito de dor torácica acompanhada de um delta-BB agudamente alterado, o diagnóstico presuntivo de dissecção aguda de aorta poderá indicar a realização de exames de imagem apropriados. Estudos epidemiológicos futuros poderão determinar a real importância desses novos parâmetros na morbidade e mortalidade da doença cardiovascular e cerebrovascular.

Curiosamente, chama a atenção o fato de a presença da PAS maior dos MMSS ser mais freqüente no braço direito do que no esquerdo no grupo de ITB normal, diferença essa quase inexistente no grupo de ITB alterado. Como causa, será que poderíamos admitir que a primeira onda da sístole cardíaca direcionada para o tronco braquiocefálico proporciona uma pressão maior no braço direito, e que essa mesma onda chegaria na seqüência à origem da subclávia esquerda com um ímpeto menor? Ou seria a pressão arterial mais elevada no membro superior de maior força e uso? E que, por sua vez, ocorreriam estenoses arteriais mais freqüentemente no braço direito que no esquerdo?

Perspectivas futuras

Como todo novo procedimento, a determinação do ITB com EOA deverá no futuro ser testada contra um padrão de referência para ser devidamente validada. Confrontá-la com a metodologia convencional realizada com DV talvez não seja a melhor solução em razão dos erros sistemáticos inevitáveis anteriormente citados, e principalmente por ambos serem métodos indiretos. Nessa situação, o parâmetro a ser calculado deverá ser o nível de concordância (ou discordância) entre os dois métodos (valor de "k" de kappa). O ideal seria testá-la com exames de imagem a exemplo do que ocorreu no passado com a técnica convencional.

No futuro, algumas idéias poderão ser utilizadas para se otimizar a determinação do ITB. Assim, poderemos utilizar quatro EOA nos quatro membros principalmente naqueles casos de ITB limítrofes (< 1,0) associados a sintomas sugestivos de claudicação intermitente ou que apresentam alterações tróficas compatíveis com isquemia ou mesmo diminuição ou ausência de pulsos nas extremidades dos MMII. Nessa situação, quatro EOA medindo simultaneamente a PAS nos quatro membros imediatamente após um teste ergométrico poderão sensibilizar a determinação do ITB. Um outro aperfeiçoamento poderá vir das indústrias fabricantes de EOA, como confecção de manguitos em imagem de espelho específicos para membros direito e esquerdos e outros com formato mais cônico apropriados para tornozelos e braços de obesos. Uma outra solução para os obesos seria utilizar manguitos normais mensurando-se a PA nos antebraços onde o seu formato e arcabouço ósseo se assemelham ao dos tornozelos.

O método oscilométrico atualmente utilizado na maioria dos EOA fornece uma grande precisão para a determinação da PA média, que em última análise é o melhor parâmetro para quantificar fluxo. Assim, em tese, a melhor estratégia para se ter um ITB igualmente preciso e exato poderá ser no futuro aquele derivado dos valores de PA média dos braços e tornozelos.

Ao minimizar erros sistemáticos existentes na determinação do ITB da forma tradicional os seus valores de normalidade poderão também sofrer uma correção com o estreitamento de seus limites. Ou pelos menos ter seu valor de corte inferior elevado para 1,0, já que a PA medida nos tornozelos sempre tenderá ser superior à dos braços. Os dois ossos, tíbia e fíbula, formam uma espécie de armadura que protege as artérias das extremidades dos MMII da constrição exercida pelo manguito. O mesmo não ocorre na artéria braquial, que tem a companhia de apenas um osso, úmero, que sozinho não tem a mesma capacidade protetora, mas, ao contrário, facilita a sua constrição. Cremos ser esse o principal motivo de a PA medida nos tornozelos ser maior que a medida nos braços.

Embora todas essas idéias sejam bem-vindas, não podemos deixar de salientar que o objetivo principal deste trabalho é apresentar uma metodologia simples, fácil, barata, exeqüível por qualquer médico bem treinado e que fornece informações extremamente úteis na prática clínica diária. As outras idéias deixaríamos como sugestões para os mais iniciados e aos Serviços de Referência.

Agradecimentos

À Dra. Márcia Makdisse, gerente do Programa de Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein e coordenadora do Comitê de Doença Arterial Periférica – Projeto "Corações do Brasil", por ter me ensinado a realizar ITB; ao meu sócio, Dr. Marco Antonio Goiato, por emprestar-me suas idéias inteligentes; à Profa. Dra. Maria Lúcia M. Sundefeld, responsável pela Disciplina de Estatística da Faculdade de Odontologia de Araçatuba/Unesp, pela sua cuidadosa análise estatística; e, finalmente, ao meu cunhado, Roberto Nakandakare, por ter-me iniciado no programa Excel.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 14/08/07; revisado recebido em 09/11/07; aceito em 15/01/08.

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  • Correspondência:
    Takao Kawamura
    Rua Tiradentes, 1301
    16015-020 - Araçatuba, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Maio 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Jan 2008
    • Revisado
      09 Nov 2007
    • Recebido
      14 Ago 2007
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