Acessibilidade / Reportar erro

Dose efetiva de sedação em ecocardiograma transesofágico: relação com idade, área de superfície e função do ventrículo esquerdo

Resumos

FUNDAMENTO: A sedação com midazolam e meperidina é amplamente utilizada em ecocardiografia transesofágica, entretanto, não existe dose média estabelecida para cada caso. OBJETIVO: Correlacionar as doses médias de midazolam e meperidina para sedação adequada em ecocardiografia transesofágica com faixa etária, área de superfície corpórea e fração de ejeção do ventrículo esquerdo. MÉTODOS: Estudo retrospectivo envolvendo 1.841 pacientes submetidos à sedação baseada na escala de Ramsay, com solução contendo midazolam 1,5 mg (1,5 ml), meperidina 1 mg (1 ml) e água destilada (7,5 ml). Analisamos quatro grupos etários: G1: < 24 anos; G2: 25 a 44 anos; G3: 45 a 64 anos; e G4: > 65 anos. Obtivemos a área de superfície corpórea pela fórmula: {[(altura x 100)0,725] x (peso0,425) x 0,0071}. Com relação à fração de ejeção do ventrículo esquerdo, estudamos dois grupos: GA: < 55%; e GB: > 55%. Na análise estatística utilizamos o teste de Kruskal-Wallis para correlação com idade e fração de ejeção do ventrículo esquerdo, e correlação linear simples para área de superfície corpórea. RESULTADOS: No estudo da idade, as doses médias de sedação necessárias foram significativamente menores no G3 e G4 (p < 0,01). Na análise da fração de ejeção do ventrículo esquerdo, esta foi significativamente menor no GA (p < 0,01). O coeficiente de correlação linear entre dose de sedação e área de superfície corpórea foi 0,09 (nulo). CONCLUSÃO: Houve menor dose média necessária de sedativos nos indivíduos com maior idade e em portadores de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, e não houve correlação com área de superfície corpórea.

midazolam; meperidina; ecocardiografia transesofagica; sedação consciente


BACKGROUND: Sedation with midazolam and meperidine is widely used in transesophageal echocardiography. However, no mean dose is established for each individual case. OBJECTIVE: To correlate the mean midazolam and meperidine doses for proper sedation for transesophageal echocardiography with age range, body surface area, and left ventricular ejection fraction. METHODS: Retrospective study comprising 1,841 patients undergoing sedation based on the Ramsay scale, with a solution containing midazolam 1.5 mg (1.5 ml), meperidine 1 mg (1 ml) and distilled water (7.5 ml). Four age groups were analyzed: G1: < 24 years; G2: 25 to 44 years; G3: 45 to 64 years; and G4: > 65 years. Body surface area was calculated using the formula {[(height x 100)0.725] x (weight0.425) x 0.0071}. As regards the left ventricular ejection fraction, two groups were studied: GA: < 55%; and GB: > 55%. The statistical analysis was carried out using the Kruskal-Wallis test for the correlation with age and left ventricular ejection fraction, and simple linear correlation for body surface area. RESULTS: As regards age, the mean doses of sedation required were significantly lower in G3 and G4 (p<0.01). The analysis of left ventricular ejection fraction showed that this was significantly lower in GA (p<0.01). The linear correlation coefficient between dose of sedation and body surface area was 0.09 (null). CONCLUSION: The mean dose of sedatives required was lower in older individuals and in those with left ventricular systolic dysfunction. No correlation with body surface area was found.

midazolam; transesophageal echocardiography; meperidine; conscious sedation


FUNDAMENTO: La sedación con midazolam y meperidina es ampliamente utilizada en ecografía transesofágica, no obstante, no existe dosis media establecida para cada caso. OBJETIVO: Correlacionar la dosis media de midazolam y meperidina para sedación adecuada en ecografía transesofágica con intervalo de edades, área de superficie corporal y fracción de eyección del ventrículo izquierdo. MÉTODOS: Estudio retrospectivo involucrando 1.841 pacientes sometidos a sedación basada en la escala de Ramsay, con solución conteniendo midazolam 1,5 mg (1,5 ml), meperidina 1 mg (1 ml) y agua destilada (7,5 ml). Analizamos cuatro grupos etarios: G1: < 24 años; G2: 25 a 44 años; G3: 45 a 64 años; y G4: > 65 años. Obtuvimos el área de superficie corporal mediante la fórmula: {[(altura x 100)0,725] x (peso0,425) x 0,0071}. Con relación a la fracción de eyección del ventrículo izquierdo, estudiamos dos grupos: GA: < 55%; y GB: > 55%. En el análisis estadístico utilizamos el test de Kruskal-Wallis para correlación con edad y fracción de eyección del ventrículo izquierdo, y correlación lineal simple para área de superficie corporal. RESULTADOS: En el estudio de la edad, las dosis medias de sedación necesarias fueron significativamente menores en el G3 y G4 (p < 0,01). En el análisis de la fracción de eyección del ventrículo izquierdo, ésta fue significativamente menor en el GA (p < 0,01). El coeficiente de correlación lineal entre dosis de sedación y área de superficie corporal fue 0,09 (nulo). CONCLUSIÓN: Hubo menor dosis media necesaria de sedantes en los individuos con mayor edad y en portadores de disfunción sistólica del ventrículo izquierdo, y no hubo correlación con el área de superficie corporal.

Midazolam; meperidina; ecocardiografía transesofágica; sedación conciente


ARTIGO ORIGINAL

ECOCARDIOGRAFIA DE ADULTOS

Dose efetiva de sedação em ecocardiograma transesofágico. Relação com idade, área de superfície e função do ventrículo esquerdo

Guilherme Moreira José; Carlos Eduardo Suaide Silva; Luiz Darcy Cortez Ferreira; Yara Prosdossini Soares de Novaes; Claudia Gianini Monaco; Manuel Adán Gil; Renata Rejane Linhares; Marcelo Sgrott Rodrigues; Antônio S. S. de Moraes; Juarez Ortiz

OMNI-CCNI Medicina Diagnóstica de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Carlos Eduardo Suaide Silva Rua Cubatão, 726 - Paraíso 04013-002 - São Paulo, SP - Brasil. E-mail: csuaide@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A sedação com midazolam e meperidina é amplamente utilizada em ecocardiografia transesofágica, entretanto, não existe dose média estabelecida para cada caso.

OBJETIVO: Correlacionar as doses médias de midazolam e meperidina para sedação adequada em ecocardiografia transesofágica com faixa etária, área de superfície corpórea e fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo envolvendo 1.841 pacientes submetidos à sedação baseada na escala de Ramsay, com solução contendo midazolam 1,5 mg (1,5 ml), meperidina 1 mg (1 ml) e água destilada (7,5 ml). Analisamos quatro grupos etários: G1: < 24 anos; G2: 25 a 44 anos; G3: 45 a 64 anos; e G4: > 65 anos. Obtivemos a área de superfície corpórea pela fórmula: {[(altura x 100)0,725] x (peso0,425) x 0,0071}. Com relação à fração de ejeção do ventrículo esquerdo, estudamos dois grupos: GA: < 55%; e GB: > 55%. Na análise estatística utilizamos o teste de Kruskal-Wallis para correlação com idade e fração de ejeção do ventrículo esquerdo, e correlação linear simples para área de superfície corpórea.

RESULTADOS: No estudo da idade, as doses médias de sedação necessárias foram significativamente menores no G3 e G4 (p < 0,01). Na análise da fração de ejeção do ventrículo esquerdo, esta foi significativamente menor no GA (p < 0,01). O coeficiente de correlação linear entre dose de sedação e área de superfície corpórea foi 0,09 (nulo).

CONCLUSÃO: Houve menor dose média necessária de sedativos nos indivíduos com maior idade e em portadores de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, e não houve correlação com área de superfície corpórea.

Palavras chave: midazolam, meperidina, ecocardiografia transesofagica, sedação consciente.

Introdução

O ecocardiograma transesofágico é realizado através da intubação esofagiana, utilizando-se uma sonda acrescida de um ou mais transdutores em sua extremidade. Para tal, o jejum de aproximadamente cinco horas é indispensável para todos os pacientes que serão submetidos ao procedimento com o uso de anestesia ou sedação1.

Recomenda-se, também, a aplicação de anestésico tópico (cloridrato de lidocaína spray a 10%), punção de veia periférica e, habitualmente, dá-se preferência ao uso de sedativos e analgésicos por via intravenosa1. O uso de sedação e analgesia promove o aumento da tolerância ao procedimento, na grande maioria das vezes incômodo, através do bloqueio da resposta ao estresse (bastante útil em cardiopatas); do embotamento da atividade laríngea (muito útil em asmáticos, bronquíticos crônicos e cardiopatas); do desconforto e da dor. É também bastante útil quando há incapacidade de colaboração por parte de pacientes excessivamente ansiosos, em portadores de doenças neurológicas ou psiquiátricas, e ainda a pedido expresso2. Atualmente, as drogas mais utilizadas para sedação em ecocardiografia transesofágica são os benzodiazepínicos (diazepam e midazolam), e para analgesia, os opióides (meperidina e fentanil) e o propofol. Dá-se preferência ao estabelecimento de um nível de sedação adequado, baseado na utilização de baixas doses de sedativos, devido a uma maior tolerabilidade ao procedimento e a mínima incidência de efeitos colaterais3-6.

Devido à importância de se obter uma normatização sobre a quantidade de sedativos e analgésicos necessária para uma sedação adequada em grupos de pacientes com características específicas7, estudamos a correlação entre as doses médias da solução de midazolam e meperidina, necessárias para se atingir um nível de sedação entre as pontuações 3 e 4 pela escala de Ramsay (Tabela 1), em indivíduos pertencentes a distintas faixas etárias; entre portadores de diferentes áreas de superfície corpórea; e entre pacientes com e sem o diagnóstico de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo.

Métodos

Foram analisados, retrospectivamente, 1.841 pacientes submetidos ao ecocardiograma transesofágico em nossa instituição por indicações clínicas diversas, com idades entre 14 e 96 anos (53,5 ± 16,9 anos), sendo 944 (51,3%) pacientes do sexo masculino.

A técnica dos exames seguiu a Normatização dos Equipamentos e Técnicas de Exame para a Realização de Exames Ecocardiográficos da Sociedade Brasileira de Cardiologia1.

Em todos os pacientes foi realizado o ecocardiograma transtorácico e imediatamente após, o ecocardiograma transesofágico8. Foram utilizados ecocardiógrafos modelo Vivid 3, da General Electric, equipados com transdutor transtorácico de 2,5 MHz, e transdutor transesofágico de 5 MHz .

Os exames transtorácico e transesofágico foram realizados em ambiente ambulatorial, em sala equipada com instrumentos e medicamentos para ressuscitação cardiorrespiratória.

A medida da fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi realizada por meio do exame transtorácico. Nos pacientes com déficit contrátil segmentar da câmara, foi utilizado o método de Simpson, e nos demais, foram utilizados os métodos do Cubo, quando o diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo era menor ou igual a 60 mm, ou Teichholz, quando o mesmo era maior que 60 mm9,10. Utilizamos como ponto de corte para disfunção sistólica do ventrículo esquerdo a fração de ejeção de 55%, pois frações de ejeção abaixo desse valor caracterizam a presença de déficit sistólico da câmara por qualquer um dos métodos utilizados.

A monitoração dos pacientes foi realizada durante o exame transesofágico através do uso do oxímetro de pulso para a observação da saturação periférica de oxigênio; do monitor cardíaco para a observação do traçado eletrocardiográfico contínuo e da frequência cardíaca; e da aferição da pressão arterial sistêmica não invasiva utilizando-se de estetoscópio e esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, imediatamente antes do procedimento, após ter-se atingido o nível de sedação esperado e imediatamente após o término do exame.

A anestesia tópica da cavidade bucal, orofaringe e hipofaringe foi realizada com cloridrato de lidocaína spray a 10%, com o objetivo de facilitar a introdução do transdutor. Respeitamos a dose máxima de 4 mg/kg com o intuito de prevenir uma eventual toxicidade11-13. A sedação foi realizada com solução padrão de 10 ml contendo o benzodiazepínico midazolam na quantidade de 1,5 mg, equivalente a 1,5 ml da solução, e o analgésico opióide meperidina, na quantidade de 1mg, equivalente a 1ml da solução, diluídos em 7,5 ml de água destilada, resultando em 0,15 mg de midazolam associado a 0,1 mg de meperidina por ml de solução.

A escala de Ramsay foi utilizada para a análise do nível de sedação dos pacientes, padronizando-se como sedação efetiva a resposta ao estímulo verbal isolado ou acompanhado de estímulo tátil ou sonoro, correspondente às pontuações entre 3 e 4 da escala14 (Tabela 1).

O nível de sedação desejado foi obtido para cada paciente através da administração intravenosa de 1 ml em bolo da solução de midazolam e meperidina, adicionando-se 1 ml a cada minuto, se necessário, até o nível de sedação preconizado pela escala de Ramsay ser atingido.

Após a realização do exame, todos os pacientes foram transferidos para sala destinada à recuperação pós-anestésica. Nesse ambiente, durante o período de permanência, seus sinais vitais foram monitorados através do uso de monitor cardíaco e oxímetro de pulso, além da aferição da pressão arterial não-invasiva com estetoscópio e esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, imediatamente antes da alta.

A reversão farmacológica da sedação foi necessária em 2,12% dos pacientes, correspondendo a 39 indivíduos, devido à ocorrência de nível de sedação acima de 4 pontos pela escala de Ramsay em 26 pacientes; hipoxemia em cinco pacientes; hipotensão arterial sistêmica em quatro pacientes; e apnéia em três pacientes. Utilizamos, em todos os casos, o antagonista benzodiazepínico flumazenil e o antagonista opióide naloxona, além de suporte respiratório e reposição volêmica nos casos de hipotensão arterial. Estabelecemos a administração inicial em bolo de 0,2 mg de flumazenil e 1 mg de naloxona durante 15 segundos, e, se necessário, o incremento de 0,1 mg de flumazenil e 1 mg de naloxona durante 15 segundos a cada 3 minutos, até a reversão dos efeitos adversos produzidos pelo midazolam e pela meperidina. Estabelecemos a dose máxima de 1 mg para o flumazenil e 10 mg para o naloxona.

A liberação dos pacientes para o domicílio foi realizada quando os mesmos recuperaram adequadamente o seu nível de consciência, correspondente às pontuações entre 1 e 2 pela escala de Ramsay (Tabela 1). Todos tiveram alta assintomáticos e com pressão arterial sistêmica, frequência cardíaca, saturação periférica de oxigênio e traçado eletrocardiográfico dentro dos limites da normalidade para pacientes adultos em repouso, após revisão médica pertinente.

Para o estudo da correlação entre a dose efetiva de sedativo e a variável idade, os pacientes foram separados em quatro grupos etários distintos: grupo 1 (G1), com idade menor ou igual a 24 anos (n = 100); grupo 2 (G2), entre 25 e 44 anos (n = 457); grupo 3 (G3), entre 45 e 64 anos (n = 721); e grupo 4 (G4), com idade maior ou igual a 65 anos (n = 563). O nível de sedação desejado foi obtido para os pacientes de cada grupo e, a partir de então, foi estabelecida a média da quantidade de solução necessária para cada grupo atingir o nível de sedação esperado. A comparação entre os grupos, devido à heterogeneidade da população estudada, foi feita pelo teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.

A área de superfície corpórea (ASC) foi calculada para cada paciente pela fórmula: ASC = {[(altura x 100)0,725] x (peso0,425) x 0,0071}. Para a correlação entre a variável independente (área de superfície corpórea) e a variável dependente (dose efetiva da solução de midazolam e meperidina) foi utilizada a regressão linear simples, através da análise numérica dos dados do gráfico de dispersão. Este foi constituído pelo conjunto de pontos formados pela intersecção dos valores do eixo x (área de superfície corpórea) e do eixo y (dose da solução de midazolam e meperidina necessária para se obter o nível de sedação esperado) para cada paciente. A conclusão sobre a eventual positividade, negatividade ou nulidade da correlação entre essas duas variáveis foi estabelecida através do coeficiente de correlação linear (r).

Para o estudo da correlação entre a dose efetiva de sedativo e a variável função sistólica do ventrículo esquerdo, os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo A (GA), com fração de ejeção menor que 55% (n = 222); e grupo B (GB), com fração de ejeção maior ou igual a 55% (n = 1.619). Assim como no estudo da variável idade, o nível de sedação desejado foi obtido para os pacientes de cada grupo, e, a partir de então, foi estabelecida a média da quantidade de solução necessária para cada grupo atingir o nível de sedação esperado. Para a comparação entre os dois grupos heterogêneos de pacientes, assim como no estudo da variável idade, utilizamos o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.

Todos os pacientes em estudo, antes da realização dos exames, assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, visando à aceitação de eventual participação em trabalhos e serem realizados pela instituição.

As informações retrospectivas foram obtidas através dos laudos ecocardiográficos eletrônicos dos pacientes em estudo. O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa de nossa instituição consoante às recomendações éticas da Declaração de Helsinki de 1975.

Resultados

População estudada

O presente estudo caracterizou-se por apresentar uma proporção equilibrada entre os indivíduos do sexo masculino (51,3%), representando 944 pacientes, e os do sexo feminino (48,7%), representando 897 pacientes. Com relação às faixas etárias estudadas, observou-se um número crescente de indivíduos até os 64 anos, e após, um leve decréscimo destes, como observado no Gráfico 1.


Doses médias efetivas da solução de midazolam e meperidina relacionadas a diferentes grupos etários

Na análise dos quatro grupos etários envolvidos no estudo, as doses médias da solução de midazolam e meperidina, necessárias para se obter sedação entre os níveis 3 e 4 pela escala de Ramsey, foram estabelecidas para cada grupo e comparadas entre eles. O seu resultado, como demonstrado no Gráfico 2 e na Tabela 2, evidenciou que a dose média de solução sedativa necessária foi inversamente proporcional ao aumento da idade, sendo mais elevada no Grupo 1, onde estavam presentes os indivíduos mais jovens. A partir do Grupo 2, e assim progressivamente até o Grupo 4, houve um significativo declínio das doses médias da solução (p < 0,01), sendo mais intenso nos pacientes mais idosos, ou seja, naqueles pertencentes ao Grupo 4, com idades acima de 65 anos. Estabelecendo-se como referencial o Grupo 1, a percentagem de declínio das doses médias efetivas da solução sedativa nos demais grupos foi a seguinte: Grupo 2 (1,90%), Grupo 3 (19,78%) e Grupo 4 (36,65%).


Doses médias efetivas da solução de midazolam e meperidina relacionadas à área de superfície corpórea

A análise da área de superfície corpórea de cada paciente, calculada pela fórmula: ASC = {[(altura x 100)0,725] x (peso0,425) x 0,0071}, evidenciou, para os 1.841 indivíduos estudados, uma variação desde o valor mínimo de 1,22 m2 até o valor máximo de 2,67 m2, estabelecendo com isso uma média geral aproximada de 1,79 ± 0,21 m2. Utilizando a regressão linear simples como ferramenta estatística, estabelecemos o valor do coeficiente de correlação linear (r = 0,09) entre a variável independente (área de superfície corpórea) e a variável dependente (dose da solução de midazolam e meperidina necessária para sedação entre os níveis 3 e 4 pela escala de Ramsay), através dos dados interpretados pela análise do gráfico de dispersão (Gráfico 3). A interpretação desse coeficiente resultou em correlação linear nula entre as duas variáveis.


Doses médias efetivas da solução de midazolam e meperidina relacionadas à função sistólica do ventrículo esquerdo

Houve proporcionalidade direta entre as doses da solução de midazolam e meperidina e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, como demonstrado no Gráfico 4 e na Tabela 3. O Grupo A, com fração mais baixa, necessitou de dose média de sedação significativamente menor (6,29 ± 2,70 ml), em comparação com o Grupo B (7,34 ± 3,15 ml), para a obtenção do efeito sedativo esperado (p < 0,01). A percentagem de declínio da dose média da solução de sedação do Grupo 1 para o Grupo 2 foi de 14,3%.


Discussão

Este estudo teve por objetivo determinar a correlação entre as doses médias da solução de midazolam e meperidina, necessárias para se atingir um nível de sedação correspondente às pontuações entre 3 e 4 pela escala de Ramsay, em pacientes indicados para ecocardiograma transesofágico, em relação a três variáveis independentes: faixa etária, área de superfície corpórea e fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

Empregamos a escala de Ramsay para a análise do nível de sedação devido a sua larga aplicabilidade por diversos autores e trabalhos em anestesiologia e terapia intensiva, além da consagrada qualidade para a avaliação do nível de sedação15.

O midazolam, droga de curta ação derivada do grupo das imidazobenzodiazepinas, é usado por via intravenosa em ecocardiografia transesofágica com finalidade ansiolítica, sedativa, hipnótica e amnéstica16. Liga-se fortemente às proteínas plasmáticas (95 ± 2%), possui elevado volume de distribuição (1,1 ± 0,6 litros/kg), acentuado clearence sistêmico (6,6 ± 0,8 ml/min.kg) e baixa meia-vida de eliminação (1,9 ± 0,6 horas). Sua biotransformação é hepática e realiza-se por hidroxilação do grupo metílico no anel imidazólico fechado, sendo o 1-hidroximetilmidazolam o seu metabólito mais ativo, o qual é eliminado com uma meia-vida de uma hora após conjugação com o ácido glicurônico. Sua principal via de excreção é a renal (56 ± 26%)17. Já a meperidina, droga opióide de curta ação pertencente ao grupo das fenilpiperidinas, é usada por via intravenosa em ecocardiografia transesofágica devido a sua potente ação analgésica. Liga-se moderadamente às proteínas plasmáticas (58 ± 9%), possui elevado volume de distribuição (4,4 ± 0,9 litros/kg), acentuado clearence sistêmico (17 ± 5 ml/min.kg) e baixa meia-vida de eliminação (3,2 ± 0,8 horas). Sua biotransformação é hepática e realiza-se através de reação oxidativa e redutora pelo sistema citocromo P450/hidrólise e por conjugação. A principal via de excreção é a renal (aproximadamente 25% em pH urinário baixo), sendo possível também as vias biliar e gastrointestinal18,19.

De maneira geral, como consequência do processo de senilidade, as alterações hepáticas decorrentes da redução da massa do órgão, da atividade enzimática e do fluxo sanguíneo para os hepatócitos, determinam a queda de sua atividade metabólica global. É prevista a redução da capacidade de biotransformação de drogas com alta percentagem de participação hepática em indivíduos idosos, a exemplo do midazolam e da meperidina, acarretando o prolongamento da meia-vida plasmática e o aumento dos níveis séricos de suas moléculas metabolicamente ativas20-22.

Pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo abaixo do normal podem apresentar múltiplas alterações morfofuncionais hepáticas, ocasionadas pelo reduzido fluxo sanguíneo aos hepatócitos, as quais variam desde modificações brandas nos testes funcionais até a fibrose progressiva com cirrose cardíaca e a hepatite isquêmica cardiogênica. Essas alterações encontram-se intimamente ligadas às mudanças na farmacocinética das drogas metabolizadas pelo órgão, a exemplo do midazolam e da meperidina, e estão representadas pelo prolongamento da meia-vida plasmática e pelo aumento dos níveis séricos de suas moléculas metabolicamente ativas, decorrentes da desaceleração do seu clearence sistêmico23. No caso do midazolam e da meperidina, essa desaceleração em portadores de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo decorre da diminuição dos processos de hidroxilação, no caso do midazolam, e da atividade metabólica da mono-oxigenase do citocromo P450, no caso da meperidina.

O prolongamento da meia-vida plasmática e dos níveis séricos de seus compostos metabolicamente ativos, resulta em efeitos farmacológicos prolongados e mais intensos, havendo muitas vezes a necessidade de menores doses dos fármacos usados em idosos e em portadores de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo. Com isso, objetiva-se os efeitos clínicos desejados associados a menores efeitos tóxicos20.

No estudo das variáveis faixa etária e função sistólica do ventrículo esquerdo, foi possível verificar a estreita concordância com os dados da literatura20-23. Na análise da faixa etária, as doses médias da solução de midazolam e meperidina necessárias para o nível de sedação esperado foram progressivamente menores quanto maior a faixa etária dos pacientes em estudo, chegando-se à percentagem máxima de 36,65% de redução da quantidade necessária de solução sedativa em indivíduos acima de 65 anos, em relação àqueles com idade abaixo de 24 anos (p < 0,01). Na análise da função sistólica do ventrículo esquerdo, a dose média da solução de sedação necessária foi 14,30% menor nos portadores de disfunção sistólica (fração de ejeção abaixo de 55%), comparando-se àqueles portadores de função sistólica normal (fração de ejeção maior ou igual a 55%) (p < 0,01).

Por área de superfície corpórea compreende-se a relação diretamente proporcional entre o peso e a estatura de um indivíduo, onde o primeiro é caracterizado pela somatória da massa gorda ou peso de gordura, representada por todos os lípides do organismo, e da massa magra, representada pela água, proteínas e componentes minerais24. Em portadores de elevadas áreas de superfície corpórea caracterizados como obesos, isto é, em portadores de peso corpóreo total desproporcionalmente elevado em relação a sua estatura, a farmacocinética do midazolam é alterada através do aumento do seu volume de redistribuição, com consequente aumento de sua meia-vida plasmática, proporcionando efeitos farmacológicos mais prolongados em comparação a indivíduos não obesos25. A obesidade não altera a intensidade da distribuição primária da droga, injetada por via intravenosa, no sistema nervoso central e em outros órgãos altamente perfundidos. Essa distribuição ocorre poucos segundos após a administração da droga, seguida por uma fase de redistribuição aos tecidos menos perfundidos, em especial aos tecidos muscular e adiposo, sendo esta a etapa farmacocinética influenciada pela obesidade, quando os efeitos primários do midazolam no sistema nervoso central, como sedação, hipnose e amnésia anterógrada, já se estabeleceram17. Já a meperidina possui características farmacocinéticas semelhantes entre indivíduos obesos e não obesos19.

É intuitivo imaginarmos que indivíduos com maiores áreas de superfície corpórea necessitem de maior quantidade de sedativos. Entretanto, em nosso estudo, não observamos correlação entre as doses da solução de midazolam e meperidina necessárias e as áreas de superfície corpórea dos pacientes. O coeficiente de correlação nulo entre essas duas variáveis é concordante com os dados da literatura16,19,25, não havendo, portanto, proporcionalidade entre as doses de solução sedativa necessárias e as diferentes áreas de superfície corpórea. Esse fato demonstra que indivíduos portadores de grandes áreas de superfície corpórea podem utilizar doses menores de solução sedativa, assim como aqueles com pequenas áreas podem necessitar de doses maiores da mesma.

Como limitação do estudo, pode-se citar o fato de que não houve a avaliação de outros fatores que pudessem alterar o metabolismo hepático do midazolam e da meperidina, como o uso de álcool, doenças hepáticas concomitantes e competição pela mesma via de biotransformação com outras drogas. Além disso, por se tratar de um estudo retrospectivo, a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi obtida dos prontuários eletrônicos dos pacientes e medida por três métodos distintos (Cubo, Simpson e Teichholz). Entretanto, acreditamos não ter afetado os resultados do estudo, já que o valor de corte de 55% separa indivíduos com ou sem disfunção ventricular esquerda independente do método utilizado.

Conclusão

Nossos achados indicam que as doses médias de solução de midazolam e meperidina, necessárias para a obtenção de sedação entre os níveis 3 e 4 pela escala de Ramsay em ecocardiografia transesofágica, são significativamente menores quanto maior a idade do paciente e quanto menor a sua fração de ejeção. Além disso, não observamos correlação entre a dose de sedação e a área de superfície corpórea dos pacientes estudados.

Esses resultados proporcionam a possibilidade da obtenção de um referencial mais preciso sobre a quantidade de midazolam e meperidina necessária para um adequado nível de sedação durante o procedimento ecocardiográfico transesofágico nesses grupos específicos de pacientes.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 16/10/08; revisado recebido em 17/11/08; aceito em 28/04/09

  • 1. Silva CE, Tasca R, Weitzel LH, Moisés VA, Ferreira LDC, Tavares GMP, et al. Normatização dos equipamentos e técnicas de exame para realização de exames ecocardiográficos. Arq Bras Cardiol. 2004; 82 (2): 3-8.
  • 2. Ferreira A. Sedação em endoscopia digestiva: uma perspectiva do anestesista. J Port Gastroenterol. 2002; 9: 19-25.
  • 3. Hashimoto S, Nakatani S, Tanimura M, Nakasone I, Tanaka N, Masuda Y, et al. Usefulness of conscious sedation with midazolam during transesophageal echocardiographic examination. J Cardiol. 2004; 44 (5): 195-200.
  • 4. Gelissen HP, Epema AH, Henning RH, Krijnen HJ, Hennis PJ, den Hertog A. Inotropic effects of propofol, thiopental, midazolam, etomidate, and ketamine on isolated atrial muscle. Anesthesiology. 1996; 84 (2): 397-403.
  • 5. Sutaria N, Northridge D, Denvir M. A survey of sedation and monitoring practices during transesophageal echocardiography in the UK: are recommended guidelines being followed? Heart. 2000; 84 (Suppl. 2): ii19.
  • 6. Rex DK. Moderate sedation for endoscopy: sedation regiments for non-anaesthesiologists. Aliment Pharmacol Ther. 2006; 24 (2): 163-71.
  • 7. Smith MR, Bell GD, Quine MA, Spencer GM, Morden AE, Jones JG. Small bolus injections of intravenous midazolam for upper gastrointestinal endoscopy: a study of 788 consecutive cases. Br J Clin Pharmacol. 1993; 36 (6): 573-8.
  • 8. Silva CES, Ferreira LDC, Monaco CG, Gil MA, Peixoto LB, Leal SMB, et al. Apresentando o ecocardiograma. In: Silva CES, Ferreira LDC, Monaco CG, Gil MA, Peixoto LB, Leal SMB. O ecocardiograma no apoio à decisão clínica. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p. 1-29.
  • 9. Ferreira LDC. Avaliação da função sistólica ventricular. In: Silva CES. Ecocardiografia: princípios e aplicações clínicas. Rio de Janeiro: Revinter; 2007. p.361-77.
  • 10. Feigenbaum H, Armstrong WF, Ryan T. Feigenbaum's echocardiography. Tauton: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 140-80.
  • 11. Sharma SC, Rama PR, Miller GL, Coccio EB, Coulter LJ. Systemic absorption and toxicity from topicly administered lidocaine during transesophageal echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 1996; 9 (5): 710-11.
  • 12. Feigenbaum H, Armstrong WF, Ryan T. Feigenbaum's echocardiography. Tauton: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 106-37.
  • 13. Oh JK, Seward JB, Tajik AJ. The echo manual. Rochester: Lippincott Williams & Wilkins; 2006. p. 30-58.
  • 14. Nascimento JS, Módolo NSP, Carvalho HG, Dórea EML, Santos KP. Clonidina na cineangiocoronariografia: efeitos sedativos sobre a pressão arterial e freqüência cardíaca. Arq Bras Cardiol. 2006; 87 (5): 603-8.
  • 15. Nascimento JS, Modolo NSP, Silva RCR, Santos KP, Carvalho HG. Efeitos sedativos e cardiovasculares do midazolam e do diazepam, associados ou não a clonidina, em pacientes submetidos a estudos hemodinâmicos por suspeita de doença arterial coronariana. Arq Bras Cardiol. 2007; 89 (6): 403-8.
  • 16. Patel H, Soni PP, Fukuda EK, Smith DF, Leier CV, Boudoulas H. The pharmacokinetics of midazolam in patients with congestive heart failure. Br J Clin Pharmacol. 1990; 29 (5): 565-9.
  • 17. Hobbs WR, Rall TW, Verdoorn TA. Hipnóticos e sedativos; etanol. In: Hardman JG, Limbird LE, Molinoff PB, Ruddon RW, Gilman AG. As bases farmacológicas da terapêutica. Santiago: Mc Graw Hill; 1996. p. 264-89.
  • 18. Reisine T, Pasternak G. Analgésicos e antagonistas opióides. In: Hardman JG, Limbird LE, Molinoff PB, Ruddon RW, Gilman AG. As bases farmacológicas da terapêutica. Santiago: Mc Graw Hill; 1996. p. 380-404.
  • 19. Schumacher MA, Basbaum AI. Opioid analgesics & antagonists . In: Katzung BG. Basic & clinical pharmacology. Crawfordsville: Mc Graw Hill; 2007. p. 489-510.
  • 20. Benet LZ, Kroetz DL, Sheiner LB. Farmacocinética: a dinâmica da absorção, distribuição e eliminação dos fármacos. In: Hardman JG, Limbird LE, Molinoff PB, Ruddon RW, Gilman AG. As bases farmacológicas da terapêutica. Santiago: Mc Graw Hill; 1996. p. 3-20.
  • 21. Trevor AJ, Way WL. Sedative - hypnotic drugs. In: Katzung Bg. Basic & clinical pharmacology. Crawfordsville: Mc Graw Hill; 2007. p. 347-62.
  • 22. Vasconcelos LABA, Almeida EA, Bachur LF. Avaliação clínica e laboratorial hepática em indivíduos com insuficiência cardíaca congestiva. Arq Bras Cardiol. 2007; 88 (5): 590-5.
  • 23. Shammas FV, Dickstein K. Clinical pharmacokinetics in heart failure: an updated review. Clin Pharmacokinet. 1988; 15 (2): 94-113.
  • 24. Böhme MTS. Cineantropometria - componentes da constituição corporal. Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano. 2000; 2 (1): 72-9.
  • 25. Abernethy DR, Greenblatt DJ. Drug disposition in obese humans: an update. Clin Pharmacokinet. 1986; 11 (3): 199-213.
  • Correspondência:
    Carlos Eduardo Suaide Silva
    Rua Cubatão, 726 - Paraíso
    04013-002 - São Paulo, SP - Brasil.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      16 Out 2008
    • Revisado
      17 Nov 2008
    • Aceito
      28 Abr 2009
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br