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Caso 4/2009: homem de 55 anos com cardiomiopatia da doença de Chagas que evoluiu com dispnéia progressiva, dor torácica e infiltrado intersticial pulmonar

CORRELAÇÃO ANATOMO-CLÍNICA

Caso 4/2009 - homem de 55 anos com cardiomiopatia da doença de Chagas que evoluiu com dispnéia progressiva, dor torácica e infiltrado intersticial pulmonar

Angela Cristina Matera Bolonhez; Murilo Capreti da Silva; Rodrigo Caruso Chate; Paulo Sampaio Gutierrez

Instituto do Coração (InCor) HC-FMUSP, São Paulo

Palavras Chave: Doença de chagas, dispnéia, bloqueio de ramo, disfunção ventricular.

Homem de 55 anos de idade, pedreiro aposentado, natural de Itapetim (PE) procurou atendimento médico em razão de falta de ar (4/11/2005).

Há três anos, passou a apresentar dispneia de intensidade progressiva, a princípio desencadeada por grandes esforços. Há um ano, a falta de ar passou a aparecer com esforços moderados, associada a palpitações taquicárdicas. Procurou atendimento médico em Unidade Básica de Saúde, recebeu prescrição de medicamentos dos quais não se lembra. Melhorou depois do uso dos medicamentos. Recebeu informação prévia de ser portador de doença de Chagas.

O paciente vinha em uso de carvedilol 3,125 mg duas vezes ao dia, de digoxina 0,25 mg, espironolactona 25 mg, ácido acetilsalicílico 100 mg, hidroclorotiazida 25 mg associada a amilorida 2,5 mg ½ cp diários.

O exame físico revelou peso de 74,8 kg, altura de 1,64 m, índice de massa corpórea 27,8 kg/m2, pulso de 78 batimentos por minuto, pressão arterial de 110/80 mmHg. O exame dos pulmões foi normal. O exame do coração revelou bulhas rítmicas, bulhas normais, sem bulhas acessórias, sem estalidos ou sopros cardíacos. O exame do abdome foi normal. Não havia edema de membros.

O eletrocardiograma (1/11/2005) revelou ritmo sinusal e ondas R de baixa amplitude em derivações de extremidades e em derivações precordiais, além de distúrbio da condução intraventricular do estímulo e sobrecarga ventricular e atrial esquerdas (Figura 1).


A radiografia do tórax revelou cardiomegalia +++/4.

Foi feito o diagnóstico de insuficiência cardíaca por cardiomiopatia da doença de Chagas.

Foi feito o ajuste de medicação com suspensão do ácido acetilsalicílico e a associação hidroclorotiazida/amilorida, aumento da dose de carvedilol para 6,25 mg 2x/dia, e acrescentado enalapril 10 mg 2x/dia.

O teste para detecção de anticorpos anti Trypanosoma cruzi (3/11/2005) demonstrou soro reagente.

A radiocardiografia ("gated blood pool") (14/6/2006) com hemácias marcadas com 99mTecnécio revelou ritmo de clareamento ventricular do traçador alterado bilateralmente e tronco de artéria pulmonar abaulado. O tempo médio de trânsito pulmonar foi superior a 20 segundos. O átrio e o ventrículo direitos encontravam-se aumentados de volume. Havia hipocinesia difusa acentuada do ventrículo direito. O ventrículo esquerdo estava aumentado em grau acentuado e havia hipocinesia difusa acentuada e discinesia da região ínfero-apical do ventrículo esquerdo. A região ínfero-apical do ventrículo esquerdo movimentava-se em oposição de fase em relação às demais paredes. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi estimada em 13% e do ventrículo direito 24%.

A avaliação laboratorial (13/07/2006) revelou hemoglobina 18,1 g/dl, hematócrito 54%, VCM 100 fl, CHCM 34 g/dl, 5400000 eritrócitos por mm3, 6900 leucócitos por mm3 (neutrófilos 72%, eosinófilos 2%, linfócitos 18%, monócitos 8%), sódio 137 mEq/l, potássio 5,1 mEq/l, ureia 82 mg/dL, creatinina 1,1 mg/dl, aspartato aminotransferase 36 U/l alanina aminotransferase 56 U/l, ácido úrico 7,3 mg/dl, albumina 3,7 g/dl, bilirrubina total 1,36 mg/dl (direta 0,68 mg/dl, indireta 0,68 mg/dl), tempo de protrombina 19,3 seg (INR 1,45), proteínúria de 24 h 0,14g (normal até 0,15). O exame parasitológico de fezes (Hoffman, Rugai) foi negativo, antígeno carcinoembrionário 2,8 ng/ml (referência até 5,0 ng/ml).

Foi submetido a cateterismo cardíaco (3/8/2006) o qual revelou hipertensão pulmonar moderada (Tabela 1) e não demonstrou lesões obstrutivas em artérias coronárias.

A cintilografia pulmonar ventilação perfusão (12/9/2006) foi considerada como de baixa probabilidade de embolia pulmonar.

Em 6/10/2006, queixou-se de cansaço aos esforços e edema de membros inferiores. Foi aumentada a dose dos diuréticos, para furosemida 80 mg diários, além da medicação que já vinha recebendo.

Em 3/11/2006, a ureia foi 81 mg/dl, creatinina foi 1,55 mg/dl e o potássio sérico 4,9 mEq/l.

Em um dos retornos ambulatoriais (4/12/2006) queixou-se de falta de ar, episódios de tontura e há 15 dias pré-síncope. Queixou-se também de inchaço nas pernas e no abdome. Vinha em uso de hidralazina 25 mg 2x/dia, furosemida 40 mg 2x/dia, além da espironolactona, carvedilol, enalapril e digoxina. Foi orientado para ajuste de dieta, atividade e medicação: a dose de diuréticos foi reduzida.

O ecocardiograma (3/1/2007) revelou aorta 32 mm, átrio esquerdo 52 mm, ventrículo direito 30 mm, septo interventricular 8 mm, parede posterior de ventrículo esquerdo 8 mm, diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo 76 mm, diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo 66 mm, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (Teicholz) 27%. O estudo com Doppler revelou padrões de fluxo compatíveis com padrão restritivo, com reversão após manobra de Valsalva. As valvas cardíacas foram consideradas normais. A pressão sistólica na artéria pulmonar foi estimada em 55 mmHg.

Depois do ajuste da medicação em dezembro, houve melhora dos sintomas (12/1/2007).

A avaliação laboratorial na evolução revelou glicemia de jejum 106 mg/dl (18/9/2007), peptídeo natriurético tipo B 1021 pg/ml (referência: <100 pg/ml), colesterol 220 mg/dl, HDL-colesterol 39 mg/dl, LDL-colesterol 157 mg/dl, TSH 2,87 mUI/ml, T4 livre1,7 ng/dl, glicemia 106 mg/dl e a hemoglobina glicada 6,1%, CA 19,9 2,6 U/ml (referência até 37 U/ml) (29/10/2007).

A ultrassonografia de abdome (12/5/2008) revelou aorta ateromatosa e imagens nodulares hiperecogênicas hepáticas que foram consideradas compatíveis com hemangiomas.

Em 3/6/2008, o paciente apresentou tosse com expectoração amarelada, além da dispneia. Procurou atendimento em Unidade Básica de Saúde e medicado com levofloxacina 500 mg 1x/dia. Houve melhora clínica.

Na evolução procurou atendimento médico (3/7/2008) em razão de dor precordial persistente por 2 dias, que piorava à inspiração profunda ou com a tosse, que se irradiava para o dorso, além de tosse com expectoração sanguinolenta.

Vinha em uso de carvedilol 50 mg, enalapril 40 mg, digoxina 0,125 mg, furosemida 40 mg, hidroclorotiazida 25 mg, espironolactona 25 mg, e omeprazol diariamente.

O exame físico revelou pulso de 80 batimentos por minuto, pressão arterial de 80/40 mmHg. No restante do exame físico não havia registro de dados diagnósticos.

O eletrocardiograma em 3/7/2008 não demonstrou alteração significativa em relação ao electrocardiograma anterior.

A radiografia do tórax (3/7/2008) revelou imagem sugestiva de infiltrado reticuloalveolar difuso nos pulmões. A tomografia de tórax (3/7/2008) revelou estruturas vasculares mediastinais de calibre normal e contornos regulares, cardiomegalia, linfonodos mediastinais menores que 10 mm, micronódulos calcificados esparsos por ambos os pulmões, nódulo não calcificado, de bordas espiculadas medindo 1,6 x 1,4cm no segmento basal medial do LID, micronódulos de distribuição centrolobular difusos por ambos os pulmões e espessamento de septos interlobulares à direita, Opacidade com atenuação em vidro fosco predominando nas porções médias e base do pulmão direito, consolidação na base do pulmão direito.

Foram feitas as hipóteses diagnósticas de linfangite, estase ou sarcoidose.

A cultura de escarro para micobactérias e a pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (4/7/2009) foram negativas.

Foi medicado com claritromicina 500 mg via endovenosa a cada 12 horas, ceftriaxona 1g via endovenosa a cada 12 horas, além da medicação cardiovascular que fazia uso. Foi associada a administração de dobutamina.

Em 7/7/2008, apresentou quadro descrito como edema agudo de pulmão, que melhorou com o uso de diuréticos, ventilação não invasiva e vasodilatadores.

No dia seguinte 8/7/2008 sofreu parada cardíaca em atividade elétrica sem pulso, não revertida com manobras de reanimação.

Comentários – Radiologista de tórax do InCor

Na tomografia de tórax realizada sem contraste iodado intravenoso, identificava-se nódulo pulmonar não calcificado de contornos lobulados no lobo inferior direito, cujo aspecto tomográfico favorecia a possibilidade de neoplasia primária (Figura 2). No pulmão direito, associava-se espessamento dos interstícios peribroncovascular e septal, por vezes com aspecto liso e em algumas regiões com padrão micronodular, levantando a possibilidade de linfangite carcinomatosa (Figuras 2 a 4). Destacavam-se ainda múltiplos pequenos nódulos não calcificados disseminados por todos os campos pulmonares, que, neste contexto clínico, são compatíveis com lesões secundárias (Figuras 2 a 4). Os cortes tomográficos revelavam ainda focos de consolidação pulmonar com base pleural esparsos bilateralmente, circundados por opacidades em vidro fosco, predominando nos segmentos basais do lobo inferior direito (Figura 5), consistentes com áreas de infarto e hemorragia pulmonar no contexto clínico de tromboembolismo agudo. (Dr. Rodrigo Caruso Chate)



Aspectos clínicos

Trata-se de um paciente do sexo masculino, 55 anos de idade, que em novembro de 2005 procurou atendimento por dispneia com piora progressiva havia 3 anos, associada a palpitações taquicárdicas, com sorologia positiva para doença de Chagas. O exame físico foi normal, o eletrocardiograma (ECG) mostrou bloqueio de ramo esquerdo e ondas R de baixa amplitude, e a radiografia de tórax evidenciou aumento de área cardíaca (cardiomegalia 3+/4+), compatível com insuficiência cardíaca de provável etiologia por doença de Chagas, na sua forma de miocardiopatia crônica dilatada. Fazia uso de baixas doses de carvedilol além de digoxina, ácido acetilsalicílico, espironolactona, hidroclorotiazida e amilorida. Foram ajustadas as medicações com introdução de inibidor da enzima conversora da angiotensina (enalapril) e iniciado seguimento.

Podemos fazer algumas considerações a respeito da etiologia da insuficiência cardíaca. A doença de Chagas na sua forma crônica caracteriza-se pela diversidade. Há pacientes assintomáticos na forma indeterminada, os assintomáticos com alterações eletrocardiográficas e os sintomáticos com graus variados de disfunção ventricular. Existem distúrbios graves de condução atrioventricular e intraventricular, aqueles com fenômenos tromboembólicos e com arritmias ventriculares de graus variados1-4. Os distúrbios de condução do estímulo são, sem dúvida, as alterações mais frequentes. A alteração clássica descrita é o bloqueio completo de ramo direito, associado ou não ao bloqueio ântero-superior do ramo esquerdo5-6. Na prática clínica, antecedentes sugestivos da doença e o encontro deste achado sugerem, de forma significante, a etiologia em nosso meio. O bloqueio de ramo esquerdo (BRE), frequentemente observado na miocardiopatia dilatada, está presente na cardiopatia chagásica, mas com incidência muito baixa. Estudos demonstraram um achado de BRE nestes pacientes com ou sem disfunção entre zero e 3,1% 2,5.

O tempo de evolução da doença de Chagas é maior do que em todas as outras etiologias, com duração muitas vezes superior a vinte anos, de forma que o coração pode otimizar todos os mecanismos compensatórios, mantendo os pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos por anos ou mesmo décadas. Quando o paciente descompensa, é porque o dano miocárdico suplantou todos os mecanismos compensatórios, tornando a doença mais grave1.

O prognóstico de forma crônica da cardiomiopatia chagásica está relacionado ao grau de disfunção ventricular avaliado pela fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FE), e quanto menor a FE, pior o prognóstico (como em outras cardiomiopatias). Existe também correlação com a classe funcional e o consumo de oxigênio1-4. Além disso, a doença se mostra mais agressiva em homens, razão esta ainda desconhecida7.

Neste paciente, já na primeira consulta, analisando o ECG e a radiografia de tórax, observa-se comprometimento miocárdico acentuado pela doença de Chagas, evidenciado pelo distúrbio de condução interventricular, baixa amplitude das ondas R e aumento importante da área cardíaca. Estes achados, associados aos sintomas do paciente, levam-nos a inferir a presença de uma miocardiopatia dilatada grave.

A radiocardiografia realizada no seguimento mostrou hipocinesia acentuada de ventrículo esquerdo (FE:13%), com discinesia da região ínfero-apical; e de ventrículo direito (FE:24%), com tronco de artéria pulmonar abaulada. Confirmando disfunção sistólica acentuada com hipertensão pulmonar (HP) secundária.

Dos exames laboratoriais, chama atenção a hemoglobina elevada (18 g/dl) que pode ser justificada pela hipertensão pulmonar, e discreto decréscimo na função renal possivelmente pelos diuréticos ou pelo baixo débito cardíaco.

O paciente foi submetido a cateterismo cardíaco, com medidas das pressões que mostrou hipertensão pulmonar moderada, sem lesões coronárias obstrutivas, excluindo assim doença arterial coronariana. Houve reversibilidade parcial da HP com nitroprussiato e máscara e oxigênio. A resistência vascular pulmonar de 6,3 U Wood foi para 2,2 U Wood. Ainda na investigação da HP foi realizada cintilografia de perfusão pulmonar com baixa probabilidade de embolia pulmonar.

Quanto às complicações tromboembólicas, principalmente para os pulmões, elas podem ser as primeiras manifestações da doença. Déficits regionais podem determinar tromboses, mesmo com função global preservada. Pacientes com maior risco são aqueles com disfunção miocárdica grave, fibrilação atrial, lesão apical do VE, presença de trombos intracavitários e embolia prévia 8.

Na evolução, 11 meses após a primeira consulta, o paciente apresentou piora da classe funcional, sendo aumentada a dose do diurético. Evoluiu com discreta piora da função renal. Após dois meses em nova consulta apresentou sintomas de baixo débito cardíaco, como tonturas e pré-síncope.

Nesta fase da doença, e usando escore elaborado por Rassi e cols.3 para avaliar risco de óbito em pacientes com doença de Chagas, que leva em consideração classe funcional III e IV (NYHA) (5 pontos), evidência de cardiomegalia na radiografia de tórax (5 pontos), disfunção sistólica do VE no ecocardiograma (3 pontos), taquicardia ventricular não-sustentada no Holter (3 pontos), baixa voltagem do QRS no ECG (2 pontos) e sexo masculino (2 pontos). Este paciente tem pontuação de 17, sendo incluído no grupo de alto risco, com mortalidade de 63% em 5 anos e 84% em 10 anos2. Portanto este paciente estava evoluindo para estagio D da insuficiência cardíaca e poderíamos aventar a possibilidade de transplante cardíaco.

O transplante cardíaco é indicado para pacientes sintomáticos com ICC classe III ou IV (NYHA) na vigência de terapêutica medicamentosa adequadamente otimizada com expectativa de vida inferior a um ano e sem possibilidade de outro tratamento clínico ou cirúrgico convencional.

A hipertensão pulmonar é um fator que impede o transplante cardíaco e representa a principal causa de disfunção de VD do enxerto no pós-operatório imediato. A resistência vascular pulmonar acima de 2,5 U Woods tem sido apontada como importante fator de risco, considerando-se que a mortalidade aumenta progressivamente acima destas cifras. Assim, neste caso não temos contraindicação ao transplante cardíaco.

O paciente realizou um ecocardiograma em janeiro de 2007 que evidenciou aumento acentuado de átrio esquerdo (52mm), VE com diâmetro diastólico de 76 e sistólico de 66 mm, FE de 27%, com pressão sistólica de artéria pulmonar de 55 mmHg.

Na terceira consulta, após redução dos diuréticos, o paciente evoluiu com melhora dos sintomas, e visando uma avaliação para um possível transplante, o paciente foi submetido a uma série de exames. Dentre estes o BNP de 1021 pg/ml chama atenção para quadro e insuficiência cardíaca avançada e descompensada apesar da terapia otimizada.

A ultrassonografia de abdome mostrou aorta ateromatosa e imagens nodulares hiperecogênicas compatível com hemangiomas.

Em junho de 2008, o paciente apresentou quadro de pneumonia, sendo tratado com levofloxacino, apresentando consequente melhora. Após um mês, evoluiu com dor precordial persistente com duração de dois dias, que piorava com a inspiração profunda e tosse, irradiando para o dorso, além de hemoptise e hipotensão arterial. O eletrocardiograma não evidenciou alterações em relação ao primeiro e a radiografia de tórax mostrou imagem sugestiva de infiltrado retículo-alveolar difusa nos pulmões.

Neste momento, as hipóteses para este quadro são hemorragia alveolar secundária à hipertensão pulmonar, broncopneumonia complicada, tuberculose e ao tromboembolismo pulmonar (TEP). Este último deve sempre estar entre os diagnósticos diferenciais desses tipos de doentes no atendimento no pronto socorro.

O diagnóstico clínico de TEP é notadamente dificultado por duas razões. Primeiro os achados clínicos dependem tanto do tamanho do êmbolo quanto do status cardiopulmonar pré-existente. Segundo, os sintomas e sinais do TEP não são específicos desta doença. Dentre os sintomas, dispneia ocorre em torno de 75% a 85%, dor à inspiração em cerca de 65% a 75% e tosse em 53% dos pacientes com TEP.

Em um estudo8 que avaliou trombose cardíaca e embolia em 111 pacientes falecidos de cardiopatia chagásica crônica do Instituto do Coração foi observado embolia em 60% dos pacientes, dos quais em 65% era pulmonar. A embolia sistêmica esteve presente em 38% dos casos, e o território renal estava acometido em 70% dos episódios. Concluiu-se que a incidência de trombose e embolia é alta nos enfermos com disfunção miocárdica grave, existindo uma relação entre ambas, embora não absoluta.

Este doente foi submetido à tomografia de tórax para elucidar os achados da radiografia e esclarecer o diagnóstico.

A tomografia de tórax evidenciou linfonodos mediastinais; micronódulos calcificados esparsos por ambos os pulmões; nódulo não calcificado de bordas espiculadas medindo 1,6x1,4cm no segmento basal medial do lobo inferior direito; espessamento dos septos interlobulares à direita; opacidade com atenuação de vidro fosco predominando nas porções médias e base do pulmão direito consolidação na base do pulmão direito. Diante deste resultado, foram feitas as seguintes hipóteses: linfangite pulmonar carcinomatosa, estase ou sarcoidose. A hipótese de tuberculose foi descartada com culturas de escarro e pesquisa de BAAR negativas.

A linfangite carcinomatosa é mais comumente originada de neoplasias primárias de mama, pulmão, estômago, cólon, próstata e pâncreas. O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras doenças que têm predileção por disseminação linfática, como sarcoidose, linfomas, leucemias, paracoccidioidomicose, sarcoma de Kaposi, linfangiomatose pulmonar difusa e linfangiectasia. O aspecto mais frequentemente observado na linfangite carcinomatosa é o espessamento dos septos interlobulares e das bainhas broncovasculares, podendo ser liso ou nodular. Outros achados comuns são nódulos distribuídos ao longo dos linfáticos (superfície pleural, bainhas broncovasculares, septos interlobulares e região centrolobular). Com frequência há derrame pleural associado. Uma característica importante é a preservação da arquitetura pulmonar normal, sem evidências de distorção parenquimatosa (fibrose). Em pacientes com disfunção miocárdica, principalmente de ventrículo direito, a diferenciação com quadro de congestão fica dificultada nos exames de imagens. Histologicamente, os achados básicos na linfangite carcinomatosa são o espessamento dos septos interlobulares e do interstício peribroncovascular, por infiltração de células neoplásicas dentro dos vasos linfáticos. Deve-se considerar, contudo, que espessamento intersticial pode também ocorrer por fibrose, associada a reação desmoplásica, por edema causado pela obstrução linfática ou congestão, ou ainda por uma combinação de todos estes fatores9.

A sarcoidose é uma doença sistêmica de causa indeterminada, caracterizada por granulomas não caseosos. Afeta mais comumente mulheres do que homens, e tem inicio na terceira ou quarta década. Embora possa afetar qualquer órgão, esta doença tem sua morbi-mortalidade relacionada principalmente ao acometimento pulmonar, presente em 80% a 90% dos pacientes. O padrão nodular é o mais frequente na sarcoidose pulmonar. Os nódulos são geralmente pequenos e apresentam distribuição perilinfática, com envolvimento dos feixes peribroncovasculares, septos interlobulares, regiões centrolobulares subpleurais e ao longo das fissuras. Nódulos cavitados ou de grandes dimensões, por vezes simulando neoplasias, podem ser encontrados em 15% a 25% dos casos. Outros achados tomográficos na sarcoidose estão a opacidade em vidro fosco, opacidades parenquimatosas, aprisionamento aéreo, fibrose e bronquiectasias. O diagnóstico necessita demonstração histológica de granulomas não caseosos na biópsia10.

A congestão pulmonar crônica por aumento da pressão hidrostática pode revelar alterações na tomografia do tórax, como brônquios de paredes espessadas e aparente aumento do calibre de vasos pulmonares centrais e periféricos. Com a manutenção do aumento da pressão intersticial há o aparecimento dos septos interlobulares, que estão espessados por infiltração líquida. Outro aspecto encontrado no edema intersticial é a presença de opacidades em vidro fosco11,12.

Perante o exposto, e com base na descrição da tomografia de tórax, nenhuma das três hipóteses acima pode ser desconsiderada, visto que serão necessários dados histológicos.

Na evolução, o paciente recebeu novamente antibióticos e dobutamina. Em 07 de julho, apresentou quadro de congestão pulmonar, que melhorou com medidas clínicas, e no dia seguinte sofreu parada cardiorrespiratória (PCR) em atividade elétrica sem pulso (AESP), sem sucesso as manobras de reanimação.

Entre as hipóteses de PCR em AESP e de acordo com as considerações acima concluímos que a causa mortis foi tromboembolia pulmonar.

(Dra. Angela Cristina Matera Bolonhez e Dr. Murilo Capreti Silva)

Hipótese diagnóstica principal: Tromboembolismo Pulmonar; Miocardiopatia Dilatada Chagásica.

Outras hipóteses: Linfangite pulmonar carcinomatosa secundária a neoplasia pulmonar primária; congestão pulmonar crônica; e menos provável sarcoidose pulmonar.

Necrópsia

O exame morfológico do coração constatou coração aumentado de volume, globoso (Figura 6A), com áreas de espessamento pericárdico ("manchas lácteas"), e miocardite crônica focal disseminada (Figura 6B), algumas das características clássicas da forma miocardiopatia chagásica; porém não havia afilamento da ponta do ventrículo esquerdo e não foram detectados ninhos de Trypanosoma cruzi (como, aliás, frequentemente não o são).


No rim e nos pulmões havia tromboembolismo (Figura 7), com infarto recente, sendo que o acometimento destes últimos foi o fator final desencadeante da morte do paciente. Não foram encontradas fontes de êmbolos.


Os pulmões apresentavam também adenocarcinoma com disseminação em padrão miliar para o próprio órgão, bilateralmente (Figura 8A e B). Não se pode descartar que esta doença tenha influenciado a formação de trombos, pois foram vistos vasos com comprometimento neoplásico nas regiões de edema e infarto; fala contra essa possibilidade a existência de coágulo em vaso renal, levando a infarto, sem neoplasia; mas mesmo aí a trombose pode ser manifestação paraneoplásica.


(Dr. Paulo Sampaio Gutierrez)

Diagnósticos principais: 1) Doença de Chagas, forma crônica cardíaca; 2) Adenocarcinoma do pulmão, com disseminação miliar.

"Causa mortis": tromboembolismo pulmonar

(Dr. Paulo Sampaio Gutierrez)

Comentário

O quadro clínico deste paciente, portador de doença de Chagas, forma crônica cardíaca, foi complicado pela associação com adenocarcinoma de pulmão.

A associação de doença de Chagas com neoplasia é incomum. Entre as 240 necrópsias com essa doença infecciosa no Instituto do Coração, os casos, além do presente, correspondiam a um paciente com mesotelioma, duas mulheres com história clínica de tratamento pregresso de câncer de mama e um linfoma em paciente previamente submetido a transplante cardíaco. De toda forma, essa população não é representativa. É muito provável que a doença de Chagas, notadamente em sua forma indeterminada, apareça mais como achado secundário em portadores de neoplasias malignas que o contrário, representado por nosso material.

É descrito o surgimento de neoplasias em pacientes submetidos a transplantes. Levantamentos realizados em nosso país evidenciaram que, entre os transplantados cardíacos, a incidência de neoplasias foi maior naqueles cujo transplante foi motivado pela doença de Chagas13, mas não houve nenhum relato de neoplasia pulmonar14. Os trabalhos sobre a associação entre doença de Chagas e neoplasias são escassos. Almeida e cols. relatam que a literatura sobre o assunto demonstra que este tema é controverso, e que não se verificou aumento ou redução na frequência de neoplasias malignas em chagásicos crônicos. Indicam ainda que a neoplasia maligna não interfere na evolução a curto prazo da cardiopatia15. Existem relatos da associação de carcinoma de cólon com megacólon chagásico16, mesmo assim alguns autores consideram que este último talvez seja até fator de proteção para o câncer17. Já quanto ao megaesôfago, parece haver certa concordância a respeito da relação entre as doenças, ainda que a incidência encontrada de câncer no megaesôfago chagásico varie, sendo por exemplo relatadas taxas de 3,9% e de 10%18.

Editor da Seção: Alfredo José Mansur (ajmansur@incor.usp.br)

Editores Associados: Desidério Favarato (dclfavarato@incor.usp.br)

Vera Demarchi Aiello (anpvera@incor.usp.br)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Set 2009
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