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Caso 6: mulher de 80 anos, portadora de hipertensão arterial e dissecção crônica de aorta com quadro de dispneia intensa e dor torácica

CORRELAÇÃO ANATOMOCLÍNICA

Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP, São Paulo

Palavras-chave: Hipertensão, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar, aorta torácica/cirurgia.

Mulher de 80 anos de idade procurou assistência médica em razão de dor torácica e dispneia.

Aos 72 anos de idade (abril de 1996), a paciente foi submetida à mastectomia direita por carcinoma mamário. Depois da operação, submeteu-se à radioterapia e, em seguida, ao tratamento medicamentoso de longo prazo com tamoxifeno. Na evolução, apresentou espessamento endometrial diagnosticado com o auxílio do exame ultrassonográfico, e indicou-se histerectomia.

Na ocasião, a paciente queixava-se também de dispneia desencadeada por grandes esforços. Além disso, haviam sido feitos os diagnósticos de hipertensão arterial e sopro sistólico em área aórtica.

Encaminhou-se então a paciente para avaliação pré-operatória. Ela foi atendida no hospital pela primeira vez em 3 de janeiro de 1997, quando tinha 73 anos de idade.

O exame físico revelou frequência cardíaca de 60 bpm e pressão arterial de 140/95 mmHg. O exame dos pulmões foi normal. O exame do coração revelou bulhas normais e sopro sistólico ejetivo ++/4+ em área aórtica. O exame do abdome e das extremidades foi normal.

O eletrocardiograma (EC), realizado em 30 de dezembro de 1996, revelou ritmo sinusal regular, sobrecarga de câmaras esquerdas e alterações da repolarização ventricular: ondas T invertidas e assimétricas de V4 a V6 e também nas derivações I e aVL (fig. 1).


Em 30 de dezembro de 1996, a radiografia de tórax demonstrou aumento discreto da área cardíaca, às custas de ventrículo esquerdo.

A avaliação laboratorial revelou: 13 g/dl de hemoglobina, 39% de hematócrito, glicemia de 91 mg/dl, 0,8 mg/dl de creatinina, colesterol total de 196 mg/dl, 49 mg/dl de HDL-colesterol e 120 mg/dl de LDL-colesterol, e 136 mg/dl de triglicérides.

A paciente foi submetida à histerectomia em 19 de abril 1997.

O ecocardiograma, realizado em 19 de setembro de 1997, revelou hipertrofia de ventrículo esquerdo com função preservada e dilatação aórtica e de átrio esquerdo e estenose aórtica leve. As dimensões das câmaras cardíacas são apresentadas na tabela 1.

A partir de 1997, houve piora progressiva da dispneia, que passou a ser desencadeada por esforços menores, como caminhadas de um quarteirão em superfície plana.

A cintilografia miocárdica perfusional com estresse farmacológico (MIBI.99mTc e dipiridamol) (janeiro de 1998) revelou captação homogênea do traçador e não foi considerada sugestiva de isquemia miocárdica.

Persistindo os sintomas, foi indicado o estudo hemodinâmico e angiográfico. O estudo hemodinâmico não revelou gradiente transvalvar aórtico. A cineangiocoronariografia (julho de 1998) não revelou lesões obstrutivas nas artérias coronárias. A ventriculografia demonstrou ventrículo esquerdo com paredes de motilidade normal.

As avaliações ecocardiográficas posteriores foram consideradas sugestivas do aumento da hipertrofia miocárdica. Além disso, foi também diagnosticado gradiente de pressão na via de saída do ventrículo esquerdo. As medidas obtidas são apresentadas na tabela 1.

Em 1999, a radiografia de tórax de controle revelou área hipotransparente arredonda no pulmão. Foi indicada a tomografia de tórax. Em 28 de abril de 2000, a tomografia revelou derrame pleural esquerdo discreto com espessamento pleural e área hiperdensa em lobo inferior esquerdo; não havia adenomegalias. Além disso, havia cardiomegalia e aorta ateromatosa.

A conduta foi avaliada em conjunto com a equipe de cirurgia torácica. Optou-se por conduta expectante e realização de tomografias de controle evolutivo, de preferência a cada seis meses.

Em janeiro de 2002, a paciente queixou-se de palpitações taquicárdicas e piora da dispneia. Procurou atendimento médico, e foi feito o diagnóstico de fibrilação atrial. Iniciou o tratamento com varfarina.

Em 12 de agosto de 2002, a tomografia de tórax de controle revelou aneurisma de aorta ascendente com 57 mm que se estendia até a croça, onde o diâmetro era de 35 mm; os diâmetros da aorta descendente e da transição toracoabdominal foram de 34 mm e 24 mm, respectivamente. Havia sinais de dissecção na aorta ascendente que se iniciava no nível da emergência da aorta e alcançava a croça.

A ultrassonografia abdominal, realizada em 16 de agosto de 2002, revelou colecistopatia calculosa, ateromatose difusa de aorta abdominal e cistos renais. Em agosto de 2002, a cintilografia renal com DTPA-Tc 99 m foi normal.

O EC de 12 de setembro de 2002 revelou ritmo sinusal, frequência de 51 bpm, distúrbio de condução intraventricular do tipo bloqueio de ramo esquerdo e da divisão anterossuperior do ramo esquerdo, sobrecarga de câmaras esquerdas, onda T plus minus V4 e negativa V5, V6, I e aVLl (fig. 2).


Suspendeu-se o tratamento anticoagulante.

Em novembro de 2002, a paciente apresentou piora da dispneia que agora era desencadeada por pequenos esforços e pelo decúbito.

Na mesma época, os marcadores tumorais CEA, CA 125 e CA 19.9 estavam normais. Nova cinecoronariografia não revelou lesões obstrutivas coronárias.

Com o tratamento anti-hipertensivo administrado, constatou-se melhora dos sintomas.

Em 20 de junho de 2003, a tomografia de controle revelou nódulos de 1,2 cm no segmento basal posterior de lobo inferior direito e outro menor que 1 cm no segmento anterior do lobo superior direito. Havia estria de fibroatelectasia basal posterior esquerda, pequeno derrame pleural à esquerda e cardiomegalia. O aneurisma de aorta ascendente apresentava diâmetro de 57 mm e área de menor densidade na luz, sugerindo dissecção, semelhante ao exame anterior.

Na evolução, a paciente apresentou dispneia intensa, dor torácica do tipo pleurítica e alteração da consciência. Em razão disso, foi encaminhada ao hospital.

Em 14 de julho de 2003, o exame físico revelou paciente em mau estado geral, gemente, frequência cardíaca de 60 bpm, pressão arterial inaudível, extremidades frias e cianóticas. A ausculta pulmonar revelou estertores crepitantes em bases, havia sopro sistólico ++/4+ em área aórtica e sopro sistólico +++/4+ em área tricúspide. O exame do abdome foi normal, não havia sinais de trombose venosa profunda em membros inferiores.

Nessa mesma data, o EC revelou ritmo de fibrilação atrial, frequência média de 80 bpm, bloqueio do ramo direito e da divisão anterossuperior do ramo esquerdo, e alterações difusas da repolarização ventricular (fig. 3).


Os exames laboratoriais revelaram: 123 mg/dl de ureia, 1,6 mg/dl de creatinina, 4,4 mEq/l de potássio, 141 mEq/l de sódio, tempo de protrombina (INR) de 1,69 e relação de tempos de TTPA de 1,1. A gasometria arterial, sob uso de cateter nasal, revelou pH de 7,33, pCO2 de 59 mmHg, pO2 de 147 mmmHg, saturação de hemoglobina de 98%, bicarbonato de 31 mEq/l e excesso de base de 3,4 mEq/l. O dímero-D foi > 400 ng/ml.

Em 16 de julho de 2003, a ultrassonografia revelou ectasia de veia cava superior e supra-hepática, e colecistopatia calculosa. Havia ainda derrame pleural discreto à esquerda e moderado à direita, e rins tópicos com um cálculo calicial de 1 cm no rim esquerdo, sem sinais de hidronefrose.

Durante a internação, foram administrados noradrenalina, 120 mg de enoxaparina diários e sedativos.

Em 16 de junho de 2004, a paciente evoluiu sempre confusa e hipotensa, sofreu rebaixamento mais acentuado do nível de consciência e necessitou de intubação orotraqueal para suporte respiratório. Nos dias seguintes, continuou hipotensa, com necessidade de doses crescentes de noradrenalina, e apresentou parada cardíaca irreversível (19 de julho de 2004).

Aspectos clínicos

O caso em questão refere-se a uma mulher que, aos 72 anos, após tratamento de uma neoplasia de mama com cirurgia, hormônio e radioterapia, passou a apresentar dispneia desencadeada por esforços.

Nessa ocasião, também foi diagnosticada hipertensão arterial sistêmica e identificado sopro sistólico em foco aórtico. Os exames iniciais mostravam sinais de doença cardíaca estrutural: aumento de área cardíaca na radiografia de tórax às custas de aumento de ventrículo esquerdo e sobrecarga de câmaras esquerdas no eletrocardiograma.

Com esses dados, a principal hipótese diagnóstica para explicar o sintoma da paciente é insuficiência cardíaca. A síndrome clínica de insuficiência cardíaca é caracterizada por dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, edema de membros inferiores, hepatomegalia, fadiga e tontura. Diversos estudos foram realizados com o propósito de definir critérios diagnósticos para a insuficiência cardíaca. Utilizando os critérios de Framingham, encontraram-se nessa paciente um critério maior (aumento da área cardíaca à radiografia de tórax) e um critério menor (dispneia aos esforços). Para o diagnóstico definitivo, são necessários dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores. A presença de sinais de doença cardíaca estrutural nos exames complementares corrobora com esse diagnóstico.

Na avaliação de paciente com insuficiência cardíaca, o ecocardiograma é exame de grande importância, pois pode nos mostrar: tamanho e volume de cavidades, espessura de parede ventricular, função ventricular sistólica e diastólica, morfologia e função valvar. No caso em questão, o ecocardiograma mostrava: o átrio esquerdo aumentado, o ventrículo esquerdo (VE) com cavidade normal, porém com importante hipertrofia de suas paredes, a função sistólica global do VE normal (fração de encurtamento 34%) e pequeno gradiente transvalvar aórtico.

A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) pode levar à diminuição da complacência e provocar, consequentemente, disfunção ventricular diastólica e quadro de insuficiência cardíaca. É considerada secundária quando decorrente de um distúrbio identificado. A hipertensão arterial sistêmica é a causa mais comum, e a HVE é um marcador de maior risco de eventos cardiovasculares no paciente hipertenso1. Outra causa de HVE secundária é a estenose aórtica. No caso em questão, o grau de estenose era leve, não devendo ser a causa da miocardiopatia. Além disso, a estenose aórtica não foi confirmada no estudo hemodinâmico realizado posteriormente (em 1998), no qual não se encontrou gradiente transvalvar aórtico.

Apesar de o ecocardiograma não mostrar sinais de miocardiopatia isquêmica, como alteração de contração segmentar, é essencial a realização de exame para a avaliação de insuficiência coronária. Trata-se de uma paciente idosa e hipertensa, portanto com fatores de risco para doença arterial coronária, e que passou a apresentar sintoma de dispneia com esforço, que pode corresponder a um equivalente isquêmico. Esta manifestação da insuficiência coronária é mais comum em pacientes do sexo feminino, idosos e diabéticos. Na paciente em questão, foi realizada inicialmente uma prova funcional (cintilografia miocárdica perfusional com estresse farmacológico com dipiridamol) que não mostrou isquemia. Posteriormente, a cineangiocoronariografia não revelou lesões obstrutivas, afastando o diagnóstico.

Pelo fato de a paciente ter sido submetida à radioterapia em região torácica para tratamento de neoplasia de mama, a cardiomiopatia secundária à radioterapia é um diagnóstico que deve ser lembrado. A irradiação do coração pode danificar praticamente todos os seus componentes, incluindo pericárdio, miocárdio, valvas, artérias coronárias e sistema de condução. A pericardite é a manifestação aguda típica da lesão por radiação, enquanto doença pericárdica crônica, cardiomiopatia, doença arterial coronária, valvopatias e distúrbios de condução podem ocorrer anos após a exposição à radiação. A cardiomiopatia secundária à radioterapia é uma causa de cardiomiopatia restritiva, caracterizada por ventrículo rígido e não complacente, impedindo o seu adequado enchimento, que leva, portanto, à disfunção diastólica. Tipicamente, a cavidade ventricular esquerda é normal e não há hipertrofia miocárdica.

As avaliações ecocardiográficas posteriores da paciente mostram aumento da hipertrofia miocárdica e a presença de gradiente na via de saída do ventrículo esquerdo. A hipertrofia ventricular, quando secundária, é difusa, não justificando o gradiente de pressão intraventricular mostrado. Dessa forma, a hipótese diagnóstica de cardiomiopatia hipertrófica primária deve ser destacada.

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença genética caracterizada por hipertrofia desproporcional do VE e, ocasionalmente, do ventrículo direito, decorrente de um desarranjo e hipertrofia de miócitos. O septo interventricular é o local mais comumente envolvido, porém outras formas de apresentação podem ocorrer, com hipertrofia concêntrica ou predominantemente apical. O volume ventricular é normal ou reduzido, e geralmente ocorre disfunção diastólica. A hipertrofia pode ocasionar obstrução da via de saída do VE, gerando um gradiente de pressão sistólica intraventricular em até 25% dos pacientes2.

Os sintomas podem ser induzidos por uma variedade de mecanismos: obstrução da via de saída do VE no repouso ou com o esforço, disfunção diastólica, arritmias, distúrbios de condução e disfunção sistólica em decorrência de envolvimento miocárdico extenso. Dispneia com esforço é o sintoma mais comum, ocorrendo em até 90% dos pacientes sintomáticos3. Ortopneia e dispneia paroxística noturna são sintomas menos frequentes. Dor torácica com esforço pode ocorrer em 30% dos pacientes, em geral com coronariografia normal4.

Síncope ou pré-síncope é outra manifestação importante - aproximadamente 25% dos pacientes com CMH relatam ao menos um episódio de síncope. Pode ser decorrente de: obstrução de via de saída de VE, isquemia miocárdica durante exercício, arritmias e ativação de barorreflexo com vasodilatação inapropriada5. As arritmias apresentadas podem ser tanto supraventriculares quanto ventriculares e, pelas anormalidades sistólicas e diastólicas, podem não ser bem toleradas. A fibrilação atrial é a arritmia sustentada mais comum, podendo ocorrer em até um quarto dos pacientes, já que sua incidência aumenta com a idade e está associada a aumento de átrio esquerdo6.

Apesar de a maior parte dos casos de CMH se desenvolver na infância ou adolescência, a doença de início tardio é reconhecida. No idoso, a CMH de início é relacionada a mutações em genes da alfa miosina de cadeia pesada, troponina I e proteína C ligadora de miosina7, porém a probabilidade de se identificar uma mutação é menor. Em geral, a CMH de início tardio tem melhor prognóstico do que a doença diagnosticada no jovem.

Na evolução, surgiram novos achados. Em 1999, a radiografia de tórax evidenciou imagem hipotransparente arredondada no pulmão, que foi confirmada na tomografia (imagem hiperdensa em lobo inferior esquerdo). Havia derrame e espessamento pleural associados, sem adenomegalias. Imagem hiperatenuante associada a derrame e espessamento pleural em tomografia de tórax pode corresponder a processo infeccioso, neoplásico, inflamatório ou embolização pulmonar. Quando secundária à infecção, geralmente está associada a quadro clínico mais expressivo, como febre, queda do estado geral, perda de peso e sintomas pulmonares mais exuberantes (tosse e escarro). Uma vez que a paciente tivera câncer de mama, as hipóteses de tromboembolismo pulmonar (TEP) e processo neoplásico ativo não podem ser descartadas.

O TEP é uma doença grave, caracterizada pela obstrução parcial ou completa das artérias pulmonares em qualquer porção de seu trajeto. Sua ocorrência geralmente está associada à tríade: estase venosa, hipercoagulabilidade e lesão endotelial. Fatores como processos neoplásicos, pós-operatório de cirurgias - principalmente ortopédicas -, imobilização prolongada e doenças sistêmicas que geram hipercoagulabilidade podem predispor ao surgimento de TEP.

Metástases pulmonares secundárias ao câncer de mama não são incomuns. Geralmente, acometem porções mais periféricas dos pulmões por causa da irrigação preferencial para as bases.

Em agosto de 2002, foi diagnosticado, em tomografia de controle, aneurisma de aorta ascendente com sinais de dissecção. A dissecção de aorta pode ser dividida, segundo a classificação de Stanford, em tipo A - quando há acometimento da aorta ascendente - e tipo B - quando não há acometimento proximal. Essa diferenciação é muito importante para a definição prognóstica e terapêutica, visto que a dissecção do tipo A aguda tem maior mortalidade, e, portanto, indica-se intervenção cirúrgica de urgência, ao passo que a do tipo B tem melhor prognóstico e deve ser tratada preferencialmente com medicação. A dissecção do tipo A crônica não é comum, visto que a maior parte dos pacientes morre na fase inicial desta, quando não tratada cirurgicamente.

Em 2003, a paciente apresentou quadro de dispneia intensa, dor torácica do tipo pleurítica e alteração de consciência, associada a choque e surgimento de sopro cardíaco em foco tricúspide. Não se constataram sinais de trombose venosa profunda (TVP) em membros inferiores.

O TEP é uma doença potencialmente grave, cuja incidência real é subestimada, em virtude da ampla variação de manifestações clínicas possíveis. Pode se apresentar com um quadro dramático, com dispneia súbita associada a hipóxia e choque cardiogênico, sendo inclusive causa de morte súbita. Porém, também pode se apresentar com quadros mais frustros e/ou inespecíficos, como dispneia leve, dor torácica pleurítica, mal-estar e fadiga, tosse, escarro hemoptoico, febre baixa8,9. Estes últimos, em grande parte das vezes, não recebem o diagnóstico de TEP no primeiro atendimento e, portanto, não recebem terapêutica apropriada. Comparados aos pacientes que recebem tratamento, os pacientes não tratados apresentam maior mortalidade, em razão principalmente da recorrência da doença10,11.

Alguns fatores de risco são claramente associados à ocorrência de TEP, como imobilização prolongada, história de TVP e/ou TEP prévios, cirurgia recente (principalmente ortopédica), história de câncer, trombofilia adquirida ou hereditária, doença cardíaca ou pulmonar prévia e associação de uso de cigarro com anticoncepcional oral em mulheres12. Especificamente no caso de câncer de mama, geralmente o TEP ocorre em estágios mais avançados da doença.

Achados inespecíficos como taquicardia sinusal ou aumento de frequência do ritmo de base (como fibrilação atrial de alta frequência) e bloqueio de ramo direito são comuns no eletrocardiograma. O dímero-D realizado pelo método ELISA também é um exame com baixa especificidade, mas com alto valor preditivo negativo, ou seja, uma vez negativo, praticamente exclui o diagnóstico de TEP.

O tratamento baseia-se, inicialmente, na estabilização do paciente, com suporte ventilatório e hemodinâmico de acordo com a necessidade. Caso não haja contraindicação, deve-se iniciar anticoagulação plena com heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular. Outras medidas, como trombólise e embolectomia, estão reservadas a uma pequena parcela dos pacientes com TEP, que demonstram sinais de maior gravidade e maior risco de morrer. A presença de instabilidade hemodinâmica é o critério clínico de maior valor em relação ao risco de morte. A presença de instabilidade hemodinâmica constitui a indicação mais precisa de trombólise no TEP13. Algumas outras indicações são aceitáveis, como hipóxia importante, TEP muito grande e disfunção ventricular direita significativa no ecocardiograma transtorácico.

Naqueles pacientes que apresentam contraindicação à trombólise ou que não respondem ao tratamento com fibrinolítico, pode-se tentar a embolectomia cirúrgica.

A paciente evoluiu com sinais de má perfusão tecidual, com rebaixamento de nível de consciência, piora de função renal e hipotensão, caracterizando um quadro de choque. Necessitou de intubação orotraqueal por insuficiência respiratória e apresentou hipotensão refratária ao uso de vasopressores.

(Dr. Luis Fernando Bernal da Costa Seguro, Dra.Tania Marie Ogawa)

Hipótese diagnóstica

Em suma, trata-se de uma paciente com antecedente de neoplasia de mama tratada que desenvolveu quadro de insuficiência cardíaca, provavelmente secundário à cardiomiopatia hipertrófica. Apresentou descompensação aguda causada por tromboembolismo pulmonar, que ocasionou choque refratário e óbito.

(Dr. Luis Fernando Bernal da Costa Seguro, Dra.Tania Marie Ogawa)

Necrópsia

Na necrópsia, o coração apresentava hipertrofia concêntrica acentuada do ventrículo esquerdo, com miocardiosclerose multifocal (fig. 4A, 5A e 5B). Havia ainda focos recentes de lesão isquêmica representados por microinfartos miocárdicos aleatoriamente distribuídos, com cerca de duas semanas de evolução (fig. 5C). O átrio esquerdo mostrava dilatação moderada e espessamento endocárdico (fig. 4C). A valva mitral não tinha particularidades e a valva aórtica era aparentemente competente. Nas câmaras cardíacas direitas, havia intensa hipertrofia do ventrículo e intensa dilatação do átrio (fig. 4B). As coronárias exibiam lesões ateroscleróticas de grau leve.



Externamente, a aorta ascendente exibia abaulamento em sua face anterolateral direita (figura 6A e 6B). Aberta, observava-se dissecção crônica da parede restrita à aorta ascendente, terminando antes da artéria subclávia. A luz falsa tinha curto trajeto retrógrado e estava preenchida por trombos. A dissecção abaulava a parede, gerando leve estenose por compressão extrínseca da luz aórtica verdadeira (fig. 6C). O orifício de entrada tinha cerca de 2 cm, com borda romba, distando aproximadamente 3,5 cm do plano valvar aórtico (fig. 6D). A histologia da aorta mostrou as lesões habitualmente presentes em dissecção, tais como: diminuição do número de células musculares lisas, acúmulo de material mucoide e ruptura de fibras elásticas.


Nos demais órgãos, havia sinais de insuficiência cardíaca congestiva, tais como congestão passiva crônica hepática e pulmonar, com hipertensão pulmonar passiva, além de edema de membros inferiores. Havia aterosclerose generalizada, de leve a moderada, comprometendo a aorta e demais ramos. Nos rins, os achados de arteriolosclerose renal com cistos de retenção e demais aspectos de nefrosclerose benigna foram também correlacionados com o dado de hipertensão arterial. Detectou-se ainda tromboembolismo sistêmico em artérias basilar cerebral e femoral direita, aparentemente sem repercussões no território distal a elas, cuja fonte provável seria representada pelos trombos na dissecção.

Outros diagnósticos da autópsia foram: obesidade, colecistite crônica calculosa, mastectomia radical direita e histerectomia pregressas, pneumopatia crônica com enfisema pulmonar e focos de condensação com espessamento fibroso septal, e traqueobronquite aguda. Não havia neoplasia em todos os órgãos examinados.

A causa imediata do óbito foi tromboembolismo pulmonar bilateral com infartos pulmonares localizados nos lobos esquerdos, superior e inferior, e no lobo inferior direito, com cerca de 5 cm cada. Além disso, colaborando para o evento final, foram observados sinais de choque inicial em: miocárdio (hipereosinofilia e picnose nuclear em grupos de miocardiócitos subendocárdicos), fígado (necrose em grupos de hepatócitos da região centro-lobular) e rins (necrose tubular aguda inicial focal).

(Dra. Jussara Bianchi Castelli)

Diagnósticos anatomopatológicos

Obesidade; aterosclerose generalizada; cardiopatia hipertensiva, com intensa hipertrofia e miocardiosclerose multifocal; insuficiência cardíaca congestiva global; dissecção crônica da aorta ascendente, tipo A de Stanford; tromboembolismo pulmonar bilateral e sistêmico, para artérias basilar cerebral e femoral direita; nefrosclerose benigna; colecistite crônica calculosa; pneumopatia crônica com enfisema pulmonar; mastectomia radical direita e histerectomia pregressas; choque cardiogênico.

(Dra. Jussara Bianchi Castelli)

Comentário

Os focos recentes de necrose isquêmica foram correlacionados à isquemia miocárdica relativa por causa da intensa hipertrofia concêntrica, o que é bem conhecido nos casos com história clínica de hipertensão arterial sistêmica, sendo um dos mecanismos etiopatogênicos responsáveis por remodelamento miocárdico, miocardiosclerose e disfunção miocárdica14,15.

No caso aqui descrito, além da hipertensão arterial, a leve estenose da aorta ascendente, provocada pela compressão extrínseca da luz aórtica pela dissecção, também colaborava em algum grau para a sobrecarga de pressão.

Nesse contexto hemodinâmico, situam-se a dilatação secundária do átrio esquerdo, com espessamento do endocárdio, e a congestão passiva crônica a montante, observada nos pulmões, como componente morfologicamente expresso da insuficiência cardíaca esquerda. Pelos achados de congestão passiva crônica hepática e edema de membros, ficou também caracterizado o componente direito da insuficiência cardíaca.

A manifestação clínica de dissecção aórtica tem grande diversidade, variando conforme seu sítio de envolvimento anatômico. A presença de insuficiência cardíaca congestiva costuma estar associada à insuficiência valvar aórtica por desabamento dos tecidos de sustentação16. No entanto, no presente caso, a valva aórtica mostrava-se competente e a cavidade ventricular esquerda era quase virtual pela hipertrofia, com provável restrição ao enchimento e congestão a montante.

Esse caso foi classificado como tipo II de DeBakey (atinge apenas a aorta ascendente) ou tipo A de Stanford (envolve a aorta ascendente com extensão ou não para a aorta descendente; no tipo B, envolve somente a aorta descendente). Esta última classificação tem sido mais aceita atualmente dada a sua simplicidade em estabelecer prognósticos e condutas16. O envolvimento da aorta ascendente acontece em 60% a 70% dos casos; da descendente, em 20%; da croça, em 10%; e da abdominal, em 5%. As dissecções de tipo A são consideradas muito mais graves e de indicação cirúrgica imediata, praticamente sem controvérsia na literatura. Mas a mortalidade maior ocorre nas duas primeiras semanas (limite de tempo considerado na definição de dissecção aguda), com a curva de mortalidade se estabilizando após. Na fase crônica, o risco de óbito é de 5% ao mês no primeiro ano e de 1% ao mês entre o primeiro e o terceiro anos16.

Existem vários fatores de risco bem conhecidos para a dissecção da aorta. Sua associação com hipertensão arterial sistêmica está em torno de 80% a 90% na maioria das séries de casos. A maior ocorrência seria no sexo masculino acima de 60 anos, embora ocorra também em outras faixas etárias, incidindo com frequência em jovens com doença do tecido conectivo, como síndromes de Marfan e Ehler-Danlos, ou em síndrome de Turner ou Noonan ou arterite de células gigantes. A coarctação e a valva aórtica bicúspide também podem estar relacionadas, assim como fatores iatrogênicos do tipo cateterismo, balão intraaórtico e manipulações da aorta durante cirurgia cardíaca. Há relatos ainda de dissecção em usuários de cocaína e em trauma torácico fechado16.

No presente caso, o tromboembolismo pulmonar, apesar de resultar em infartos relativamente pequenos dos pulmões, associado ao quadro de insuficiência cardíaca congestiva global, parece ter sido suficiente para a evolução da paciente em choque cardiogênico, embora morfologicamente a descompensação cardíaca não esteja expressa em dilatação das câmaras ventriculares.

Editor da seção: Alfredo José Mansur (ajmansur@incor.usp.br)

Editores associados: Desidério Favarato (dclfavarato@incor.usp.br), Vera Demarchi Aiello (anpvera@incor.usp.br)

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    Luis Fernando Bernal da Costa Seguro; Tania Marie Ogawa; Jussara Bianchi Castelli
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009
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