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12. Ecocardiografia em procedimentos intervencionistas

ECOCARDIOGRAFIA EM PROCEDIMENTOS INTERVENCIONISTAS

12. Ecocardiografia em procedimentos intervencionistas

A ecocardiografia é um instrumento indispensável não só para o diagnóstico, mas também no auxílio das intervenções terapêuticas percutâneas. É responsável pela identificação, seleção e monitoramento dos pacientes, assim como pelo seu acompanhamento tardio. Somado a isso, no laboratório de cateterismo cardíaco, seu uso também tem demonstrado uma redução do tempo de fluoroscopia e na quantidade de contraste utilizado, o que configura ganho secundário adicional da utilização dessa tecnologia1.

Os procedimentos intervencionistas que necessitam do apoio da ecocardiografia estão descritos na Tabela 36.

12.1 - Punção transeptal

A punção transeptal é utilizada quando o acesso ao átrio esquerdo é necessário. O exame transtorácico (ETT) ou a ecocardiografia transesofágica (ETE) auxilia esses procedimentos, permitindo a visibilização direta do cateter de punção transeptal e sua relação com a fossa oval4, diminuindo o risco de punção inadvertida da aorta intrapericárdica, da artéria pulmonar ou da parede atrial. A ecocardiografia intracardíaca (EIC) oferece vantagens em relação à ETE, por não ser necessária a sedação do paciente e apresentar melhor resolução.

12.2 - Atriosseptostomia com cateter balão ou lâmina

A atriosseptostomia de Rashkind, realizada na sala de cateterismo como tratamento paliativo em crianças portadoras de transposição das grandes artérias, continua sendo amplamente empregada nos dias atuais. Esse procedimento, na maioria das vezes, é realizado na sala de hemodinâmica sob fluoroscopia, mas também pode ser executado à beira do leito na unidade de terapia intensiva neonatal, sob orientação exclusiva do ETT, evitando assim o transporte do neonato, cuja abordagem tem se mostrado segura e efetiva em vários estudos5.

12.3 - Oclusão percutânea dos defeitos septais

No fechamento das comunicações interatriais (CIA) por dispositivos introduzidos por via percutânea, é indispensável a ETE não só para a seleção de candidatos, mas, sobretudo, na sala de hemodinâmica, para posicionamento e liberação da prótese, além da avaliação imediata de fluxos residuais e o seguimento tardio6,7. As informações mais específicas referentes às características dos defeitos, como número de orifícios, suas dimensões, localização no septo e características das bordas que os circundam, são mais bem avaliadas pela ecocardiografia transesofágica, que pode ser realizada ambulatorialmente ou imediatamente antes do implante, já na sala de hemodinâmica7. A realização do estudo transesofágico previamente ao dia do cateterismo traz vantagens quanto à programação do procedimento, seleção do dispositivo que será utilizado e aconselhamento familiar. O procedimento de oclusão da comunicação interatrial é continuamente monitorado pela ETE, podendo também ser realizada a partir da EIC e da ETE tridimensional (3D) em tempo real, este último permitindo uma análise extremamente detalhada da anatomia do septo interatrial8,9. Nos casos em que não seja possível a utilização da ETE para guiar a oclusão percutânea dos defeitos septais, está indicado o uso de EIC10.

Na oclusão percutânea da CIA, a ecocardiografia auxilia na medida do orifício e na escolha do número do dispositivo a ser empregado. Também monitora o posicionamento de guias, cateteres e bainhas no interior do coração e determina a disposição dos discos esquerdo e direito da prótese, antes e após a sua liberação11. Também se constitui em função primordial da ecocardiografia a análise cuidadosa da função das valvas aórtica e tricúspide e a detecção e graduação de possível fluxo residual.

12.4 - Estudos eletrofisiológicos para ablação por radiofrequência de focos arritmogênicos

Nos estudos eletrofisiológicos, a ecocardiografia intracardíaca é a modalidade ideal para monitorar e auxiliar tal procedimento8. Caso a EIC não esteja disponível, poderá ser substituída pela ETE. A utilização da ecocardiografia durante esse procedimento permite a realização da punção transeptal de forma segura, visibilização das veias pulmonares, posicionamento adequado do cateter no óstio da veia pulmonar - e não no seu interior -, monitora o aquecimento excessivo do tecido por meio da identificação de microbolhas e permite também a pesquisa de trombos, assim como o mapeamento completo do átrio esquerdo.

12.5 - Pericardiocentese

A eficácia e segurança da pericardiocentese guiada pela ecocardiografia tem sido demonstrada em vários subgrupos, incluindo os pacientes pediátricos12,13.

12.6 - Biópsia miocárdica

As biópsias endomiocárdicas são tipicamente realizadas no ventrículo direito para diagnosticar os vários tipos de desordens do miocárdio, incluindo cardiomiopatia infiltrativa e rejeição em transplante cardíaco14.

A ecocardiografia, particularmente o ETT, é uma modalidade de imagem muito útil nos procedimentos de biópsia intracardíaca e intravascular. Apesar da ETE e da EIC oferecerem imagens mais precisas que a ETT, os riscos adicionais e o custo mais alto destas modalidades fazem com que só sejam recomendadas em pacientes altamente selecionados.

12.7 - Outras indicações da monitorização ecocardiográfica

Na valvoplastia mitral percutânea, o ETT ou a ETE está indicada, pois auxilia na punção transeptal, pesquisa de trombo, avaliação dos gradientes e área valvar pré e pós-procedimento, assim como o reconhecimento precoce de possíveis complicações, como derrame pericárdico, formação de trombo, insuficiência mitral grave etc.

Recentemente, com o surgimento do implante percutâneo de endoprótese valvar aórtica, seja por via percutânea ou transapical, a ETE tem se mostrado de grande utilidade15. Nos reparos da valva mitral e na correção das deiscências protéticas, a ETE 3D também tem sido de grande valia.

Na ablação septal com álcool (ASA) dos casos de cardiomiopatia hipertrófica, a ecocardiografia (ETT ou ETE) com contraste (microbolhas, podendo também ser utilizado o próprio contraste radiológico agitado) está indicada, tendo durante o procedimento o objetivo primordial de detectar o ramo septal da descendente anterior esquerda que irriga a porção do septo interventricular em que ocorre o contato com a movimentação anterior da valva mitral.

Existem outras situações mais específicas em que a ecocardiografia está recomendada para monitorar procedimentos durante intervenções na sala de hemodinâmica, como na complementação da cirurgia de Fontan, em que está indicado o fechamento percutâneo de fenestrações com próteses; nos procedimentos híbridos para implante de próteses intracardíacas por punção direta do coração; e na oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo, em alguns casos de fibrilação atrial.

12.8 - Usos emergentes

Recentemente, tem sido descrito na literatura a utilização da ecocardiografia percutânea intrapericárdica (EPIP) em pacientes submetidos à ablação epicárdica de focos arritmogênicos, mostrando-se um método seguro e efetivo durante procedimentos eletrofisiológicos que envolvam acesso pericárdico. Tal acesso permite, em tempo real, imagens de alta resolução não habitualmente ou não facilmente obtidas com a EIC, devido à interferência dos cateteres utilizados na ablação8.

A nova aplicação da imagem tridimensional (3D) na ecocardiografia oferece uma contribuição significativa nos procedimentos intervencionistas. Quando a imagem 3D é utilizada na biópsia miocárdica, o procedimento fica mais seguro e eficaz16.

Em alguns centros, a sonda esofágica tridimensional em tempo real (ETE 3D) já está disponível. Trata-se de uma ferramenta que vem acrescentar um ganho importante à ecocardiografia, podendo vir a ser o método preferencial, quando disponível, em diversas situações, como, por exemplo, na oclusão percutânea de defeitos septais, principalmente nas comunicações interatriais e no reparo percutâneo da valva mitral.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009
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