Acessibilidade / Reportar erro

Associação do eletrocardiograma com diabete melito e síndrome metabólica em nipo-brasileiros

Resumos

FUNDAMENTO: Ao migrarem para as Américas, os japoneses submeteram-se a processo de ocidentalização, com estilo de vida, especialmente dieta, muito diferente, podendo explicar o aumento de diabete melito (DM), síndrome metabólica (SM) e doenças cardiovasculares. OBJETIVO: Analisar a presença de necrose miocárdica e hipertrofia ventricular esquerda (HVE) pelo ECG e sua relação com DM e SM em população de nipo-brasileiros. MÉTODOS: Estudo transversal que avaliou 1.042 nipo-brasileiros acima de 30 anos, 202 nascidos no Japão (isseis) e 840 nascidos no Brasil (nisseis), provenientes da segunda fase do estudo Japanese-Brazilian Diabetes Study Group iniciado em 2000. A SM foi definida pelos critérios da NCEP-ATP III modificados para os japoneses. A presença de DM e SM se associou ao encontro de necrose miocárdica pelo critério de Minnesota e de HVE pelo critério de Perugia no ECG. Utilizou-se o método estatístico do qui-quadrado para rejeição da hipótese de nulidade. RESULTADOS: Dos 1.042 participantes 35,3% tinham DM (38,6% entre os isseis e 34,5% nos nisseis); 51,8% tinham SM (59,4% nos isseis e 50,0% nos nisseis). A presença de zona inativa nos isseis diabéticos não foi estatisticamente significante quando comparada com os não-diabéticos, porém entre os nisseis diabéticos a zona inativa estava presente em 7,5%. Houve correlação estatisticamente significante entre a SM e HVE nos isseis e nisseis. CONCLUSÃO: Distúrbios metabólicos tiveram alta prevalência em nipo-brasileiros com correlações significantes com necrose e hipertrofia pelo ECG.

Nipo-brasileiros; síndrome metabólica; diabete melito; necrose miocárdica; hipertrofia ventricular esquerda


BACKGROUND: When the Japanese immigrated to the Americas, they were subjected to Westernization, with a great change in lifestyle, specially in dietary habits, and this may explain the increase in the incidence of diabetes mellitus (DM), metabolic syndrome (MS) and cardiovascular disease among them. OBJECTIVE: To study the presence of myocardial necrosis and left ventricular hypertrophy (LVH) in a population of Japanese-Brazilians, using the ECG and its relationship with DM and MS. METHODS: This was a cross-sectional study which evaluated 1,042 Japanese-Brazilians aged 30 or over, 202 of them born in Japan (Issei) and 840 of them born in Brazil (Nissei), from the second phase of the Japanese-Brazilian Diabetes Study Group initiated in 2000. MS was defined according to the NCEP-ATP III criteria modified for the Japanese. DM and MS were associated with the presence of myocardial necrosis (according to the Minnesota criteria) and LVH (according the Perugia score on the ECG). The statistic chi square method was used to reject the null hypothesis.? RESULTS: Of the 1,042 participants, 35.3% had DM (38.6% of the Issei and 34.5% of the Nissei); 51.8% had MS (59.4% of the Issei and 50.0% of the Nissei). The presence of an inactive zone in the diabetic Issei group was not statistically significant when compared to the non-diabetic group, but among the diabetic Nissei group an inactive zone was present in 7.5% of them. There was a statistically significant correlation between MS and LVH in the Issei and Nissei groups. CONCLUSION: Metabolic disorders presented a high prevalence in Japanese-Brazilians with significant correlations with necrosis and hypertrophy on the ECG.

Asia Brazilians; metabolic syndrome; diabetes mellitus; myocardial hypertrophy; left ventricular


FUNDAMENTO: Al migrar hacia las Américas, los japoneses se sometieron a un proceso de occidentalización, con estilo de vida, y especialmente dieta, muy diferente, lo que puede explicar el aumento de diabetes mellitus (DM), síndrome metabólico (SM) y enfermedades cardiovasculares. OBJETIVO: Analizar la presencia de necrosis miocárdica e hipertrofia ventricular izquierda (HVI), indicada en ECG, y su relación con DM y SM en población de nipobrasileños. MÉTODOS: Estudio transversal que evaluó a 1.042 nipobrasileños con edad superior a 30 años: 202 nacidos en Japão (iseis) y 840 nacidos en Brasil (niseis), provenientes de la segunda fase del estudio Japanese-Brazilian Diabetes Study Group iniciado en 2000. Se definió el SM desde los criterios de la NCEP-ATP III, modificados para los japoneses. La presencia de DM y SM se asoció a la formación de necrosis miocárdica, según el de Minnesota, y de HVI según el criterio de Perugia, ambas reveladas en el ECG. Se utilizó el método estadístico del Chi-cuadrado para rechazo de la hipótesis de nulidad. RESULTADOS: De los 1.042 participantes, el 35,3% presentaba DM (el 38,6% entre los iseis y el 34,5% en niseis); el 51,8% tenían SM (el 59,4% entre iseis y el 50,0% en niseis). La presencia de zona inactiva en los iseis diabéticos no se mostró estadísticamente significante, si se la compara a los no diabéticos; sin embargo, entre los niseis diabéticos la zona inactiva se presentaba en el 7,5%. Hubo correlación estadísticamente significante entre el SM y la HVE entre iseis y niseis. CONCLUSIÓN: Disturbios metabólicos tuvieron alta prevalencia en nipobrasileños con correlaciones significantes con necrosis e hipertrofia reveladas por el ECG.

Nipobrasileños; síndrome metabólico; diabetes mellitus; necrosis miocárdica; hipertrofia ventricular izquierda


ARTIGO ORIGINAL

EPIDEMIOLOGIA

Associação do eletrocardiograma com diabete melito e síndrome metabólica em nipo-brasileiros

Luigi BrolloI; Maria Teresa Nogueira BombigI; Cleber do Lago MazzaroI; Yoná Afonso FranciscoI; Francisco Antonio Helfenstein FonsecaI; Antonio Carlos Camargo CarvalhoI; Helena HarimaII, III; Amélia HiraiII, III; Rui PovoaI

IDepartamento de Medicina, Disciplina de Cardiologia, Unifesp-EPM, São Paulo, SP - Brasil

IIDepartamento de Medicina Preventiva - Unifesp-EPM

IIIJapanese-Brazilian Diabetes Study Group (JBDSG), São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Luigi Brollo Departamento de Medicina Disciplina de Cardiologia Unifesp-Escola Paulista de Medicina Rua Julio Verne 266, 04725-060 São Paulo, SP - Brasil E-mail: lbrollo@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Ao migrarem para as Américas, os japoneses submeteram-se a processo de ocidentalização, com estilo de vida, especialmente dieta, muito diferente, podendo explicar o aumento de diabete melito (DM), síndrome metabólica (SM) e doenças cardiovasculares.

OBJETIVO: Analisar a presença de necrose miocárdica e hipertrofia ventricular esquerda (HVE) pelo ECG e sua relação com DM e SM em população de nipo-brasileiros.

MÉTODOS: Estudo transversal que avaliou 1.042 nipo-brasileiros acima de 30 anos, 202 nascidos no Japão (isseis) e 840 nascidos no Brasil (nisseis), provenientes da segunda fase do estudo Japanese-Brazilian Diabetes Study Group iniciado em 2000. A SM foi definida pelos critérios da NCEP-ATP III modificados para os japoneses. A presença de DM e SM se associou ao encontro de necrose miocárdica pelo critério de Minnesota e de HVE pelo critério de Perugia no ECG. Utilizou-se o método estatístico do qui-quadrado para rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS: Dos 1.042 participantes 35,3% tinham DM (38,6% entre os isseis e 34,5% nos nisseis); 51,8% tinham SM (59,4% nos isseis e 50,0% nos nisseis). A presença de zona inativa nos isseis diabéticos não foi estatisticamente significante quando comparada com os não-diabéticos, porém entre os nisseis diabéticos a zona inativa estava presente em 7,5%. Houve correlação estatisticamente significante entre a SM e HVE nos isseis e nisseis.

CONCLUSÃO: Distúrbios metabólicos tiveram alta prevalência em nipo-brasileiros com correlações significantes com necrose e hipertrofia pelo ECG.

Palavras-chave: Nipo-brasileiros, síndrome metabólica, diabete melito, necrose miocárdica, hipertrofia ventricular esquerda.

Introdução

Populações têm migrado continuamente ao longo da história, com impactos variáveis na interação desses grupos nas novas sociedades. Na primeira metade do século XX, um número expressivo de japoneses aportou ao Brasil tornando-se hoje a principal comunidade nipônica fora do Japão (cerca de 1 milhão e 300 mil pessoas), com 65% vivendo no Estado de São Paulo1.

A migração japonesa para as Américas (Estados Unidos e Brasil) provocou mudanças importantes nos hábitos alimentares nesse grupo, com maior consumo de proteínas, gorduras e carboidratos não-complexos2-4, redução da atividade física e elevação dos níveis de estresse. Esse processo foi chamado de "ocidentalização"5-10 .

As conseqüências dessa "ocidentalização" foram os aumentos das taxas de diabete melito tipo 2 (DM 2) acima dos valores encontrados no Japão e mesmo no Brasil11-13, da resistência a insulina e conseqüente elevação da insulinemia9,10 e da incidência de síndrome metabólica (SM).

Takeuchi e cols.14, utilizando os critérios da NCEP-ATP III15-17 modificados para japoneses (cintura abdominal normal inferior a 90 cm para mulheres e 85 cm para homens), encontraram uma incidência de 25,3% de SM em japoneses do sexo masculino residentes em Hokkaido, Japão. Já Rosembaum e cols.18, utilizando os critérios da NCEP para asiáticos (90 cm e 85 cm para homens e mulheres, respectivamente), encontraram 56,8% de SM (três vezes a encontrada na população americana)19-20 e aumento da obesidade abdominal em nipo-brasileiros de primeira (isseis) e segunda (nisseis) gerações vivendo na cidade de Bauru, São Paulo. Gimeno e cols.21 encontraram grande incidência de mortalidade cardiovascular nos diabéticos e intolerantes a glicose, nessa mesma população.

Estudos epidemiológicos utilizando o eletrocardiograma (ECG), como o GUSTO IV,22 mostraram a importância da hipertrofia ventricular esquerda (HVE) como preditora de síndrome coronariana aguda. Os estudos RIFLE Pooling Project23 e o NIPPON DATA8024 enfatizaram a importância das ondas "qs" de necrose miocárdica também como marcadores de risco de doenças cardiovasculares, em especial doenças isquêmicas.

Nosso objetivo foi avaliar a prevalência de distúrbios metabólicos como diabete melito e síndrome metabólica, em duas gerações de nipo-brasileiros, e sua relação com a HVE e necrose miocárdica, utilizando uma ferramenta prática e de baixo custo que é o ECG.

Métodos

Pacientes

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Unifesp, com o consentimento escrito dos participantes e incluiu pacientes da segunda fase do Japanese-Brazilian Diabetes Study Group, iniciado em 1993, observando-se a prevalência de DM em uma população não-miscigenada de nipo-brasileiros vivendo na cidade de Bauru25. No ano de 2000 foram recrutados 1.042 nipo-brasileiros - 202 isseis (primeira geração, nascidos no Japão) e 840 nisseis (segunda geração, nascidos no Brasil) - com idade superior a 30 anos.

Foram considerados diabéticos aqueles com glicemia de jejum acima de 126 mg/dl ou igual ou acima de 200 mg/dl duas horas após sobrecarga de 75 g de glicose (KGMM WHO CONSULATION-1998).

A síndrome metabólica foi definida pelos critérios do NCEP-ATP III modificado para japoneses (circunferência abdominal > 90 cm em mulheres e >85 cm em homens)17.

O peso foi aferido com os pacientes usando roupas leves e sem sapatos; a circunferência abdominal foi medida no nível da cicatriz umbilical; o IMC foi calculado utilizando-se peso e altura.

Foram feitas três aferições da pressão arterial (PA) e considerada a média das duas últimas, utilizando-se um aparelho automático OMRON HEM-712C.

O ECG de 12 derivações foi realizado com eletrocardiógrafo ESAOTEBIOMEDICA P 80.

A necrose miocárdica ("qs") no ECG foi definida pelo critério de Minnesota26 e a HVE pelo índice de Perugia27.

Os valores do colesterol total, frações e triglicérides no sangue foram obtidos mediante análise automática, e os de glicemia, com o uso de kit colorimétrico pelo método da glicoxidase.

Análise estatística

Os subgrupos de diabéticos e os portadores de síndrome metabólica de cada geração foram associados aos resultados dos ECG observando-se a presença de zonas eletricamente inativas e HVE, e analisados comparativamente pelo método estatístico do qui-quadrado. Considerou-se nível de significância p< 0,05, para rejeição da hipótese da nulidade.

Resultados

A casuística constou de 1.042 pacientes: 481 (46,1%) do sexo masculino e 561 (53,9%) do sexo feminino, com idades médias de 57,0±12,5 anos; entre os isseis foi de 69,7±9,0 anos, e entre os nisseis, de 54,0±11,1 anos. Demais características populacionais são descritas na tabela 1.

Foram considerados diabéticos 368 indivíduos (35,3%), sendo 38,6% isseis e 34,5% nisseis. Vinte e nove (7,8%) dos diabéticos apresentavam ondas "qs" compatíveis com necrose no ECG, enquanto apenas 25 (3,7%) dos não-diabéticos as apresentavam (p=0,003). Entre os isseis diabéticos a necrose estava presente em 12,8%, e entre os não-diabéticos, em 7,2%, (p=0,66). Nos nisseis diabéticos ou não-diabéticos a presença de necrose foi 7,5% e 2,18%, respectivamente (p=0,0018).

Na população total de nipo-brasileiros a HVE esteve presente em 13,0% dos diabéticos, e em 9,2% dos não-diabéticos (p=0,04). Nos isseis 12 (15,3%) diabéticos e 13 (10,4%) não-diabéticos tinham HVE (p=0,30), enquanto nos nisseis a HVE foi encontrada em 37 (12,7%) dos diabéticos e em 48 (8,7%) dos não-diabéticos (p=0,06) (tab.2).

A SM esteve presente em 540 (51,8%) participantes, sendo 59,4% nos isseis e 50% nos nisseis. Desses 540 participantes, 5,7% tinham ondas "qs" de necrose no ECG, enquanto naqueles sem SM a necrose ocorreu em 4,6% dos participantes (p=0,16). Entre os isseis com "qs" no ECG, 9,1% tinham SM e 6,1% não (p=0,40). Nos 420 nisseis com SM a necrose esteve presente em 5,0% e naqueles sem SM ocorreu em 4,0% (p=0,49).

Dos 540 pacientes com SM, 13,3% apresentavam HVE no ECG, enquanto nos sem SM a HVE ocorreu em 7,6% (p=0,0001). Os isseis com SM e HVE eram 13,3% e 10,9% entre os sem SM (p=0,58); já os nisseis com SM 13,3% tinham HVE contra 6,9% dos sem SM (p=0,0018) (tab.3).

Discussão

Estudos que possam identificar fatores de risco cardiovascular em populações especiais no sentido de intervenção são muito importantes. Entretanto, a utilização de determinados métodos diagnósticos em massas populacionais de grande porte pode ter alto custo ou ser impraticável; portanto, a procura por ferramentas práticas e de baixo custo que possam auxiliar nessa identificação torna-se necessária. O eletrocardiograma é uma dessas ferramentas, sendo o exame dos mais práticos e baratos que podem ser aplicados na estratificação de risco de uma população específica, visando ao diagnóstico da necrose miocárdica e da hipertrofia ventricular esquerda.

Neste estudo observamos que a prevalência de diabete foi extremamente elevada entre os nipo-brasileiros, alcançando valores sete vezes maiores que no Japão (35,3% x 5,0%), e superando os valores encontrados em populações semelhantes nos Estados Unidos9,10,28,29. Esses valores foram 1,5 a 2,0 vezes o da população brasileira11,13, e essas modificações estão provavelmente relacionadas à chamada "ocidentalização", associada à disfunção genética das células beta-pancreáticas favorecendo a presença desse fenótipo9,28,29. A adoção de hábitos de vida diferentes foi observada em população geneticamente homogênea como a dos índios pima, que ao migrarem do México para os Estados Unidos tiveram um aumento de seis vezes na incidência de diabete. Além disso, essa população possuía também um defeito genético facilitador para o surgimento do diabete30,31.

Nossos dados mostraram que os nipo-brasileiros diabéticos apresentaram uma associação significativa com a doença coronariana aterosclerótica, evidenciada pela presença freqüente de ondas de necrose miocárdica no ECG. Estudos epidemiológicos de doenças coronarianas e acidente vascular encefálico (AVE) em homens japoneses vivendo no Japão e nipo-americanos no Havaí e Califórnia (Los Angeles) observaram maior incidência de infarto de miocárdio e morte por doença coronariana5,32,33, maior prevalência de fatores de risco para hipertensão do que americanos não-japoneses23,34.

O estudo populacional italiano RIFLE Pooling Project (Risk Factors and Life Expectancy)23 acompanhou 22.553 homens e mulheres italianos (assintomáticos e com mais de 30 anos) durante seis anos. Observou-se que a presença de anormalidades no ECG inicial associou-se com significativa mortalidade por doenças cardiovasculares e coronarianas em pacientes assintomáticos, sugerindo alta prevalência de doença cardíaca silenciosa. Neste estudo a presença de ondas "qs" de necrose no ECG foi o mais forte preditor de eventos fatais. Da mesma forma, o estudo The NIPPON DATA80 Research Group24, realizado em japoneses, observou que pacientes com ondas "qs" anormais ao ECG apresentavam alto risco para mortalidade de todas as causas. Nesses estudos foi utilizado o código de Minnesota para definição de necrose miocárdica ("qs").

Nosso estudo não teve a pretensão de comparar as duas gerações de nipo-brasileiros, uma vez que essas são impossíveis de ser pareadas em razão dos fatores idade, gênero e número. Todavia, é importante afirmar que a associação de diabete e necrose no eletrocardiograma avaliado nessas gerações foi mais intensa no subgrupo dos nisseis, certamente mais ocidentalizados que seus pais. Os isseis, apesar de apresentarem também altos índices de diabete, não apresentaram associação significativa com necrose no ECG. Em nossa opinião, em razão do número baixo de participantes e da idade média mais alta dessa geração, os isseis estudados seriam os "sobreviventes" de doenças cardiovasculares ou outras que acometeram esse grupo de nipo-brasileiros.

A "ocidentalização" dos nipo-brasileiros com mudanças de seus hábitos alimentares e de vida, associada a fatores intrínsecos dessa população, provocou elevação da glicemia, da obesidade central, da PA e dislipidemia, caracterizando a SM que incide duas vezes mais na população de japoneses residentes no Brasil do que no Japão14,18. Em nipo-americanos a adiposidade visceral associou-se com maior prevalência de hipertensão35, devendo-se a maior prevalência de SM à presença de fatores (lípides, glicemia e hipertensão) sob influência genética36. Ao contrário dos diabéticos, os portadores de SM não apresentaram associação significativa com necrose miocárdica observada no ECG.

As alterações eletrocardiográficas sugestivas de necrose miocárdicas encontradas em um número mais expressivo da população com DM em relação à com SM coincide com a percepção do estudo ARIC37 que estudou 15.792 norte-americanos de ambos os sexos e concluiu que a SM e seus componentes são preditores de doenças cardiovasculares e DM, embora a prevalência com doenças cardiovasculares seja maior entre os diabéticos.

A hipertrofia miocárdica associa-se a componentes da SM38,39 tais como resistência a insulina, hipertensão arterial e obesidade central, e a sua presença presume alto risco para morte por doenças cardiovasculares, isquêmicas ou não, como pudemos observar em estudos observacionais como o GUSTO IV ACS (Global Utilization of STrategies to Open occluded arteries)22 entre mulheres, e no NHANES II (Second National Health and Nutrition Examination Survey Mortality Study)40 na população geral.

No presente estudo, a presença de HVE entre os nipo-brasileiros portadores de síndrome metabólica foi muito prevalente, tanto na sua totalidade como no subgrupo de nisseis. Entre os isseis, encontramos mais pessoas com SM e HVE no ECG, porém, nesse grupo, uma eliminação seletiva deve ter ocorrido reduzindo sua real prevalência.

O presente trabalho mostra de forma objetiva que a DM e a SM na população de nipo-brasileiros de primeira e de segunda gerações, e de forma semelhante ao que acontece nos nipo-americanos, apresentam-se de forma muito agressiva, com alta prevalência de necrose miocárdica e hipertrofia esquerda.

As alterações cardíacas resultantes dessa agressividade puderam ser observadas no ECG, método reprodutível de baixo custo e amplamente utilizado em estudos clínicos.

Conclusão

DM e SM são freqüentes em nipo-brasileiros, e o eletrocardiograma é um exame de grande utilidade na pesquisa de alterações cardíacas, como necrose ou hipertrofia, especialmente em estudos envolvendo grandes populações.

Limitações do estudo

À época da realização do estudo a população de isseis, por motivos diversos, era reduzida, impedindo melhor representação.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado por FAPESP.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Luigi Brollo pela UNIFESP - Escola Paulista de Medicina

Artigo recebido em 11/06/08; revisado recebido em 23/07/08; aceito em 04/08/08.

Anexo 1

JBDSG (Japanese-Brazilians Diabetes Study Group)

Membros do grupo: AT Hirai, K Osiro, LJ Franco, LC Iochida, M Iunes (in memorian), SRG Ferreira, SGA Gimeno (Depto. de Medicina Preventiva, UNIFESP, São Paulo, SP); LK Matsumura, RS Moisés (Depto. de Medicina Interna, UNIFESP, São Paulo, SP); N Barros Jr. (Depto. de Cirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP); DDG Lerario (Depto. de Medicina, Disciplina de Endocrinologia, UNIFESP, São Paulo, SP); M Kikuchi (Universidade de São Paulo, SP); MA Cardoso (Depto. de Epidemiologia e Saúde Pública, Faculdade de Medicina de São José de Rio Preto, São Paulo); N Tomita (Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo, Bauru, SP); R Chaim (Faculdade de Nutrição, Universidade Sagrado Coração, Bauru, SP); K Wakisaka (Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, São Paulo, SP).

  • 1. Ferreira SRG, Iunes M, Franco LJ, Iochida LC, Hirai A, Vivolo MA, the Japanese-Brazilian Diabetes Study Group. Disturbances of glucose and lipid metabolism in first and second generation Japanese-Brazilians. Diabetes Res Clin Prac 1995;34:S59-63.
  • 2. Freire RD, Cardoso AM, Gimeno SGA, Ferreira SRG for the Japanese-Brazilian Diabetes Study Group. Dietary Fat Is Associated With Metabolic Syndrome in Japanese-Brazilians. Diabetes Care 2005;28: 1779-85.
  • 3. Sartorelli DS, Freire RD, Ferreira, Cardoso MA for the Japanese-Brazilian Diabetes Study Group. Dietary Fiber and Glucose Tolerance in Japanese-Brazilians. Diabetes Care 2005;28:2240-42.
  • 4. Bertolino CN, Castro TG, Sartorelli DS, Ferreira SRG, Cardoso MA The Japanese-Brazilians Diabetes Study Group Influência do consumo alimentar de ácidos graxos trans no perfil de lipídios séricos em nipo-brasileiros de Bauru, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(2):357-64.
  • 5. Marmot MG, Syme SL. Acculturation and coronary heart disease in Japanese- Americans. Am J Epidemiol 1976;104(3):225-47.
  • 6. Hara H, Egusa G, Yamakido M. Incidence of non-insulin-dependent diabetes mellitus and its risk factors in Japanese-Americans living in Hawaii and Los Angeles. Diabet Med 1996;13(9):S133-142.
  • 7. Ueshima H, Okayama A, Saitoh S, Nakagawa H, Rodriguez B, Sakata K et al; INTERLIPID Research Group. J Hum Hypertens 2003;17(9):631-9.
  • 8. Reed D, McGee D, Cohen J, Yano K, Syme SL, Feinleib M. Acculturation and coronary heart disease among Japanese men in Hawaii. Am J Epidemiol 1982;115(6):894-905.
  • 9. Nakanishi S, Okubo M, Yoneda M, Jitsuiki K, Yamane K, Kohno N. A comparison between Japanese-Americans living in Hawaii and Los Angeles and native Japanese: the impact of lifestyle westernization on diabetes mellitus. Biomed Pharmacother 2004;58(10):572-7.
  • 10. Hara H, Egusa G, Yamakido M, Kawate R. The high prevalence of diabetes mellitus and hyperinsulinemia among the Japanese-Americans living in Hawaii and Los Angeles. Diabetes Res Clin Pract 1994;24:S37-42.
  • 11. Franco JL. Diabetes in Japanese-Brazilians - influence of the acculturation process. Diabetes Res Clin Pract 1996;34:S51-57.
  • 12. Iunes M, Franco LJ, Wakisaka K,Iochida LC, Osiro K, Hirai AT et al. Self-reported prevalence of non-insulindependent diabetes mellitus in first (Issei) and second (Nissei) generation of Japanese-Brazilians over 40 years of age. Diabetes Res Clin Pract 1994;24:S53-57.
  • 13. Malerbi DA, Franco LJ. Multicenter study of the prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in urban Brazilian population aged 30-69 years The Brazilian Cooperative Group on the Study of Diabetes Prevalence. Diabetes Care 1992;15:1509-16.
  • 14. Takeuchi H, Saitoh S, Takagi S, Ohnishi H, Ohhata J, Isobe T et al. Metabolic Syndrome and Cardiac Disease in Japanese Men: Applicability of the Concept of Metabolic Syndrome Defined by the National Colesterol Education Program-Adult Treatment Panel III to Japanese Men - The Tanno and Sobetsu Study. Hypertens Res 2005;28(3):203-8.
  • 15. National Cholesterol Education Program: Executive summary of the third report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). JAMA 2001;285:2486-97.
  • 16. New criteria for "obesity disease" in Japan. Circ J 2002; 66: 987-92.
  • 17. Matsuzawa Y. Metabolic Syndrome-Definition and Diagnostic Criteria in Japan. J Atheroscler Thromb 2005;12:301.
  • 18. Rosembaum P, Gimeno SGA, Sanudo A, Franco LJ, Ferreira SRG for the Japanese-Brazilian Diabetes Study Group. Analysis of criteria for metabolic syndrome in population-based study of Japanese-Brazilians. Diabetes Obes Metab 2005;7:352-9.
  • 19. Ford ES, Giles WH, Dietz WH. Prevalence of the metabolic syndrome among US adults: findings from the third National Health and Nutritional Examination Survey. JAMA 2002;287:356-9.
  • 20. I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica. Arq Bras Cardiol 2005, 84, suppl 1.
  • 21. Gimeno SGA, Osiro K, Matsumura L, Massimino FC, Ferreira SRG for the Japanese-Brazilians Diabetes Study Group. Glucose intolerance and all-cause mortality in Japanese migrants. Diabetes Res Clin Pract 2005;68:147-54.
  • 22. Westerhout CM, Lauer MS, James S, Fu Y, Wallentin L, Armstrong PW; GUSTO IV ACS Investigators. Electrocardiographic left ventricular hypertrophy in GUSTO IV: an important risk marker of mortality in women. Eur Heart J 2007;28(17);2064-9.
  • 23. Menotti A, Seccareccia F. Electrocardiographic Minnesota code findings predicting short-term mortality in asymptomatic subjets. The Italian RIFLE Pooling Project (Risk Factors and Life Expectancy). G Ital Cardiol 1997;27(1):40-9.
  • 24. Horibe H, Kasagi F, Kagaya M, Masutani Y, Okayama A, Ueshima H; The NIPPON DATA80 Research Group; Working Group of Electrocardiography Coding for the National Survey of Circulatory Disorders, 1980. J Epidemiol 2005;15(4):125-34.
  • 25. Gimeno SGA, Ferreira SRG, Franco LJ, Hirai AT, Matsumura L, Moisés RS. Prevalence and 7-year incidence of Type II diabetes mellitus in a Japanese-Brazilian population: an alarming public health problem. Diabetologia 2002 45:1635-38.
  • 26. Prineas R,Crow R, Blackburn H. The Minnesota code manual of electrocardiographyc findings. Litlleton (Mass): John Wrigth-PSG, Inc., 1982.
  • 27. Verdecchia P, Schillaci G, Bongiorni C, Ciucci A, Gattobigio R, Zampi I et al. Prognostic value of a new electrocardiographic method for diagnosis of left ventricular hypertrophy in essential hypertension. JACC 1998;31:383-90.
  • 28. Fujimoto WY, Bergstrom RW, Boyko EJ, Chen K, Kahn SE, Leonetti DL et al. Type 2 diabetes and the metabolic syndrome in Japanese Americans. Diabetes Res Clin Pract 2000;50:S73-6.
  • 29. Fujimoto WY. Nature, nurture, and the metabolic epidemiology of diabetes - - the saga of Japanese in America. 59th Annual Scientific Sessions of ADA, San Diego, CA 1999.
  • 30. Schulz LO, Bennett PH, Ravussin E, Kidd KK, Esparza J, Valencia ME. Effects of traditional and western environments on prevalence of type 2 diabetes in Pima Indians in Mexico and the U.S.. Diabetes Care 2006;29(8):1866-71.
  • 31. Williams DE, Knowler WC, Smith CJ, Hanson RL, Roumain J, Saremi A et al. The effect of Indian or Anglo dietary preference on the incidence of diabetes in Pima Indians. Diabetes Care 2001;24(5):811-6.
  • 32. Marmot MG, Syme SL, Kagan A, Kato H, Cohen JB, Belsky J. Epidemiologic studies of coronary heart disease and stroke in Japanese men living in Japan, Hawaii and California: prevalence of coronary and hypertensive risk associated risk factors. Am J Epidemiol 1975;102(6):514-25.
  • 33. Robertson TL, Kato H, Rhoads GG, Kagan A, Marmot M, Syme SL et al. Epidemiologic studies of coronary heart disease and stroke in Japanese men living in Japan, Hawaii and California. Incidence of myocardial infarction and death from coronary heart disease. Am J Cardiol 1977;39(2):239-43.
  • 34. Imazu M, Sumida K, Yamabe T, Yamamoto H, Ueda H, Hattori Y et al. A comparison of the prevalence and risk factors of high blood pressure among Japanese living in Japan, Hawaii and Los Angeles. Public Health Rep 1996;111:S59-61.
  • 35. Hayashi T, Boyko EJ, Leonetti DL, McNeely MJ, Newell-Morris L, Kahn SE et al. Visceral adiposity and the prevalence of hypertension in Japanese Americans. Circulation 2003;108(14):1718-23.
  • 36. Austin MA, Edwards KL, McNeely MJ, Chandler WL, Leonetti DL, Talmud PJ et al. Heritability of multivariate factors of the metabolic syndrome in nondiabetic Japanese Americans. Diabetes 2004;53(4):1166-9.
  • 37. Ballantyne CM, Hoogeveen RC, Mcneill AM, Heiss G, Schmidt MI, Duncan et al. Metabolic syndrome risk for cardiovascular diease and diabetes in the ARIC study. Int J Obes 2008; 32 Suppl 2:S21-4.
  • 38. Ferrara LA, Guida L, Ferrara F, De Luca G, Staiano L, Celentano A et al. Cardiac structure and function and arterial circulation in hypertensive patients with and without metabolic syndrome. J Hum Hypertens 2007;21(9):729-35.
  • 39. Grandi AM, Maresca AM, Giudici E, Laurita E, Marchesi C, Solbiati F et al. Metabolic syndrome and morphofunctional characteristics of the left ventricle in clinically hypertensive nondiabetic subjets. Am J Hypertns 2006;19(2):199-205.
  • 40. Brown DW. Left ventricular hypertrtophy as a predictor of coronary heart disease mortality and the effect of hypertension. Am Heart J 2000;140(6):848-56.
  • Correspondência:
    Luigi Brollo
    Departamento de Medicina
    Disciplina de Cardiologia
    Unifesp-Escola Paulista de Medicina
    Rua Julio Verne 266, 04725-060
    São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Maio 2009

    Histórico

    • Revisado
      23 Jul 2008
    • Recebido
      11 Jun 2008
    • Aceito
      04 Ago 2008
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br