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Síndrome do balonamento apical secundário ao uso abusivo de descongestionante nasal

Resumos

Descrevemos um caso típico de síndrome do balonamento apical em uma paciente octogenária com alteração eletrocardiográfica, de contratilidade do ventrículo esquerdo, e que apresentou recuperação da função ventricular. A paciente é portadora de rinite alérgica e fez uso excessivo de descongestionante nasal horas antes do episódio da dor.

Infarto do Miocárdio; Síndrome Coronariana Aguda; Agonistas Adrenérgicos; Miocárdio Atordoado


Describimos un caso típico de síndrome de abombamiento apical en una paciente octogenaria con alteración electrocardiográfica, de contractilidad del ventrículo izquierdo, y que presentó recuperación de la función ventricular. La paciente es portadora de rinitis alérgica y hace uso excesivo de descongestionante nasal horas antes del episodio del dolor.

Infarto do Miocárdio; Síndrome Coronariana Aguda; Agonistas Adrenérgicos; Miocárdio Atordoado


We describe a typical case of apical ballooning syndrome in an octogenarian female patient with left ventricular wall motion abnormality on electrocardiography, whose ventricular function returned to normal. The patient has allergic rhinitis and had used nasal decongestant excessively a few hours prior to the episode of pain.

Myocardial infarction; acute coronary syndrome; adrenergic agonists; myocardial stunning


RELATO DE CASO

Síndrome do balonamento apical secundário ao uso abusivo de descongestionante nasal

Ricardo WangI, II, III; Newton F. Stadler SouzaI, III; Jose Augusto Ribas FortesI; Gilmar Jorge dos SantosI; Jose Rocha Faria NetoII; Lidia ZytinskiI, II

IIrmandade Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, Curitiba, PR

IIPontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR

IIIInstituto de Neurologia e Cardiologia de Curitiba, Curitiba, PR - Brasil

Correspondência Correspondência: Ricardo Wang Praça Rui Barbosa, 694 - Centro 80030-010 – Curitiba, PR - Brasil E-mail: rwang@cardiol.br, rwang@terra.com.br

RESUMO

Descrevemos um caso típico de síndrome do balonamento apical em uma paciente octogenária com alteração eletrocardiográfica, de contratilidade do ventrículo esquerdo, e que apresentou recuperação da função ventricular. A paciente é portadora de rinite alérgica e fez uso excessivo de descongestionante nasal horas antes do episódio da dor.

Palavras chave: Infarto do Miocárdio, Síndrome Coronariana Aguda, Agonistas Adrenérgicos, Miocárdio Atordoado.

Introdução

A síndrome do balonamento apical, também conhecida com síndrome de tako tsubo, síndrome do coração partido, foi inicialmente descrita no Japão, e em seguida inúmeros relatos semelhantes foram descritos em todo o mundo. Essa entidade acomete caracteristicamente pacientes do sexo feminino, idosas, na sétima e oitava décadas de vida, com alteração típica na ventriculografia esquerda e sem obstrução coronariana1. Relatamos a seguir um caso de típico de balonamento apical, com provável etiologia relacionada com uso abusivo de descongestionante nasal.

Relato do Caso

Uma paciente de 84 anos e natural de Curitiba foi admitida na unidade de dor torácica da Santa Casa de Curitiba com quadro de dor precordial típica de forte intensidade, em região esternal, sem irradiação, com 4 horas de evolução, associado à cefaleia inespecífica. A paciente relatou que a dor teve início em repouso e negou estresse emocional precedendo a dor. Apresentou como comorbidade hipertensão arterial e rinite alérgica. Faz uso regular de clonidina, bromazepam e omeprazol. Fumou durante 30 anos e suspendeu o hábito há 1 ano. No exame físico, verificou-se bom estado geral: a paciente estava lúcida e orientada, normocorada, eupneica, com níveis pressóricos de 110 x 70 mmHg na admissão, frequência cardíaca de 78 bpm e respiratória de 13 irpm. Os exames cardiovascular e pulmonar apresentaram-se dentro dos limites da normalidade.

O eletrocardiograma (ECG) revelou supraelevação do segmento ST de região anterolateral (Figura 1A). Com base nos achados clínicos e eletrocardiográficos, foi indicado o estudo hemodinâmico imediato, com realização de angioplastia primária. Na ventriculografia esquerda, constatou-se discensia na parede ântero-apical e ínfero-apical (Figura 2A). A coronária direita e a artéria circunflexa estavam tortuosas e sem lesões obstruções, a dominância referia-se à coronária direita. A artéria descendente anterior é do tipo III (ultrapassa a ponta do ventrículo esquerdo sem lesões angiográficas) (Figura 3). Em vista desse achado, optou-se por realização de ultrassom intracoronário para esclarecimento diagnóstico. Nesse método, observou-se uma placa no terço médio da descendente anterior, com área luminal de 8,7 mm2 e área do vaso de 13,9 mm2 (Figura 4). Na ultrassonografia, constatou-se uma placa com características predominantemente fibrótica, sem sinais de ruptura. Com base nesses achados, optou-se por tratamento clínico.





No seguimento hospitalar, não houve elevação das enzimas cardíacas (pico máximo CK-MB 10 U/L, CPK 66U/L) e os demais exames laboratoriais foram considerados dentro dos limites da normalidade. Realizou-se novo ECG no segundo dia de internação (Figura 1B),com regressão das alterações iniciais. No quarto dia de internamento, o ecocardiograma bidimensional transtorácico ainda mostrava alteração da contratilidade segmentar da parede anterior e apical, além de hipertrofia de ventrículo esquerdo e disfunção diastólica grau I. A evolução foi favorável, a paciente teve alta hospitalar no sexto dia após evento-índice.

Evolutivamente, a paciente apresentou novo quadro de dor precordial de forte intensidade após dois meses, semelhante ao quadro anterior com duração de 2 horas. Não houve grandes alterações no eletrocardiograma. Nessa ocasião, chamou a atenção o fato de a paciente estar com um quadro de rinite alérgica, com obstrução nasal importante, e em uso de altas doses de Afrin® (cloridrato de oximetazolina, solução de 0,05%, com 20ml/frasco) (um frasco em menos de 12 horas). Realizou-se novo estudo hemodinâmico que evidenciou a normalização da alteração da ventriculografia inicial (Figura 2B). Questionada quanto à ocasião do primeiro evento, a paciente também apresentava piora do quadro alérgico e usou altas doses de Afrin®. Suspendeu-se essa medicação e manteve-se o tratamento clínico com uso de bloqueadores de canal de cálcio, inibidores da enzima conversora de angiotensina, estatina e antiplaquetários. Para a rinite alérgica, foi prescrito corticoide tópico. Atualmente, a paciente apresenta melhora clínica e permanece assintomática.

Discussão

A oximetazolina pertence a classes das imidazolinas. Por causa de suas propriedades adrenérgicas (vasoconstritoras), é componente frequentemente usado em descongestionantes nasais e conhecido como medicação over-the-counter (venda sem a necessidade de prescrição médica)2. Em baixos níveis séricos, essa droga tem preferência por estimulação dos receptores α2- adrenérgico do sistema nervoso central; em doses maiores, há predomínio da estimulação dos receptores alfa-adrenérgico periféricos. Em doses habituais, os principais efeitos colaterais são de ordem neurológica; em doses maiores, surgem a hipertensão arterial (secundária à vasoconstrição) e as taquiarritmias.

Até o presente momento, não foram descritas síndromes coronarianas agudas relacionadas ao uso crônico de oximetazolina. Devido aos efeitos vasoconstritores e relação temporal com a síndrome coronariana, associado à ausência de lesões coronarianas críticas à angiografia e na ultrassonografia coronariana, sugere uma relação de causa-efeito, fato corraborado na literatura, na qual outras substâncias vasoconstritoras estão associados à síndrome coronariana aguda3, sendo o espasmo o mecanismo mais provável. A recuperação da contratilidade miocárdica na evolução sugere atordoamento miocárdico perante um processo isquêmico agudo.

O abuso de drogas simpatomiméticas acarreta principalmente a elevação dos níveis pressóricos em razão de seu efeito vasoconstritor. Em geral, medicamentos intravenosos, como o nitroprussiato de sódio, tornam-se imperativos para o controle da ocorrência2. Os alfabloqueadores, como fenoxibenzamina, também se mostraram efetivos. No tratamento das taquiarritmias, o uso de betabloqueadores isoladamente não deve ser feito, pois o efeito alfamediado pode ser exarcebado. A isquêmia miocárdica na maioria dos casos é causada por vasoconstrição coronariana. Lembramos que a vasoconstrição é fator de risco para dissecção coronariana, trombose por estase e ruptura de placa aterosclerótica.

Com base nos critérios diagnósticos proposto por Abe e Kondo4 (Quadro 1), a presença de alteração dinâmica do segmento ST no ECG, balonamento apical do ventriculo esquerdo na ventriculografia esquerda e epidemiologia da paciente (mulher acima de 70 anos) fecha o diagnóstico de síndrome de tako-tsubo5,6. Esses autores sugerem a participação das catecolaminas como papel central para gênese da síndrome. Nesse caso, a origem dessas aminas é de fonte externa (descongestionante nasal).


Aproximadamente 0,5% a 1% dos pacientes admitidos com dor torácica e supradesnivelamento do segmento ST não apresentam lesões angiográficas significativas. Por causa da limitação da angiografia em detectar principalmente placas ateroscleróticas com remodelamento positivo, optou-se por estudo ultrassonográfico intracoronário que evidenciou placa aterosclerotica leve no terço médio. Esse aspecto também foi observado no estudo realizado por Ibanez e cols.6, em que cinco casos estudados apresentavam placa aterosclerótica em terço médio, sugerindo que o evento agudo é resultado da rápida resolução da oclusão coronariana, tanto aterotrombótica como espástica.

O prognóstico foi benigno no estudo realizado por Bory e cols.7, no qual foram acompanhados 277 pacientes com vasoespasmo coronariano. No seguimento desses pacientes em período de 89 meses, constatou-se o seguinte: 6,5% apresentaram infarto agudo do miocárdio (IAM) e 39% tiveram recorrência dos sintomas a despeito do uso de medicamentos. Nesse caso, apenas com retirada do descongestionante nasal é que a paciente apresentou melhora do quadro clínico, mostrando uma provável relação causal entre o uso de simpatomimético e a síndrome coronariana aguda e o balonamento apical. O fácil acesso à droga, a venda sem receita médica e o uso indiscriminado podem acarretar o aparecimento de novos casos.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 16/12/08; revisado recebido em 14/05/09, aceito em 14/05/09

  • 1. Bybee KA, Kara T, Prassad A, Lerman A, Barness GW, Wright RS, et al. Systematic review: transient left ventricular apical balloning: a syndrome that mimics st-segment elevation myocardial infartion. Ann Intern Med. 2004; 141: 858-65.
  • 2. Manoguerra AS. Sympathomimetic poisoning. In: Irwin RS, Rippe JM. Intensive care medicine. 4th ed. Philadelphia: Lipincott-Raven; 1999.
  • 3. Forte RY, Precona-Neto D, Chiminacio Neto N, Maia F, Faria-Neto JR. Infarto do miocárdio em atleta jovem associado ao uso de suplemento dietético rico em efedrina. Arq Bras Cardiol. 2006; 87: e179-81.
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  • 5. Cuebero JS, Moral RP. Transient apical ballooning syndrome: a transition towards adulthood. Rev Esp Cardiol. 2004; 57 (3): 194-7.
  • 6. Ibanez B, Navarro F, Cordoba M, M-Alberca P, Farre J. Tako-tsubo transient left ventricular apical balloning: is intravascular ultrasound the key to resolve the enignma? Heart. 2005; 91: 102-4.
  • 7. Bory M, Pierron F, Panagides D, Bonnet JL, Yvorra S, Desfossez L. Coronary artery spasm in patients with normal or near normal coronary arteries. Eur Heart J. 1996; 17: 1015-21.
  • Correspondência:
    Ricardo Wang
    Praça Rui Barbosa, 694 - Centro
    80030-010 – Curitiba, PR - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Nov 2009

    Histórico

    • Recebido
      16 Dez 2008
    • Revisado
      14 Maio 2009
    • Aceito
      14 Maio 2009
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