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VO2 pico e inclinação VE/VCO2 na era dos betabloqueadores na insuficiência cardíaca: uma experiência brasileira

Resumos

FUNDAMENTO: Estudos têm demonstrado que o consumo de oxigênio de pico (VO2 pico) e a inclinação VE/VCO2 são preditores de sobrevida em pacientes com insuficiência cardíaca (IC). Entretanto, com a adição do betabloqueador no tratamento da IC, os valores de prognóstico do VO2 pico e da Inclinação VE/VCO2 não estão totalmente estabelecidos. OBJETIVO: Avaliar o efeito dos betabloqueadores no valor de prognóstico do VO2 pico e da inclinação VE/VCO2 em pacientes com IC. MÉTODOS: Estudamos 391 pacientes com insuficiência cardíaca, com idade de 49 ± 14 anos e fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 38 ± 10%. Total de pacientes que usavam (grupo I - GI) e não usavam (grupo II - GII) betabloqueadores: 229 e 162, respectivamente. Todos os pacientes foram submetidos a teste de esforço cardiopulmonar, em esteira, usando o protocolo de Naughton. RESULTADOS: O VO2 pico < 10 ml.kg-1.min-1 identificou pacientes de alto risco, enquanto valores > 16 ml.kg-1.min-1 categorizaram pacientes com melhor prognóstico em médio prazo. A faixa do VO2 pico entre > 10 e < 16 ml.kg-1.min-1 indicou risco moderado para evento cardíaco em quatro anos de seguimento. O betabloqueador reduziu significativamente a inclinação VE/VCO2 em pacientes com IC. O valor prognóstico da inclinação VE/VCO2 < 34 no grupo betabloqueado pode refletir o impacto desse fármaco nessa variável cardiorrespiratória. CONCLUSÃO: O VO2 pico baixo e a inclinação VE/VCO2 elevado são fortes e independentes preditores de eventos cardíacos na insuficiência cardíaca. Assim, ambas as variáveis continuam a ser preditores importantes de sobrevida em pacientes com insuficiência cardíaca, principalmente na era do betabloqueador.

Betabloqueadores; insuficiência cardíaca; prognóstico


BACKGROUND: Studies have demonstrated that peak oxygen consumption (peak VO2) and the VE/VCO2 slope are predictors of survival in patients with heart failure (HF). However, with the advent of betablockers in the treatment of HF, the prognostic values of peak VO2 and VE/VCO2 slope have not been fully established. OBJECTIVE: To evaluate the effect of betablocker use on the prognostic value of peak VO2 and VE/VCO2 slope in patients with HF. METHODS: We studied 391 patients with heart failure, aged 49 ± 14 years and presenting a left ventricular ejection fraction of 38 ± 10%. The total number of patients that used (Group I - GI) or did not use (Group II - GII) betablockers was 229 and 162, respectively. All patients were submitted to a cardiopulmonary stress test on a treadmill, using the Naughton protocol. RESULTS: A peak VO2 < 10 ml.kg-1.min-1 identified high-risk patients, whereas values > 16 ml.kg-1.min-1 categorizes patients with a better mid-term prognosis. Peak VO2 values between > 10 and < 16 ml.kg-1.min-1 indicated moderate risk for cardiac event in four years of follow up. The betablocker use significantly reduced the VE/VCO2 slope in patients with HF. The prognostic value of the VE/VCO2 slope < 34 in the group using betablocker can reflect the impact of the drug on this cardiorespiratory variable. CONCLUSION: A low peak VO2 and an elevated VE/VCO2 slope are strong and independent predictors of cardiac events in HF. Thus, both variables remain important survival predictors in patients with HF, especially at the age of betablockers.

Betablockers; heart failure, low; prognosis


ARTIGO ORIGINAL

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

VO2 pico e inclinação VE/VCO2 na era dos betabloqueadores na insuficiência cardíaca: uma experiência brasileira

Guilherme Veiga Guimarães; Mário Sérgio Vaz da Silva; Veridiana Moraes d'Avila; Silvia Moreira Ayub Ferreira; Christiano Pereira Silva; Edimar Alcides Bocchi

Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Guilherme Veiga Guimarães Rua Dr. Baeta Neves, 98, Pinheiros 05444-050, São Paulo, SP - Brasil E-mail: gvguima@usp.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Estudos têm demonstrado que o consumo de oxigênio de pico (VO2 pico) e a inclinação VE/VCO2 são preditores de sobrevida em pacientes com insuficiência cardíaca (IC). Entretanto, com a adição do betabloqueador no tratamento da IC, os valores de prognóstico do VO2 pico e da Inclinação VE/VCO2 não estão totalmente estabelecidos.

OBJETIVO: Avaliar o efeito dos betabloqueadores no valor de prognóstico do VO2 pico e da inclinação VE/VCO2 em pacientes com IC.

MÉTODOS: Estudamos 391 pacientes com insuficiência cardíaca, com idade de 49 ± 14 anos e fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 38 ± 10%. Total de pacientes que usavam (grupo I – GI) e não usavam (grupo II – GII) betabloqueadores: 229 e 162, respectivamente. Todos os pacientes foram submetidos a teste de esforço cardiopulmonar, em esteira, usando o protocolo de Naughton.

RESULTADOS: O VO2 pico < 10 ml.kg-1.min-1 identificou pacientes de alto risco, enquanto valores > 16 ml.kg-1.min-1 categorizaram pacientes com melhor prognóstico em médio prazo. A faixa do VO2 pico entre > 10 e < 16 ml.kg-1.min-1 indicou risco moderado para evento cardíaco em quatro anos de seguimento. O betabloqueador reduziu significativamente a inclinação VE/VCO2 em pacientes com IC. O valor prognóstico da inclinação VE/VCO2< 34 no grupo betabloqueado pode refletir o impacto desse fármaco nessa variável cardiorrespiratória.

CONCLUSÃO: O VO2 pico baixo e a inclinação VE/VCO2 elevado são fortes e independentes preditores de eventos cardíacos na insuficiência cardíaca. Assim, ambas as variáveis continuam a ser preditores importantes de sobrevida em pacientes com insuficiência cardíaca, principalmente na era do betabloqueador.

Palavras-chave: Betabloqueadores, insuficiência cardíaca, prognóstico.

Introdução

O uso do betabloqueador (BB) na terapêutica de pacientes com insuficiência cardíaca (IC) iniciou uma nova era no tratamento dessa cardiomiopatia. Os betabloqueadores são capazes de antagonizar parcialmente a atividade simpática e a atividade inflamatória, com efeitos na apoptose e na hipertrofia de cardiomiócitos, levando ao aumento da fração de ejeção e atenuação da progressão do remodelamento ventricular1-4. Além disso, esses fármacos aumentam a sobrevida e reduzem a hospitalização nesse grupo de pacientes5,embora não melhorem a tolerância ao exercício6.

O teste de esforço cardiopulmonar (TECP) é uma técnica bem estabelecida para o diagnóstico de pacientes com insuficiência cardíaca. O consumo de oxigênio de pico (VO2 pico) medido durante o TECP é um preditor de mortalidade em pacientes com IC e um importante critério na seleção de candidatos para transplante de coração7. No entanto, outras variáveis do TECP também têm demonstrado valor de prognóstico na IC, como a relação entre a ventilação (VE) e a produção de dióxido de carbono (VCO2) expressa como inclinação VE/VCO28. Entretanto, investigações em nosso meio sobre os efeitos dos betabloqueadores nos valores de prognóstico do VO2 pico e da inclinação VE/VCO2 são limitadas nesse grupo de pacientes.

O propósito deste estudo foi avaliar o efeito dos betabloqueadores no valor de prognóstico do VO2 pico e da inclinação VE/VCO2, em pacientes com insuficiência cardíaca tratados em ambulatório de cardiologia especializado nessa cardiopatia.

Métodos

Amostra

Foram estudados consecutivamente 391 pacientes com IC, da Unidade Clínica de Insuficiência Cardíaca do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período de janeiro de 1999 a maio de 2004. Destes, 162 pacientes não faziam uso de agentes BB antes do TECP e durante o período de seguimento, por causa da baixa tolerabilidade ao fármaco e por não ser uma conduta totalmente estabelecida para doença de Chagas. Todos os 229 pacientes em terapêutica BB estavam com a dose estável por mais de três meses antes do TECP. As características clínicas dos pacientes estão descritas na tabela 1.

Critério de exclusão

Pacientes que não estavam com a terapêutica medicamentosa otimizada há mais de três meses, portadores de fibrilação atrial crônica, teste interrompido por complicações hemodinâmicas e eletrocardiograficas, razão de troca respiratória RQ < 1,09, doença neuromuscular, doença vascular periférica, doenças pulmonares, infarto do miocárdio < 6 meses e limitação ortopédica.

Teste de esforço cardiopulmonar

Inicialmente todos os pacientes foram submetidos a eletrocardiograma de repouso nas doze derivações-padrão e a teste de esforço com monitoração contínua de eletrocardiograma (Max 1; Marquette Electronics; Milwaukee, WI, EUA), de pressão arterial pelo método auscultatório, da ventilação e das trocas gasosas durante o teste de esforço. O teste foi realizado em esteira programável (Series 2000; Marquette Electronics; Milwaukee, WI, EUA), segundo protocolo de Naugthon modificado10. Após dois minutos na posição ereta em repouso, todos os pacientes foram encorajados a realizar exercício até que os sintomas (fadiga ou dispnéia) os tornassem inábeis a continuar o teste. Os dados ventilatórios, do consumo de oxigênio e da produção do dióxido de carbono foram obtidos em cada ciclo respiratório usando-se sistema computadorizado (modelo Vmax 229, SensorMedics, Yorba Linda, CA, EUA), e realizou-se a análise dos dados coletados pela média aritmética de intervalos a cada sessenta segundos. O consumo do oxigênio de pico (VO2 pico) foi considerado o mais alto VO2 atingido no exercício11, o qual foi utilizado como índice da capacidade física máxima de cada indivíduo. Calculou-se a inclinação da ventilação (VE, ml/min) vs. a produção de dióxido de carbono (VCO2, ml/min) pela inclinação da reta entre a VE e VCO2 de repouso ao final do exercício.

Desenho do estudo

Todas as avaliações realizadas fizeram parte dos procedimentos clínicos e contaram com o consentimento prévio dos pacientes sobre a divulgação científica dos dados. Com o propósito de analisar e correlacionar os fenômenos sem manipulá-los, optou-se pelo estudo do tipo retrospectivo e descritivo12. Os pacientes foram agrupados em dois grupos de acordo com o tratamento, com e sem uso de betabloqueador. Para o valor de prognóstico do VO2 pico, consideraram-se os pacientes em classes A (> 20 ml.kg-1.min-1), B (>16 ml.kg-1.min-1 a < 20 ml.kg-1.min-1), C (> 10 ml.kg-1.min-1 a < 16 ml.kg-1.min-1) e D (< 10 ml.kg-1.min-1)13,14. Para o valor de prognóstico da inclinação VE/VCO2, os pacientes foram classificados em < 34 e > 348.

Seguimento e análise de sobrevida

O seguimento dos pacientes foi feito por entrevista via telefone, com o paciente e/ou familiares. O ponto de corte do estudo foi morte decorrente de causas cardiovasculares (morte súbita, progressão da insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio e embolia pulmonar) ou necessidade de transplante (status 1)7. Os pacientes que morreram por causa não-cardíaca no período de seguimento foram excluídos do estudo.

Análises estatísticas

Os dados contínuos foram expressos em médias com desvio padrão. O teste de Mann-Whitney foi usado para as variáveis que não tiveram distribuição normal. As análises de regressão de Cox, univariada e multivariada foram utilizadas para avaliar o valor de prognóstico do VO2 pico e da inclinação VE/VCO2. O valor para variável primitiva foi gerado com curvas receiver-operating caracteristc (ROC) em intervalos regulares, e o melhor limiar foi automaticamente identificado, minimizando o valor da expressão (1 – sensibilidade)2 + (1 – especificidade)2. A área sob a curva foi obtida em concordância com Hanley e McNeil15. Utilizou-se o teste de Klapan Meier para analisar a sobrevida em relação ao VO2 pico e a inclinação VE/VCO2. A análise estatística das diferenças entre as curvas de sobrevida foi testada pelo teste long-rank. Diferenças estatísticas com valor de p < 0,05 foram consideradas significativas. Todos os dados foram calculados pelo software SPSS® versão 11.5.

Resultados

Na análise da resposta cardiorrespiratória, a FC de repouso e a inclinação VE/VCO2 foram significativamente menores no grupo de pacientes com betabloqueador. A FC máxima, PAS e PAD de repouso e máxima, VO2 pico e tempo de exercício não apresentaram diferenças estatísticas entre os grupos (tab. 2). O período médio de seguimentos dos pacientes foi de 853 ± 442 dias. No grupo de pacientes com betabloqueador, 6 estavam em classe D, 88 em C, 83 em B e 52 em A. Dos pacientes sem betabloqueador, 8 encontravam-se na classe D, 63 na C, 57 na B e 34 na A. No grupo com betabloqueador, 177 pacientes apresentaram a inclinação VE/VCO2< 34 e 52 > 34, e no grupo sem betabloqueador 100 e 62 pacientes, respectivamente.

Análises de prognósticos

Na análise da curva de sobrevida do VO2 pico, o grupo betabloqueado demonstrou diferença significativa em relação à classe D, quando comparada com as outras classes (p < 0,05). Também houve diferença significativa entre a classe C em comparação às classes B e A (p = 0,00). No entanto, entre as classes A e B não houve diferença. No período de seguimento morreram 2%, 2,4%, 16% e 33,3% nas classes A, B, C e D, respectivamente (fig. 1).


No grupo sem betabloqueador, a análise da curva de sobrevida do VO2 pico mostrou diferença apenas da classe D em relação às outras classes. Nas classes A, B, C e D, morreram 11,8%, 12%, 12,7% e 50% dos pacientes, respectivamente (fig. 2).


Na análise da curva de sobrevida dos pacientes em uso de betabloqueador, a inclinação VE/VCO2 mostrou diferença significativa (p < 0,001) entre os valores < 34 e > 34, com 7 e 13 dos pacientes, respectivamente, indo a óbito no período do estudo (fig. 3). No grupo sem betabloqueador, não se observou diferença estatística na análise da curva de sobrevida da inclinação VE/VCO2< 34 com 10% e > 34 com 19% de óbitos (fig. 4).



O resultado da análise da curva de ROC está descrito na tabela 3 e nas figuras 1, 2, 3 e 4. A classificação de prognóstico para o VO2 pico e a inclinação VE/VCO2 foi estatisticamente significativa para ambos no grupo betabloqueador. Entretanto, no grupo sem betabloqueador, apenas a curva da inclinação VE/VCO2 apresentou significância. A área inferior da curva ROC foi de 0,80 tanto para o VO2 pico como para a inclinação VE/VCO2 dos pacientes em uso de betabloqueador, enquanto no grupo sem betabloqueador foi de 0,60 e 0,65, respectivamente.

Discussão

Nossos resultados demonstraram que o teste de esforço cardiopulmonar manteve o valor de prognóstico em portadores de insuficiência cardíaca na era dos betabloqueadores. O VO2 pico e a inclinação VE/VCO2 foram preditivos de sobrevida nos pacientes com IC em uso de betabloqueador, mostrando alta sensibilidade e especificidade nesse grupo tratado com betabloqueadores.

O valor de referência do VO2 pico utilizado em nosso estudo foi o da classificação de Weber-Janicki14. Nossos pacientes com VO2 pico < 16 ml.kg-1.min-1 tiveram pior prognóstico em relação aos pacientes com > 16 ml.kg-1.min-1, independentemente da etiologia e da função cardíaca.

Vários autores têm demonstrado que o VO2 pico é uma variável importante de prognóstico no paciente com IC em uso de betabloqueador, o que fortalece os nossos achados, independentemente dos valores de cortes utilizados14,16-19. Esses estudos demonstraram que o VO2 pico avaliado em esteira ainda é uma ferramenta útil na determinação do prognóstico em pacientes com IC em uso de betabloqueadores. O VO2 pico foi considerado preditor univariado e independente de sobrevida livre de evento, e a terapia com betabloqueadores não influenciou no status de predição absoluta do VO2 pico em relação à sobrevida14-21.

Os estudos em que a avaliação da capacidade física foi feita em cicloergômetro mostraram, no entanto, que o VO2 pico é uma variável de baixo valor prognóstico8,22. Isso pode decorrer da menor massa muscular envolvida nesse tipo de ergômetro, proporcionando informações preditivas limitadas23,24. Em pessoas saudáveis, o VO2 pico obtido em cicloergômetro foi 10% a 15% menor que aquele obtido no teste em esteira21,24.

Na avaliação do prognóstico, o VO2 pico apresenta algumas limitações: a dependência com a intensidade do esforço do paciente, que está diretamente relacionado ao avaliador e ao estado emocional25, e a capacidade metabólica do músculo esquelético, que paralelamente pode definir valores maiores do VO2 pico21-24, tendo relação com o estilo de vida sedentário ou fisicamente ativo dos pacientes com IC13.

A inclinação VE/VCO2 aumentada está relacionada à diminuição da capacidade de perfusão pulmonar e ao débito cardíaco, contribuindo com o valor do prognóstico na IC26. Além disso, é geralmente independente do esforço e representa as condições reflexas dos pacientes com IC22,27.

Estudos têm adotado valores de limiares para definir padrões de melhor e pior prognóstico do paciente com IC, para a inclinação VE/VCO216,22,28; em nosso estudo utilizamos os valores < 34 e > 34, respectivamente. Nosso resultado foi semelhante a esses estudos quanto ao prognóstico na insuficiência cardíaca.

O valor prognóstico da inclinação VE/VCO2 de pacientes tratados com betabloqueador, quando comparados com o grupo sem betabloqueador, pode ser pela condição clínica geralmente não associada com instabilidade neuroautonômica, e sim por sinais de desequilíbrio no sistema de controle ventilatório17,22. Algumas hipóteses têm sido descritas para explicar essa resposta durante o exercício, como a excessiva ativação dos ergorreceptores musculares e quimiorreceptores periféricos e centrais29,30. Os quimiorreceptores centrais estão associados com o controle ventilatório em pacientes com IC com capacidade física preservada, enquanto os periféricos e os ergorreceptores são mais importantes naqueles com a tolerância ao exercício reduzida15,20,27. O potencial benefício do betabloqueador na resposta excessiva da ventilação durante o exercício em pacientes com IC pode ser por restabelecimento do perfil hemodinâmico e do drive simpático20. Neste estudo, observamos que houve evidência direta do efeito do betabloqueador na resposta ventilatória durante o exercício. A relação entre inclinação VE/VCO2 e prognóstico foi de fato significativa em pacientes tratados com betabloqueador.

Limitação do estudo

Na rotina de nossa instituição, a política de tratamento dos pacientes com insuficiência cardíaca privilegia o uso do carvedilol em relação aos outros betabloqueadores. No entanto, não investigamos as razões de prescrição específica do tipo de betabloqueador. Nossos resultados podem ser aplicados em pacientes com IC tratados com diferentes agentes betabloqueadores, apesar da dissimilaridade farmacológica entre eles. Não incluímos neste estudo variáveis clínicas, hemodinâmicas e medidas neuro-hormonais que poderiam colaborar na estratificação de risco em pacientes com intermediária capacidade funcional. Além disso, este estudo foi retrospectivo. Embora nossos achados estejam de acordo com investigações prévias, estudos prospectivos são necessários.

Implicações clínicas

O uso do betabloqueador na insuficiência cardíaca tem demonstrado uma melhora significativa da sobrevida e da qualidade de vida nesses pacientes, embora tenha pouco efeito no VO2 pico. O ponto de corte do VO2 pico < 10 ml.kg-1.min-1 identifica pacientes de alto risco, enquanto valores > 16 ml.kg-1.min-1 categoriza pacientes com melhor prognóstico em médio prazo. A faixa do VO2 pico entre > 10 e < 16 ml.kg-1.min-1 indica risco moderado para evento cardíaco em quatro anos de seguimento.

Estudos prévios demonstraram que o betabloqueador reduz significativamente a inclinação VE/VCO2 em pacientes com IC. O valor prognóstico da inclinação VE/VCO2< 34 no grupo betabloqueado pode refletir o impacto desse fármaco nessa variável cardiorrespiratória.

Conclusão

O teste de esforço cardiopulmonar parece manter o valor prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca na era dos betabloqueadores. O VO2 pico baixo e a inclinação VE/VCO2 elevado são fortes e independentes preditores de eventos cardíacos na insuficiência cardíaca. O VO2 pico e a inclinação VE/VCO2 são facilmente mensuráveis e com alta sensibilidade e especificidade obtidas pelo teste cardiorrespiratório, e o valor de prognóstico apresenta importância clínica em subgrupo de pacientes com sintomatologia não-compatível com a capacidade funcional.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de doutorado de Mário Sérgio Vaz da Silva pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Artigo recebido em 14/05/07; revisado recebido em 05/10/07; aceito em 10/12/07.

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  • Correspondência:
    Guilherme Veiga Guimarães
    Rua Dr. Baeta Neves, 98, Pinheiros
    05444-050, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jul 2008

    Histórico

    • Recebido
      14 Maio 2007
    • Revisado
      05 Out 2007
    • Aceito
      10 Dez 2007
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