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Microneurografia e pletismografia de oclusão venosa na insuficiência cardíaca: correlação com prognóstico

Resumos

FUNDAMENTO: Microneurografia e pletismografia de oclusão venosa podem ser considerados métodos de avaliação da atividade simpática. OBJETIVO: Avaliar a intensidade da atividade simpática através da microneurografia e da pletismografia de oclusão venosa em pacientes com insuficiência cardíaca, e correlacionar essa intensidade com prognóstico. MÉTODOS: 52 pacientes com insuficiência cardíaca (FE <45% ao ecocardiograma), sendo 12 em CFII e quarenta em CFIV. Após compensação avaliou-se a atividade nervosa simpática muscular (ANSM) no nervo peronero (microneurografia), e o fluxo sanguíneo muscular (FSM) no antebraço (pletismografia de oclusão venosa). Após seguimento de 18 meses os pacientes foram divididos em três grupos: 12 em CFII, 19 em CFIV que não morreram e 21 em CFIV que morreram. A intensidade da atividade da simpática foi comparada nos três diferentes grupos. RESULTADOS: CFII apresentaram menor ANSM (Atividade Nervosa Simpática Muscular) (p=0,026) e maior FSM (p=0,045) que os CFIV que não morreram. CFIV que morreram apresentaram maior ANSM (p<0.001) e menor FSM (p=0,002) que os CFIV que não morreram. Curva ROC: valor de corte >53,5 impulsos/min para ANSM (S=90,55. E=73,68%) e <1,81 ml/mn/100gr para FSM (S=90,4%. E=73,7%). Curva Kaplan-Meier: sobrevida maior com ANSM <53,5 impulsos/min (p<0,001), e ou FSM >1,81 ml/min/100gr (P<0,001). Análise de regressão logística: quanto maior a ANSM e menor o FSM, maior é a probabilidade de morte. CONCLUSÃO: A intensidade da ANSM e do FSM podem ser considerados marcadores prognósticos na insuficiência cardíaca avançada.

Insuficiência cardíaca; eletromiografia; pletismografia; prognóstico


BACKGROUND: Microneurography and venous occlusion plethysmography can be considered methods of assessment of the sympathetic activity. OBJECTIVE: To evaluate the intensity of the sympathetic activity through microneurography and venous occlusion plethysmography in patients with heart failure (HF) and correlate this intensity with prognosis. METHODS: 52 patients with HF (ejection fraction < 45% at the echocardiogram): 12 with FCII and 40 with FCIV. After compensation, the muscular sympathetic nervous activity (MSNA) in the peroneal nerve (microneurography) and the muscular blood flow (MBF) in the forearm were evaluated (venous occlusion plethysmography). After an 18-month follow-up, the patients were divided in 3 groups: 12 with FCII, 19 with FCIV that did not die and 21 with FCIV that died. The intensity of the sympathetic activity was compared in the three different groups. RESULTS: Patients with FCII presented lower MSNA (p=0.026) and higher MBF (p=0.045) than the ones with FCIV that did not die. The patients with FCIV that died presented higher MSNA (p<0.001) and lower MBF (p=0.002) than the patients with FCIV that did not die. ROC curve: cutoff >53.5 impulses/min for MSNA (S=90.55. E=73.68%) and < 1.81 ml/min/100gr for MBF (S=90.4%. E=73.7%). Kaplan-Meier curve: higher survival with MSNA < 53.5 impulses/min (p<0.001), and/or MBF >1.81 ml/min/100gr (P<0.001). Logistic regression analysis: the higher the MSNA and the lower the MBF, the higher is the probability of death. CONCLUSION: The intensity of the MSNA and the MBF can be considered prognostic markers in advanced HF.

Heart failure; electromiography; plethysmography; prognosis


FUNDAMENTO: Microneurografía y pletismografía de oclusión venosa se pueden considerar como métodos de evaluación de la actividad simpática. OBJETIVO: Evaluar la intensidad de la actividad simpática a través de la microneurografía y de la pletismografía de oclusión venosa en pacientes con insuficiencia cardiaca, y correlacionar esa intensidad con pronóstico. MÉTODOS: Un total de 52 pacientes con insuficiencia cardiaca (FE <45% al ecocardiograma), 12 de ellos en clase funcional II (CFII) y 40 en clase funcional IV (CFIV). Tras la compensación, se evaluaron la actividad nerviosa simpática muscular (ANSM) en el nervio peronero (microneurografía), y el flujo sanguíneo muscular (FSM) en el antebrazo (pletismografía de oclusión venosa). Tras el seguimiento de 18 meses, se dividieron a los pacientes en tres grupos: 12 individuos en CFII, 19 en CFIV que no murieron y 21 en CFIV que murieron. La intensidad de la actividad simpática se la comparó en los tres diferentes grupos. RESULTADOS: Los pacientes en CFII presentaron menor actividad nerviosa simpática muscular (p=0,026) y mayor FSM (p=0,045) que los en CFIV que no murieron. Los individuos en CFIV que murieron presentaron mayor ANSM (p<0.001) y menor FSM (p=0,002) que los en CFIV que no murieron. Curva ROC: valor de corte >53,5 impulsos/min para ANSM (S=90,55. E=73,68%) y <1,81 ml/mn/100gr para FSM (S=90,4%. E=73,7%). Curva Kaplan-Meier: sobrevida mayor con ANSM <53,5 impulsos/min (p<0,001), y/ó FSM >1,81 ml/min/100gr (P<0,001). Análisis de regresión logística: cuanto mayor sea la ANSM y menor el FSM, mayor será la probabilidad de muerte. CONCLUSIONES: La intensidad de la ANSM y del FSM puede considerarse como marcadores pronósticos en la insuficiencia cardiaca avanzada.

insuficiencia cardiaca; electromiografía; pletismografía; pronóstico


ARTIGO ORIGINAL

Microneurografia e pletismografia de oclusão venosa na insuficiência cardíaca: correlação com prognóstico

Robinson Tadeu Munhoz; Carlos Eduardo Negrão; Antonio Carlos Pereira Barretto; Marcelo Eidi Ochiai; Juliano Novaes Cardoso; Paulo Cesar Morgado; Carlos Henrique Del Carlo; José Antonio Franchini Ramires

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IncorFMUSP), São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Robinson Tadeu Munhoz Rua Cayowaa 854 / 143, Perdizes, 05018-001, São Paulo, SP - Brasil E-mail: robinsonmunhoz@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Microneurografia e pletismografia de oclusão venosa podem ser considerados métodos de avaliação da atividade simpática.

OBJETIVO: Avaliar a intensidade da atividade simpática através da microneurografia e da pletismografia de oclusão venosa em pacientes com insuficiência cardíaca, e correlacionar essa intensidade com prognóstico.

MÉTODOS: 52 pacientes com insuficiência cardíaca (FE <45% ao ecocardiograma), sendo 12 em CFII e quarenta em CFIV. Após compensação avaliou-se a atividade nervosa simpática muscular (ANSM) no nervo peronero (microneurografia), e o fluxo sanguíneo muscular (FSM) no antebraço (pletismografia de oclusão venosa). Após seguimento de 18 meses os pacientes foram divididos em três grupos: 12 em CFII, 19 em CFIV que não morreram e 21 em CFIV que morreram. A intensidade da atividade da simpática foi comparada nos três diferentes grupos.

RESULTADOS: CFII apresentaram menor ANSM (Atividade Nervosa Simpática Muscular) (p=0,026) e maior FSM (p=0,045) que os CFIV que não morreram. CFIV que morreram apresentaram maior ANSM (p<0.001) e menor FSM (p=0,002) que os CFIV que não morreram. Curva ROC: valor de corte >53,5 impulsos/min para ANSM (S=90,55. E=73,68%) e <1,81 ml/mn/100gr para FSM (S=90,4%. E=73,7%). Curva Kaplan-Meier: sobrevida maior com ANSM <53,5 impulsos/min (p<0,001), e ou FSM >1,81 ml/min/100gr (P<0,001). Análise de regressão logística: quanto maior a ANSM e menor o FSM, maior é a probabilidade de morte.

CONCLUSÃO: A intensidade da ANSM e do FSM podem ser considerados marcadores prognósticos na insuficiência cardíaca avançada.

Palavras-chave: Insuficiência cardíaca, eletromiografia, pletismografia, prognóstico.

Introdução

A insuficiência cardíaca é caracterizada por ativação generalizada do sistema nervoso simpático e inibição do sistema nervoso parassimpático. No inicio da lesão miocárdica, a estimulação adrenérgica ocorre como resposta adaptativa. Entretanto, a ativação simpática sustentada por longo período leva à destruição do miocárdio, retenção de sódio, vasoconstricção periférica e progressão da doença1,2.

Vários são os métodos utilizados para avaliação da atividade simpática. A medida da concentração plasmática de noradrenalina (método mais utilizado na prática clínica) e a medida da excreção urinária de norepinefrina (hoje em desuso) não fornecem informações sobre a atividade simpática regional3,5. A técnica que consiste na infusão de norepinefrina marcada com tritium permite a avaliação da atividade simpática regional (apperance, spillover - 4). Wallin e cols.6 mostraram que a atividade simpática pode ser quantificada diretamente nos nervos periféricos (peronero, braquial ou mediano) através da técnica de microneurografia. Esses nervos emitem descargas de atividade (impulsos), que são contadas numericamente (número de impulsos por minuto) refletindo a intensidade da ANSM6,7. Alguns estudos mostraram que em pacientes com insuficiência cardíaca, a ANSM é maior que em indivíduos normais, porém esses estudos não mostraram relação dessa atividade com prognóstico8-10. A determinação do fluxo sanguíneo muscular (FSM) através da pletismografia de oclusão venosa pode ser considerado um método indireto de se avaliar atividade simpática. Os mecanismos envolvidos na variação do FSM são: disfunção endotelial, caracterizada por comprometimento da resposta vasodilatora devido à atenuação da produção de oxido nítrico; ativação de fatores neuro-hormonais, representados pela estimulação do sistema renina angiotensina e produção de hormônios vasodilatadores; ativação do sistema nervoso simpático11. O objetivo desse estudo foi determinar através da microneurografia e da pletismografia de oclusão venosa, a intensidade da atividade simpática em pacientes com insuficiência cardíaca e correlacionar essa intensidade com prognóstico.

Métodos

Foram estudados prospectivamente quarenta pacientes internados no Hospital Auxiliar de Cotoxó do Hospital das Clinicas da FMUSP, com diagnóstico de insuficiência cardíaca CFIV (NYHA) e 12 pacientes provenientes do ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP em CFII (NYHA).Todos os pacientes apresentavam disfunção sistólica do ventrículo esquerdo e fração de ejeção < 45% ao ecocardiograma. Os critérios de exclusão foram: idade inferior a 15 anos ou superior a 65 anos, alcoolismo atual, neuropatias de qualquer etiologia, doenças valvares, pneumopatias, insuficiência coronariana aguda, arritmias cardíacas sintomáticas, diabetes melito, hipertensão arterial, insuficiência renal (creatinina> 2,0 mg%), doenças crônicas ou degenerativas. Em relação à amostra, trinta pacientes apresentavam diagnóstico de miocardiopatia dilatada idiopática (sete em CFII, 23 em CFIV), nove com miocardiopatia chagásica (um em CFII, oito em CFIV ), seis com miocardiopatia isquêmica (quatro em CFII, dois em CFIV), cinco com mocardiopatia hipertensiva em CFIV e dois com miocardiopatia periparto em CF IV (diagnóstico feito há mais de um ano). Os quarenta pacientes em CFIV foram compensados, sendo que em cinco pacientes que não morreram, e em dez pacientes que morreram houve necessidade do uso de droga vasoativa (dobutamina) devido ao baixo débito importante. Após estabilização clinica e suspensão da dobutamina todos os pacientes em CF IV receberam as seguintes medicações (doses individualizadas): captopril 75 mg a 150 mg dia, furosemide 80 a 160 mg dia, espironolactona 25 mg dia, hidralazina 100 a 300 mg dia, dinitrato de issossorbide 80 a 120 mg dia, e 23 pacientes receberam digoxina 0.25 mg dia. Nenhum paciente apresentava caquexia cardíaca. Antes da introdução do betabloqueador os quarenta pacientes em CFIV foram submetidos a microneurografia e pletismografia de oclusão venosa. Da mesma forma, os 12 pacientes em CFII estavam compensados e receberam as seguintes medicações: captopril 100 mg dia, espironolactona 25 mg dia, furosemide 40 a 80 mg dia; e sete pacientes receberam digoxina 0.25 mg dia. Antes da introdução do betabloqueador e aproximadamente sete dias após compensação clínica, os 12 pacientes foram submetidos a microneurografia e pletismografia de oclusão venosa. A ANSM foi avaliada através da técnica de registro de multiunidade da via pós-gangliônica eferente, do fascículo nervoso muscular, na parte posterior do nervo peronero, imediatamente inferior à cabeça fibular. Os registros foram obtidos através da implantação de um microeletrodo no nervo peronero e de um microeletrodo referência a aproximadamente 1 cm de distância do primeiro. Os eletrodos foram conectados a um pré-amplificador e o sinal do nervo foi alimentado através de um filtro passa-banda e, em seguida, dirigido a um discriminador de amplitude para armazenagem em osciloscópio e em caixa de som. Para fins de registro e análise, o neurograma filtrado foi alimentado através de um integrador de capacitância-resistência para a obtenção da voltagem média da atividade neural. A ANSM foi avaliada através da contagem do número de descargas (impulsos) por minuto. O FSM foi avaliado pela técnica de pletismografia de oclusão venosa, imediatamente após a avaliação ANSM. O braço contralateral não dominante (aquele que não estará realizando o exercício isométrico) foi elevado acima do nível do coração para garantir uma adequada drenagem venosa. Um tubo silástico preenchido com mercúrio, conectado a um transdutor de baixa pressão foi colocado ao redor do antebraço, a 5cm de distância da articulação úmero-radial e conectado a um pletismógrafo-Hokanson 201 AG. Um manguito foi colocado ao redor do pulso e outro na parte superior do braço. O manguito do pulso foi inflado a um nível supra-sistólico um minuto antes de se iniciar as medidas. Em intervalos de 15 segundos, o manguito do braço foi inflado acima da pressão venosa por um período de sete a oito segundos. O aumento em tensão no tubo silástico refletiu o aumento de volume do antebraço e, conseqüentemente, sua vasodilatação. O sinal de onda do FSM basal foi registrado em um polígrafo e analisado a cada minuto, realizando-se uma média de três registros por minuto. Foi levado em consideração no estudo o FSM basal (ml/min/100 gr).

Após alta hospitalar, os pacientes em CFIV e os CFII foram tratados com medicação clássica para insuficiência cardíaca. As doses das medicações foram mantidas e também foi introduzido betabloqueador após avaliação da atividade simpática. Os pacientes em CFIV receberam carvedilol 37.5 a 75 mg dia, sendo que as doses foram individualizadas de acordo com a tolerância e eficácia da resposta ao betabloqueador. Todos os pacientes apresentaram redução da freqüência cardíaca (60 a 65 batimentos/min) e da pressão arterial. Os pacientes com diagnóstico de miocardiopatia chagásica receberam carvedilol 37,5 mg, devido a baixa tolerância. Os CFII receberam 50 mg dia. Os pacientes foram seguidos e acompanhados no ambulatório do INCOR por um período de 18 meses e através de contato telefônico ou postal determinou-se ou não a ocorrência de morte. Para fins de avaliação e estudo, os pacientes foram divididos em três grupos: 12 em CFII, 19 em CF IV, que não morreram; 21 pacientes em CF IV, que morreram. No grupo de pacientes que morreram: 12 foram a óbito por progressão da insuficiência cardíaca; sendo oito com diagnóstico de miocardiopatia dilatada idiopática; um com miocardiopatia periparto; um com miocardiopatia hipertensiva e dois com miocardiopatia chagásica. Três morreram por embolia pulmonar, sendo um com diagnóstico de miocardiopatia chagásica, dois com miocardiopatia dilatada idiopática. Seis morreram por morte súbita, sendo três com diagnóstico de miocardiopatia dilatada idiopática, um com miocardiopatia isquêmica, um com miocardiopatia chagásica e um com miocardiopatia hipertensiva.

O Protocolo foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital das Clínicas da FMUSP 261/99. A análise estatística utilizou o teste t de igualdade de médias com o intuito de se avaliar diferenças entre ANSM e FSM no antebraço nos diferentes grupos (valores de p inferiores a 0,05). Quanto à regressão logística, estimou-se a probabilidade de óbito através das co-variáveis ANSM e FSM. Com relação ao Teste de Hosner e Lemeshow, houve ajuste da regressão logística na probabilidade de óbito. Ajustou-se uma curva ROC aos valores da ANSM e FSM e determinou-se um ponto de corte para as duas variáveis. Curva de Kaplan-Meier utilizando as duas variáveis: ANSM e FSM.

Resultados

A microneurografia mostrou que o número de impulsos por minuto em pacientes CFII variou entre 26 e 58, com média de 38,5. Nos CF IV que não morreram variou entre 30 e 76, com média de 49,1.Nos CF IV que morreram, variou entre 46 e 94, com média de 65 (tabela 1). Os pacientes CFII apresentaram menor ANSM média comparados aos CFIV que não morreram (p=0,026). Os pacientes CFIV que morreram apresentaram maior ANSM em comparação aos que não morreram (p <0,001) (gráfico 1). A curva ROC mostrou para pacientes em CF IV uma área de 0.830 (gráfico 2). Combinando os valores de sensibilidade (90,5%) e especificidade (73,68%) encontramos um ponto de corte para ANSM >53,5 impulsos/min. A probabilidade de sobrevida é maior nos pacientes que apresentaram ANSM <53,5 impulsos/min (p <0,001) (gráfico 3).




O FSM em pacientes CF II variou entre 1,71 e 3,40 ml/min/100gr, média de 2,53. Nos pacientes CF IV que não morreram variou entre 0,93 e 3,02 ml/min/100gr, média de 2,06. O FSM nos pacientes que morreram variou entre 0,61 e 2,31 ml/min/100gr, média de 1,49 (Tabela 2). Pacientes CF II apresentaram maior FSM do que os CF IV que não morreram (p=0,045). Pacientes CF IV que morreram apresentaram FSM médio menor do que os que não morreram (p=0,002) (gráfico 4). A curva ROC mostrou para CF IV uma área de 0.815 (gráfico 5). Combinando os valores de sensibilidade (90,4%) e especificidade (73,7%) encontramos um ponto de corte para FSM <1,81 ml/min/100gr. A probabilidade de sobrevida é maior nos pacientes em CF IV que apresentaram FSM >1,81 ml/min/ 100gr (p <0,001) (gráfico 6).




A probabilidade de morte é maior quanto menor é o FSM, e maior é ANSM. Especificamente, ao comparar dois pacientes em CF IV, aquele com maior FSM terá menor probabilidade de óbito, enquanto o que tiver maior ANSM terá maior probabilidade de morte. Por outro lado, os resultados podem ser apresentados de acordo com as chances de morte: a- entre dois pacientes com a mesma ANSM, e o FSM diferindo entre eles em apenas 1 unidade, as chances de morte daquele com maior FSM é aproximadamente 0,027 (IC95%=0,0015;0,48) vezes as chances de morte do outro com menor FSM. b- entre dois pacientes com o mesmo FSM, e a ANSM diferindo entre eles em apenas uma unidade, as chances de morte daquele com maior ANSM é aproximadamente 1,15 (IC 95%=1,04;1,27) vezes as chances de morte daquele com menor ANSM (Tabela 3).

Discussão

Os principais resultados do estudo foram: 1) pacientes com insuficiência cardíaca avançada apresentaram ANSM maior e FSM no antebraço menor que pacientes em CFII. 2) pacientes com insuficiência cardíaca avançada que morreram apresentaram ANSM maior e FSM menor que os pacientes que não morreram.

Vários estudos têm mostrado evidências da importância da ativação simpática na insuficiência cardíaca. Níveis elevados de norepinefrina plasmática estão relacionados com a gravidade e o prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca3. Alguns estudos se destacaram na avaliação da atividade simpática com o emprego da microneurografia. Leimbach e cols.9, estudando 16 pacientes com insuficiência cardíaca (5 CFII, 7CFIII e 4 CFIV) e 28 indivíduos normais, mostraram que pacientes com insuficiência cardíaca apresentaram elevada ANSM (média de 54 impulsos/min) comparados aos normais (25 impulsos/min). Houve correlação positiva entre níveis séricos de norepinefrina e ANSM9. Ferguson e cols.8 utilizaram a mesma metodologia e avaliaram 29 pacientes com insuficiência cardíaca e dez indivíduos normais. Os pacientes com insuficiência cardíaca apresentaram ANSM (média de 54,7 impulsos/min) maior que o grupo controle (média=16,7 impulsos/min), porém não houve diferença entre ANSM e classe funcional (CFII, CFIII e CFIV). Houve correlação positiva entre níveis séricos de norepinefrina e ANSM8. O nosso estudo mostrou diferenças entre ANSM média e classe funcional II e IV. Os pacientes em CF II tiveram menor ANSM comparados aos CF IV que não morreram. Nos pacientes em CF IV houve diferença significativa entre os pacientes que morreram e os que não morreram. Os pacientes que morreram tiveram maior ANSM. Esses resultados diferem dos estudos de Ferguson e cols.8 e Leimbach e cols.9 que não mostraram diferenças entre atividade nervosa simpática muscular e classe funcional II e IV. Os pacientes em CF IV do nosso estudo apresentavam insuficiência cardíaca avançada, baixo débito importante, sendo que em 15 pacientes houve necessidade do uso de droga vasoativa (dobutamina) durante a fase de compensação clínica. Embora esse grupo de pacientes aparentemente fosse um grupo homogêneo em relação à gravidade e repercussão clinica, o nosso estudo mostrou diferenças entre eles. Os pacientes em CF IV que morreram apresentaram maior ANSM (média de 65 impulsos/min) em comparação aos que não morreram (média de 49,1 impulsos /min). Os estudos de Ferguson e cols.8 e Leimbach e cols.9 que utilizaram pacientes em CF II, III e IV, porém estáveis e não com insuficiência cardíaca avançada apresentaram ANSM media de 54 impulsos/min. A curva ROC do nosso estudo mostrou ponto de corte para ANSM >53,5 impulsos/min. Provavelmente o tamanho da amostra e a maior gravidade dos nossos pacientes justifiquem essas diferenças.

Dois mecanismos tem sido estudados para explicar o aumento do tono vascular periférico: a disfunção endotelial e a estimulação neuro-humoral. O endotélio vascular tem sido intensamente estudado nos últimos anos. Dentre as substâncias vasoativas derivadas do endotélio estão os vasodilatadores: óxido nítrico, prostaciclina e o fator hiperpolarizante do endotélio, e os vasoconstrictores: endotelina, angiotensina II e os endoperóxidos12,13. Comprometimento da produção de óxido nítrico pode reduzir a vasodilatação fluxo dependente e alterar o débito cardíaco através do aumento da pós-carga14,15. Alguns estudos sugeriram que a produção basal de óxido nítrico, de forma compensatória, estaria aumentada na insuficiência cardíaca16, porém evidências diretas de alteração na produção, e sua importância na regulação da tonicidade vascular basal da insuficiência cardíaca ainda são discutíveis17,18. Yoshida e cols.19 mostraram que a biodisponibilidade do óxido nítrico em pacientes com insuficiência cardíaca tem relação inversa com a classe funcional, e é significativamente menor que em indivíduos normais19.

Kubo e cols.20 mostraram atenuação da vasodilatação endotélio-dependente na circulação periférica em pacientes com insuficiência cardíaca após a administração de acetilcolina (vasodilatador endotélio dependente) e nitroprussiato de sódio (vasodilatador endotélio independente)20. Entretanto, Negrão e cols.21 utilizando stress mental e infusão de L-arginina, acetilcolina e nitroprussiato de sódio mostraram que o comprometimento da vasodilatação endotélio dependente não é a principal causa de vasoconstricção periférica na insuficiência cardíaca21. Nakamura e cols.22, estudando 46 pacientes com insuficiência cardíaca, e utilizando a infusão de acetilcolina e nitroprussiato de sódio, mostraram que os pacientes que apresentavam comprometimento da resposta vascular periférica endotélio independente em grau mais acentuado que a resposta endotélio dependente, eram admitidos com maior freqüência em hospitais devido à piora dos sintomas da insuficiência cardíaca. Estes resultados sugeriram que alterações na musculatura lisa da parede dos vasos e/ou na sua estrutura tem papel importante na piora e na evolução da doença, e que outros fatores, além da disfunção endotelial, participam na manutenção do tônus vascular periférico aumentado22. O sistema renina-angiotensina também contribui de forma significativa para o aumento da resistência vascular sistêmica. Numerosos estudos têm mostrado o benefício do uso dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina no tratamento desses pacientes23-25.

Os estudos citados mostraram evidencias de que a disfunção endotelial tem participação efetiva na manutenção da resistência periférica elevada durante a evolução de doença. Entretanto nos estágios avançados a disfunção endotelial provavelmente não é a principal causa do aumento do tônus vascular periférico em pacientes com insuficiência cardíaca. O nosso estudo mostrou diferenças significativas entre FSM e classe funcional II e IV, confirmando os resultados de Negrão e cols.10 que mostraram FSM médio de 2,5 ml/min/100gr nos pacientes CF II e 1,9 ml/ min/100grs nos CFIV10. Entretanto, o nosso estudo mostrou diferenças nos pacientes CF IV. Os que não morreram apresentaram FSM médio de 2,06 ml/min/100gr e os que morreram 1,49 ml/min/100gr. Provavelmente, as diferenças encontradas nos CF IV do nosso estudo são devidas a maior gravidade de nossos pacientes, um grupo específico que apresentava insuficiência cardíaca avançada. A curva ROC mostrou que pacientes com ANSM > 53,5 impulsos por minuto e ou FSM < 1,81 ml/min/100grs têm maior probabilidade de morte. A análise de regressão logística mostrou que quanto maior a ANSM e menor o FSM no antebraço, maior é a probabilidade de morte. Esses resultados nos permitem inferir que a acentuada vasoconstricção periférica encontrada em pacientes com insuficiência cardíaca avançada tem como provável causa principal o aumento da atividade simpática. A diferença significativa na atividade simpática entre os pacientes em CF IV que morreram e os que não morreram, também nos permite inferir que a atividade simpática registrada pela microneurografia e pela quantificação do fluxo sanguíneo muscular no antebraço pode ser considerada um marcador prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca avançada

Limitações do estudo

O nosso estudo avaliou pacientes com insuficiência cardíaca avançada que necessitaram de internação para compensação clínica. Um grupo específico de pacientes que apresentavam baixo débito importante, prognóstico reservado a curto e médio prazo e a maioria com indicação de transplante cardíaco. Os pacientes foram submetidos à avaliação da atividade simpática antes da introdução do betabloqueador, pois consideramos que teríamos respostas variadas da atividade simpática em uso do betabloqueador, uma droga que sabidamente reduz a atividade simpática e provavelmente limitaria a avaliação. Todos os estudos citados e comparados com nosso trabalho avaliaram a atividade simpática sem uso do betabloqueador. A posterior introdução de forma otimizada do betabloqueador em todos os pacientes e correlação significativa encontrada entre morte e atividade simpática, nos permite inferir que provavelmente nos pacientes com insuficiência avançada, a otimização da medicação clássica para insuficiência cardíaca - diuréticos e digital de acordo com a necessidade, inibidores de enzima de conversão, espironolactona e betabloqueadores - podem mudar o prognóstico da doença.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Robinson Tadeu, Munhoz, Carlos Eduardo Negrão, Antonio Carlos Pereira Barretto, Marcelo Eide Ochiai, Paulo César Morado, Juliano Novaes Cardoso, Carlos Henrique Del Carlo, José Antonio Franchini Ramires pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Artigo recebido em 29/01/08; revisado recebido em 14/04/08; aceito em 17/04/08.

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  • Correspondência:
    Robinson Tadeu Munhoz
    Rua Cayowaa 854 / 143, Perdizes, 05018-001,
    São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Jan 2009

    Histórico

    • Recebido
      29 Jan 2008
    • Revisado
      14 Abr 2008
    • Aceito
      17 Abr 2008
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