Acessibilidade / Reportar erro

Influência da cor de pele auto-referida na prevalência da síndrome metabólica numa população urbana do Brasil

Resumos

FUNDAMENTO: A síndrome metabólica tem uma elevada prevalência em diferentes partes do mundo, com variações entre diferentes grupos étnicos. OBJETIVO: Este estudo pretende explorar a influência da cor de pele auto-referida sobre a prevalência da SM. MÉTODOS: Estudo transversal, realizado em subgrupo populacional em Salvador, Brasil. Utilizou-se auto-definição de cor de pele (branca, parda e negra) e o critério de SM do ATP-III. Foi usado o quiquadrado para tendência a fim de analisar gradiente das prevalências entre os grupos e a regressão logística para análises de associações. RESULTADOS: A prevalência geral da SM, ajustada por variáveis potencialmente confundidoras, não diferiu entre brancos (23,3%), pardos (23,3%) e negros (23,4%,). A análise por sexo mostrou entre os homens redução da prevalência da SM dos brancos, 26,2% IC95%(20,7-31,7), em comparação aos negros, 17,5% IC95% (12,3-22,8), e uma prevalência intermediária entre os pardos, 21,9% IC95% (18,6 - 25,1), p tend= 0,002. Entre as mulheres, a tendência foi inversa, maior nas negras, 27,0% IC95% (22,2-31,8), e menor nas brancas, 20,5% IC95%(15,6-25,4), p tend= 0,02. Na análise multivariada da associação entre cor de pele e SM (branco=grupo de referência), a cor negra entre os homens foi fator de proteção, razão de prevalência (RP)= 0,60 (0,36 - 0,97), enquanto que nas mulheres tendeu a ser fator de risco, RP= 1,33 (0,94 - 1,78). CONCLUSÃO: A prevalência da SM variou em função da cor de pele de modo inverso entre homens e mulheres. Ser negro foi fator de proteção entre homens e de risco nas mulheres.

síndrome metabólica; prevalência; cor; pele; população; Salvador (BA); Brasil


FUNDAMENTO: El síndrome metabólico tiene una elevada prevalencia en diferentes partes del mundo, con variaciones entre diferentes grupos étnicos. OBJETIVO: Este estudio pretende explorar la influencia del color de la piel autodeclarado sobre la prevalencia del SM. MÉTODOS: ESTUDio transversal, realizado en subgrupo poblacional en Salvador, Brasil. Se utilizó la autodefinición de color de la piel (blanca, parda y negra) y el criterio de SM del ATP-III. Se usó el test chi-cuadrado para tendencia a fin de analizar gradiente de las prevalencias entre los grupos y la regresión logística para análisis de asociaciones. RESULTADOS: La prevalencia general del SM, ajustado por variables potencialmente confusas, no difirió entre blancos (23,3%), pardos (23,3%) y negros (23,4%,). El análisis por sexo mostró entre los hombres reducción de la prevalencia del SM de los blancos, el 26,2% IC95%(20,7-31,7), en comparación con los negros, 17,5% IC95% (12,3-22,8), y una prevalencia intermedia entre los pardos, 21,9% IC95% (18,6 - 25,1), p tend= 0,002. Entre las mujeres, la tendencia fue inversa, mayor en las negras, 27,0% IC95% (22,2-31,8), y menor en las blancas, 20,5% IC95%(15,6-25,4), p tend= 0,02. En el análisis multivariado de la asociación entre color de la piel y SM (blanco=grupo de referencia), el color negro entre los hombres fue factor de protección, razón de prevalencia (RP)= 0,60 (0,36-0,97), mientras que en las mujeres tendió a ser factor de riesgo, RP= 1,33 (0,94-1,78). CONCLUSIÓN: LA Prevalencia del SM varió en función del color de la piel de modo inverso entre hombres y mujeres. Ser negro fue factor de protección entre hombres y de riesgo en las mujeres.

Síndrome metabólico; prevalencia; color; piel; población; Salvador (BA); Brasil


BACKGROUND: The metabolic syndrome (MS) has a high prevalence in different parts of the world, with variations between different ethnic groups. OBJECTIVE: This study aims at exploring the influence of the self-reported skin color on the prevalence of MS Methods: Cross-sectional study, carried out in a population subgroup (n=1,439 adults) in Salvador, Brazil. The self-reported skin color (white, mulatto or black) was used as well as the MS criterion of ATP-III. The Chi-square test for tendency was used to analyze the prevalence gradient between the groups and logistic regression, for association analysis. RESULTS: The general prevalence of MS, adjusted for potentially confounder variables, did not differ among whites (23.3%), mulattos (23.3%) and blacks (23.4%). The analysis by sex showed, among men, a reduction in the MS prevalence of whites (26.2%, 95%CI: 20.7-31.7), in comparison to blacks (17.5%, 95%CI: 12.3-22.8) and an intermediate prevalence among mulattos, 21.9%, 95%CI: 18.6-25.1, p tend. = 0.002. Among the women, the tendency was the opposite, being higher among the blacks, 27.0%, 95%CI: 22.2-31.8, and lower among the whites, 20.5%, 95%CI: 15.6-25.4, p tend. = 0.02. The multivariate analysis of the association between skin color and MS (white = group of reference) showed that the black color of the skin was a protective factor among black men, with a prevalence ratio (PR) = 0.60 (0.36-0.97), whereas it tended to be a risk factor among black women, with a PR = 1.33 (0.94-1.78). CONCLUSION: The prevalence of MA presented an inverse variation according to the color of skin between men and women. To be black was a protective factor among men and a risk factor among women.

metabolic syndrome; prevalence; color; skin; population; Salvador (BA); Brazil


ARTIGO ORIGINAL

CORONARIOPATIA AGUDA

Influência da cor de pele auto-referida na prevalência da síndrome metabólica numa população urbana do Brasil

Paulo José Bastos Barbosa; Ines Lessa; Naomar de Almeida Filho; Lucélia Batista N. Cunha Magalhães; Jenny Araújo

Instituto de Saúde Coletiva - Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil

Correspondência Correspondência: Paulo José Bastos Barbosa Rua Amazonas, 216 - Cond. Pituba Ville Nº 229 Residencial Paul Gauguin, Apto. M302 Pituba - 41830-380 - Salvador, BA, Brasil. E-mail: paulojbb@cardiol.br, pjbbarbosa@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A síndrome metabólica tem uma elevada prevalência em diferentes partes do mundo, com variações entre diferentes grupos étnicos.

OBJETIVO: Este estudo pretende explorar a influência da cor de pele auto-referida sobre a prevalência da SM.

MÉTODOS: Estudo transversal, realizado em subgrupo populacional em Salvador, Brasil. Utilizou-se auto-definição de cor de pele (branca, parda e negra) e o critério de SM do ATP-III. Foi usado o quiquadrado para tendência a fim de analisar gradiente das prevalências entre os grupos e a regressão logística para análises de associações.

RESULTADOS: A prevalência geral da SM, ajustada por variáveis potencialmente confundidoras, não diferiu entre brancos (23,3%), pardos (23,3%) e negros (23,4%,). A análise por sexo mostrou entre os homens redução da prevalência da SM dos brancos, 26,2% IC95%(20,7-31,7), em comparação aos negros, 17,5% IC95% (12,3-22,8), e uma prevalência intermediária entre os pardos, 21,9% IC95% (18,6 - 25,1), p tend= 0,002. Entre as mulheres, a tendência foi inversa, maior nas negras, 27,0% IC95% (22,2-31,8), e menor nas brancas, 20,5% IC95%(15,6-25,4), p tend= 0,02. Na análise multivariada da associação entre cor de pele e SM (branco=grupo de referência), a cor negra entre os homens foi fator de proteção, razão de prevalência (RP)= 0,60 (0,36 - 0,97), enquanto que nas mulheres tendeu a ser fator de risco, RP= 1,33 (0,94 - 1,78).

CONCLUSÃO: A prevalência da SM variou em função da cor de pele de modo inverso entre homens e mulheres. Ser negro foi fator de proteção entre homens e de risco nas mulheres.

Palavras chave: síndrome metabólica, prevalência, cor, pele, população, Salvador (BA), Brasil.

Introduçãos

A síndrome metabólica (SM) caracteriza-se por um conjunto de anormalidades (hipertensão arterial, alterações lipídicas e glicídicas), frequentemente correlacionadas com a resistência insulínica1 e com a obesidade central e associa-se fortemente ao desenvolvimento da aterosclerose. Na atualidade, a SM vem sendo identificada como um dos mais potentes e investigados fatores determinantes das doenças cardiovasculares e do diabete melito tipo 2 (DM)2-8.

A SM é de elevada prevalência, porém as análises de associações com diversas variáveis mostram aspectos que necessitam esclarecimentos. Destacam-se entre eles as associações com os grupos étnico-raciais distintos e a identificação da variável sexo como modificadora de efeito desta associação9-14. Nos Estados Unidos da América, Ford e cols.10, em 2001, verificaram que, a prevalência da SM entre os afro-descendentes, quando comparada a dos brancos, era maior entre as mulheres (25,7% vs 22,8%) e menor entre os homens (16,4% vs 24,8%)10. Também tem-se observado que as prevalências dos fatores de risco que caracterizam a SM diferem, substancialmente, entre grupos étnico distintos com comportamento diferente entre os sexos9,10,15.

Considerando, por um lado, que as diferentes estratégias preventivas existentes permitem identificar precocemente e intervir sobre populações ou indivíduos expostos a maior risco cardiovascular e, por outro, que a cidade do Salvador destaca-se no Brasil como a capital com a população de mais forte miscigenação afro-descendente, pretende-se, neste estudo, explorar a influência da cor de pele auto-referida sobre a prevalência da SM em homens e mulheres, buscando possíveis explicações para eventuais diferenças entre os grupos analisados.

Métodos

O estudo é de corte transversal, usando a amostra do Projeto Monitoramento das doenças cardiovasculares e do diabete melito em Salvador, MONIT16. Sumariamente, para o MONIT, o tamanho da amostra foi inicialmente estimado em 1.800 adultos com idade > 20 anos, com base em uma prevalência de hipertensão arterial de 25%, nível de confiança de 95% e erro de delineamento de 2%. Como o projeto incluía vários outros objetivos, o "n" foi ampliado para aproximadamente 2.500 pessoas, estimando-se em 1,7 elegíveis por domicílio. Previu-se perda de 20% dos domicílios por diversas razões. A amostragem foi realizada em três estágios: 1) os setores censitários de 8 das 10 bacias hidrográficas da cidade, com características sociodemográficas semelhantes, foram agrupados em 108 "Áreas de Pesquisa" e estas classificadas por nível sócio-econômico (NSE) alto, misto e baixo. As áreas continham 16.592 domicílios, com cerca de 83.000 habitantes com idade > 20 anos. Proporcionalmente ao número de setores de cada NSE das Áreas, 37 foram sorteadas probabilisticamente; 2) por amostra sistemática (intervalo=10), foram sorteados 1.540 domicílios, com perda de 18,3% e resposta favorável à participação de 1.258 famílias residentes em 63 setores censitários; 3) no terceiro estágio, foram sorteados os participantes, no máximo dois por domicílio, um de cada sexo, excluídas as grávidas16.

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética Médica do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia e todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Informado.

A amostra global incluiu 2.404 indivíduos que responderam a inquérito sobre fatores de risco cardiovascular (FRCV) e para o DM, tiveram seis aferições da pressão arterial (PA) e duas da Circunferência da Cintura (CC) em domicílio. Compareceram para coleta de sangue e medidas de peso e altura 1.546 participantes (64,3% da amostra), tendo-se analisado, neste estudo, 1.437 indivíduos (92,9% dos que completaram todo o protocolo).

A cor da pele foi auto-definida pelos indivíduos pesquisados, em uma das categorias: branca, parda (correspondente aos mulatos) e negra, conforme usadas nos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística17. A utilização da cor de pele auto-referida buscou apreender, sobretudo, aspectos do campo étnico-social e, implicitamente, o cultural da população estudada e assim considerada nesse estudo. A questão da cor da pele para auto-classificação em branca, parda e negra, prevista para ser fechada, não foi assumida por cerca de 19% da população que se auto-classificou em 18 outras conotações de cor da pele/etnia. São exemplos: claro, clarinho, moreno, moreninho, negro, cabo verde, sarará, moreno claro, mulato médio e mulato escuro, escuro, escurinho, nego, marrom, etc. Essas informações foram reclassificadas nas três categorias previstas. Foram equivalentes ao branco o "clarinho" e o "moreno claro" (recebem essa conotação em Salvador, no Estado da Bahia, pessoas com pele clara, feições finas, sem outros atributos fenotípicos de indivíduos negros) e como negro foram classificados o "negro", o "escuro", o "escurinho" e o "nego". Os demais compuseram o grupo de pardos.

O nível sócio-econômico (NSE) foi definido conforme critério usado no Brasil pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e IBGE18, resultante da somatória dos escores pré-estabelecidos para disponibilidade e quantidade de bens móveis e imóveis especificados, disponibilidade de empregados mensalistas e grau de instrução do chefe da família. A classificação original dos estratos de A a E foi agrupada para este estudo em A+B (NSE alto), C (NSE médio) e D+E (NSE baixo).

A escolaridade foi categorizada em três estratos: a) alta (ensino médio completo ou curso superior completo ou incompleto); b) média (ensino fundamental completo ou médio incompleto);c) baixa (analfabeto ou ensino fundamental incompleto).

Foram considerados praticantes de atividade física no lazer, indivíduos que realizavam atividade física leve (caminhada, natação, ciclismo ou dança) numa duração > 4 horas por semana), atividades moderadas (corrida, ginástica, ou jogo de futebol) numa duração > 3 horas por semana), ou ainda atividades intensas (treinamento para competição).

Foram realizados os seguintes procedimentos:

a) A PA foi aferida em dois blocos de três (intervalo entre os blocos de 10 minutos); obtendo-se a média das cinco últimas medidas.

b) A CC foi aferida em unidade inteira de centímetros (cm), ao nível da linha natural da cintura (parte mais estreita entre tórax e quadril) e com o indivíduo respirando suavemente, em posição ereta, pés juntos e com o peso do corpo distribuído de modo uniforme;

c) A medida da altura e do peso para o cálculo do IMC, usando equipamentos padronizados e aferidos periodicamente pelo INMETRO;

d) Após jejum de 12 horas, foram realizados exames bioquímicos de glicemia (labtest no plasma fluoretado), colesterol (método enzimático-Tender), tiglicerídeos (técnica de Soloni modificado) e HDL colesterol (Labtest).

Síndrome metabólica foi definida conforme os critérios revisados do ATP III19, adequando os valores de CC para nossa população20, sendo caracterizado o diagnóstico da SM pela presença, num mesmo indivíduo, de três ou mais das anormalidades: a)obesidade abdominal determinada a partir da circunferência da cintura (> 84 cm para mulheres e > 88 para os homens); b) hipertrigliceridemia (> 150 mg/dl); HDL-c baixo (< 40 nos homens e < 50 nas mulheres); c) hipertensão arterial (>130/85 mmHg) ou tratamento farmacológico atual para hipertensão arterial; d) hiperglicemia (glicemia de jejum > 100 mg/dl) ou tratamento farmacológico atual para diabete melito (DMsm).

A SM foi a variável dependente, a cor de pele, porém, a independente principal. A idade, a escolaridade, o NSE, o tabagismo, o consumo de álcool e prática de exercícios físicos foram co-variáveis de interesse. Em todas as análises, a variável sexo foi tratada como modificadora de efeito.

Análise estatística

Considerando o sexo uma modificadora de efeito na associação entre SM e etnia9-12, a associação entre a prevalência da SM e a cor de pele auto-referida em homens e mulheres foi analisada em separado. Foram medidas as prevalências e intervalos de confiança a 95% (IC 95%) das co-variáveis de interesse entre homens e mulheres, nos diferentes estratos da variável cor da pele para identificar potenciais confundidores da associação principal. Também, foram medidas as prevalências, brutas e ajustadas, e IC 95% da SM e dos seus componentes isoladamente nos estratos da variável cor de pele entre homens e mulheres.

Para análise da associação entre SM e a cor de pele em ambos os sexos e da influência das variáveis com potencial de confundimento e interação, foi utilizado o modelo de regressão logística. A razão de prevalência (RP), com seu IC 95%, foi a medida de associação utilizada, estimada a partir da Odds Ratio , procedimento relrisk (pacote STATA). Confundimento foi definido como uma diferença maior ou igual a 10% entre a RP bruta e ajustada. Para seleção das variáveis confundidoras considerou-se, também, o conhecimento científico existente na literatura. Interação foi avaliada pelo teste da razão de máxima verossimilhança, considerando um p < 0,05 como nível de significância estatística. A cor branca foi assumida como referência nas comparações da prevalência da SM entre os grupos de cor de pele. Para a análise, foi utilizado o pacote estatístico STATAtm, versão 7.0.

Resultados

O subgrupo estudado assemelhou-se à amostra original, exceto pelas maiores frequências de indivíduos com nível sócio-econômico baixo (55,2% vs 59,9%) e baixa escolaridade (43,2 vs 47,5%), entre as mulheres20. Houve perda de informação da cor de pele em treze questionários. Dos 1424 participantes, 603 (42,3%) eram homens e 821 (57,7%) mulheres. A distribuição de brancos, pardos e negros entre os homens foi de 24,9%, 46,8% e 28,3%, e entre as mulheres 26,6%, 45,3 e 28,1%. As características da população nos diferentes estratos da cor da pele, para homens obtiveram os seguintes resultados: os brancos tenderam a ter NSE mais elevado; atividade física no lazer e maior consumo de álcool, porém, foram mais frequentes em negros, que também a tendem a ser mais jovens; NSE mais baixo e o tabagismo predominaram nos pardos (Tabela 1). Para as mulheres, NSE mais elevado e atividade física no lazer foram mais frequentes nas brancas, com gradiente descendente em direção às negras. Idade, consumo de álcool e tabagismo mostraram gradiente crescente das brancas para as negras; escolaridade foi semelhante nas mulheres dos três grupos (Tabela 1).

Ainda se pode observar na tabela 1, diferenças mais expressivas dos homens brancos em relação às mulheres para atividade física, duas vezes mais, consumo de álcool 2,2 vezes maior e tabagistas 1,7 vezes mais. Para os pardos, observou-se que as diferenças foram semelhantes e para os negros viu-se que os homens se encontravam 1,2 vezes mais no NSE mais elevado e desenvolviam três vezes mais atividade no lazer, consumiam 2,2 vezes mais excesso de álcool, enquanto que as mulheres predominaram no grupo etário > 40 anos.

A prevalência da SM é crescente com a idade, duplicando-se para cada década entre 20 e 49 anos (6,9% de 20 a 29 anos, 14,3% de 30 a 39 anos, 32,4 % de 40 a 49 anos) e passando a 40,9% a partir dos 50 anos (de modo semelhante nos brancos, pardos e negros) (Figura 1).


A prevalência da SM, sem e com ajuste (por idade, atividade física no lazer, tabagismo, nível sócio-econômico e escolaridade) foi semelhante entre brancos (23,3%); pardos (23,3%) e negros (23,4%); p = ns (Tabela 2). Todavia, quando analisadas por sexo, houve declínio de 37,0% da prevalência bruta de SM nos homens brancos em direção aos negros (p/ tend= 0,02). Na análise ajustada, o gradiente de prevalência se mantém: nos brancos foi 26,2 IC95%(20,7-31,7); nos pardos 21,9% IC95% (18,6 - 25,1) e nos negros 17,5% IC95% (12,3-22,8). A tendência inverte-se para mulheres, tanto das taxas brutas quanto ajustadas (Tabela 2). A prevalência da SM (ajustada por idade, atividade física no lazer, tabagismo, nível sócio-econômico e escolaridade) foi maior entre as mulheres negras, 27,0% IC95% (22,2-31,8), quando comparadas às brancas, 20,5% IC95%(15,6-25,4), com uma prevalência intermediária entre aquelas que se definiram como pardas, 23,8% IC 95% (20,8-26,8). Quando observado sob a forma de gráfico, o comportamento da prevalência da SM nos estratos de cor da pele na população geral, entre homens e mulheres, identifica-se com maior clareza a modificação de efeito da variável sexo sobre esta associação (Figura 2).


A tabela 3 mostra a prevalência dos fatores que compõem a SM. Entre as mulheres de pele negra, observaram-se maiores prevalências de obesidade abdominal, DMsm e de HASsm, enquanto as mulheres brancas apresentaram maior prevalências para HDL-c baixo. Para os homens, a obesidade central (OC), o HDL-c < 40mg/dl e a hipertrigliceridemia foram mais prevalentes entre os brancos, enquanto a hipertensão arterial predominou nos negros.

Tomando-se como referência a cor de pele branca, foi calculada a RP da SM por cor de pele (Tabela 4). Entre os homens, após ajustamento por idade, atividade física no lazer, tabagismo, nível sócio-econômico e escolaridade, observa-se que a cor de pele negra comportou-se como fator de proteção, de modo estatisticamente significativo, 0,60 IC 95% (0,36 - 0,97). Já entre as mulheres, a cor de pele negra comportou-se como fator de risco, aproximando-se do nível significância estatística, 1,33 IC 95% (0,94 - 1,78).

Discussão

No presente estudo, a variável sexo confirmou-se como modificadora de efeito da associação entre cor de pele e SM. Quando analisada a prevalência da SM nos diferentes estratos da variável cor de pele, não houve diferença estatisticamente significante. Porém, quando a associação foi analisada separadamente por sexo, observou-se que, enquanto entre os homens, a maior prevalência foi em brancos e a menor em negros, o gradiente foi inverso entre as mulheres, com maior prevalência da SM entre as negras (Figura 2).

Ford e cols.10, em 2001, encontraram prevalência da síndrome metabólica nos Estados Unidos da América de 21,8% da população adulta, sem diferença significativa entre os sexos10. Todavia, quando os autores analisaram a prevalência da SM por gênero e grupos étnicos, encontraram uma prevalência maior entre as mulheres americanas afro-descendentes (25,7%) em comparação com mulheres brancas (22,8%), menor prevalência entre os homens afro-americanos (16,4%) em comparação aos brancos (24,8%). Os dados de Salvador assemelham-se aos dos autores referidos. Pelos resultados de Ford e também pelos nossos resultados, menores prevalências da SM entre os homens negros (ou afro-descendentes) ocorreram porque, a despeito de uma maior prevalência de HASsm, este grupo étnico apresentou uma menor prevalência de obesidade abdominal, HDL-c baixo e hipertrigliceridemia (Tabela 4). Os autores não descreveram características como escolaridade, nível sócio econômico, hábitos alimentares e prática de atividade física na população estudada. Tal fato limita a internegração das diferenças de prevalência encontradas entre os grupos étnico-raciais.

No Brasil, ainda que não tenham encontrado diferença estatisticamente significante entre as prevalências da SM em "grupos raciais" distintos, Salaroli e colaboradores num estudo de base populacional na cidade de Vitória encontraram, de modo semelhante ao nosso estudo, uma maior prevalência da SM entre mulheres negras e menor entre os homens negros21.

Tem-se demonstrado que homens negros apresentam níveis de triglicérides menores e níveis de HDL-c maiores que os brancos9,22-26, enquanto que em mulheres adultas estas diferenças são menores ou inexistentes22,26. O achado de níveis mais altos da sub-fração HDL2 colesterol (fração mais protetora do HDL-c) entre crianças negras é uma evidência que pode sugerir alguma influência de fatores genéticos. Porém, pensa-se que, sobretudo, os fatores relacionados ao modo de vida expliquem boa parte das diferenças de perfil lipídico entre negros e brancos na idade adulta. Assim é que as mulheres negras, à semelhança dos homens negros, na infância e na adolescência, apresentam taxas de triglicérides menores e de HDL-c maiores que as brancas27-30, mas que desaparecem no decorrer do tempo.

Alguns autores demonstraram que a obesidade central associa-se ao aparecimento de alterações do metabolismo glicídico, à elevação de triglicérides e à redução de HDL-c independentemente da etnia9,23,24,31. A partir destas evidências e dos nossos resultados, acreditamos que a menor prevalência de obesidade central entre os homens negros tem um papel central na explicação dos achados de níveis de triglicérides mais baixos e de HDL-c mais elevados neste sub-grupo, assim como, a maior prevalência de obesidade central entre os homens brancos ajuda a ampliar as diferenças do perfil lipídico entre negros e brancos. Por conseguinte, a maior proporção de mulheres negras com obesidade central ajuda a explicar por que estas, quando comparadas às brancas, apresentam taxas de triglicérides semelhantes e menores diferenças nos níveis de HDL-c do que aquela observada no sexo masculino31.

Na população deste estudo, observamos uma maior proporção de mulheres negras com baixo nível de escolaridade que não praticam atividade física (Tabela 1). Supostamente isto explicaria parcialmente a maior prevalência de obesidade central e da SM neste subgrupo. Também, uma maior proporção de indivíduos que praticam atividade física entre os homens negros ajudaria a explicar uma menor prevalência destas condições entre estes (Tabela 1). Todavia, a distribuição destas variáveis não parece ser suficiente para explicar a maior prevalência de obesidade central e da SM entre os homens de cor de pele branca.

Baixo peso ao nascimento seria um outro fator que poderia ajudar a explicar a associação entre cor de pele e SM32-34. Assim, condições de subnutrição na vida intra-uterina parecem causar alterações metabólicas que têm como prioridade o provimento de nutrientes para o cérebro em detrimento da musculatura estriada e pâncreas, resultando em resistência insulínica35. No presente estudo, não dispomos do peso ao nascer dos indivíduos pesquisados.

A não inclusão, neste estudo, da análise dos hábitos alimentares e dos fatores psicossociais dos indivíduos pode ter trazido limitações para um entendimento mais perfeito das relações entre a cor de pele e SM. Também, sendo a prevalência da SM mais elevada com a progressão da idade e tratando-se de um estudo de corte transversal, viés de sobrevivência pode influenciar os achados de diferenças na prevalência da SM entre brancos, pardos e negros. Entre os homens, a proporção de indivíduos com idade superior ou igual a 40 anos foi muito semelhante nos três grupos e, entre as mulheres, tendeu a ser maior nas de cor de pele negra. Assim, não acreditamos que este tipo de viés explique na totalidade as diferenças nas prevalências encontradas, mas pode ter contribuído, conjuntamente com hábitos alimentares e fatores psicossociais, para explicar as diferentes taxas de prevalência da SM entre brancos, pardos e negros, em homens e mulheres.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pelo Cnpq.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Paulo José Bastos Barbosa pelo Instituto de Saúde Coletiva - UFBA.

Artigo recebido em 29/06/08; revisado recebido em 06/12/08; aceito em 12/12/08

  • 1. Reaven GM. Banting lecture 1988: role of insulin resistance in human disease. Diabetes. 1988; 37 (12): 1595-607.
  • 2. Alexander CM, Landsman PB, Teutsch SM, Haffner SM. NCEP-defined metabolic syndrome, diabetes, and prevalence of coronary heart disease among NHANES III participants age 50 years and older. Diabetes. 2003; 52 (5): 1210-4.
  • 3. Lakka HM, Laaksonen DE, Lakka TA, Niskanen LK, Kumpusalo E, Tuomilehto J, et al. The metabolic syndrome and total and cardiovascular disease mortality in middle-aged men. JAMA. 2002; 288 (21): 2709-16.
  • 4. Laaksonen DE, Lakka HM, Niskanen LK, Kaplan GA, Salonen JT, Lakka TA. Metabolic syndrome and development of diabetes mellitus: application and validation of recently suggested definitions of the metabolic syndrome in a prospective cohort study. Am J Epidemiol. 2002; 156 (11): 1070-7.
  • 5. Pyorala M, Miettinen H, Laakso M, Pyorala K. Hyperinsulinemia predicts coronary heart disease risk in healthy middle-aged men: the 22-year follow-up results of the Helsinki Policemen Study. Circulation. 1998; 98 (5): 398-404.
  • 6. Rewers M, Zaccaro D, D'Agostino R, Haffner S, Saad MF, Selby JV, et al. Insulin sensitivity, insulinemia, and coronary artery disease: the Insulin Resistance Atherosclerosis Study. Diabetes Care. 2004; 27 (3): 781-7.
  • 7. Kullo IJ, Cassidy AE, Peyser PA, Turner ST, Sheedy PF 2nd, Bielak LF. Association between metabolic syndrome and subclinical coronary atherosclerosis in asymptomatic adults. Am J Cardiol. 2004; 94 (12): 1554-8.
  • 8. Does diagnosis of the metabolic syndrome detect further men at high risk of cardiovascular death beyond those identified by a conventional cardiovascular risk score? The DECODE Study. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil. 2007; 14 (2): 192-9.
  • 9. Okosun IS, Liao Y, Rotimi CN, Prewitt TE, Cooper RS. Abdominal adiposity and clustering of multiple metabolic syndrome in white, black and hispanic americans. Ann Epidemiol. 2000; 10 (5): 263-70.
  • 10. Ford ES, Giles WH, Dietz WH. Prevalence of the metabolic syndrome among US adults: findings from the third National Health and Nutrition Examination Survey. JAMA. 2002; 287 (3): 356-9.
  • 11. Meigs JB, Wilson PW, Nathan DM, D'Agostino RB Sr, Williams K, Haffner SM. Prevalence and characteristics of the metabolic syndrome in the San Antonio Heart and Framingham Offspring Studies. Diabetes. 2003; 52 (8): 2160-7.
  • 12. Ford ES, Giles WH. A comparison of the prevalence of the metabolic syndrome using two proposed definitions. Diabetes Care. 2003; 26 (3): 575-81.
  • 13. Ferdinand KC. The cardiometabolic syndrome and cardiovascular disease in racial and ethnic minorities: new areas of research and intervention. J Cardiometab Syndr. 2007; 2 (4): 235-7.
  • 14. Ajjan R, Carter AM, Somani R, Kain K, Grant PJ. Ethnic differences in cardiovascular risk factors in healthy Caucasian and South Asian individuals with the metabolic syndrome. J Thromb Haemost. 2007; 5 (4): 754-60.
  • 15. Salsberry PJ, Corwin E, Reagan PB. A complex web of risks for metabolic syndrome: race/ethnicity, economics, and gender. Am J Prev Med. 2007; 33 (2): 114-20.
  • 16. Lessa IML, Araújo MJ, Aquino E, Almeida Filho N. Projeto-monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis (MONIT): relatório de pesquisa apresentado ao Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI). Brasília: Fundação Nacional de Saúde (MS); 2000.
  • 17
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese dos indicadores sociais, 1998. Rio de Janeiro; 1999.
  • 18. Roldan B, San Millan JL, Escobar-Morreale HF. Genetic basis of metabolic abnormalities in polycystic ovary syndrome: implications for therapy. Am J Pharmacogenomics. 2004; 4 (2): 93-107.
  • 19. Grundy SM, Cleeman JI, Daniels SR, Donato KA, Eckel RH, Franklin BA, et al. Diagnosis and management of the metabolic syndrome: an American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute Scientific Statement. Circulation. 2005; 112 (17): 2735-52.
  • 20. Barbosa PJ, Lessa I, Almeida Filho N, Magalhaes LB, Araujo J. Criteria for central obesity in a Brazilian population: impact on metabolic syndrome. Arq Bras Cardiol. 2006; 87 (4): 407-14.
  • 21. Salaroli LB, Barbosa GC, Mill JG, Molina MC. Prevalence of metabolic syndrome in population-based study, Vitoria, ES-Brazil. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007; 51 (7): 1143-52.
  • 22. Chaturvedi N, McKeigue PM, Marmot MG. Relationship of glucose intolerance to coronary risk in Afro-Caribbeans compared with Europeans. Diabetologia. 1994; 37 (8): 765-72.
  • 23. Folsom AR, Burke GL, Ballew C, Jacobs DR Jr, Haskell WL, Donahue RP, et al. Relation of body fatness and its distribution to cardiovascular risk factors in young blacks and whites: the role of insulin. Am J Epidemiol. 1989; 130 (5): 911-24.
  • 24. McKeigue PM, Shah B, Marmot MG. Relation of central obesity and insulin resistance with high diabetes prevalence and cardiovascular risk in South Asians. Lancet. 1991; 337: 382-6.
  • 25. Miller GJ, Kotecha S, Wilkinson WH, Wilkes H, Stirling Y, Sanders TA, et al. Dietary and other characteristics relevant for coronary heart disease in men of Indian, West Indian and European descent in London. Atherosclerosis. 1988; 70 (1-2): 63-72.
  • 26. Slack J, Noble N, Meade TW, North WR. Lipid and lipoprotein concentrations in 1604 men and women in working populations in north-west London. Br Med J. 1977; 2: 353-7.
  • 27. Srinivasan SR, Frerichs RR, Webber LS, Berenson GS. Serum lipoprotein profile in children from a biracial community: the Bogalusa Heart Study. Circulation. 1976; 54 (2): 309-18.
  • 28. Morrison JA, deGroot I, Edwards BK, Kelly KA, Mellies MJ, Khoury P, et al. Lipids and lipoproteins in 927 schoolchildren, ages 6 to 17 years. Pediatrics. 1978; 62 (6): 990-5.
  • 29. Berenson GS, Srinivasan SR, Cresanta JL, Foster TA, Webber LS. Dynamic changes of serum lipoproteins in children during adolescence and sexual maturation. Am J Epidemiol. 1981; 113 (2): 157-70.
  • 30. Belcher JD, Ellison RC, Shepard WE, Bigelow C, Webber LS, Wilmore JH, et al. Lipid and lipoprotein distributions in children by ethnic group, gender, and geographic locationpreliminary findings of the Child and Adolescent Trial for Cardiovascular Health (CATCH). Prev Med. 1993; 22 (2): 143-53.
  • 31. Srinivasan SR, Wattigney W, Webber LS, Berenson GS. Race and gender differences in serum lipoproteins of children, adolescents, and young adultsemergence of an adverse lipoprotein pattern in white males: the Bogalusa Heart Study. Prev Med. 1991; 20 (6): 671-84.
  • 32. Haslam DW, James WP. Obesity. Lancet. 2005; 366: 1197-209.
  • 33. Hofman PL, Regan F, Jackson WE, Jefferies C, Knight DB, Robinson EM, et al. Premature birth and later insulin resistance. N Engl J Med. 2004; 351 (21): 2179-86.
  • 34. Yajnik C. Interactions of perturbations in intrauterine growth and growth during childhood on the risk of adult-onset disease. Proc Nutr Soc. 2000; 59 (2): 257-65.
  • 35. Sperling MA. Prematuritya window of opportunity? N Engl J Med. 2004; 351 (21): 2229-31.
  • Correspondência:
    Paulo José Bastos Barbosa
    Rua Amazonas, 216 - Cond. Pituba Ville Nº 229
    Residencial Paul Gauguin, Apto. M302
    Pituba - 41830-380 - Salvador, BA, Brasil.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jan 2010

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2008
    • Aceito
      12 Dez 2008
    • Revisado
      06 Dez 2008
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br