Acessibilidade / Reportar erro

13. Endocardite infecciosa na gravidez

ENDOCARDITE INFECCIOSA NA GRAVIDEZ

13. Endocardite infecciosa na gravidez

Alfeu Roberto Rombaldi

13.1 - introdução

A endocardite infecciosa (EI) é uma infecção microbiana do endotélio do coração e caracteriza-se pela presença de vegetação nas valvas cardíacas, câmaras cardíacas ou nas grandes artérias1. É rara durante a gravidez2, entretanto os casos documentados levam a crer que a doença pode ter consequências devastadoras para as mães e/ou fetos3. O diagnóstico precoce é fundamental e as recomendações para a gestante com EI são semelhantes às prescritas a pacientes fora da gravidez. Considerações especiais devem ser feitas na abordagem do diagnóstico e a doença deve ser tratada, com o objetivo de reduzir o risco para o feto4.

13.2 - Fatores predisponentes

Cerca de 70%-75% dos pacientes com EI apresentam história de cardiopatia5. Contudo, a predisposição ao desenvolvimento da doença varia entre as afecções cardíacas. De acordo com o risco de adquirirem EI, as cardiopatias1 são classificadas em:

13.2.1 - Alto risco

1) Doença reumática - Disfunção mitral, disfunção aórtica, dupla lesão mitral, próteses valvares;

2) Cardiopatias congênitas - Cianóticas, persistência do canal arterial, estenose aórtica comunicação interventricular, coarctação aórtica, lesão intracardíaca residual, pós-correção cirúrgica de repercussão hemodinâmica;

3) Endocardite prévia.

13.2.2 - Risco intermediário

Prolapso da valva mitral com insuficiência, estenose mitral isolada, disfunção de tricúspide, estenose pulmonar, hipertrofia septal assimétrica, valva aórtica bicúspide, doença valvar degenerativa, lesão intracardíaca residual até 6 meses pós-cirurgia.

13.2.3 - Baixo risco

Prolapso da valva mitral sem insuficiência, comunicação interatrial isolada tipo ostium secundum, marca-passo cardíaco e lesão intracardíaca residual além de 6 meses pós-cirurgia.

13.3 - Microbiologia

A infecção estreptócica é a causa mais comum de EI durante a gravidez3,6.Frequentemente a infecção subaguda é causada pelo Streptococcus viridans e com sintomas presentes meses antes do diagnóstico. A EI aguda é comumente causada por Staphilococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e Streptococcus pyogenes7.

Em usuárias de drogas IV ilícitas, o Staphylococcus éo germe predominante, mas podem ocorrer também infecções polimicrobianas. Muitos germes que causam EI durante a gravidez foram isolados na flora vaginal e no útero pós-parto8.

13.4 - Manifestações clínicas

Devem-se ao processo infeccioso em si e às complicações cardiovasculares e não cardíacas9. O início da doença pode ser agudo ou subagudo e a tríade clássica de febre, sopro cardíaco e anemia deve levar à suspeita diagnóstica. A febre está presente em quase 100% dos casos. Cefaleia, mal-estar, fadiga e dor osteomuscular são comuns. A forma aguda da doença pode estar associada com resfriados, sudorese, náuseas, vômitos, dor torácica, embolia periférica ou dispneia. Um novo sopro cardíaco ou a mudança no caráter ou na intensidade de um sopro pré-existente é considerado uma característica importante da doença. Como o aparecimento ou a alteração na intensidade de sopros existentes é comun na gravidez, a suspeita diagnóstica pode ser dificultada. Provoca manifestações periféricas, renais, neurológicas9, cardíacas e esplenomegalia10, sendo a insuficiência cardíaca descompensada (ICD) a causa mais comum de morte9. Outras complicações: embolia sistêmica, embolia pulmonar e coronariana, abcessos9, derrame pericárdio11 e aneurismas micóticos4.

13.5 - Diagnóstico

O diagnóstico segue os critérios de Duke12 e as hemoculturas são positivas em 80% dos casos. O ECG pode demonstrar bloqueios atrioventriculares progressivos (sugerindo presença de abcesso); o raio-X de tórax é útil para revelar cardiomegalia, congestão pulmonar e infarto pulmonar; enquanto o ecocardiograma transesofágico é o exame mais sensível e específico13 .

13.6 - Tratamento

Visa manter as condições gerais da paciente, eliminar o agente etiológico e controlar as complicações1. A escolha do antibiótico dependerá da hemocultura e do antibiograma; habitualmente são utilizados dois antibióticos por quatro a seis semanas. Na gravidez, a escolha deverá considerar a possibilidade de efeitos adversos sobre o feto14.

A EI aguda é geralmente causada por germes altamente virulentos e que exigem tratamento imediato. A etiologia deve ser suspeitada pelo sítio clínico, que inclui lesões infectadas de pele, infecções do trato urinário ou uso de drogas intravenosas ilícitas. A terapia inicial pode consistir de penicilina, penicilina penicilinase-resistente e aminoglicosídeo4.

O tratamento da ICD é discutido no capítulo específico. O tratamento cirúrgico, especialmente a troca valvular, tem um impacto dramático na redução da mortalidade de pacientes com falência cardíaca de moderada à grave15, apesar da alta mortalidade fetal (30%)16. As indicações de cirurgia cardíaca para as pacientes com EI são: ICD refratária, infecção não controlada, a maioria dos casos de endocardite fúngica e embolia sistêmica recorrente17. O prognóstico é melhor com diagnóstico precoce, eficácia terapêutica, monitorização materna e fetal, além da precisão na indicação cirúrgica18. Se o feto for viável, deve ser promovido o parto antes de realizar a cirurgia cardíca19.

  • 1. Andrade J, Avila WS. (editores). Doença cardiovascular, gravidez e planejamento familiar. São Paulo: Atheneu; 2003. p. 197-200.
  • 2. McFaul PB, Dornan JC, Lamki H, Boyle D. Pregnancy complicated by maternal heart disease: review of 519 women. Br J Obstet Gynaecol. 1988; 95: 861-7.
  • 3. Strasberg GD. Pospartum group B streptococcal endocarditis associated with mitral valve prolapse. Obstet Gynecol. 1987; 70: 485-7.
  • 4. Ebrahimi R, Elkayam U, Reid CI. Infective endocarditis. In: Elkayam U, Gleicher N. (editors). Cardiac problems in pregnancy. 3rd ed. New York: Wiley-Liss; 1998. p. 191-8.
  • 5. Steckelberg JM, Wilson WR. Risk factors for infective endocarditis. Infect Dis Clin Am. 1993; 7: 9-19.
  • 6. Pimentel M, Barbas CS, De Carvalho CR, Takagaki TY, Mansur AJ, Grinberg M, et al. Septic pulmonary embolism and endocarditis caused by Staphylococcus aureus in the tricuspid valve after infectious abortion: report of two cases. Arq Bras Cardiol. 1989; 52: 337-40.
  • 7. Holt S, Hicks DA, Charles RG, Coulshed N. Acute staphylococcal endocarditis in pregnancy. Practitioner. 1978; 220: 619-22.
  • 8. Rabe LK, Winterscheid KK, Hillier SL. Association of viridans group streptococci from pregnant women with bacterial vaginosis and upper genital tract infection. J Clin Micro. 1988; 26: 1156-60.
  • 9. Pruitt AA, Rubin RH, Karchner AW, Dunchan GW. Neurologic complications of bacterial endocarditis medicine. Medicine (Baltimore). 1978; 57: 329-43.
  • 10. Weinstein L, Schlesinger JJ. Pathoanatomic, pathophysiologic and clinical correlations in endocarditis. N Engl J Med. 1974; 291: 832-7.
  • 11. Reid CL, Rahimtoola SH, Chandraratna PAN. Frequency and significance of pericardial effusion detected by two-dimensional echocardiography in infective endocarditis. Am J Cardiol. 1987; 60: 394-5.
  • 12. Durack DT, Lukes AS, Bright DK. New criteria for diagnosis of infective endocarditis: utilization of specific endocardiographic findings. Am J Med. 1994; 96: 200-9.
  • 13. Birmingham GD, Rahko OS, Ballantyne F III. Improved detection of infective endocarditis with transesophageal echocardiography. Am Heart J. 1992; 123: 774-81.
  • 14. Garland SM, O'Relly MA. The risks and benefits of antimicrobial therapy in pregnancy. Drug Saf. 1995; 13: 188-205.
  • 15. Hubbel G, Cheitlen MD, Rapaport E. Presentation, management, and follow-up evaluation of infective endocarditis in drug addicts. Am Heart J. 1981; 102: 81-5.
  • 16. Avila WS, Grinberg M, Tarasoutchi F, Pomerantzeff P, Bellotti G, Jatene A, et al. Cerebral malformation of the conceptus associated with maternal bacterial endocarditis and with aortic valve replacement during pregnancy. Arq Bras Cardiol. 1990; 55: 20-4.
  • 17. Reid CL, Leedom JM, Rahimtoola SH. Infective endocarditis. In: Cohn HF. (editor). Current therapy. 28th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1983. p.190-7.
  • 18. Nazarian M, McCullough GH, Fielder DL. Bacterial endocarditis in pregnancy: successful surgical correction. J Thorac Cardiovasc Surg. 1976; 71: 880-3.
  • 19. Expert consensus document on management of cardiovascular diseases during pregnancy: the Task Force on the management of cardiovascular diseases during pregnancy of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2003; 24: 761-81.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br