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Trombo em trânsito no interior do átrio direito: relato de caso e revisão da literatura

Resumos

Trombos móveis no átrio direito são raros e associados a altas taxas de embolia pulmonar e de mortalidade. Neste relato é apresentado um caso de trombo em trânsito nas câmaras direitas, com suspeita clínica de tromboembolismo pulmonar, diagnosticado por ecocardiografia transesofágica, com boa evolução após anticoagulação. São também discutidas suas formas de apresentação, tratamento e evolução.

Embolia pulmonar; ecocardiografia transesofagiana; trombose


Emboli in transit in right atrium are rare. When they occur, they are associated to high rate of pulmonary embolism and mortality. This is a case report on an embolus in transit in right chambers, with clinical suspicion of pulmonary thromboembolism. Diagnosis was obtained through transesophageal echocardiography. The patient had a positive response post-anticoagulation. The team discussed presentation forms, treatment and condition development.


RELATO DE CASO

Trombo em trânsito no interior do átrio direito – Relato de caso e revisão da literatura

Right heart emboli-in-transit. Case report and literature review

Ivan Romero Rivera; Maria Alayde Mendonça da Silva; Ricardo César Cavalcanti; Edmilton Wanderley Cavalcante; Roberto Lúcio de Gusmão Verçosa

Hospital Memorial Arthur Ramos - Maceió, AL - Brasil

Correspondência Correspondência: Ivan Romero Rivera Avenida Mário de Gusmão, 1281/404 Ponta Verde - 57035-000 - Maceió, AL - Brasil E-mail: irivera@cardiol.br, irrivera@uol.com.br

RESUMO

Trombos móveis no átrio direito são raros e associados a altas taxas de embolia pulmonar e de mortalidade. Neste relato é apresentado um caso de trombo em trânsito nas câmaras direitas, com suspeita clínica de tromboembolismo pulmonar, diagnosticado por ecocardiografia transesofágica, com boa evolução após anticoagulação. São também discutidas suas formas de apresentação, tratamento e evolução.

Palavras-chave: Embolia pulmonar, ecocardiografia transesofagiana, trombose.

ABSTRACT

Emboli in transit in right atrium are rare. When they occur, they are associated to high rate of pulmonary embolism and mortality. This is a case report on an embolus in transit in right chambers, with clinical suspicion of pulmonary thromboembolism. Diagnosis was obtained through transesophageal echocardiography. The patient had a positive response post-anticoagulation. The team discussed presentation forms, treatment and condition development.

Introdução

O tromboembolismo pulmonar (TEP) permanece como uma entidade pouco diagnosticada e com alta mortalidade1. A detecção ecocardiográfica de trombo móvel nas câmaras cardíacas direitas permite identificar um grupo de pacientes de alto risco, com mortalidade de 29% a 100%, muito elevada, quando comparada aos 8% a 10% do TEP em geral2.

Relatamos um caso de trombo móvel em átrio direito e discutimos as diferentes estratégias de tratamento utilizadas no momento.

Relato do caso

Paciente do sexo feminino, com 57 anos de idade, pesando 85 kg, hipertensa, em uso regular de enalapril 10 mg duas vezes por dia, internada em outro centro hospitalar com um episódio de síncope e vários episódios de precordialgia e dispnéia aguda de resolução espontânea. Ecocardiograma transtorácico e cinecoronariografia normais. Um dia após a alta hospitalar, realizou novo estudo ecocardiográfico transtorácico, que demonstrou massa móvel no interior do átrio direito. A paciente foi encaminhada para nossa instituição, para avaliação. Após nova internação, foi realizado estudo ecocardiográfico transesofágico, que demonstrou câmaras cardíacas com dimensões normais e pressão arterial pulmonar de aproximadamente 35 mmHg, calculada pelo mínimo refluxo tricúspide presente. No interior do átrio direito, foi observada estrutura fusiforme, alongada, com ampla mobilidade, de trajeto serpiginoso e movimentação errática, medindo aproximadamente 35 mm de extensão, nitidamente aderida à valva de Eustáquio remanescente, com bifurcação após trajeto de aproximadamente 1 cm, com protrusão em direção ao ventrículo direito na diástole e com textura similar à do músculo cardíaco (figs. 1 e 2).



No dia do exame, a paciente apresentou quadro de edema e dor de membros inferiores, sendo diagnosticada trombose venosa profunda de aspecto recente no membro inferior esquerdo (veias femoral superficial, poplítea, fibular, soleares e gastrocnêmias) e ausência de trombos e/ou sinais de flebite no sistema venoso superficial pelo ultra-som. O estudo ainda demonstrou estase venosa na transição ileofemoral, provavelmente em decorrência de volumoso mioma uterino (14 mm x 12 mm). Foi mantida a medicação anti-hipertensiva com enalapril 10 mg duas vezes por dia e iniciada anticoagulação com heparina. À cintilografia pulmonar, foram demonstradas múltiplas áreas pequenas e difusas de hipoperfusão.

Após cinco dias, foi realizada nova ecocardiografia transesofágica, que não demonstrou trombos ou massas intracardíacas. A paciente foi submetida a implante percutâneo de filtro de veia cava inferior, por cateterismo femoral direito, foi iniciada anticoagulação oral, bem como foi realizada a ressecção cirúrgica do tumor uterino.

Após dois anos do tratamento, a paciente está assintomática e em uso de medicação anti-hipertensiva e anticoagulação oral.

Discussão

Trombos nas câmaras direitas têm sido documentados pela ecocardiografia em aproximadamente 4% a 20% dos pacientes com TEP agudo, prevalência superior aos 3% a 12% observados nos estudos de autópsia, provavelmente em decorrência de diagnóstico de casos não-fatais3-6. A mortalidade total nesses pacientes é de aproximadamente 28%, superior à taxa de mortalidade intra-hospitalar para TEP agudo, tratado predominantemente com heparina endovenosa, que é citada como sendo de 2,5%. Não está claro se a presença de trombo nas câmaras direitas contribui em si para a pior evolução ou simplesmente serve como um marcador para a presença de TEP maciço3,4.

Freqüentemente, os trombos das câmaras direitas se localizam no átrio direito e podem ser classificados, segundo sua morfologia, em: a) compridos e estreitos, de trajeto serpiginoso, filiformes e extremamente móveis, quase sempre associados a trombose venosa profunda dos membros inferiores e raramente a doença cardíaca, com taxas de TEP de 79% (documentado) a 98% (diagnóstico clínico), com maior gravidade na apresentação e na evolução clínica; b) semelhantes aos trombos do átrio esquerdo, pouco móveis e com morfologia variável, mas não filiforme, mais associados a doença cardíaca do que a trombose venosa profunda, com taxas de TEP de 38% a 40% e menor gravidade na apresentação e na evolução clínica; e c) muito móveis, mas não filiformes, com aparência que lembra mixoma, com associação intermediária a doença cardíaca e trombose venosa profunda e taxa de TEP de 62% a 67%7. As definições morfológicas para o trombo de tipo A incluem, entre outras: serpiginoso, fusiforme, irregular, pleomórfico, lobulado, alongado, errático, caótico, etc8.

Os pacientes com trombo tipo A, como o caso aqui relatado, constituem um grupo de alto risco, com mortalidade total precoce (< 8 dias) de aproximadamente 42%, um terço deles com evolução fatal nas primeiras 24 horas do diagnóstico de TEP. Embora o TEP tenha sido relatado em 40% dos pacientes com trombo tipo B, a mortalidade diretamente relacionada à trombose é de aproximadamente 4%1,7. Outro estudo, porém, demonstra mortalidade global de 31%, sem diferença significante em relação à mobilidade ou aderência do trombo à parede cardíaca (28% aderido e 38% livre), sugerindo que os fatores que predizem a mortalidade nos pacientes com trombo nas câmaras direitas são, exclusivamente, a presença de TEP e o tipo de tratamento efetuado2.

No presente caso, os dados clínicos apresentados pela paciente na evolução, após o diagnóstico de trombose venosa profunda dos membros inferiores e a característica morfológica da imagem ecocardiográfica, levaram ao diagnóstico de trombo em trânsito no átrio direito, aderido à valva de Eustáquio na entrada da veia cava inferior, dado útil e muito facilmente visualizado pelo estudo transesofágico. Apesar do diagnóstico de trombo tipo A, as boas condições clínicas da paciente determinaram que se optasse por tratamento com anticoagulação, em detrimento dos outros esquemas terapêuticos que poderiam ter sido realizados.

Não existe, no momento, consenso sobre a melhor opção terapêutica para esses pacientes. No European Cooperative Study4, a mortalidade foi de 60% nos pacientes anticoagulados, de 40% nos tratados com trombolítico e de 27% nos tratados cirurgicamente, sugerindo ser a opção cirúrgica a mais eficaz. Um estudo de metanálise efetuado por Kinney e Wright2, porém, demonstra que as probabilidades de sobrevida em pacientes com trombo nas câmaras direitas, com e sem TEP prévio, foram, respectivamente, de 0,70 e 0,92 para os que receberam heparina, de 0,62 e 0,89 para os que receberam agentes trombolíticos, de 0,62 e 0,89 para os que foram submetidos a tratamento cirúrgico, e de 0,19 e 0,53 para os que não receberam tratamento. Esses autores concluíram que, mesmo com evolução similar, a heparina deve ser considerada a melhor escolha quando não há iminência de rápida deterioração clínica. Nesse estudo, só 7 pacientes não tinham sintomas de etiologia cardíaca, tendo, porém, fatores de risco para TEP (cateter venoso central, TEP prévio, marcapasso e infarto agudo de miocárdio). Estudo de metanálise mais recente3 demonstrou mortalidade global de 27,1%, sendo de 28,6% nos que receberam heparina, de 23,8% nos tratados cirurgicamente, de 11,3% nos que receberam trombolítico e de 100% nos que não foram tratados. Neste último estudo foram excluídos os pacientes com trombo mural ou associado a marcapasso, cateter, tumor e qualquer implante ou anastomose cirúrgica, incluindo, portanto, de forma exclusiva, os pacientes com trombo móvel, provavelmente do tipo A.

Outro estudo demonstra taxa de mortalidade de 44,7% em pacientes tratados, com 21,1% ocorrendo no primeiro dia de admissão hospitalar. Apesar de a mortalidade não ter diferença estatisticamente significante, foi de 47,1% nos pacientes submetidos a cirurgia, de 22,2% nos submetidos a trombólise, de 62,5% nos tratados com heparina, e de 50% nos submetidos a técnicas intervencionistas de retirada do trombo9.

No estudo ICOPER4, a mortalidade global em pacientes com TEP com e sem trombo nas câmaras direitas foi de 21% e 11% aos 14 dias, e de 29% e 16% aos três meses, respectivamente, sugerindo, de forma não significante, a pior evolução dos pacientes com trombo intracardíaco. Todavia, a taxa de mortalidade aos 14 dias foi similar nos pacientes com e sem trombo intracardíaco submetidos a trombolítico (20,8% e 17,1%) ou embolectomia (25% e 28,6%), respectivamente, mas muito diferente nos pacientes em uso de heparina, com 23,5% quando com trombo e 8% quando sem trombo nas câmaras direitas, fato que não pode ser explicado adequadamente, mas que sugere que os pacientes com trombo intracardíaco não deveriam receber heparina como tratamento ideal. Nesse estudo, porém, não foi informada a morfologia do trombo nas câmaras direitas, podendo corresponder tanto àquele formado localmente como àquele em trânsito.

Como a paciente deste relato apresentava trombose venosa profunda, fato comum nos pacientes com trombos em trânsito5,9, o tratamento foi completado com a colocação de filtro de veia cava inferior e anticoagulação oral. Mesmo não tendo sido demonstrado de forma conclusiva nessa paciente, é provável que a compressão mecânica produzida pela miomatose uterina tenha sido um dos fatores determinantes para estase e posterior trombose venosa nos membros inferiores.

Embora, nessa paciente, o estudo transtorácico tenha detectado o trombo no interior do átrio direito, a exata localização só pôde ser verificada com o estudo transesofágico. Quando comparados os dois métodos ecocardiográficos, a sensibilidade do estudo transtorácico parece ser de 50% a 60% para detecção do trombo intra-atrial, podendo, ainda, subestimar o tamanho real do mesmo. A identificação de aderência ou retenção na valva de Eustáquio é um dado de extremo valor para diferenciar outras massas que podem ingressar no átrio direito desde o interior da veia cava inferior, como as invasões metastásicas de alguns tumores, entre os quais leiomioma, hipernefroma ou hepatoma10.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Recebido em 14/08/07; revisado recebido em 06/09/07; aceito em 26/09/07.

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  • Correspondência:

    Ivan Romero Rivera
    Avenida Mário de Gusmão, 1281/404
    Ponta Verde - 57035-000 - Maceió, AL - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Recebido
      14 Ago 2007
    • Revisado
      06 Set 2007
    • Aceito
      26 Set 2007
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