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Análise da prescrição de captopril em pacientes hospitalizados

Resumos

Uma das complicações mais comuns da hipertensão arterial sistêmica é a crise hipertensiva¹ que se caracteriza por uma elevação sintomática da pressão arterial (PA), com ou sem envolvimento de órgãos-alvo, que pode conduzir a um risco imediato ou potencial de vida2-4. A crise hipertensiva pode se manifestar como emergência ou urgência hipertensiva. Na emergência, há a rápida deterioração de órgãos-alvo e risco imediato de vida, situação que não ocorre na urgência hipertensiva2-4. Além disso, as situações em que o paciente apresenta PA elevada diante de algum evento emocional, doloroso ou desconfortável, sem evidências de lesões de órgãos-alvo ou risco imediato de vida, caracterizam a pseudocrise hipertensiva, condição em que não é necessário o uso da terapia anti-hipertensiva de emergência1-3,5. Apesar disso, tem se tornado comum a prática de prescrever anti-hipertensivos precedendo situações em que se identifica algum risco de elevação abrupta da PA, independentemente de sintomas. O presente estudo tem como objetivo avaliar a freqüência de prescrição do captopril precedendo elevação da PA em pacientes internados em um hospital universitário. Pretende também mapear os locais (enfermarias clínicas ou cirúrgicas) onde essa conduta foi mais freqüente.

Prescrição de medicamentos; hipertensão; captopril; pacientes internados


One of the most common complications of Systemic Arterial Hypertension is the hypertensive crisis¹ characterized by a symptomatic elevation of blood pressure (BP) with or without involvement of target organs, which may lead to immediate or potential risk to life2-4. The hypertensive crisis may manifest itself as hypertensive emergency or urgency. In the emergency there is fast deterioration of target organs and immediate risk to life, a situation that does not occur in hypertensive urgency2-4. On the other hand, situations in which the patient presents elevated BP due to an emotionally charged, painful or uncomfortable event, with no evidence of lesion of target organs or immediate risk to life, characterize the hypertensive pseudo-crisis, a condition that does not require the use of emergency antihypertensive therapy1-3,5. Despite this fact, the practice has become widespread of prescribing antihypertensive medication prior to situations believed to present a risk of abrupt BP elevation, irrespective of the symptoms. This study aims at assessing the frequency of prescription of captopril prior to BP elevation in patients hospitalized in a university hospital. It was also intended to map the places (clinical or surgical wards) where this procedure was more frequent.

Prescriptions; hypertension; captopril; inpatients


COMUNICAÇÃO BREVE

Análise da prescrição de captopril em pacientes hospitalizados

Márcio Galvão OliveiraI; Antônio Carlos Beisl NoblatI; Lúcia NoblatI; Luiz Carlos PassosII

IComplexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos, Salvador, BA - Brasil

IIFaculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA - Brasil

Correspondência Correspondência: Márcio Galvão Oliveira Rua Professor Sabino Silva, 558/403 - Jardim Apipema 40155-250 - Salvador, BA - Brasil E-mail: mgalvao@ufba.br

RESUMO

Uma das complicações mais comuns da hipertensão arterial sistêmica é a crise hipertensiva1 que se caracteriza por uma elevação sintomática da pressão arterial (PA), com ou sem envolvimento de órgãos-alvo, que pode conduzir a um risco imediato ou potencial de vida2-4. A crise hipertensiva pode se manifestar como emergência ou urgência hipertensiva. Na emergência, há a rápida deterioração de órgãos-alvo e risco imediato de vida, situação que não ocorre na urgência hipertensiva2-4. Além disso, as situações em que o paciente apresenta PA elevada diante de algum evento emocional, doloroso ou desconfortável, sem evidências de lesões de órgãos-alvo ou risco imediato de vida, caracterizam a pseudocrise hipertensiva, condição em que não é necessário o uso da terapia anti-hipertensiva de emergência1-3,5. Apesar disso, tem se tornado comum a prática de prescrever anti-hipertensivos precedendo situações em que se identifica algum risco de elevação abrupta da PA, independentemente de sintomas.

O presente estudo tem como objetivo avaliar a freqüência de prescrição do captopril precedendo elevação da PA em pacientes internados em um hospital universitário. Pretende também mapear os locais (enfermarias clínicas ou cirúrgicas) onde essa conduta foi mais freqüente.

Palavras-chave: Prescrição de medicamentos, hipertensão, captopril, pacientes internados.

Métodos

Foi realizado um estudo de corte transversal retrospectivo em um hospital universitário que possui 308 leitos. Por se tratar de um hospital de ensino, as prescrições são realizadas especialmente por médicos residentes.

Todos os pacientes internados durante o primeiro semestre de 2005 que tiveram prescrição de captopril precedendo elevação da PA foram identificados por meio das prescrições médicas. A prescrição objeto do estudo foi a seguinte: "captopril 25 mg se PA > 170 x 110 mmHg".

As seguintes variáveis foram obtidas com auxílio de um formulário-padrão: uso de captopril precedendo elevação da PA, terapia anti-hipertensiva de manutenção, registros do diagnóstico de hipertensão, unidades de internação, registros de avaliação médica anterior à administração do captopril e via de administração utilizada. Considerou-se como avaliação médica anterior à administração do captopril qualquer registro de avaliação diante de elevação da PA (aferida pela enfermagem), em que a conduta era administrar o captopril já prescrito anteriormente.

Para análise da diferença entre as proporções foi utilizado o teste do Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Os pacientes internados na UTI foram excluídos. As diferenças estatísticas inferiores a 5% (p<0,05) foram consideradas significantes.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local.

Resultados

No período de estudo foram internados 2.771 pacientes, sendo 2.003 (72,3%) em enfermarias cirúrgicas e 768 (27,7%) em enfermarias clínicas. A freqüência de pacientes que tiveram prescrição de captopril precedendo elevação da PA foi de 25,7% (712/2.771). Essa conduta foi mais freqüente (p<0,001) nas enfermarias cirúrgicas (30,9%; 620/2.003) do que nas clínicas (12,6%; 92/768).

Não havia o diagnóstico de hipertensão nos prontuários de 52% (370/712) dos pacientes que tiveram prescrição de captopril precedendo elevação pressórica. Isso foi mais freqüente (p<0,0001) nas enfermarias cirúrgicas (56,1%; 348/620) do que nas enfermarias clínicas (23,9%; 22/92).

Entre os pacientes considerados hipertensos, observou-se que 18,1% (62/342) não tinham prescrição de anti-hipertensivos de manutenção. Isso ocorreu especialmente nas enfermarias cirúrgicas (93,5%;58/62).

Muito embora o captopril precedendo a elevação da PA tenha sido prescrito em 712 pacientes, o medicamento foi administrado em apenas 147 (20,6%) deles, e 32,6% (30/92) estavam internados nas enfermarias clínicas e 18,9% (117/620) nas cirúrgicas (p<0,0001).

A avaliação médica anterior à administração do captopril não ocorreu em 81% (119/147) dos casos. Isso foi mais freqüente (p=0,001) nas enfermarias cirúrgicas (84,5%; 98/116) do que nas enfermarias clínicas (67,7%; 21/31). Além disso, 14,3% (21/147) dos pacientes que utilizaram o captopril não tinham diagnóstico de hipertensão.

Discussão

Os dados mostram que a prescrição de captopril precedendo elevação pressórica foi freqüente no período avaliado e que na maioria dos pacientes não havia registros do diagnóstico de hipertensão. Um outro estudo5 realizado no mesmo hospital em 1997 demonstrou que a nifedipina era muito prescrita para a mesma situação, porém com a prescrição de captopril já em 4,3% dos casos. Os autores chamavam a atenção para uma possível tendência de substituição da nifedipina pelo captopril e atribuíram isso à publicação de estudos sobre os potenciais riscos da utilização de nifedipina em formulação de ação rápida para o tratamento da hipertensão5.

A maior freqüência de prescrição de captopril nas enfermarias cirúrgicas do que nas enfermarias clínicas pode estar relacionada às diferentes interpretações de clínicos e cirurgiões na abordagem da hipertensão e às peculiaridades existentes nos ambientes de clínica cirúrgica e médica5. Da mesma forma, essa maior freqüência nas enfermarias cirúrgicas pode estar relacionada também à falta de uma avaliação pré-cirúrgica criteriosa e uma preocupação dos cirurgiões com o desenvolvimento de picos hipertensivos no período perioperatório, em detrimento do controle da PA em longo prazo5. Nos casos de elevações da PA no período pré-operatório, é indicada a manutenção do tratamento anti-hipertensivo até momentos antes do procedimento cirúrgico e o uso de anti-hipertensivos injetáveis nas crises hipertensivas4,5.

É importante considerar que a simples elevação da PA não se constitui em uma crise hipertensiva e não requer uma abordagem terapêutica imediata para a redução brusca da PA. O tratamento anti-hipertensivo agressivo pode trazer riscos para os pacientes. Somente descartando-se a possibilidade de pseudocrise hipertensiva, deve-se instituir a terapia imediata4.

No presente estudo, na maioria (81%) dos casos não houve avaliação médica anterior à administração do captopril, e isso foi mais freqüente nas enfermarias cirúrgicas. No estudo que avaliou a prescrição de nifedipina em pacientes internados, em 98% dos casos também não houve avaliação médica6. Essa conduta delega aos profissionais não-médicos a decisão sobre o uso de anti-hipertensivo sem indicação adequada, baseando-se somente no nível da PA, podendo resultar em complicações para os pacientes. Além disso, há uma ruptura da seqüência lógica dos eventos que precedem uma boa prescrição que é uma atribuição do médico: o diagnóstico, a determinação do prognóstico da condição a ser tratada, a determinação dos objetivos terapêuticos e a seleção do tratamento apropriado. Certamente, a avaliação médica é indispensável para determinar a terapêutica adequada às situações de emergência ou urgência hipertensiva e até mesmo o tratamento sintomático das pseudocrises.

Em relação aos pacientes que utilizaram o captopril, 14,3% não tinham diagnóstico de hipertensão. Além da exposição desnecessária ao medicamento, esses pacientes tiveram o risco de apresentar algum evento adverso decorrente desta exposição.

Alguns estudos têm demonstrado a importância do período em que os pacientes estão internados como uma oportunidade para controle da hipertensão7,8. A prescrição de captopril precedendo elevação pressórica em pacientes hipertensos sem o uso da terapia anti-hipertensiva de manutenção mostra que o período de internação pode não estar sendo aproveitado para a escolha do melhor esquema terapêutico para controle da hipertensão, de acordo com as evidências disponíveis, incluíndo medidas não-farmacológicas. Apesar da prescrição do captopril precedendo elevação pressórica ter sido mais freqüente nas enfermarias cirúrgicas, a administração ocorreu mais nas clínicas. Isso pode ser explicado pela maior freqüência de pacientes com hipertensão nas enfermarias clínicas do que nas cirúrgicas, muito embora não reflita o melhor manejo dos pacientes e alguns deles podem ter recebido alta hospitalar sem um devido controle da PA.

Um aspecto importante do presente trabalho é a ausência de evidências da necessidade de prescrição do captopril precedendo a elevação da PA. Apesar de ser uma prática corrente, torna-se evidente que ela precisa ser revista para que possa ser eventualmente incorporada como conduta terapêutica.

Os dados apresentados, bem como a revisão da literatura não mostram evidências que justifiquem a prescrição de captopril precedendo elevação pressórica em pacientes hospitalizados. A despeito de que essa prática foi mais freqüente nas enfermarias cirúrgicas, os resultados ora apresentados sugerem que esse tema deve ser abordado em programas de educação médica continuada, visando à melhoria da qualidade do cuidado em saúde.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado por CNPQ.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de mestrado de Márcio Galvão Oliveira pela Universidade Federal da Bahia.

Artigo recebido em 25/10/07; revisado recebido em 21/12/07; aceito em 04/01/08.

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  • Correspondência:

    Márcio Galvão Oliveira
    Rua Professor Sabino Silva, 558/403 - Jardim Apipema
    40155-250 - Salvador, BA - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      04 Jan 2008
    • Revisado
      21 Dez 2007
    • Recebido
      25 Out 2007
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