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Três casos de hipertensão e Fístula Arteriovenosa Renal: com uma fístula de novo

Resumos

Fístula Arteriovenosa Renal (FAVR) é uma causa rara e potencialmente reversível de hipertensão e insuficiência renal e/ou cardíaca. O tratamento da FAVR visa preservar o máximo de parênquima renal e, concomitantemente, erradicar os sintomas e efeitos hemodinâmicos decorrentes da FAVR. No presente estudo, serão relatados três casos de FAVR, incluindo um caso de FAVR idiopática de novo, que se apresentaram com hipertensão e insuficiência renal e/ou cardíaca, e descrever a terapêutica adotada e os resultados obtidos.

Fístula arteriovenosa; hipertensão; insuficiência renal; insuficiência cardíaca


The Renal Arteriovenous Fistula (RAVF) is a rare and potentially reversible cause of hypertension and kidney and/or heart failure. The treatment of RAVF aims at preserving the most of the renal parenchyma and, concomitantly, eradicating the symptoms and hemodynamic effects caused by the RAVF. The present study reports three cases of RAVF, including one case of a de novo idiopathic RAVF, which presented with hypertension and kidney and/or heart failure and describes the therapeutic measures used to treat these patients as well as the outcomes.

Arteriovenous fistula; hypertension; renal insufficiency; heart failure


La Fístula Arteriovenosa Renal (FAVR) es una causa rara y potencialmente reversible de hipertensión e insuficiencia renal y/o cardíaca. El tratamiento de la FAVR busca preservar el máximo de parénquima renal y, concomitantemente, erradicar los síntomas y efectos hemodinámicos resultantes de la FAVR. En el presente estudio, se relatarán tres casos de FAVR, incluyendo un caso de FAVR idiopática de novo, que se presentaron con hipertensión e insuficiencia renal y/o cardíaca, y describir la terapéutica adoptada y los resultados obtenidos.

Fístula arteriovenosa; hipertensión; insuficiencia renal; insuficiencia cardíaca


RELATO DE CASO

Três casos de hipertensão e Fístula Arteriovenosa Renal: com uma fístula de novo

Natalia Correa Vieira Melo; Juliano Sacramento Mundim; Elerson Carlos Costalonga; Antonio Marmo Lucon; Jose Luiz Santello; Jose Nery Praxedes

Departamento de Nefrologia e Departamento de Urologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Natalia Correa Vieira Melo Estrada do Arraial 2823/1101, Parnamirim 52.051-380, Recife, PE - Brasil E-mail: nataliamelo@ymail.com

RESUMO

Fístula Arteriovenosa Renal (FAVR) é uma causa rara e potencialmente reversível de hipertensão e insuficiência renal e/ou cardíaca. O tratamento da FAVR visa preservar o máximo de parênquima renal e, concomitantemente, erradicar os sintomas e efeitos hemodinâmicos decorrentes da FAVR. No presente estudo, serão relatados três casos de FAVR, incluindo um caso de FAVR idiopática de novo, que se apresentaram com hipertensão e insuficiência renal e/ou cardíaca, e descrever a terapêutica adotada e os resultados obtidos.

Palavras-chave: Fístula arteriovenosa, hipertensão, insuficiência renal, insuficiência cardíaca.

Introdução

Fístula Arteriovenosa Renal (FAVR) é uma causa rara e potencialmente reversível de hipertensão arterial sistêmica e também de insuficiência renal (IR) e cardíaca (IC)1-4. A FAVR consiste em uma ou mais comunicações anormais entre os sistemas venoso e arterial renal e pode ser congênita, idiopática ou adquirida. A forma adquirida de FAVR ocorre mais freqüentemente (70-80% dos casos) e sua incidência tem aumentado devido ao número crescente de biópsias renais1,2,5. Nesse estudo, relatamos três casos raros de hipertensão, IR e/ou IC secundários à FAVR, incluindo um caso de FAVR de novo. Adicionalmente, descrevemos a terapêutica adotada e os resultados obtidos com o tratamento.

Relato de caso

Caso 1

Homem, 18 anos, previamente hígido, apresentou, em exame clínico de rotina, sopro abdominal em flanco direito associado à pressão arterial (PA) de 150x100mmHg, em uso de altas doses de anlodipino e propranolol, e alteração de função renal (creatinina=1,5mg/dl). Angiotomografia computadorizada de artérias renais foi sugestiva de FAVR direita. Arteriografia renal revelou FAVR de alto fluxo, considerada de correção tecnicamente difícil através de embolização transarterial (Figura 1-A)5. Conseqüentemente, foi realizada correção cirúrgica através da ligadura da artéria nutridora da FAVR (Figura 1-B). No 10º e 90º dia do período pós-operatório, o paciente mantinha desaparecimento do sopro abdominal, normalização da PA (110x70mmHg, sem medicação) e melhora da função renal (creatinina=1,1mg/dl).


Caso 2

Mulher, 38 anos, foi admitida com IC descompensada, hipertensão resistente e sopro abdominal no flanco esquerdo. Na ocasião, tinha PA de 190x80mmHg, em uso de altas doses de anlodipino, carvedilol e espironolactona. Não apresentava história de biópsia renal, trauma, tumores ou outras condições que pudessem justificar a presença de FAVR adquirida. A função renal era normal (creatinina=0,88mg/dl). Ultrassonografia com Doppler mostrou rim único à esquerda e FAVR. Angiotomografia computadorizada confirmou comunicação entre uma artéria e uma veia segmentar renal esquerda. A paciente foi submetida à embolização transarterial por balão da FAVR e evoluiu com remissão da hipertensão e da IC, sem comprometimento da função renal. Dois meses após o procedimento, a paciente mantinha função renal normal (creatinina=0,9mg/dl) e PA normal (120x80mmHg, sem medicação).

Caso 3

Homem, 18 anos, foi admitido com hipertensão resistente associada a sopro abdominal no flanco esquerdo. Os estudos laboratoriais foram todos normais, incluindo testes reumatológicos, velocidade de hemossedimentação e nível de creatinina (1,0mg/dl). Apresentava PA de 200x150mmHg, em uso de altas doses de propranolol, anlodipino, clonidina e hidroclorotiazida. Arteriografia renal revelou FAVR pós-hilar, de alto fluxo, no pólo inferior do rim esquerdo (Figura 1-C). Logo, foi realizada embolização transarterial da FAVR com dois balões (Figura 1-D). O paciente evoluiu com desaparecimento do sopro abdominal e normalização da PA (120x80mmHg, sem medicação). Todavia, após um ano, o paciente voltou a apresentar hipertensão resistente (PA de 190x140mmHg em uso de clonidina, anlodipino, atenolol e clortalidona). Novamente, estudos laboratoriais e função renal eram normais. Arteriografia evidenciou FAVR de novo pós-hilar, de alto débito, localizada em pólo superior do rim esquerdo. Houve nova tentativa de embolização transarterial com balão, sem sucesso. Conseqüentemente, o paciente foi submetido à nefrectomia esquerda devido à impossibilidade da ligadura cirúrgica da artéria nutridora da FAVR. No período pós-operatório, o paciente apresentou normalização da PA (125x80mmHg, sem medicação) e manutenção do nível de creatinina (1,0mg/dl). Dez anos após a nefrectomia, o paciente permanece sem sinais de FAVR de novo, com PA e função renal normal e todos os estudos laboratoriais normais.

Discussão

O principal objetivo deste trabalho é destacar FAVR como uma causa rara de hipertensão resistente, falência cardíaca e/ou renal, que podem ser revertidas com o tratamento da fístula. Além disso, é enfatizada a possibilidade de surgimento de FAVR idiopática de novo caso haja recidiva dos sintomas previamente descritos.

A FAVR pode ser congênita, adquirida ou idiopática. A FAVR congênita é a forma mais rara e caracteriza-se por um emaranhado de vasos com múltipas comunicações arteriovenosas. A adquirida é a forma mais comum e é secundária à biópsia renal, cirurgia, trauma, tumor e/ou doenças inflamatórias. A FAVR idiopática é adquirida ao longo da vida, porém não possui fator etiológico definido1,2,5.

A FAVR adquirida e a idiopática são caracterizadas por grandes comunicações arteriovenosas. A reduzida resistência vascular venosa dessas comunicações causa diminuição do fluxo sanguíneo através do parênquima renal, acarretando isquemia renal e conseqüente ativação do sistema renina-angiotensina, que propicia o surgimento de hipertensão e IR. Além disso, esse fenômeno de "roubo vascular", que ocorre devido à FAVR, aumenta o retorno venoso e predispõe a IC de alto débito1-3,6.

A ocorrência de FAVR de novo é rara, mas pode acontecer quando a causa base da primeira FAVR é doença reumatológica ou tumor2. Todavia, na literatura, não há relatos prévios de FAVR idiopática de novo. A hipótese de a FAVR ser secundária à doença reumatológica pode ser excluída no Caso 3, considerando que os testes reumatológicos, a velocidade de hemossedimentação e a urinálise permaneceram normais durante 10 anos de seguimento. Da mesma forma, não foi evidenciado no Caso 3 nenhum indício de neoplasia. Outra hipótese que pode ser descartada, devido à alta sensibilidade da arteriografia para tal diagnóstico, é a de que a fístula de novo não tivesse sido detectada anteriormente devido a suas pequenas dimensões na ocasião. Diante do exposto, presume-se que a FAVR de novo do caso 3 seja realmente idiopática.

Em relação ao tratamento da FAVR, este visa erradicar sintomas e efeitos hemodinâmicos decorrentes da fístula. Tal tratamento pode ser realizado por cirurgia ou embolização transarterial3,5,7-9. Existem várias técnicas cirúrgicas, como ligadura da artéria nutridora da fístula e até nefrectomia. Destas técnicas, a mais vantajosa é a ligadura, pois permite maior preservação de parênquima renal. Porém, essa técnica necessita de detalhado estudo anatômico pré-operatório para evitar a ligadura de vasos essenciais para nutrição renal5. O caso 1, tratado pela técnica de ligadura, evoluiu com normalização da PA e melhora progressiva da função renal.

O tratamento percutâneo das FAVR é atualmente considerado o tratamento padrão. Todavia, fístulas de alto fluxo ainda são julgadas tecnicamente difíceis para embolização transarterial, pois o agente embolizante pode passar através da FAVR e causar embolia pulmonar/sistêmica ou até infarto renal. No entanto, há relatos recentes de embolização transarterial de FAVR de alto fluxo com sucesso, como ocorrido no Caso 2 e na primeira FAVR do Caso 33,8,9.

Em conclusão, a recorrência de hipertensão ou disfunção renal e/ou cardíaca em paciente com FAVR tratada previamente pode indicar o surgimento de uma FAVR de novo. Adicionalmente, a FAVR deve ser lembrada como causa potencialmente reversível de hipertensão resistente, IR e/ou IC de alto débito.

Agradecimentos

Agradecemos ao Dr. Alfredo Santana e ao Dr. Alexandre Pedreira por seus comentários na preparação desse relato e ao Dr. Diego Ikejiri pelas fotografias cirúrgicas do Caso 1.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 19/12/07; revisado recebido em 06/05/08; aceito em 12/06/08.

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  • Correspondência:
    Natalia Correa Vieira Melo
    Estrada do Arraial 2823/1101, Parnamirim
    52.051-380, Recife, PE - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Maio 2009

    Histórico

    • Revisado
      06 Maio 2008
    • Recebido
      19 Dez 2007
    • Aceito
      12 Jun 2008
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