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Zinco em crianças submetidas à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea

COMUNICAÇÃO BREVE

Zinco em crianças submetidas à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea

Zinc in children undergoing cardiac surgery with cardiopulmonary bypass

Lourdes Zélia ZanoniI; Petr MelnikovI; Luiz Carlos ConsoloI; Nilva Ré PoppiI; Aparecida Afif OssaisII; Marcus Vinicius CaldasII; Ivoney Assad MaiorII

IUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS - Brasil

IIHospital Santa Casa, Campo Grande, MS - Brasil

Correspondência Correspondência: Lourdes Zélia Zanoni R. Alexandre, 378, Giocondo Orsi 79022-080, Campo Grande, MS - Brasil E-mail: lzzanoni@terra.com.br

Palavras-chave: Zinco, circulação extracorpórea, cirurgia, criança.

Introdução

Durante a cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea (CEC) acontece uma série de alterações imunológicas e inflamatórias desencadeando estresse oxidativo1,2. Nas condições não-fisiológicas durante a CEC e em razão de alterações relacionadas a isquemia-reperfusão, forma-se uma grande quantidade de radicais livres3. São responsáveis pela inflamação sistêmica e considerável lesão celular estrutural e funcional4.

O zinco, importante elemento traço, desempenha funções cruciais em diversos processos biológicos, incluindo a síntese protéica, o metabolismo dos ácidos nucléicos, carboidratos e lipídeos, entre outras. A sua ação bioquímica essencial é atuar como antioxidante4, estabilizando as membranas, prevenindo a lipoperoxidação e a desnaturação de proteínas5. É um componente essencial da enzima superóxido dismutase que inativa os radicais superóxido, transformando-os em formas menos danosas. É bem conhecido o papel protetor que o elemento exerce em relação à célula cardíaca, diminuindo a formação do radical hidroxila, altamente lesivo para o miocárdio6. O objetivo deste estudo é investigar a dinâmica do zinco durante a cirurgia cardíaca com CEC nas crianças.

Métodos

Neste estudo foram incluídas 21 crianças, portadoras de cardiopatias congênitas sem cianose, submetidas eletivamente a cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea, no período de maio de 2005 a dezembro de 2006 (tab. 1). O protocolo de investigação foi aprovado pela Comissão de Ética Médica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e o termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos pais de cada participante. Os pacientes foram submetidos a hipotermia moderada. A hemodiluição decorrente do volume adicional do circuito de CEC foi avaliada pelo hematócrito.

A primeira amostra (A) de sangue, utilizada para estabelecer os parâmetros basais, foi colhida através do cateter venoso central, logo após a anestesia. A amostra (B) foi colhida do átrio direito, antes da colocação das cânulas de perfusão. Durante a CEC, do circuito foram colhidas amostras no 5º (C) e no 10º minutos (D), respectivamente. No período de reperfusão, o sangue foi coletado do seio coronariano (I) e do circuito da CEC (J), simultaneamente, três minutos após a remoção da pinça da aorta. A amostra M foi colhida da artéria radial durante o fechamento do tórax e última amostra (N) 24 horas após a cirurgia. As amostras foram armazenadas em frascos apropriados a -18ºC, até o momento das dosagens.

Todos os materiais de plástico ou de vidro ficaram previamente imersos por um período mínimo de 24 horas em solução de Extran (Merck) a 5%, enxaguados e novamente imersos por 24 horas em solução de ácido nítrico (Merck) a 10%, para descontaminação de qualquer resíduo de metal. Em seguida, foram lavados com água ultrapura do tipo Milli-Q e secos a 40ºC. As curvas analíticas foram construídas com cinco pontos, entre 0,03 e 0,80 mg/l.

A análise das amostras foi realizada por espectrometria de absorção atômica7. Nas análises estatísticas foram utilizados os testes de Friedman, Mann-Whitney, correlação de Spearman e pós-teste de Dunn. O valor de p adotado foi < 0,05.

Resultados

A concentração de zinco entre as crianças do sexo feminino, no momento A, foi de 0,72± 0,10 mg/l, e para as do sexo masculino, de 0,85± 0,13 mg/l, diferença não-significativa (p=0,43). No momento A, não foi observada correlação entre a concentração de zinco com a idade (p=0,54, r=0,14) e o peso dos pacientes (p=0,65 e r=0,10). Não houve correlação entre o zinco com o tempo de CEC (47,8± 16,4 min) nos momentos M (p=0,28, r= -0,25) e N (p= 0,26, r= -0,26). Tampouco houve correlação com tempo de anóxia (47,8 ± 16,4 min) nos momentos M (p=0,27, r= -0,25) e N (p=0,35, r= -0,21).

A dinâmica das concentrações plasmáticas de zinco está apresentada na figura 1. A concentração observada no momento B é maior do que aquela observada nos momentos C, D, J, I e N (p<0,05). Na comparação entre a concentração mensurada (círculo) e aquela levando em conta a hemodiluição (quadrado), houve diferença nos momentos J e N (p=0,048 e p=0,003, respectivamente). Nos demais momentos não houve diferença entre a concentração mensurada e aquela esperada para a hemodiluição (p> 0,09).


Discussão

Na literatura não há unanimidade quanto aos valores de referência do zinco para crianças, sendo encontrados valores de 0,6 até 1,2 mg/l8,9.

Neste estudo, a média da concentração inicial do zinco, no momento A, tomado como parâmetro basal, foi de 0,76± 0,08 mg/l, dentro, portanto, dos limites considerados normais. No entanto, na avaliação individual dos resultados, 10 crianças (47%) apresentaram concentrações abaixo de 0,7 mg/l. É possível que as concentrações plasmáticas diminuídas ocorram pela baixa ingesta do elemento, uma vez que os alimentos fontes desse mineral são os de origem animal e, portanto, de maior custo. Outras possibilidades são as dietas ricas em cálcio e fitato9.

Conforme a figura 1, as concentrações de zinco não foram diferentes nos momentos A e B, o intervalo entre a anestesia e o início da CEC. Assim pode-se inferir que, durante esse intervalo de tempo, o procedimento anestésico e o trauma cirúrgico não desencadearam atividade inflamatória considerável. Nos momentos C, D e I, a diminuição do zinco foi decorrente apenas da hemodiluição. Contudo, no momento J, os valores do zinco diminuíram além daqueles esperados para a hemodiluição, evidenciando seu efeito antioxidante. No final do procedimento cirúrgico (M), as concentrações de zinco retornaram aos valores iniciais, porém no momento (N), houve uma diminuição significativa. Isso pode ter ocorrido em conseqüência da redistribuição do zinco com sua captação pelo fígado para a síntese protéica e da migração desse íon para os locais que sofreram trauma cirúrgico. Aí participaria dos processos de epitelização e cicatrização10.

Conclusões

No período pré-operatório das cirurgias cardíacas está indicada a análise plasmática do zinco.

A inflamação causada pela CEC não é de extrema duração nem de intensidade substancial.

A reposição de zinco no período pós-operatório é benéfica para a recuperação da injúria de reperfusão.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Lourdes Zélia Zanoni pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Artigo recebido em 03/12/07, revisado recebido em 18/12/07, aceito em 26/12/07.

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  • Correspondência:

    Lourdes Zélia Zanoni
    R. Alexandre, 378, Giocondo Orsi
    79022-080, Campo Grande, MS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008
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