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Gestação em portadora de arterite de Takayasu

Resumos

No presente relato, que descreve a gestação de paciente portadora de arterite de Takayasu, serão avaliadas a interação dessa afecção com a gravidez e as intercorrências materno-fetais, do parto e do recém-nascido.

Gravidez; arterite; aorta torácica; inflamação; arterite de Takayasu


We describe here the pregnancy follow-up and outcome in a patient with Takayasu's arteritis, with a detailed account of the complications during gestation and delivery and the impact of the disease on the newborn's health.

Pregnancy; arteritis; aorta, thoracic; inflammation; Takayasu, arteritis


RELATO DE CASO

Gestação em portadora de arterite de Takayasu

Alexandre Jorge Gomes de Lucena; Antonio Carlos Carvalho; Jose Augusto M. Souza; Antonio Fernandes Moron; Sue Y. Sun; Daniel Born

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Alexandre Jorge Gomes de Lucena Rua Três de Maio, 32/23 - Vila Clementino 04044-020 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: alexandrelucena@cardiol.br

RESUMO

No presente relato, que descreve a gestação de paciente portadora de arterite de Takayasu, serão avaliadas a interação dessa afecção com a gravidez e as intercorrências materno-fetais, do parto e do recém-nascido.

Palavras-chave: Gravidez, arterite, aorta torácica, inflamação, arterite de Takayasu.

Introdução

A arterite de Takayasu (AT) é uma doença vascular inflamatória crônica de origem desconhecida. Acomete freqüentemente o arco aórtico e seus ramos principais, embora possa afetar outros segmentos da aorta, artérias pulmonares e artérias renais1,2.

Essa arterite pode determinar hipertensão arterial sistêmica (HAS), acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência aórtica, insuficiência renal, claudicação intermitente ou insuficiência cardíaca congestiva (ICC)3.

A AT acomete mais mulheres que homens, na proporção de 4:1, e sua incidência é maior na segunda e na terceira décadas de vida. Embora seu diagnóstico em gestantes seja raro, quando a AT acomete mulheres grávidas a hipertensão arterial, geralmente renovascular, está presente em mais de 50% dos casos e determina maior risco materno-fetal4.

Relato do caso

R.S.S., 17 anos de idade, negra, hipertensa desde os 12 anos de idade, com diagnóstico ecocardiográfico de coarctação de aorta e em sua terceira gestação, tendo a primeira terminada em abortamento espontâneo com seis semanas, há quatro anos, e a segunda em parto prematuro e óbito fetal aos sete meses, há dois anos.

A paciente foi admitida em março de 2006, queixando-se de cefaléia, dispnéia aos médios esforços, palpitações e claudicação intermitente. Encontrava-se no segundo trimestre de gestação (24ª semana), com níveis tensionais elevados nos membros superiores (180 mmHg de pressão sistólica e 110 mmHg de diastólica) e diminuídos nos inferiores (110 mmHg de sistólica e 60 mmHg de diastólica).

A aortografia, realizada para definição de conduta no tratamento da coarctação da aorta, demonstrou estreitamento nos dois terços distais da aorta torácica descendente, com irregularidades parietais, presença de circulação colateral de pequeno e médio calibres e obstrução importante na extremidade distal desse segmento (13,9 mm de diâmetro proximal x 2,5 mm de diâmetro distal). O aspecto angiográfico era sugestivo de AT, tendo sido realizada, nesse momento, dilatação por cateter-balão no ponto de maior estenose.

Ao final do procedimento, houve aumento do diâmetro na área de maior estenose (de 2,5 mm para 7,5 mm) e o gradiente máximo aórtico caiu de 112 mmHg para 61 mmHg (queda de 51 mmHg).

Ultra-sonografia com Doppler realizada durante a internação demonstrou comprometimento do terço proximal da artéria renal esquerda e fluxo uteroplacentário normal.

A paciente mantinha-se hipertensa (160 mmHg de pressão sistólica e 90 mmHg de pressão diastólica), a despeito de ter sido medicada com propranolol 60 mg/dia, nifedipina 60 mg/dia e prednisona 30 mg/dia em associação a alfametildopa 1,5 g/dia, que já fazia uso, com melhora discreta da HAS (150 mmHg x 90 mmHg). A paciente evoluiu com melhora dos sintomas e estava assintomática quando recebeu alta.

Na 36ª semana de gestação, foi novamente internada com queixas de cefaléia e HAS (170 mmHg x 100 mmHg). Nova ultra-sonografia com Doppler demonstrou retardo de crescimento intra-uterino fetal (RCIU) do tipo simétrico, com peso estimado de 1.935 g (peso esperado de 2.813 g para idade gestacional), e aumento moderado de resistência ao fluxo uteroplacentário.

A equipe obstétrica optou pela resolução da gravidez quando a paciente entrou em trabalho de parto, em decorrência dos picos de hipertensão arterial de 230 mmHg x 120 mmHg durante as contrações uterinas, levando a sofrimento fetal agudo.

O parto cesáreo foi realizado sem intercorrências maternas ou fetais, com monitorização da pressão arterial, que se manteve entre 150 mmHg e 180 mmHg de pressão sistólica. O feto nasceu com peso de 1.990 g, e escala de Apgar de 9 no primeiro minuto e de 9 no quinto minuto. A paciente e o recém-nascido ficaram em alojamento conjunto e receberam alta hospitalar no quinto dia após o parto. A paciente manteve-se com as mesmas medicações no puerpério, que foram diminuídas gradualmente no ambulatório 15 dias após o parto.

Atualmente encontra-se ainda hipertensa, em uso de captopril 75 mg/dia e hidroclorotiazida 25 mg/dia.

Discussão

A AT tem distribuição universal, sendo encontrada com maior incidência no Japão, nas regiões Leste e Sul da Ásia, e na Índia1. Sua etiologia ainda é pobremente conhecida, sendo os fatores genéticos e a auto-imunidade com presença de antígenos de histocompatibilidade (particularmente HLA A9, A10, B5, BW40, BW52, DQW1, DR2, DR4, DR7, DW3 e DW12) as principais causas postuladas. A presença desses antígenos está implicada com pior prognóstico2.

Infecção também tem sido implicada na patogênese, principalmente a tuberculose, que tem alta prevalência nessa população (20% a 25%) e pode funcionar como gatilho imunológico ou como estímulo antigênico crônico da doença2.

As manifestações clínicas, que vão desde doentes assintomáticos, apenas com alterações de pulsos, até pacientes apresentando grande envolvimento neurológico, como AVC hemorrágico, são decorrentes de processo obstrutivo do arco aórtico e de seus ramos principais5.

Ishikawa e cols.6, em trabalho incluindo 33 gestações e mais 50 casos da literatura, descreveram complicações no ciclo gravídico-puerperal em 61,4% dos casos e 4,8% de óbitos maternos, mais freqüentes no terceiro trimestre de gestação e no parto (65%) e no puerpério (37%). As principais complicações foram ICC, HAS e AVC, sendo 4 de caráter hemorrágico.

Segundo o Consenso Brasileiro sobre Cardiopatia e Gravidez7, os riscos fetais incluem RCIU em 18% e óbito fetal intra-uterino em 2% a 5%. A paciente tem como antecedentes um aborto e um óbito fetal prévios, o que está de acordo com a literatura, ressaltando os necessários cuidados com essas pacientes.

Hung e col.8 relataram um caso de gestação bem-sucedida em gestante de 23 anos submetida a cirurgia de bypass, em que, utilizando drogas similares às utilizadas neste relato, conseguiram prorrogar o parto até 33 semanas. Nesse caso, a via de parto também foi a operação cesariana, em decorrência da gravidade do quadro da paciente. Não encontramos, na literatura, casos de tratamento percutâneo durante a gravidez.

A aortoplastia percutânea foi escolhida pelo pequeno risco de radiação para o feto no segundo trimestre, com a devida dupla proteção abdominal, e pela diminuição da mortalidade fetal quando comparada à cirurgia convencional (30% e 5%, respectivamente)9.

Aortoplastia percutânea foi realizada por decisão da equipe de Hemodinâmica, motivada pela gravidade da estenose e pela significativa manifestação clínica da doença. Houve sensível melhora da estenose e do fluxo distal, resultando em atenuação da HAS, mantida provavelmente pelo comprometimento renovascular, permitindo, junto com as medicações anti-hipertensivas, a evolução da gestação até a 36ª semana.

As medicações utilizadas foram o alfametildopa, que é inócuo na gestação (classe A), o propranolol, que tem efeito dose-dependente e é seguro até 60 mg/dia (doses maiores podem causar RCIU e parto prematuro - classe B), e a nifedipina, que até 60 mg/dia também é classe B7. Como a paciente apresentava velocidade de hemossedimentação aumentada (100 mm), refletindo provavelmente atividade da doença, foram utilizados corticosteróides na dose de 30 mg/dia. A gestação não interfere na evolução da AT1-5,8,10.

A via de parto foi de indicação obstétrica, tendo sido realizada operação cesariana pelos altos níveis de pressão arterial, que chegou a 230 mmHg x 120 mmHg no início do trabalho de parto.

Conclusão

Apesar de ser uma afecção potencialmente grave na gestação, em que a mortalidade materna é de 4% a 5%2 (contra 130/100.000 na população geral), a gravidez na AT é possível quando acompanhada de forma adequada, com controle da HAS freqüentemente observada nessas pacientes. Apesar de o tratamento ser eminentemente clínico, a decisão de intervir e o momento ideal para fazê-lo podem determinar melhor evolução e maior segurança da gestação. Neste caso, acreditamos fundamental a intervenção, que permitiu que a gestação chegasse à 36ª semana, visto que as duas gestações anteriores foram malsucedidas.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 04/07/07; revisado recebido em 15/10/07; aceito em 04/12/07.

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  • Correspondência:
    Alexandre Jorge Gomes de Lucena
    Rua Três de Maio, 32/23 - Vila Clementino
    04044-020 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Maio 2008

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2007
    • Revisado
      15 Out 2007
    • Aceito
      04 Dez 2007
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