Acessibilidade / Reportar erro

Ensaios clínicos aleatórios de larga escala em medicina cardiovascular perioperatória: uma proposta para delineamento, condução e gerenciamento eficiente

Resumos

O número de pacientes submetidos a cirurgias não-cardíacas está aumentando no mundo todo. A fim de ministrar uma assistência eficiente aos pacientes durante a cirurgia, precisamos melhorar nosso conhecimento sobre como evitar eventos cardiovasculares perioperatórios maiores durante a cirurgia não-cardíaca. Para atingir este objetivo, é necessário realizar ensaios clínicos aleatórios, os quais podem fornecer resultados conclusivos e confiáveis neste campo. Esta revisão narrativa descreve uma proposta para o delineamento, condução e gerenciamento de ensaios clínicos aleatórios de larga escala em medicina cardiovascular perioperatória.

Cuidados perioperatórios; ensaios clínicos aleatórios; desenho de pesquisa epidemiológica; cirurgia


The number of patients undergoing noncardiac surgery is growing worldwide. To optimally assist patients during the perioperative period, we must improve our knowledge of how to prevent major perioperative cardiovascular events around the time of noncardiac surgery. To achieve this goal there is a need for large randomized controlled trials that can provide reliable and conclusive results in this field. This narrative review describes a proposal for the design, conduct and management of large controlled trials in perioperative cardiovascular medicine.

Perioperative care; randomized controlled trials; epidemiologic research design; surgery


El número de pacientes sometidos a cirugías no-cardiacas está aumentando en todo el mundo. A fin de impartir una asistencia eficiente a los pacientes durante la cirugía, necesitamos mejorar nuestro conocimiento sobre como evitar eventos cardiovasculares perioperatorios mayores durante la cirugía no-cardiaca. Para alcanzar este objetivo, es necesario realizar ensayos clínicos aleatorios que pueden proveer resultados conclusivos y confiables en este campo. Esta revisión narrativa describe una propuesta para el delineamiento, la conducción y la gestión de ensayos clínicos aleatorios y a larga escala en medicina cardiovascular perioperatoria.

Cuidados perioperatorios; ensayos clínicos aleatorios; diseño de investigación epidemiológica; cirugía


ARTIGO DE REVISÃO

Ensaios clínicos aleatórios de larga escala em medicina cardiovascular perioperatória: uma proposta para delineamento, condução e gerenciamento eficiente

Otavio BerwangerI; Erica Aranha SuzumuraI; PJ DevereauxII

IInstituto de Ensino e Pesquisa / Hospital do Coração - IEP/HCor, Hamilton, ON - Canada

IISão Paulo, SP; Department of Clinical Epidemiology and Biostatistics, McMaster University, Hamilton, ON - Canada

Correspondência Correspondência: Erica Aranha Suzumura Rua Abílio Soares, 250 - 12º andar - Paraíso 04005-000 São Paulo, SP - Brasil E-mail: esuzumura@hcor.com.br

RESUMO

O número de pacientes submetidos a cirurgias não-cardíacas está aumentando no mundo todo. A fim de ministrar uma assistência eficiente aos pacientes durante a cirurgia, precisamos melhorar nosso conhecimento sobre como evitar eventos cardiovasculares perioperatórios maiores durante a cirurgia não-cardíaca. Para atingir este objetivo, é necessário realizar ensaios clínicos aleatórios, os quais podem fornecer resultados conclusivos e confiáveis neste campo. Esta revisão narrativa descreve uma proposta para o delineamento, condução e gerenciamento de ensaios clínicos aleatórios de larga escala em medicina cardiovascular perioperatória.

Palavras-chave: Cuidados perioperatórios, ensaios clínicos aleatórios, desenho de pesquisa epidemiológica, cirurgia.

Introdução

Nas ultimas décadas, a cirurgia não-cardíaca tem feito consideráveis progressos no tratamento de doenças e na melhoria da qualidade de vida do paciente1,2. Como resultado, é estimado que, no mundo todo, 100 milhões de adultos sejam submetidos à cirurgia não-cardíaca, necessitando de internação hospitalar3. A cirurgia não-cardíaca está associada com significante morbidade e mortalidade cardíacas e seus conseqüentes custos2. Atualmente, pouco se sabe sobre como prevenir grandes eventos cardiovasculares em pacientes submetidos a cirurgias. A identificação de quais intervenções têm melhor relação risco-benefício em pacientes submetidos a cirurgia não-cardíaca, exigirá conhecimentos confiáveis derivados de ensaios clínicos aleatórios (ECAs) de larga escala.

Nesta revisão narrativa, nós discutimos alguns conceitos relacionados a ECAs de larga escala em medicina cardiovascular perioperatória, incluindo aspectos fundamentais de delineamento e gerenciamento de estudo.

Delineamento do estudo

O papel complementar entre revisões sistemáticas e ensaios clínicos aleatórios

Revisões sistemáticas com meta-análise são estudos nos quais os "participantes" são relatos de pesquisas originais publicadas. Revisões sistemáticas têm critérios de inclusão explícitos, buscas abrangentes na literatura, e extração de dados sem viés; meta-análises utilizam métodos estatísticos avançados para combinar resultados de estudos4. Antes de delinear o protocolo de um ECA de larga escala, a condução (ou análise crítica, se disponível) de uma revisão sistemática pode fornecer uma visão geral do estado atual do conhecimento, taxas de evento, e uma estimativa dos efeitos dos tratamentos disponíveis. Além disso, métodos formais para determinar se as evidências atuais são confiáveis e conclusivas estão disponíveis, os quais podem ajudar a determinar se há necessidade de realizar um ECA de larga escala4,5.

Qualidade do estudo

O avanço fundamental que tornou os estudos mais confiáveis foi a aleatorização adequada6. O principal objetivo da aleatorização é assegurar que fatores prognósticos conhecidos e desconhecidos relacionados aos resultados estejam bem balanceados entre os grupos de tratamento. Se este objetivo for atingido, então os clínicos podem atribuir qualquer diferença no resultado (desde que tenha sido mensurado sem viés) à intervenção. Outro aspecto crucial da qualidade do estudo é o sigilo da lista de alocação e isso significa que os indivíduos que estão incluindo os pacientes desconhecem para qual grupo de tratamento o próximo paciente será alocado. Conhecimento prévio da próxima alocação de tratamento pode afetar a decisão de incluir o paciente e então, os pacientes alocados em um grupo de tratamento podem diferir sistematicamente daqueles alocados em outro grupo. Dessa forma, é crucial que estratégias efetivas de sigilo da lista de alocação sejam implementadas, tais como aleatorização central (através de sistemas automatizados telefônicos ou com base na Internet) ou pacotes codificados de medicamentos preparados por uma farmácia independente7. O sigilo da lista de alocação é diferente de cegamento. Em ECAs, o termo "cegamento", refere-se a não dar conhecimento aos participantes do estudo, aos profissionais de saúde, aos coletores de dados, aos avaliadores de desfechos ou analistas de dados, sobre o tratamento que é determinado para cada grupo, a fim de assegurar que eles não sejam influenciados por tal conhecimento.

Em oposição ao cegamento, é possível obter sigilo da lista de alocação em todo estudo aleatório, mesmo em estudos que comparam cirurgia com tratamento medicamentoso. Em contraste, cegamento refere-se ao que acontece após a aleatorização, não é possível em todos os estudos e busca reduzir entre grupos o uso diferencial de co-intervenções efetivas, relato de eventos, encorajamento durante o desempenho de testes e avaliação de resultados6,8,9.

Mesmo em um ensaio clínico aleatório cego e com sigilo da lista de alocação, um viés pode ser introduzido através da exclusão pós-alocação de certos pacientes (tais como aqueles com não-aderência ao tratamento), especialmente se o prognóstico dos pacientes excluídos de um grupo de tratamento diferir daquele dos pacientes excluídos de outro. A fim de manter os grupos com prognósticos similares durante o estudo, o princípio de "intenção de tratar" (isto é, todos os pacientes são analisados nos grupos nos quais foram inicialmente alocados) deveria guiar todas as análises6,8,9.

Outra consideração metodológica importante é se o estudo deve ser interrompido devido a grande e inesperado efeito do tratamento baseado em poucos eventos. Estudos sugerem que há um risco substancial que tais estudos superestimem o efeito do tratamento ou possam sugerir um efeito quando, de fato, não há efeito. Dessa forma, estudiosos e leitores de ECAs devem estar atentos a testes interrompidos precocemente que mostram benefícios com poucos eventos10.

Várias publicações tem fornecido evidências empíricas do impacto potencial de domínios de qualidade metodológica, tais como sigilo da lista de alocação, cegamento, análise por intenção de tratar e estudos interrompidos precocemente devido a efeito benéfico nos resultados de ECAs5,6,8-11.

Quais intervenções devem ser testadas?

Cirurgia é como um teste de estresse cardiovascular, devido a vários fatores tais como trauma cirúrgico, anestesia e analgesia, intubação e extubação, dor, hipotermia, sangramento, anemia e jejum12-15. Esses fatores podem dar início a estados inflamatórios, hipercoagulantes, de estresse e de hipóxia, os quais estão associados com aumentos perioperatórios em níveis de troponina e trombose arterial, que finalmente resultam em infarto do miocárdio (IM) e mortalidade16-19.

Esses múltiplos fatores desencadeantes e estados dão ensejo a uma variedade de intervenções profiláticas potenciais, tais como beta-bloqueadores, acido acetilsalicílico (AAS), bloqueadores de canal de cálcio, bloqueadores alfa-adrenérgicos, agonistas alfa-adrenérgicos e estatinas2,20-23. Intervenções não-farmacológicas, tais como controle adequado de temperatura, otimização de níveis de hemoglobina, tipo de anestesia e controle rigoroso de níveis de glicose no sangue são alvos em potencial de intervenções profiláticas13-15,24. Atualmente, as evidências disponíveis de revisões sistemáticas e ECAs não são adequadas em termos de validade e tamanho para corroborar o uso rotineiro de qualquer dessas intervenções quando da cirurgia não-cardíaca23. Assim, essas intervenções requerem teste controlado por placebo ou, em caso de tratamento não-farmacológico, teste controlado pelo manejo usual.

Quais desfechos devem ser medidos?

Os estudos devem enfocar desfechos importantes para os pacientes25,26. Os estudos devem sempre mensurar todas as causas de mortalidade. Eventos cardiovasculares maiores não-fatais, tais como IM, AVC e parada cardíaca também são relevantes. O acompanhamento deveria ser feito por pelo menos 30 dias pós-operatórios e talvez por mais tempo (por ex., 6-12 meses)21. Atualmente, não há critérios diagnósticos padrão para a maioria desses eventos em pacientes submetidos a cirurgia não-cardíaca. Os critérios propostos por Devereaux para os Investigadores do Estudo POISE 2,21 são mostrados na Tabela 1 e podem servir como um guia útil para futuros estudos em medicina perioperatórios. Uma vantagem potencial de utilizar definições de resultados similares em estudos diferentes é ajudar a combinar seus resultados em futuras revisões sistemáticas com meta-análise de ECAs5.

O uso de desfechos compostos aumentará o poder estatístico, mas os investigadores devem certificar-se que os eventos representem de forma similar resultados importantes para os pacientes. Algumas vezes os componentes de desfechos compostos são parte de um mesmo mecanismo patogênico (por ex., mortalidade cardiovascular, ou IM não-fatal ou AVC não-fatal). Em outros ECAs, os componentes individuais do desfecho composto podem combinar eficácia e medidas de segurança (por ex. tromboembolismo venoso ou hemorragia importante)25. De maneira ideal, um comitê "cego" para a adjudicação do evento deveria avaliar os eventos, especialmente em um estudo no qual os participantes, profissionais de saúde ou coletores de dados não foram "cegados". As análises estatísticas deveriam utilizar as decisões dos adjudicadores de desfechos em relação à presença de eventos26.

Avaliação confiável de efeitos moderados de tratamento

Embora haja alguns poucos exemplos admiráveis de tratamentos de doenças, que funcionam realmente bem (por exemplo, a eficácia da penicilina, a terapia com warfarina na fibrilação atrial), a maioria dos efeitos muito amplos reportados revelam-se errôneos27. Para doenças graves mais comuns, tudo o que os médicos podem realisticamente esperar são efeitos de tratamentos moderados (por ex., redução de risco relativo entre 15 e 30%). Uma razão central para tal fato é que a maioria das doenças é de etiologia multifatorial. Sendo assim, mesmo quando uma intervenção efetivamente bloqueia um ou mais mecanismos patogênicos, haverá um número remanescente de mecanismos patogênicos não-afetados; assim, grandes efeitos de tratamento são improváveis11,28. Para um problema médico comum e potencialmente fatal, se um simples, não-tóxico e amplamente factível tratamento se mostrar confiável na redução de eventos importantes para o paciente, mesmo moderadamente, o benefício potencial na população mundial seria substancial (dezenas de milhares de grandes eventos evitados ou adiados a cada ano)11.

A única forma de estudar tais efeitos moderados de tratamento de forma confiável é obter grandes quantidades de informação (as quais, em geral, exigem um grande número de pacientes e, especialmente, um grande número de eventos). Por exemplo, mesmo considerando uma alta taxa de eventos cardiovasculares perioperatórios de 10%, os estudos precisam de pelo menos 350 e, idealmente, 650 eventos para demonstrar de maneira convincente uma redução de risco relativo de 25% (Tabela 2)29.

Estratégias para alcançar um grande número de pacientes e eventos

Critérios de inclusão fáceis e flexíveis

Os investigadores podem maximizar as taxas de eventos através da inclusão seletiva de indivíduos com risco moderado e alto. Exemplos de indivíduos de alto risco são: pacientes com uma ou mais manifestações de doença aterotrombótica (doença cardíaca coronariana, AVC isquêmico, doença arterial periférica), pacientes idosos com múltiplos fatores de risco cardiovascular, e cirurgias de emergência. A fim de assegurar taxas de recrutamento factíveis, rápidas e altas, são necessários critérios de entrada amplos e simples, similares à prática clínica diária27. Os investigadores podem recrutar esses pacientes através de múltiplos mecanismos, incluindo clínicas de avaliação preoperatória, clínicas cardiológicas, ambulatórios de medicina interna, pronto-socorros, e hospitais (setores médico e cirúrgico).

Coleta de dados

Para tornar o recrutamento de larga escala factível, os investigadores devem organizar os procedimentos de forma a impor um mínimo de trabalho extra aos clínicos participantes, além daquele relacionado ao tratamento de seus pacientes. Formulários de relato de caso (FRCs) devem ser concisos, incluindo apenas variáveis que sejam realmente relevantes à prática clínica e vital ao gerenciamento do estudo. Exemplos de dados essenciais são a identificação do centro participante, identificação dos pacientes (e como manter contato com eles), confirmação de critérios de elegibilidade, variáveis-chave basais e intervenções concomitantes que possam influenciar os resultados, eventos do estudo e aderência. Relatos de efeitos adversos também deveriam ser limitados a questões críticas (sangramento maior no caso de AAS, edema pulmonar, hipotensão e bradicardia que necessitem de tratamento no caso de beta-bloqueadores, etc.)11.

Condução e gerenciamento do estudo

A coordenação do projeto (centro de coordenação)

Em um grande estudo multicêntrico, a coordenação do projeto é primariamente responsável pelo desenvolvimento do protocolo de estudo, o manual de operações do estudo, os formulários de coleta de dados, a organização da logística do estudo, o desenvolvimento do esquema de aleatorização, o banco de dados do estudo, as verificações de consistência interna de dados, análise de dados, coordenação dos centros de estudo, emissão regular de boletins informativos, e lidar com dúvidas e questões que possam surgir em hospitais participantes individuais. Como observado por Chen e cols.11, a coordenação do projeto deve ser fácil de contatar, amigável, prestativa, informada, confiável e eficiente. A equipe do estudo que trabalha na coordenação do projeto geralmente é composta pelos investigadores principais, os gerenciadores do projeto, os estatísticos do projeto, os gerenciadores de dados e secretários, os farmacêuticos e às vezes, um programador do estudo7,11,30.

Centros colaboradores potenciais

Para tornar um estudo de larga escala factível, é necessária uma rede de investigadores e sítios de pesquisa. Centros colaborativos podem ser identificados de várias formas, incluindo a partir de estudos prévios, contatos pessoais dos investigadores principais, encontros científicos, e diretórios de hospitais regionais7. Os investigadores podem ser originários de diferentes áreas médicas, tais como cardiologia, clínica médica, cirurgia (diferentes especialidades) e anestesiologia.

Se o delineamento do estudo for simples e a coleta de dados for aperfeiçoada, então os centros de estudo devem incluir não apenas hospitais universitários ou especializados, mas também muitos hospitais gerais relativamente não-especializados ou não-universitários.

Enquanto especialistas em hospitais universitários têm maior probabilidade de terem suas próprias agendas de pesquisa ou de estarem envolvidos em outros estudos similares, hospitais gerais não-especializados podem não ter outra forma de participar de pesquisas médicas e o fato de estar envolvido ensaios clínicos aleatórios de larga escala, organizados por especialistas na área, é freqüentemente educacional, portanto, eles são colaboradores bastante efetivos. A menos que o recrutamento de pacientes possa ser completado rapidamente, geralmente após um ou dois anos, o recrutamento do estudo pode diminuir em alguns centros. É, portanto, muito importante manter os colaboradores motivados durante todo o curso do estudo. Boletins informativos devem ser preparados regularmente. Esses boletins podem incluir as taxas de recrutamento (total, por país e por centro), atualizações regulares sobre os procedimentos do estudo e evidências recentes na área de medicina cardiovascular perioperatória. Além disso, os hospitais que estão recrutando excepcionalmente bem deveriam receber o reconhecimento disso de várias formas11.

Encontro dos investigadores

Os encontros dos investigadores podem reunir potenciais colaboradores para discutir e revisar o protocolo de estudo, responder questões freqüentemente perguntadas e questões práticas acerca do estudo, e ajudar a aumentar ou manter o recrutamento. É sensato organizar encontros nacionais ou regionais se houver um grande número de centros amplamente dispersos. Estabelecer uma ligação entre os encontros relacionados ao estudo e outras conferências nacionais ou simpósios especiais onde os colaboradores provavelmente estarão presentes é outra forma efetiva, e possivelmente menos onerosa, de promover o encontro dos colaboradores de forma regular7,11.

Barreiras potenciais para a condução de estudos perioperatórios importantes

A burocratização da condução de estudos clínicos tem tornado a execução e o custo de grandes e importantes estudos acadêmicos questões desafiadoras7. Processos extensos de monitoria local, por exemplo, foram criados em resposta à rara ocorrência de fraude, mas nunca foi demonstrado empiricamente que tais processos realmente reduzam tal ocorrência ou melhorem a confiabilidade e qualidade metodológica dos estudos.

De fato, "estudos com coleta vasta e minuciosa de dados" podem ser não apenas um desperdício, mas podem interferir ao desviar esforços e recursos financeiros daqueles aspectos do estudo que realmente importam, tais como a qualidade metodológica, número adequado de pacientes, e desfechos importantes para os pacientes.

Um estudo recente realizado por Eisenstein e cols.31 simulou duas situações sobre grandes estudos clínicos em síndromes coronarianas agudas e insuficiência cardíaca. Os resultados sugeriram que as despesas relatadas (incluindo o gerenciamento e pagamentos) representavam mais de 65% do total de custos para ambos os estudos. Ao fazer a análise de sensibilidade, os autores também concluíram que o custo total seria reduzido em 40% pela diminuição simultânea de páginas de formulários de coleta de dados, visitas de monitoria e pagamentos locais, mas mantendo os números de pacientes e locais de estudo. Esses achados sugerem que a forma mais eficiente de reduzir os custos do estudo e ainda assim atingir os objetivos científicos do mesmo é reduzir a complexidade desnecessária de gerenciamento31.

Publicação do estudo

O sucesso de qualquer estudo depende inteiramente da dedicada colaboração e comprometimento com o objetivo de um grande número de investigadores e coordenadores de pesquisa em vários locais. Por essa razão, o crédito principal pelos achados do estudo deve ser dado não aos organizadores do estudo, mas a todos aqueles que colaboraram com o mesmo. A publicação final dos resultados principais deve ser feita em nome do grupo colaborativo como um todo11.

Conclusões e direções futuras

Os ECAs atuais são muito pequenos para fornecer inferências sólidas referentes ao impacto das intervenções perioperatórias na morte cardiovascular perioperatória, infarto do miocárdio não-fatal, ou parada cardíaca em pacientes com risco moderado e alto submetidos a cirurgia não-cardíaca.

O primeiro grande estudo nesta área, o estudo POISE, oferece esperança de que uma grande mudança em relação ao porte dos estudos ocorrerá nessa área. Intervenções que deveriam ser testadas usando esse modelo, incluem, entre outras: AAS, bloqueadores de canal de cálcio, agonistas alfa-adrenérgicos, estatinas, controle de temperatura, tipo de anestesia e controle da hiperglicemia. Esses estudos devem incluir procedimentos simples com metodologia adequada (sigilo da lista de alocação, cegamento e análise por intenção de tratar). Se esses estudos forem grandes e os resultados forem estatisticamente confiáveis e clinicamente relevantes, eles podem influenciar o gerenciamento de milhares ou talvez até milhões de futuros pacientes submetidos a cirurgia não-cardíaca. Esperamos que os pesquisadores interessados na prevenção e tratamento eventos cardiovasculares perioperatórios maiores encontrem nessa revisão narrativa um estímulo para delinear, conduzir e participar de grandes estudos, nessa área de conhecimento instigante e em desenvolvimento.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 17/10/07; revisado recebido em 30/11/07; aceito em 10/12/07.

  • 1. Lee TH, Marcantonio ER, Mangione CM, Thomas EJ, Polanczyk CA, Cook F, et al. Derivation and prospective validation of a simple index for prediction of cardiac risk of major noncardiac surgery. Circulation. 1999; 100: 1043-9.
  • 2. Devereaux PJ, Goldman L, Cook DJ, Gilbert K, Leslie K, Guyatt GH. Perioperative cardiac events in patients undergoing noncardiac surgery: a review of the magnitude of the problem, the pathophysiology of the events and methods to estimate and communicate risk. CMAJ. 2005; 173 (6): 627-34.
  • 3. Mangano D. Perioperative cardiovascular morbidity: new developments. Ballieres Clin Anaesthesiol. 1999; 13 (3): 335-48.
  • 4. Cook DJ, Mulrow CD, Haynes RB. Systematic reviews: synthesis of best evidence for clinical decisions. Ann Intern Med. 1997; 126 (5): 376-80.
  • 5. Moher D, Cook DJ, Jadad AR, Tugwell P, Moher M, Jones A, et al. Assessing the quality of reports of randomised trials: implications for the conduct of meta-analyses. Health Technol Assess. 1999; 3 (12): i-iv,1-98.
  • 6. Juni P, Altman DG, Egger M. Systematic reviews in health care: assessing the quality of controlled clinical trials. BMJ. 2001; 323 (7303): 42-6.
  • 7. Warlow C. How to do it: organise a multicentre trial. BMJ. 1990; 300: 180-3.
  • 8. Day SJ, Altman DG. Blinding in clinical trials and other studies. BMJ. 2000; 321: 504.
  • 9. Schulz KF, Grimes DA. Blinding in randomised trials: hiding who got what. Lancet. 2002; 359: 696-700.
  • 10. Montori VM, Devereaux PJ, Adhikari NK, Burns KE, Eggert CH, Briel M, et al. Randomized trials stopped early for benefit: a systematic review. JAMA. 2005; 294 (17): 2203-9.
  • 11. Chen ZM. Organizing large randomized trials in China: opportunities and challenges. Drug Inf J. 1998; 32: 1193S-1200S.
  • 12. Rosenfeld BA, Beattie C, Christopherson R, Norris EJ, Frank SM, Breslow MJ, et al. The effects of different anesthetic regimens on fibrinolysis and the development of postoperative arterial thrombosis. Perioperative Ischemia Randomized Anesthesia Trial Study Group. Anesthesiology. 1993; 79 (3): 435-43.
  • 13. Schug SA, Torrie JJ. Safety assessment of postoperative pain management by an acute pain service. Pain. 1993; 55 (3): 387-91.
  • 14. Frank SM, Beattie C, Christopherson R, Norris EJ, Perler BA, Williams GM, et al. Unintentional hypothermia is associated with postoperative myocardial ischemia: the Perioperative Ischemia Randomized Anesthesia Trial Study Group. Anesthesiology. 1993; 78 (3): 468-76.
  • 15. Nelson AH, Fleisher LA, Rosenbaum SH. Relationship between postoperative anemia and cardiac morbidity in high-risk vascular patients in the intensive care unit. Crit Care Med. 1993; 21 (6): 860-6.
  • 16. Sametz W, Metzler H, Gries M, Porta S, Sadjak A, Supanz S, et al. Perioperative catecholamine changes in cardiac risk patients. Eur J Clin Invest. 1999; 29 (7): 582-7.
  • 17. Shoemaker WC, Appel PL, Kram HB. Tissue oxygen debt as a determinant of lethal and nonlethal postoperative organ failure. Crit Care Med. 1988; 16 (11): 1117-20.
  • 18. Mahla E, Tiesenhausen K, Rehak P, Fruhwald S, Purstner P, Metzler H. Perioperative myocardial cell injury: the relationship between troponin T and cortisol. J Clin Anesth. 2000; 12 (3): 208-12.
  • 19. Dawood MM, Gutpa DK, Southern J, Walia A, Atkinson JB, Eagle KA. Pathology of fatal perioperative myocardial infarction: implications regarding pathophysiology and prevention. Int J Cardiol. 1996; 57 (1): 37-44.
  • 20. Priebe HJ. Triggers of perioperative myocardial ischaemia and infarction. Br J Anaesth. 2004; 93 (1): 9-20.
  • 21. POISE Trial Investigators, Devereaux PJ, Yang H, Guyatt GH, Leslie K, Villar JC. Rationale, design, and organization of the PeriOperative ISchemic Evaluation (POISE) trial: a randomized controlled trial of metoprolol versus placebo in patients undergoing noncardiac surgery. Am Heart J. 2006; 152 (2): 223-30.
  • 22. Juul AB, Wetterslev J, Kofoed-Enevoldsen A, Callesen T, Jensen G, Gluud C. Diabetic postoperative mortality and morbidity group. The Diabetic Postoperative Mortality and Morbidity (DIPOM) trial: rationale and design of a multicenter, randomized, placebo-controlled, clinical trial of metoprolol for patients with diabetes mellitus who are undergoing major noncardiac surgery. Am Heart J. 2004; 147 (4): 677-83.
  • 23. Flood C, Fleisher LA. Preparation of the cardiac patient for noncardiac surgery. Am Fam Physician. 2007; 75 (5): 656-65.
  • 24. Reich DL, Fischer GW. Perioperative interventions to modify risk of morbidity and mortality. Semin Cardiothorac Vasc Anesth. 2007; 11 (3): 224-30.
  • 25. Fleming TR, DeMets DL. Surrogate end points in clinical trials: are we being misled? Ann Intern Med. 1996; 125 (7): 605-13.
  • 26. Wittes J, Lakatos E, Probstfield J. Surrogate endpoints in clinical trials: cardiovascular diseases. Stat Med. 1989; 8 (4): 415-25.
  • 27. Peto R, Baigent C. Trials: the next 50 years. Large scale randomised evidence of moderate benefits. BMJ. 1998; 317: 1170-1.
  • 28. Collins R, Peto R, MacMahon S, Hebert P, Fiebach NH, Eberlein KA, et al. Blood pressure, stroke, and coronary heart disease. Part 2, Short-term reductions in blood pressure: overview of randomised drug trials in their epidemiological context. Lancet. 1990; 335: 827-38.
  • 29. Yusuf S, Peto R, Lewis J, Collins R, Sleight P. Beta blockade during and after myocardial infarction: an overview of the randomized trials. Prog Cardiovasc Dis. 1985; 27 (5): 335-71.
  • 30. Farrell B. Efficient management of randomised controlled trials: nature or nurture. BMJ. 1998; 317: 1236-9.
  • 31. Eisenstein EL, Lemons PW 2nd, Tardiff BE, Schulman KA, Jolly MK, Califf RM. Reducing the costs of phase III cardiovascular clinical trials. Am Heart J. 2005; 149 (3): 482-8.
  • Correspondência:
    Erica Aranha Suzumura
    Rua Abílio Soares, 250 - 12º andar - Paraíso
    04005-000 São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Maio 2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Dez 2007
    • Revisado
      30 Nov 2007
    • Recebido
      17 Out 2007
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br