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Avaliação da adesão de médicos ao protocolo de hipertensão arterial da secretaria municipal de saúde de Curitiba

Resumos

FUNDAMENTO: Em Curitiba, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a segunda causa de internamento hospitalar e a primeira causa de morte por doenças cardiovasculares. Os protocolos de atendimento aos hipertensos sistematizam a atenção ao paciente com o intuito de aprimorar a resolutividade e a qualidade dos serviços de saúde. OBJETIVO: Avaliar a adesão dos profissionais médicos ao protocolo do programa de hipertensos da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Curitiba. MÉTODOS: Este é um estudo transversal e observacional. A coleta de dados referentes ao trabalho foi realizada em quatro unidades de saúde de Curitiba. A amostra foi constituída de 200 pacientes hipertensos cadastrados no programa de HAS. Os dados coletados eram referentes às duas primeiras consultas. A fonte de dados foi o prontuário eletrônico das unidades de saúde. O protocolo utilizado para análise comparativa foi o da SMS de Curitiba. RESULTADOS: A não conformidade entre a prática clínica e o protocolo na primeira consulta foi de 56,8% quanto à classificação de grau, 63,8% quanto ao risco cardiovascular e de 54% quanto ao tratamento. Na segunda consulta, em 67% não houve concordância com o protocolo quanto ao risco e em 51,3% quanto ao tratamento. CONCLUSÃO: A não conformidade entre a prática clínica e a adesão ao protocolo da SMS de Curitiba mostrou-se evidente na classificação de grau, risco cardiovascular e tratamento do paciente hipertenso. O não seguimento do protocolo pode representar uma baixa resolutividade do serviço de saúde, o qual perde a oportunidade de reduzir a morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares na população.

Hipertensão; pressão arterial; protocolos clínicos


FUNDAMENTO: En Curitiba, la hipertensión arterial sistémica (HAS) es la segunda causa de internamiento hospitalario y la primera causa de muerte por enfermedades cardiovasculares. Los protocolos de atención a los hipertensos sistematizan la atención al paciente con la intención de perfeccionar la resolutividad y la calidad de los servicios de salud. OBJETIVO: Evaluar la adhesión de los profesionales médicos al protocolo del programa de hipertensos de la Secretaría Municipal de Salud (SMS) de Curitiba. MÉTODOS: Este es un estudio transversal y observacional. La recolección de datos referentes al trabajo se llevó a cabo en cuatro unidades de salud de Curitiba. La muestra estaba conformada por 200 pacientes hipertensos registrados en el programa de HAS. Los datos recolectados se referían a las dos primeras consultas. La fuente de datos fue el prontuario electrónico de las unidades de salud. El protocolo utilizado para análisis comparativo fue el de la SMS de Curitiba. RESULTADOS: La no conformidad entre la práctica clínica y el protocolo en la primera consulta fue de un 56,8% en cuanto a la clasificación de grado, un 63,8% en cuanto al riesgo cardiovascular y del 54% con relación al tratamiento. En la segunda consulta, en el 67% no hubo concordancia con el protocolo en cuanto al riesgo y en un 51,3% en cuanto al tratamiento. CONCLUSIÓN: La no conformidad entre la práctica clínica y la adhesión al protocolo de la SMS de Curitiba se reveló evidente en la clasificación de grado, riesgo cardiovascular y tratamiento del paciente hipertenso. El no seguimiento del protocolo puede representar una baja resolutividad del servicio de salud, el que pierde la oportunidad de reducir la morbilidad y mortalidad por enfermedades cardiovasculares en la población.

Hipertensión; presión arterial; protocolos clínicos


BACKGROUND: In Curitiba, systemic hypertension (SH) is the second leading cause of hospitalization and the leading cause of death from cardiovascular diseases. The protocols for the treatment of hypertension provide a systematic approach to patient management, aiming at improving the efficiency and quality of health services. OBJECTIVE: To evaluate medical professionals' compliance with the protocol of hypertension of the Municipal Health Department (MHD) of the city of Curitiba. METHODS: This was a cross-sectional observational study. The data collection for the study was conducted in four health units in Curitiba. The sample consisted of 200 hypertensive patients enrolled in the hypertension program. The collected data refers to the first two consultations. The data source was the electronic records of the health units. The protocol used for comparative analysis was the protocol of the Municipal Health Department of Curitiba. RESULTS: The non-conformity percentage between clinical practice and the protocol in the first consultation was 56.8% on hypertension grade classification, 63.8% on cardiovascular risk evaluation, and 54% on treatment. In the second consultation, the non-conformity percentage was 67% on risk evaluation, and 51.3% on treatment. CONCLUSION: The non-conformity between clinical practice and the protocol of the MHD of Curitiba was evident on hypertension grade classification, cardiovascular risk evaluation, and treatment of hypertensive patients. This non-conformity may result in low efficiency of the health service, which hinders the efforts to reduce morbidity and mortality from cardiovascular disease in the population.

Hypertension; blood pressure; clinical protocols


ARTIGO ORIGINAL

HIPERTENSÃO ARTERIAL SITÊMATICA

Avaliação da adesão de médicos ao protocolo de hipertensão arterial da secretaria municipal de saúde de Curitiba

Ivan Maluf Jr; Mariana Ribas Zahdi; Natasha Unterstell; Eliane Mara Cesário Pereira Maluf; André Bonamigo de Sousa; Felipe Dominici Loures

Universidade Positivo, Curitiba, PR - Brasil

Correspondência Correspondência: Ivan Maluf Junior Av. Silva Jardim, 2833, ap. 501 - Agua Verde 80240020 - Curitiba, PR - Brasil E-mail: ivanmalufjr@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Em Curitiba, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a segunda causa de internamento hospitalar e a primeira causa de morte por doenças cardiovasculares. Os protocolos de atendimento aos hipertensos sistematizam a atenção ao paciente com o intuito de aprimorar a resolutividade e a qualidade dos serviços de saúde.

OBJETIVO: Avaliar a adesão dos profissionais médicos ao protocolo do programa de hipertensos da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Curitiba.

MÉTODOS: Este é um estudo transversal e observacional. A coleta de dados referentes ao trabalho foi realizada em quatro unidades de saúde de Curitiba. A amostra foi constituída de 200 pacientes hipertensos cadastrados no programa de HAS. Os dados coletados eram referentes às duas primeiras consultas. A fonte de dados foi o prontuário eletrônico das unidades de saúde. O protocolo utilizado para análise comparativa foi o da SMS de Curitiba.

RESULTADOS: A não conformidade entre a prática clínica e o protocolo na primeira consulta foi de 56,8% quanto à classificação de grau, 63,8% quanto ao risco cardiovascular e de 54% quanto ao tratamento. Na segunda consulta, em 67% não houve concordância com o protocolo quanto ao risco e em 51,3% quanto ao tratamento.

CONCLUSÃO: A não conformidade entre a prática clínica e a adesão ao protocolo da SMS de Curitiba mostrou-se evidente na classificação de grau, risco cardiovascular e tratamento do paciente hipertenso. O não seguimento do protocolo pode representar uma baixa resolutividade do serviço de saúde, o qual perde a oportunidade de reduzir a morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares na população.

Palavras-chave: Hipertensão / terapia, pressão arterial, protocolos clínicos.

Introdução

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é um dos problemas de saúde pública mais importantes e frequentes no mundo, tendo prevalência aproximada de 20% na população adulta1. A HAS é reconhecida mundialmente como o maior fator de risco passível de prevenção nos casos de acidente vascular encefálico (AVE), infarto agudo do miocárdio (IAM), doença vascular periférica e insuficiência renal2. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a mortalidade por doenças cardiovasculares que frequentemente estão associadas à hipertensão chega a ser de 250/100 mil habitantes3. Mesmo com os avanços no tratamento das doenças cardiovasculares, o número de mortes por consequência da HAS continua crescendo, e estima-se que em 2020 esteja liderando as estatísticas de causa-morte no mundo todo4. Apesar disso, ainda não há ações concentradas e sustentáveis que permitam aos sistemas de saúde da América Latina e Central desenvolver estratégias e programas eficazes e eficientes de controle da doença5.

Em Curitiba, a hipertensão é a segunda causa de internamento hospitalar e a primeira causa de morte por doenças cardiovasculares6.

Nos últimos cinco anos, os gastos com medicamentos têm subido vertiginosamente no mundo. Na Grã-Bretanha e nos EUA, esse aumento chegou a 50% e 173%, respectivamente. Entre as principais causas identificadas como fatores que contribuem para a falha no controle da HAS, encontram-se as prescrições inadequadas. Porém, os estudos de avaliação da qualidade das prescrições ainda são escassos3.

A adesão aos protocolos está relacionada à maior qualidade das prescrições e, consequentemente, tem um impacto significativo no número de pessoas com o nível de pressão arterial controlado, além de diminuir eventos cardiovasculares7. No entanto, estudos demonstraram um número elevado de pacientes tratados em desacordo com os protocolos, especialmente pela insistência em monoterapia naqueles cujo quadro clínico sugere o uso de três a quatro medicamentos associados2,8.

Diante desse desacordo, em 1990 mais de 43 milhões de norte-americanos acima de 18 anos preenchiam os critérios de diagnóstico para HAS, no entanto apenas 50% estavam sendo tratados9.

Objetivo

O propósito deste trabalho foi avaliar a adesão de médicos ao protocolo do programa de hipertensos da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba.

Métodos

Este trabalho caracteriza-se como um estudo transversal e observacional.

A coleta de dados referentes ao trabalho foi realizada em quatro unidades de saúde (US) de Curitiba escolhidas pela Secretaria Municipal de Saúde em 2006: Nossa Senhora da Luz e Augusta, pertencentes à regional Cidade Industrial de Curitiba (CIC); Jardim Gabineto, pertencente à regional Santa Felicidade; e Capanema, da regional Matriz.

A amostra foi constituída por coleta de dados de 200 pacientes em duas consultas médicas referentes ao programa de HAS. Selecionaram-se pacientes de ambos os sexos e acima de 35 anos de idade que foram incluídos no programa de HAS em 2005. Excluíram-se gestantes com níveis pressóricos abaixo ou igual a 120/80 na primeira consulta do programa, pacientes inativos no programa e aqueles com HAS secundária.

Coletaram-se informações referentes às duas consultas consecutivas realizadas a partir de 2005, e a primeira refere-se ao dia do cadastro no programa de HAS.

A coleta de dados foi realizada por cinco acadêmicos de medicina, previamente treinados, integrantes da equipe. Elaborou-se uma planilha no Excel com as variáveis estudadas: sexo, data das consultas, unidades de saúdes, idade, pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), índice de massa corporal (IMC), fatores de risco para doença cardiovascular, medicamentos prescritos na primeira e segunda consultas com dose e número de tomada diária, exames complementares pedidos nas consultas e classificação e grau de cada consulta.

A classificação do grau e risco da hipertensão foi realizada com base no diagnóstico da primeira consulta médica de inserção no programa de hipertensos da US e comparada com os critérios do protocolo. Também foi efetuada a comparação com o plano de tratamento proposto.

O protocolo utilizado foi o padronizado pela Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba em 2004.

Os esquemas terapêuticos avaliados no trabalho contemplaram medicamentos disponíveis na rede pública, que coincidem com os do protocolo: hidroclorotiazida, furosemida, propranolol, captopril, metildopa e nifedipina de ação prolongada.

Para fonte de dados, utilizou-se o prontuário eletrônico das unidades de saúde (informações clínicas, comorbidades e prescrição).

O programa de estatística utilizado para a análise dos dados foi o SPSS versão 13.

O trabalho foi analisado e aprovado pelo comitê de ética da Universidade Positivo.

Resultados

Dos 200 pacientes que preencheram os critérios de inclusão do estudo, 51 (24,5%) eram da US Augusta, 63 (31,5%) da US Nossa Senhora da Luz, 55 (27,5%) da US. Jardim Gabineto e 31 (16,5%) da US Capanema. A maior parte pertencia ao gênero feminino (57%). A mediana de idade foi de 52 anos, com idade mínima de 35 e máxima de 90 anos. Dos pacientes, 40,7% eram obesos, e 47,8% das mulheres apresentaram IMC acima de 30 kg/m2.

Na maior parte dos prontuários pesquisados, não se observaram tabagismo, história de acidente vascular encefálico, lesão em órgão-alvo, dislipidemia, doença renal ou cardíaca e etilismo.

Diagnóstico e estágio da hipertensão

A mediana da PAS foi de150 mmHg, com mínima de 120 mmHg e máxima de 250 mmHg. Entre as mulheres, 64% apresentaram PAS abaixo de 159 mmHg e 43% dos homens situavam-se nessa faixa.

Em relação à PAD, a mediana calculada foi de 100 mmHg, com mínima de 80 mmHg e máxima de 160 mmHg. Com relação às mulheres, 51,8% estavam situadas nos valores entre 60 e 99 mmHg; quanto aos homens, 52,3% tinham a PAD entre 100 e 109 mmHg.

Dos fatores de risco cardiovasculares estudados, em 11% dos pacientes havia diagnóstico prévio de diabetes melito, com predomínio nos homens (16,3%).

Os exames complementares foram avaliados com base nos valores recomendados pelo protocolo de hipertensão da Secretaria Municipal.

Alguns pacientes apresentaram, já na primeira consulta, os resultados de exames laboratoriais. Das 51 análises de glicemia de jejum, havia valores acima de 100 mg/dl em 51% dos resultados. Igualmente, na mesma quantidade de solicitação do valor do colesterol total, havia alteração do nível recomendado em 33,3%. Na avaliação de 44 análises de triglicerídeos, 29,6% estavam com valores elevados. Outros exames avaliados apresentaram alterações:

• HDL: com 26 análises e 23,1% em níveis abaixo do recomendado.

• LDL: com 30 solicitações, das quais 53,4% apresentavam resultados elevados.

• Creatinina: em 22% das 50 análises, estava acima do limite superior da normalidade.

Seis pacientes apresentaram resultado de sódio sérico, e o valor estava abaixo do recomendado em apenas um deles. Houve 17 resultados de potássio sérico, e em todas as situações o valor estava dentro da normalidade.

Solicitaram-se esses exames a alguns pacientes para avaliação na segunda consulta. Dos 73 resultados de glicemia de jejum, 27,3% apresentaram glicemia maior que 100 mg/dl. Em 29,5% de 71 análises, havia aumento do colesterol total. Foram solicitadas 68 análises de triglicerídeos que se mostraram alteradas em 17,6% dos resultados. Das 49 avaliações do HDL, em apenas 7 o valor estava abaixo do recomendado. O LDL foi solicitado para 50 pessoas, e em 40% das análises o valor era maior que 130 mg/dl. Pediram-se 50 parciais de urina: em 3 análises havia hemoglobinúria, e em 2 constatou-se proteinúria. Sódio sérico estava alterado em apenas um exame, de 13 solicitações, e o potássio sérico em dois exames, de 39 solicitações. De 62 análises, apenas em duas havia valor maior que 1,2 mg/dl.

Na avaliação do grau da HAS, houve discordância da recomendação em 56,8% das situações. Dos dados que, segundo o protocolo, deveriam ser classificados como grau 1, 50,7% não estavam dessa maneira. Como grau 2, 60,4% não estavam em conformidade, e, em relação aos que deveriam ser determinados como grau 3, 58,5% não estavam classificados corretamente (Tabela 1). Esse dado foi analisado apenas na primeira consulta porque, para haver uma mudança na classificação do grau de hipertensão do paciente, seria necessário um período mínimo de três meses de estabilidade em outro grau. Este trabalho não contempla esse acompanhamento, portanto não será apresentada aqui a análise dos graus na segunda consulta.

Na classificação sobre o risco cardiovascular, analisaram-se as duas consultas e os riscos estratificados para análise de concordância em cada nível, pois o risco do paciente poderia ser modificado de acordo com resultados de exames complementares solicitados na primeira consulta. Houve discordância nas classificações em 63,8% na primeira consulta. Dos dados que, segundo o protocolo, deveriam ser classificados como risco baixo, 46,9% não estavam dessa maneira. Dos que deveriam estar como risco moderado, 57,1% não estavam em conformidade. E, quanto aos riscos alto e muito alto, 66,7% e 91,7%, respectivamente, divergiram do recomendado pelo protocolo (Tabela 2). Na segunda consulta, não houve concordância com a recomendação em 67% dos casos. Dos pacientes que deveriam ser determinados como baixo risco, assim não estavam em 50% das situações. Apenas 38% foram classificados corretamente como risco moderado, e houve divergência em 67,5% e 92,6% nas distribuições de riscos alto e muito alto, respectivamente (Tabela 3).

Tratamento

Dentre os 200 pacientes, 11 não estavam fazendo uso de drogas anti-hipertensivas. O tratamento farmacológico preconizado pelo protocolo da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba estabelece como droga de primeira escolha na terapia a hidroclorotiazida, a qual foi prescrita em 51,5% de todos os casos na primeira consulta. Dos pacientes que estavam em monoterapia, apenas 34,2% faziam uso dessa droga. O medicamento captopril foi o mais utilizado (em 57% dos casos), inclusive como monoterapia (51,8%), seguido pelo propranolol em 13% das situações. Medicamentos não incluídos na farmácia das unidades de saúde foram prescritos para 2,5% dos pacientes medicados. Os demais medicamentos foram prescritos com menor frequência, sendo a metildopa prescrita para 1% dos pacientes medicados, furosemida para 4% e nifedipina para 8,5%.

A monoterapia foi aplicada à maioria dos pacientes (57%). Em uso de dois medicamentos, havia 32,5% dos pacientes, e 5% estavam usando três ou mais drogas.

Na análise de adesão ao protocolo da SMS de Curitiba, verificou-se que, na primeira consulta, em 54,7% das vezes o tratamento não estava em conformidade com o sugerido pelo protocolo, e, na segunda consulta, em 51,3% das vezes também não estava compatível.

Discussão

Em Curitiba, em 2004 o total de hipertensos cadastrados no Programa do SUS era de 85.783 pacientes. Em 2005, houve um acréscimo de 16.405 cadastrados. Nesse mesmo ano, realizaram-se 830.269 consultas, e em 2004, 746.927. Do total de medicamentos disponibilizados na farmácia das unidades de saúde em 2004, 48,6% foram de anti-hipertensivos (68.045.973 comprimidos). Em 2005, distribuíram-se 79.933.945 comprimidos de anti-hipertensivos para a população usuária do SUS6.

As ações desenvolvidas para o controle da HAS e suas complicações têm levado em conta vários fatores, tais como mudanças nos hábitos de vida, tratamento medicamentoso e sua aderência. O protocolo de HAS da SMS de Curitiba foi criado com o objetivo de sistematizar a atenção ao hipertenso, com intuito de aprimorar a resolutividade e a qualidade dos serviços municipais de saúde. Também traz inovações na abordagem, introduzindo novos conceitos como gestão da patologia e de casos que, se bem incorporados pelas equipes, auxiliarão, sem dúvida, na organização do processo de trabalho e na otimização dos recursos disponíveis. Somado a isso, o propósito seria acompanhar a população-alvo em suas áreas de abrangência e monitorizar o alcance das metas pactuadas pelas equipes de saúde, com relação a internamentos decorrentes da HAS, solicitação de exames laboratoriais e retorno agendados1.

Somente um terço dos pacientes sob tratamento para HAS alcança índices de PA abaixo de 140/90 mmHg, que é o indicado pela diretriz do Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure (JNC VI)2. Isso ocorre independentemente do fato de existirem mais de 70 drogas anti-hipertensivas disponíveis e protocolos específicos para a doença. A falta de adesão dos médicos aos protocolos é um fator importante para esses números2.

Este estudo deixa clara a inconformidade que há entre o tratamento realizado nas unidades de saúde e o protocolo da SMS de Curitiba, proposto como método de comparação. Apesar dessa evidência, reconhece-se a dificuldade em manter de modo efetivo essa comparação. Observou-se também, criticamente, que medir a aderência a um protocolo não é tarefa fácil, uma vez que, geralmente, essa medição se dá por meio de critérios muitas vezes pouco acurados. Em razão disso, estão sendo estudadas novas formas de avaliar a adesão, porque é sabido que a introdução de um novo protocolo modifica substancialmente a detecção, a avaliação de risco e o tratamento da hipertensão10,11.

Pesquisas laboratoriais são de suma importância para pesquisar outros fatores de risco, descartar a presença de hipertensão secundária e evidenciar ou não a lesão de órgão-alvo, o qual muitas vezes é de caráter subclínico12. É nesse contexto que se torna obrigatória e é preconizada por diversos protocolos, e adotada pela SMS de Curitiba, a realização desses exames complementares1. Sabe-se que protocolos baseados em risco cardiovascular e não apenas em níveis pressóricos são mais eficientes4. Mesmo com esse nível de importância, observou-se, neste estudo, que exames foram solicitados em 31,8% das consultas, ainda assim não contemplando os exames mínimos preconizados, e o eletrocardiograma foi solicitado em apenas uma. Na ausência desses dados, não foi possível calcular o número de pacientes subdiagnosticados com diabetes melito tipo II, insuficiência renal e dislipidemia. O controle da pressão mostra um melhor custo-benefício para reduzir doenças macrovasculares derivadas do diabetes8.

O índice de concordância na primeira consulta dos medicamentos prescritos com as indicações do protocolo foi de apenas 45,3%. Resultados semelhantes de baixa adesão foram encontrados na literatura pesquisada13. A classificação de grau e risco divergente do preconizado implica um tratamento inadequado. Estudos recentes demonstraram que uma maior adesão dos médicos às recomendações dos protocolos traz benefícios, pois diminui a incidência de riscos cardiovasculares e complicações renais, além de reduzir os níveis pressóricos. As recomendações vigentes nos protocolos são baseadas em evidências científicas de redução significativa da morbidade e mortalidade decorrentes da hipertensão arterial sistêmica14.

Apesar de não ter sido a droga mais utilizada, a hidroclorotiazida foi prescrita para 51,5% dos pacientes, demonstrando boa adesão na prática clínica. Esse resultado diverge de outros estudos que mostraram descrença por parte dos médicos no uso dessa droga como primeira escolha15. Durante muitos anos, os betabloqueadores serviram como drogas de prescrição rotineira pela maioria dos médicos de atenção primária, no entanto, segundo estudos recentes, verificou-se uma quebra dessa tradição, já que essa classe de anti-hipertensivos não é mais considerada de primeira linha7,16,17. Neste estudo, verificou-se que o propranolol - medicamento da classe dos betabloqueadores - foi administrado em 15% dos pacientes. Muitas vezes, é necessário prescrever mais de uma droga para atingir os níveis pressóricos considerados normais, e verifica-se que essa prática é um tanto desconsiderada2. No estudo ora apresentado, a monoterapia esteve presente em 57%.

Dada a ausência de algumas informações necessárias para a classificação dos pacientes, a avaliação deste estudo foi baseada nos dados disponíveis. Informações como tabagismo, história de AVE e doenças cardiovasculares e renais associadas estavam ausentes em praticamente todos os prontuários, o que dificultou a classificação exata e o tratamento correto a serem feitos. Dessa maneira, verifica-se uma discordância com o protocolo que preconiza a avaliação de fatores de risco para uma correta estratificação de grau e risco do paciente1. Os resultados avaliados mostraram que há pouca adesão ao protocolo da SMS, em razão do elevado índice de não conformidade no diagnóstico de grau e risco, o que também se observou no tratamento da hipertensão arterial sistêmica, pois, em média, apenas 50% dos médicos seguem as recomendações da SMS.

Conclusão

A não conformidade entre a prática clínica e o preconizado pelo protocolo da SMS de Curitiba mostrou-se evidente tanto na classificação de grau e risco do paciente hipertenso quanto no tratamento. O seguimento do protocolo pode ser uma ferramenta importante no controle da HAS e contribuir na redução da morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares na população.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 13/11/08; revisado recebido em 01/12/08; aceito em 25/05/09.

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  • Correspondência:
    Ivan Maluf Junior
    Av. Silva Jardim, 2833, ap. 501 - Agua Verde
    80240020 - Curitiba, PR - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jan 2010

    Histórico

    • Recebido
      13 Nov 2008
    • Revisado
      01 Dez 2008
    • Aceito
      25 Maio 2009
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