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Contrapondo o artigo: a endarterectomia carotídea é a melhor opção para os pacientes com doença carotídea

PONTO DE VISTA

Contrapondo o artigo: "A endarterectomia carotídea é a melhor opção para os pacientes com doença carotídea."

Manuel Nicolas Cano

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Manuel Nicolas Cano Rua Sampaio Viana, 203 - Apto 81 São Paulo, SP, Brazil E-mail: sjcano@terra.com.br

Palavras-chave: Endarterectomia das carótidas, contenedores, cérebro-proteção

Como o Leicester é um estudo de apenas dezessete pacientes, não se pode inferir nenhuma conclusão acerca de seus resultados1.

O estudo Cavatas2 demonstrou resultados idênticos entre o implante de stent carotídeo e a endarterectomia. No que tange aos resultados da mortalidade nos estudos ECST3, os possíveis motivos apresentados referem-se às diferenças das populações estudadas. No grupo de pacientes tratados com implante de stent carotídeo, todos os óbitos ocorreram por AVC, ao passo que, no grupo de pacientes tratados com endarterectomia, quatro óbitos foram decorreram do AVC e de três complicações cirúrgicas do procedimento. Entende-se que as causas de óbitos em questão foram todas referidas por complicações das estratégias de tratamento e não por artifício estatístico, como afirmado pelos autores4. De fato, a restenose foi maior nos pacientes tratados com implante de stent carotídeo, porém mais do que 70% deles foram tratados apenas com o balão. Quando submetidos a implante de stent carotídeo, a restenose foi próxima a zero, como demonstrado no estudo Sapphire5.

Nos estudos Lexington I e II, os resultados foram semelhantes entre o grupo de pacientes tratados com implante de stent carotídeo e o outro tratado com endarterectomia, o que revela que a técnica percutânea não foi suplantada pela endarterectomia6.

O estudo Sapphire5 foi importante na análise da Food and Drug Administration (FDA), agência americana que regulamenta o setor de medicamentos, alimentos e dispositivos médicos nos Estados Unidos, para aprovação do implante de stent carotídeo em pacientes de alto risco. O princípio da não-inferioridade é estabelecido na estatística e empregado em vários trabalhos na cardiologia, não sendo, portanto, demérito usá-lo. Ressalvamos aos autores que o fato de os pacientes serem assintomáticos não os isenta de alto risco.

Uma recente metanálise realizada com um total de 1.269 pacientes demonstrou que, em trinta dias, a incidência de AVC e óbito após implante de stent carotídeo foi de 8,1% (51 de 632 pacientes; média de 0,0% a 12,1%) e de 6,3% após endarterectomia (40 de 637 pacientes; média de 0,0% a 9,9%), e a diferença entre ambos os tratamentos não foi estatisticamente significativa7. A mortalidade dessa metanálise foi diferente do estudo ACST e da Medicare dos Estados Unidos, pois trata-se de populações de riscos diferentes. Em cardiologia, a elevação da CKMB é preditiva da evolução clínica mais adversa em médio e longo prazos. Os autores do trabalho insinuam a presença de influência comercial nos resultados do estudo. Alerto para o perigo de tal afirmativa, pois coloca em dúvida a seriedade dos pesquisadores e das consecutivas revistas médicas. O financiamento de trabalhos pela indústria é algo relativamente comum na cardiologia baseada em evidência, entretanto temos acreditado na honestidade dos pesquisadores e nas revistas médicas, pois, se assim não fosse, todas as informações contidas nas publicações teriam que ser questionadas.

O estudo Space8 não foi capaz de demonstrar a não-inferioridade do implante de stent carotídeo em relação à endarterectomia, porém seus resultados se reportam a uma evolução precoce. Dessa forma, não é possível aferir nenhuma conclusão sobre os resultados em médio e longo prazos, o que significa que o estudo Space não pode ser usado isoladamente para definição de conduta. O estudo Space randomizou 1.183 pacientes num período de 180 dias do AIT ou AVC moderado (escala de Ranking modificado de <3) e demonstrou os seguintes índices de AVC e óbito em trinta dias: 6,34% para os pacientes tratados com endarterectomia e 6,84% para aqueles tratados com stent carotídeo, o que não foi estatisticamente significativo (p = 0,89). É importante salientar aos autores que a não-prova de inferioridade não implica superioridade da outra estratégia, como sugerido em seu texto.

Em sua fase inicial, o estudo EVA-3S9 não utilizou o sistema de proteção cerebral na metade dos AVC, e a taxa de AVC foi de 25% no grupo do implante de stent. O estudo iniciou-se no ano 2000 (nesta época não era utilizado o sistema de proteção cerebral)". Em 2003, o comitê de segurança recomendou a utilização sistemática de proteção cerebral devido ao alto risco de AVC nos pacientes tratados sem este dispositivo. Em setembro de 2005, o estudo foi paralisado em definitivo por motivo de segurança. A maioria dos AVC ocorreu no primeiro dia, o que poderia estar associado às complicações do procedimento, porém não havia na angiografia carotídea características de altos riscos para tal complicação, portanto permaneceram em aberto as verdadeiras razões da complicação neurológica. Destaca-se ainda que 42 (antes) e 36 (depois) pacientes submetidos ao implante de stent carotídeo estavam recebendo apenas um antiagregante plaquetário e não a dupla antiagregação plaquetária, como orientada no protocolo. Por fim, Anthony Furlan10 revela que, por uma série de fatores, como a pouca experiência técnica dos operadores (para entrarem no estudo, os cirurgiões vasculares teriam que ter realizado pelo menos 25 procedimentos/ano e os intervencionistas apenas 5 procedimentos/ano), portanto, o estudo EVA-3S não pode ser utilizado para definir a superioridade da endarterectomia sobre o implante de stent.

Cochrane

Acreditamos que, em pacientes de alto risco cirúrgico, o tratamento percutâneo com implante de stent e proteção cerebral esteja estabelecido (em concordância com a FDA). Nos pacientes de moderado e baixo riscos, não temos ainda conclusões definitivas, a despeito da existência de superioridade de uma técnica sobre a outra. Os estudos em andamento, como o ICSS11, que deverão analisar cerca de 4.000 pacientes, possivelmente definirão essa questão.

Comentário referente à tabela 2

O autor menciona no último parágrafo do artigo a seguinte frase: "Após a publicação do SPACE e do EVA-3S, provavelmente estas considerações não devem sofrer alterações; pois se acrescentarmos os dados desses dois estudos à análise da Cochrane, obteremos índices de AVC e óbito de 8,1% no grupo CAS e de 5,9% no grupo ECA, havendo uma diferença nos resultados (p=0,02) (Tabela 2)".

Observação: Inicialmente é preciso confirmar se o autor utilizou diretamente o teste qui-quadrado para chegar a esta conclusão com p=0,02. Em caso afirmativo, deve-se salientar que a aplicação direta do teste qui-quadrado não é adequada neste caso uma vez que não foram consideradas possíveis diferenças entre os estudos. Não se pode ignorar que os dados não têm a mesma origem e simplesmente considerar a soma dos pacientes dos diversos estudos como se fosse um único grupo de pacientes. Segundo Thompson12, meta-análises deveriam incorporar uma investigação cuidadosa das potenciais fontes de heterogeneidade entre os estudos.

Nos artigos de meta-análise é comum o uso do teste de Mantel-Haenzel que consiste em combinar resultados de tabelas de contingência diferentes. Embora as fontes de heterogeneidade devam ser investigadas mais detalhadamente, o teste de Mantel-Haenzel parece mais adequado que o teste qui-quadrado para sumarizar os resultados dos estudos citados pelo autor. Convém observar que como os estudos citados não representam a população total dos estudos da área, o método de DerSimonian e Laird13 que considera os estudos como amostras aleatórias também poderia ser considerado14.

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  • 2. Endovascular versus surgical treatment in patients with carotid stenosis in the Carotid and Vertebral Artery Transluminal Angioplasty Study (CAVATAS): a randomised trial. Lancet. 2001; 357: 1729-37.
  • 3. MRC European Carotid Surgery Trial: interim results for symptomatic patients with severe (70-99%) or with mild (0-29%) carotid stenosis. European Carotid Surgery Trialists' Collaborative Group. Lancet. 1991; 337: 1235-43.
  • 4. Spence D, Eliasziw M. Endarterectomy or angioplasty for treatment of carotid stenosis? Lancet. 2001; 357: 1722-3.
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  • 7. Coward LJ, Featherstone RL, Brown MM. Safety and efficacy of endovascular treatment of carotid artery stenosis compared with carotid endarterectomy: a Cochrane systematic review of the randomized evidence. Stroke. 2005; 36: 905-11.
  • 8. SPACE Collaborative Group, Ringleb PA, Allenberg J, Bruckmann H, Eckstein HH, Fraedrich G, Hartmann M, et al. 30 days results from the SPACE trial of stent-protected angioplasty versus carotid endarterectomy in symptomatic patients: a randomised non-inferiority trial. The SPACE Collaborative Group. Lancet. 2006; 368: 1239-47.
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  • 10. Furlan AJ. Carotid-artery stenting-case open or closed? N Engl J Med. 2006; 355: 1726-9.
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  • 12. Thompson SG. Why sources of heterogeneity in meta-analysis should be investigated. BMJ.1994;309(6965):1351-5.
  • 13. DerSimonian R, Laird N. Meta-analysis in clinical trials. Control Clin Trials.1986;7(3):177-88.
  • 14. Massad E, Menezes RX, Silveira PSP, Ortega NRS. Métodos quantitativos em medicina. São Paulo:Manole;2004.
  • Correspondência:
    Manuel Nicolas Cano
    Rua Sampaio Viana, 203 - Apto 81
    São Paulo, SP, Brazil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008
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