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Entendimento do termo de consentimento por pacientes partícipes em pesquisas com fármaco na cardiologia

Resumos

FUNDAMENTO: Em ensaios clínicos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é fundamental para preservar a ética, mas pela sua complexidade ele pode não ser entendido completamente. Neste estudo, avaliamos o entendimento do TCLE pelo paciente. OBJETIVO: Abordamos a questão sobre o nível de compreensão dos pacientes em relação aos estudos baseados no Consentimento Informado. MÉTODOS: Convidamos participantes de pesquisa ambulatorial fases II, III e IV, com fármacos, para responder um questionário estruturado com 29 questões, tais como: por que aceitou participar? Leu o TCLE antes de assinar? Ao assiná-lo, estava certo de tê-lo entendido? Oitenta indivíduos (20 mulheres e 60 homens) compareceram, num universo de 106 pacientes. As variáveis de cada questão foram consideradas por frequência de ocorrência. A comparação entre as médias entre os grupos foi realizada pelos testes t de Student ou Wilcoxon; e para associações, o Qui-quadrado ou Razão de Verossimilhança, ou teste exato de Fisher. RESULTADOS: A média das idades foi de 58,7 ± 9,3 anos. Das motivações para participar da pesquisa, 66,2% apontaram seu próprio benefício; 42,5%, o bem da ciência; 25,0% alegaram atender a um pedido de seu médico; 50% não entenderam corretamente o TCLE; e 32,9% sequer o leram, mas o assinaram. Dentre os que receberam placebo após a randomização (n = 47), 66,7% não entenderam o significado deste termo. Houve forte correlação entre o não entender o significado de placebo com a escolaridade (p = 0,02), evidenciando que quanto menor o nível de instrução, menor este entendimento. CONCLUSÃO: O TCLE é pouco compreendido pelos pacientes e para alguns deles a confiança no médico teve impacto na decisão de participar do ensaio clínico com fármaco, havendo também influência do nível de instrução dos sujeitos no entendimento do termo "placebo".

Ensaios clínicos controlados aleatórios como assunto; ética


FUNDAMENTO: En ensayos clínicos, el Formulario de Consentimiento Informado (FCI) es fundamental para que se preserve la ética, sin embargo por su complexidad él puede no comprenderse completamente. En este estudio, evaluamos la comprensión del FCI por parte del paciente. OBJETIVO: Abordamos la cuestión sobre el nivel de comprensión de los pacientes respecto a los estudios basados en el Consentimiento Informado. MÉTODOS: INVITamos a los participantes de investigación clínica fase II, III y IV con fármacos para responder un cuestionario estructurado con 29 cuestiones, tales como: ¿Por qué aceptó participar?¿Leyó el FCI antes de firmarlo?¿Al firmarlo estaba seguro de haberlo entendido? Ochenta individuos (20 mujeres y 60 varones) comparecieron, en un total de 106 pacientes. Las variables de cada cuestión se llevaron a cabo por frecuencia de ocurrencia. La comparación entre los promedios entre los grupos se realizó mediante las pruebas t de Student o Wilcoxon; y para asociaciones, el Chi-cuadrado o Razón de Verosimilitud, o prueba exacta de Fisher. RESULTADOS: El promedio de las edades fue de 58,7 ± 9,3 años. De las motivaciones para participar en la investigación, el 66,2% señaló su propio beneficio; un 42,5%, el bien de la ciencia; un 25,0% alegó atender a una petición de su médico; el 50% no comprendió correctamente el FCI; y un 32,9% tampoco leyó el formulario, pero lo firmó. Entre los que recibieron placebo tras la randomización (n = 47), un 66,7% no entendió el significado de este término. Hubo una fuerte correlación entre las personas que no entendían el significado de placebo con la escolaridad (p = 0,02), evidenciando que cuanto menor era el nivel de instrucción, menor era la comprensión. CONCLUSIÓN: EL FCI es poco comprendido por los pacientes y para algunos de ellos la confianza en el médico tuvo impacto en la decisión de participar en el ensayo clínico con fármaco, habiendo también influencia del nivel de instrucción de los sujetos en la comprensión del término "placebo".

Ensayos clínicos controlados aleatorios como asunto; ética


BACKGROUND: In clinical tests, the Informed Consent is critical to preserve the ethics, but due to its high complexity level, it cannot be fully understood. This study assesses the Informed Consent as viewed by patients. OBJECTIVE: We addressed the issue of what do patients understand about the studies based on the IC. METHODS: We invited participants of outpatient clinical drug trials phase II, III and IV to answer a questionnaire with 29 questions, such as: why have you accepted to participate? Did you read the Informed Consent before signing it? By signing it, were you sure you have fully understood it? Eighty individuals (20 women and 60 men) showed up, from 106 patients. The variables of each question were considered as often as they appeared. The comparison of the averages among the groups was made by t tests of Student or Wilcoxon; and for associations, Chi-square or Likelihood Ratio, or Fisher's exact test. RESULTS: Ages averaged 58.7 ± 9.3 years. Concerning their reasons to taking part in the survey, 66.2% pointed out their own benefit; 42.5%, for science's sake; 25.0% claimed they were doing so at their doctor's request; 50% did not understand the Informed Consent properly; and 32.9% did not read it, but signed it. Among those who were administered placebo after randomization (n = 47), 66.7% did not understand the meaning of the informed consent. A strong correlation between failure to understand the meaning of placebo with literacy level (p = 0,02) was verified, which is an evidence that the smaller is the literacy level, the smaller is the understanding level. CONCLUSION: The Informed Consent is poorly understood by patients and for some of them, trusting a doctor affected their decision in taking part in the clinical trial with drugs. Their literacy level also influenced their understanding of the term "placebo".

Randomized controlled trials as topic; informed consent; comprehension; ethic


ARTIGO ORIGINAL

BIOÉTICA

Entendimento do termo de consentimento por pacientes partícipes em pesquisas com fármaco na cardiologia

Silmara MeneguinI; Elma L. C. P. ZoboliII; Raquel Z. L. DominguesI; Moacyr R. NobreI; Luiz A. M. CésarI

IInCor-Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP - Brasil

IIEscola de Enfermagem da USP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Luiz Antônio Machado César Rua Constantino de Souza, 1580 - Campo Belo 04605-004 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: lucesar@cardiol.br, dcllucesar@incor.usp.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Em ensaios clínicos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é fundamental para preservar a ética, mas pela sua complexidade ele pode não ser entendido completamente. Neste estudo, avaliamos o entendimento do TCLE pelo paciente.

OBJETIVO: Abordamos a questão sobre o nível de compreensão dos pacientes em relação aos estudos baseados no Consentimento Informado.

MÉTODOS: Convidamos participantes de pesquisa ambulatorial fases II, III e IV, com fármacos, para responder um questionário estruturado com 29 questões, tais como: por que aceitou participar? Leu o TCLE antes de assinar? Ao assiná-lo, estava certo de tê-lo entendido? Oitenta indivíduos (20 mulheres e 60 homens) compareceram, num universo de 106 pacientes. As variáveis de cada questão foram consideradas por frequência de ocorrência. A comparação entre as médias entre os grupos foi realizada pelos testes t de Student ou Wilcoxon; e para associações, o Qui-quadrado ou Razão de Verossimilhança, ou teste exato de Fisher.

RESULTADOS: A média das idades foi de 58,7 ± 9,3 anos. Das motivações para participar da pesquisa, 66,2% apontaram seu próprio benefício; 42,5%, o bem da ciência; 25,0% alegaram atender a um pedido de seu médico; 50% não entenderam corretamente o TCLE; e 32,9% sequer o leram, mas o assinaram. Dentre os que receberam placebo após a randomização (n = 47), 66,7% não entenderam o significado deste termo. Houve forte correlação entre o não entender o significado de placebo com a escolaridade (p = 0,02), evidenciando que quanto menor o nível de instrução, menor este entendimento.

CONCLUSÃO: O TCLE é pouco compreendido pelos pacientes e para alguns deles a confiança no médico teve impacto na decisão de participar do ensaio clínico com fármaco, havendo também influência do nível de instrução dos sujeitos no entendimento do termo "placebo".

Palavras-chave: Ensaios clínicos controlados aleatórios como assunto, ética.

Introdução

Pesquisas com seres humanos continuam sendo indispensáveis, principalmente na cardiologia, pois novos fármacos habitualmente são de uso continuado. No Brasil, houve aumento no número de pesquisas patrocinadas, após sua normatização com seres humanos, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS 196/96)1. A partir daí, introduziu-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento com informações sobre o estudo e suas responsabilidades. Nem sempre o TCLE recebe a atenção necessária, sendo até encarado como instrumento de isenção de responsabilidades2. O investigador também pode se encontrar em conflito pelo duplo papel que desempenha (clínico/pesquisador)3,4, além do poder que exerce sobre o sujeito, tendo em vista a relação assimétrica entre eles5,6.

Um dos desafios do século XXI é não permitir que o poder da tecnologia ofusque o respeito à dignidade das pessoas, principalmente nos países em desenvolvimento7. A cardiologia apresenta número expressivo de estudos na área, motivo pelo qual buscamos avaliar, nesses primeiros 10, 12 anos após o estabelecimento dos Comitês de Ética nos hospitais do Brasil, como os indivíduos que participam de pesquisas científicas entendem um estudo, a partir do TCLE, e qual a explicação dada por quem o desenvolve. Realizamos este estudo por meio de uma pesquisa descritivo-exploratória, de corte transversal e com abordagem quali-quantitativa.

Métodos

O estudo foi realizado em um hospital público do município de São Paulo, especializado em cardiologia e com atividades de ensino e pesquisa. Após aprovação do Comitê de Ética em pesquisas de um banco de dados institucional de pacientes que participaram de ensaios clínicos, foram identificados os estudos fases II, III e IV, com fármacos, conduzidos no ambulatório de especialidades no período de 2002 a 2006, com ou sem a utilização de placebo. Selecionamos então todos os ensaios clínicos - num total de 6 -, que se adequavam a essas características e que foram conduzidos na instituição nesse período. Para serem incluídos, os sujeitos deveriam ter utilizado placebo ao menos no período de washout, ou em comparação ao fármaco em teste, e terem sido randomizados nessas pesquisas.

Instrumento de coleta de dados

Os dados foram obtidos mediante entrevista e consulta aos prontuários dos pacientes. Como não existe um formulário específico para avaliar a interpretação de um TCLE, baseamo-nos em questões que poderiam avaliar o entendimento do conteúdo e do sentido das palavras. O questionário constava de 29 itens, desde dados de informações gerais até perguntas específicas para respostas objetivas com opções e perguntas para respostas livres. Além das características gerais dos indivíduos, avaliou-se a escolaridade considerando os seguintes níveis:

1) ensino fundamental;

2) médio; ou

3) superior, levando-se em conta se completo ou incompleto. Quanto ao assunto específico do entendimento, tanto da pesquisa em si quanto sobre o uso de placebo, os indivíduos foram submetidos a um questionário objetivo e direto com as seguintes perguntas e opções:

I) Quem o convidou a participar da pesquisa? Opções: 1 - pesquisador; 2 - outro paciente; 3 - enfermeira; 4 - secretária; 5 - outros;

II) Foi importante para o(a) sr(a). quem o convidou para participar da pesquisa? Opções: Sim ou Não;

III) Como foi feito o contato para o(a) sr(a). comparecer ao hospital a fim de participar da pesquisa? Opções: 1 - telefone; 2 - pessoal; 3 - outros;

IV) Foi dito que o objetivo era participar de uma pesquisa? Opções: Sim ou Não;

V) Por que aceitou participar da pesquisa? Opções: 1 - para o bem da ciência; 2 - em benefício próprio; 3 - porque o médico que o atendeu pediu; 4 - porque o médico que o atendeu disse que era bom para o(a) sr(a).; 5 - por medo de não receber atendimento ou perder a vez; 6 - porque é um hospital público; 7 - outros.

As questões seguintes consideraram como resposta somente as opções Sim ou Não:

VI) Foi informado da importância da pesquisa?

VII) Dos possíveis riscos e incômodos que poderiam ocorrer em função da pesquisa?

VIII) Da existência de outros tratamentos diferentes dos da pesquisa? Em seguida, as perguntas foram direcionadas especificamente ao TCLE:

IX) Quando o(a) sr(a). decidiu participar da pesquisa, assinou algum documento?

X) O(a) sr(a). leu o documento antes de assiná-lo? XI) O(a) sr(a). conversou sobre o TCLE com o pesquisador? XII) Ao assinar o TCLE, o(a) sr(a). estava certo(a) de ter entendido o que o termo de consentimento explicava? Também foi perguntado: XIII) Se não estava certo(a) de tê-lo entendido, o que fez? Opções: 1 - assinou mesmo sem entender; 2 - pediu nova explicação ao pesquisador; 3 - outro.

Depois, novamente com opções Sim ou Não, perguntou-se: XIV) Foi entregue a(o) sr(a). uma cópia do documento? XV) O(a) sr(a). entendeu o que significava "placebo"?

Em seguida, fez-se uma questão aberta e de livre resposta: XVI) E o que o(a) sr(a). entendeu (ou não)?

Voltando para opções Sim ou Não, perguntou-se: XVII) O(a) sr(a). sabia que poderia tomar um comprimido sem nenhum efeito durante alguns meses? (questão aplicável somente aos pacientes que receberam placebo como tratamento); XVIII) Foi importante para o(a) sr(a). ter participado de uma pesquisa? Por quê? (resposta livre).

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram analisadas em termos de médias e desvios-padrão. As variáveis classificatórias foram apresentadas em tabelas contendo frequências absolutas (n) e relativas (%).

Com o objetivo de verificar se havia associação entre alguns quesitos, foram feitas análises das possíveis associações dessas variáveis por meio do teste t de Student, do Qui-quadrado ou do teste da Razão de Verossimilhança, ou teste exato de Fisher, quando aplicáveis8. A análise estatística foi realizada com o apoio do software SPSS versão 15.0 (SPSS Inc., EUA). Considerou-se como estatisticamente significante para análise os valores de p < 0,05. Quanto à análise dos dados descritivos obtidos pelo contato direto do pesquisador com o pesquisado por meio das questões abertas, utilizou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin9.

Grupo focal

Com o intuito de complementar os dados obtidos por meio da pesquisa quali-quantitativa, especialmente para confirmar o entendimento do termo "placebo", optou-se pela realização do grupo focal por ser uma técnica utilizada para obtenção de dados a partir de discussões previamente planejadas, onde os participantes expressam suas experiências, valores, crenças, atitudes e representações sociais sobre questões específicas10. Essa técnica é particularmente apropriada quando o entrevistador tem uma série de questões abertas e fechadas e deseja estimular os participantes a explorarem um assunto de importância para eles, em seu próprio vocabulário e seguindo suas próprias prioridades11. Também se buscou obter respostas que explorassem e esclarecessem opiniões e pontos de vista de um modo fácil para a sua linguagem, considerando o seu entendimento do assunto, cotejado com a visão dos outros12.

Resultados

Os estudos dos quais os pacientes participaram foram de tratamento de hipertensão arterial e doença isquêmica do coração. Foram selecionados todos os sujeitos incluídos nos ensaios clínicos passíveis de serem localizados e que aceitassem participar desta pesquisa. Oitenta indivíduos foram entrevistados no segundo semestre de 2006, com tempo de 6 meses até 4 anos após o término das pesquisas das quais participaram para a entrevista. Desses pacientes, 69 participaram de estudos que utilizaram placebo, ou numa fase de retirada de medicamentos (washout) previamente em uso, ou como comparativo ao fármaco em teste durante a fase de tratamento ativo - o que significa que o termo "placebo" estava escrito no TCLE. Do total de indivíduos, 47 de fato receberam placebo na fase de tratamento ativo - as características gerais dos pacientes estão na Tabela 1. Pode-se observar um número expressivo de indivíduos - 51 (63,8%) - que sequer completaram o ensino fundamental ou até se diziam analfabetos. A maioria (52,5%) não exercia mais nenhuma atividade profissional. Na Tabela 2 estão as respostas a respeito das motivações dos sujeitos para participar do estudo clínico. Ficou clara, nos pacientes, a percepção de que se beneficiam tomando parte de um estudo, pois 66,2% deles consideraram ter participado para benefício próprio.

Dados relacionados ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Em relação especificamente ao TCLE (Tabela 3), verifica-se que 25,0% dos sujeitos declaram não ter recebido qualquer tipo de informação acerca da importância da pesquisa para a qual estavam sendo convidados a participar, e quase a metade (42,5%) não foi informada dos riscos nem dos incômodos. Também nota-se que a garantia de sigilo, primordial durante a realização de uma pesquisa, era desconhecida por quase metade dos sujeitos (47,5%). Por outro lado, somente 67,1% leram o TCLE antes de o assinarem, além de 52 indivíduos (65,0%) não terem conversado sobre o termo com o pesquisador. Ao serem indagados sobre o entendimento da informação contida no TCLE, 50,0% dos sujeitos não entenderam o conteúdo ou as informações explicadas por quem o aplicou. Mais importante: mesmo não entendendo o conteúdo da informação contida no TCLE, 39 sujeitos (97,5%) assinaram o documento.

Entendimento do significado do termo "placebo"

No questionamento aos 69 sujeitos sobre o entendimento do significado de placebo, 46 entrevistados (66,7%) declararam não tê-lo apreendido. Indagados sobre o que então ficou entendido, verificou-se que 47,8% confirmam o desconhecimento do termo e 18,8% têm crenças equivocadas quanto ao seu significado. Com isso, observa-se que o entendimento restringiu-se a apenas 20,3% dos entrevistados. Também se observou que 13,0% dos participantes não apresentavam lembranças da informação no momento da entrevista. Quanto às associações entre as características dos indivíduos e suas respostas sobre o entendimento do termo placebo, nota-se, no Gráfico 1, que a escolaridade foi o fator que se associou ao não entendimento (p = 0,02).


Discussão

Há vários aspectos relacionados à percepção do sujeito da pesquisa ao participar de um ensaio clínico. Confirmam-se e estendem-se conceitos importantes para a implantação de estratégias de aplicação do TCLE aos menos instruídos, em especial em instituições públicas. Quanto ao nível educacional, a maior parte dos entrevistados era analfabeta ou tinha nível fundamental incompleto (63,8%). Souza13 observou resultados semelhantes, em dados de 793 pacientes convidados a participar de protocolos de pesquisa clínica conduzidos em instituições públicas e privadas. Nesse estudo (53% dos sujeitos de sexo masculino, média de idade 58,2 anos), o nível de instrução predominante entre os 444 participantes (96%) de instituição pública era semelhante ao de nossa amostra. Sinalizam, portanto, para a grande dívida educacional do país, reflexo dos 47% dos brasileiros, entre 14 e 64 anos, que não completaram a 8ª série do ensino fundamental14. E dentre os que completaram, apenas 11% consideram-se plenamente alfabetizados15. Isso tem impacto na pesquisa clínica, pois muitos pacientes podem não ser capazes de ler e entender os TCLE16. O termo, de acordo com a resolução 196/961, deve ser aplicado ao indivíduo da pesquisa, o que implica em solicitar a leitura, explicar verbalmente e interagir, por meio do diálogo, com o aplicador do TCLE. Isso vale principalmente para estudos ambulatoriais, pois há tempo suficiente para que os pesquisadores se dediquem a esta aplicação. Num estudo em infarto agudo do miocárdio com tratamento vinculado ao imediatismo necessário, por exemplo, ocorre algo diferente: nessa circunstância, geralmente as informações serão todas verbais e não lidas, ao menos pelo paciente em questão. Por isso, e pela própria inibição natural dos menos esclarecidos, tais sujeitos dificilmente deixarão transparecer que não entendem o que estão lendo, ou seja, lêem mas não compreendem.

Este estudo teve claramente a capacidade de detectar o problema da leitura equivocada, independentemente de qual questionário foi utilizado. Não se trata de uma mazela restrita ao nosso país e cultura: em revisão sistemática de 12 estudos, realizada por Flory e Emanuel17, demonstrou-se que os participantes com alto nível de instrução ou de leitura apresentaram níveis de entendimento significativamente superiores (p < 0,05). Em nosso estudo, quanto aos motivos para a participação, observamos que a maioria (66,2%) o fez por benefício próprio e depois pelo bem da ciência (42,5%). Comparando os dados deste estudo com os de Sakaguti18, constatamos que, apesar do autor ter estudado 50 sujeitos de pesquisa, atendidos nas unidades do âmbito da Secretaria Municipal de Saúde e Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, os resultados são concordantes quanto aos principais motivos que levam os sujeitos a aceitarem tomar parte nos ensaios clínicos. Neste nosso estudo, 68% dos sujeitos aceitaram participar em benefício próprio, 18% em prol da ciência e 2% a pedido do médico. Outro aspecto se sobressai: de um estudo com 35 pacientes que participavam de ensaios clínicos patrocinados pela indústria farmacêutica em centro de oncologia no México, 46% dos pacientes aceitaram participar da pesquisa e assinaram o consentimento para ter acesso ao tratamento, 29% o fizeram para livrar os médicos e o hospital de alguma responsabilidade e nenhum deles pensou que a proposta do consentimento serviria para protegê-los como pacientes19. Ainda em nosso estudo, 25% dos sujeitos atenderam ao convite para participar da pesquisa por meio de pedido ou indicação do médico. As palavras de um médico podem mudar o curso de vida ou exercer grande influência na tomada de decisão do paciente20, sem contarmos com a possibilidade, sempre presente, de haver conflitos de interesse nas pesquisas patrocinadas pela indústria farmacêutica21,22.

Dados relacionados ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Há muita variação no entendimento do TCLE pelos pacientes, o que também pode se dever às variações das informações prestadas pelos investigadores. Em nosso estudo, 25% dos sujeitos disseram não ter recebido qualquer tipo de informação acerca da importância da pesquisa, e quase a metade (42,5%) desconhecia a possibilidade de riscos e incômodos. O mesmo procede em relação a outros tratamentos existentes - 66 sujeitos (82,5%) não receberam essa informação. Pode ter ocorrido dificuldade de lembrança desses sujeitos nas suas respostas, em função do tempo entre a participação nos estudos e a entrevista. Fica assim implícita a importância da comunicação médico-paciente na discussão sobre a efetividade das informações fornecidas no processo de obtenção do TCLE. Assim, pode-se inferir que a maneira pela qual o médico comunica-se com o paciente influenciará no seu julgamento dos riscos, benefícios e barreiras para participar do estudo23.

Muito frequentemente, os profissionais consideram o consentimento informado como um requerimento legal, e não um facilitador para a autonomia do sujeito da pesquisa24. A complexidade das informações presentes no TCLE, bem como os termos técnicos e o excessivo número de páginas, são fatores que contribuem para dificultar seu entendimento25,26. Embora em nosso estudo não se tenha analisado os termos utilizados na condução dos ensaios clínicos, a literatura é unânime em reconhecer as "habilidades literárias" do sujeito como um fator determinante no processo de compreensão. Os participantes com "habilidades literárias" inadequadas entendem uma quantidade mínima de informações contidas no TCLE27.

Considerações a respeito do termo "placebo"

No que tange ao entendimento do significado de placebo, a questão específica foi aplicada a 69 (87%) dos 80 indivíduos em cujas pesquisas aparecia esta palavra escrita no TCLE. Quando indagados sobre o que haviam entendido ou não a respeito do significado do placebo, verificou-se que quase a metade confirma o não entendimento da palavra (47,8%) ou tem crenças equivocadas quanto ao seu significado (18,8%). Com isso, observa-se que o entendimento ficou restrito a apenas 20,3% dos entrevistados. Moodley e cols.28 entrevistaram 334 sujeitos, num período de 4 a 12 meses após a finalização de um estudo conduzido na África do Sul, a fim de testar a vacina para influenza. Os dados mostram que, embora 91% tenham considerado esclarecedora a explicação acerca do estudo, 81% não entenderam o significado do placebo.

Considerações finais e limitações

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ainda é pouco compreendido e para alguns indivíduos a confiança no seu médico é crucial para a decisão em participar de um ensaio clínico com fármacos. Evidenciou-se também a influência do nível de instrução dos sujeitos no entendimento do termo "placebo", sugerindo fortemente que algumas palavras e expressões apresentadas no TCLE são ainda muito complexas e não exercem a função que de fato lhes cabe. Há uma grande diversidade de estratégias utilizadas para melhorar o entendimento dos participantes, o que ainda está no campo da experimentação. Na revisão sistemática realizada por Flory e Emanuel17, que abordavam as intervenções utilizadas para melhorar o entendimento dos participantes no processo de consentimento informado, alguns métodos parecem ser mais efetivos do que outros neste processo.

Estamos num processo recente de aplicação de TCLE estruturado. A avaliação deste nosso estudo teve como foco as pesquisas patrocinadas, cujos termos de compromisso costumam ser mais estruturados que aqueles das pesquisas autóctones. Por outro lado, há um imenso número de informações que dificultam o entendimento da pesquisa pelos sujeitos. Tais dificuldades de entendimento, no entanto, não pertencem apenas ao nosso meio, estando presentes em inúmeros centros de vários outros países. Por fim, é fato que a amostra de 80 pacientes pode ser considerada pequena para que se obtenham informações precisas sobre o assunto em questão. Também é fato que o questionário aplicado, na falta de um específico, constitui fator limitante do estudo. Todavia, as questões específicas sobre placebo e entendimento do TCLE foram diretas e objetivas. Embora pesem essas limitações, essas informações são as primeiras em nosso meio, sendo que realizamos uma análise quantitativa com esse material. A confirmação dos dados de compreensão pelos sujeitos da pesquisa por meio de outras técnicas de entrevista certamente poderão trazer contribuição maior para validar estes resultados, o que está dentro de proposta futura de análise para esta casuística.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Simara Meneguin pelo Incor - FMUSP.

Artigo enviado em 27/01/09; revisado recebido em 25/05/09; aceito em 23/06/09.

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  • Correspondência:
    Luiz Antônio Machado César
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jan 2010

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2009
    • Aceito
      23 Jun 2009
    • Revisado
      2090
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