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Tratamento de estenose de veia pulmonar após ablação percutânea de fibrilação atrial

Resumos

Neste relato de caso, descrevemos um paciente portador de fibrilação atrial (FA) persistente, submetido à ablação percutânea da FA pela técnica de isolamento extraostial das veias pulmonares, que desenvolveu uma estenose acentuada do óstio da veia pulmonar superior esquerda (VPSE), sem manifestar sintomas, diagnosticada pela angiotomografia de controle das veias pulmonares. O paciente foi submetido à angioplastia com implante de stent na VPSE com sucesso, resultando na normalização da perfusão pulmonar, verificado pela cintilografia pulmonar realizada 3 meses após a angioplastia.

fibrilação atrial; ablação por cateter; constrição patológica de veias pulmonares


En este caso clínico, describimos a un paciente portador de fibrilación atrial (FA) persistente, sometido a ablación percutánea de la FA por la técnica de aislamiento extraostial de las venas pulmonares, que desarrolló una estenosis acentuada del ostio de la vena pulmonar superior izquierda (VPSI), sin manifestar síntomas, diagnosticada por la angiotomografía de control de las venas pulmonares. El paciente se sometió a angioplastia con implante de stent en la VPSI con éxito, resultando en la normalización de la perfusión pulmonar, verificado por el centellograma pulmonar realizada 3 meses tras la angioplastia.

Fibrilación atrial; ablación por catéter; constricción patológica de venas pulmonares


This case report describes a patient with persistent atrial fibrillation (AF) submitted to radiofrequency catheter ablation of AF through the pulmonary vein antrum isolation technique, who developed a severe stenosis of the left superior pulmonary vein (LSPV), without presenting any symptoms. The diagnosis of the PV stenosis was made by a routine postprocedure computed tomography scan of the left atrium, and the patient was subsequently submitted to angioplasty with stenting of the LSPV, resulting in the normalization of pulmonary perfusion, as seen by ventilation/perfusion scan made three months after the LSPV angioplasty.

atrial fibrillation; catheter ablation; constriction, pathologic; pulmonary veins


RELATO DE CASO

Tratamento de estenose de veia pulmonar após ablação percutânea de fibrilação atrial

Alvaro Valentim Lima Sarabanda; Leonardo Cogo Beck; Luis Gustavo Gomes Ferreira; Wagner Luis Gali; Fernando Melo Netto; Guilherme Urpia Monte

Instituto de Cardiologia do Distrito Federal - Fundação Universitária de Cardiologia (FUC), Brasília, DF - Brasil

Correspondência Correspondência: Alvaro Valentim Lima Sarabanda AOS 02 Bloco B apto 604 70660-022 - Brasília, DF - Brasil E-mail: saraband@uol.com.br

RESUMO

Neste relato de caso, descrevemos um paciente portador de fibrilação atrial (FA) persistente, submetido à ablação percutânea da FA pela técnica de isolamento extraostial das veias pulmonares, que desenvolveu uma estenose acentuada do óstio da veia pulmonar superior esquerda (VPSE), sem manifestar sintomas, diagnosticada pela angiotomografia de controle das veias pulmonares. O paciente foi submetido à angioplastia com implante de stent na VPSE com sucesso, resultando na normalização da perfusão pulmonar, verificado pela cintilografia pulmonar realizada 3 meses após a angioplastia.

Palavras-chave: fibrilação atrial, ablação por cateter, constrição patológica de veias pulmonares.

Relato do Caso

Paciente do sexo masculino, 50 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica e fibrilação atrial (FA) persistente refratária ao tratamento antiarrítmico, foi submetido ao tratamento percutâneo da FA pela técnica de isolamento elétrico extraostial (vestíbulo) das veias pulmonares (VPs) guiado pela ecocardiografia intracardíaca1. Neste procedimento, os vestíbulos das quatro VPs foram isolados individualmente com aplicação de radiofrequência (cateter com ponta de 8 mm, 30-50 W, 50°C) ao redor de um cateter decapolar circular posicionado no vestíbulo das VPs, que era imediatamente interrompida quando se detectava formação de microbolhas pela ecocardiografia intracardíaca1. No seguimento ambulatorial, o paciente manteve-se assintomático, em uso de sotalol e varfarina. A angiotomografia de VPs de controle, realizada 6 meses após a ablação, evidenciou estenose acentuada do óstio da veia pulmonar superior esquerda (VPSE) (Figuras 1A e 1C) e área de opacidade heterogênea na periferia do lobo pulmonar superior esquerdo, compatível com infarto pulmonar. Foi realizada uma cintilografia pulmonar para avaliar o significado funcional da estenose, que mostrou um acentuado déficit de perfusão no lobo superior do pulmão esquerdo.


O paciente foi submetido ao tratamento intervencionista da estenose da VPSE, com monitorização por ecocardiografia transesofágica. No início do procedimento, foi realizada uma angiografia arterial pulmonar seletiva, com o cateter angiográfico encunhado no ramo superior da artéria pulmonar esquerda para visibilização do trajeto da VPSE e localização do seu óstio. Após realização de uma punção transeptal, foi feita a cateterização da VPSE e realizada uma angiografia pulmonar venosa retrógrada. Inicialmente foi feita a angioplastia com balão (Ultra soft SV 6,0 x 20 mm, Boston Scientific) da VPSE, observando-se melhora significativa da luz e do fluxo no vaso, porém ainda permanecendo uma lesão residual significativa. A seguir, foi realizada a angioplastia com stent (Express LD 7,0 x 17 mm, Boston Scientific) da VPSE. Os critérios utilizados para a seleção do stent foram o diâmetro luminal da veia proximal à lesão obstrutiva e o comprimento do stent capaz de cobrir toda a extensão da lesão, evitando, contudo, uma protrusão excessiva no AE e a oclusão de quaisquer ramos distais da veia. A angiografia de controle da VPSE após implante do stent demonstrou pleno restabelecimento do fluxo venoso pulmonar, sem obstruções residuais e sem oclusão de ramos distais (Figura 2).


A cintilografia pulmonar demonstrou normalização da perfusão pulmonar no exame de controle aos 3 meses. A angiotomografia de VPs, realizada 4 meses após a angioplastia, evidenciou que o stent estava bem posicionado no óstio da VPSE, sem evidências de obstruções (Figuras 1B e 1D), verificando ainda significativa redução da área de opacidade no lobo pulmonar superior esquerdo. No seguimento de 8 meses após a angioplastia, o paciente permanecia assintomático, em uso de varfarina e clopidogrel.

Discussão

A ablação por cateter da FA é um tratamento eficaz para os pacientes portadores de FA sintomática e refratária ao tratamento com antiarrítmicos e está em crescente expansão em todo o mundo2. Em torno de 76% dos pacientes com FA submetidos à ablação por cateter ficam livres de sintomas no período de um ano, em comparação a somente 19% dos pacientes tratados com antiarrítmicos no mesmo período3. Todavia, esse não é um procedimento isento de riscos, sendo a estenose ou a oclusão de uma ou mais veias pulmonares uma das suas potenciais complicações4-6.

A real incidência de estenose de VPs, após ablação da FA, ainda é motivo de controvérsia na literatura médica, com relatos de incidência variando de 1,3% a 15,6% nos pacientes submetidos ao isolamento das VPs2,4. Há uma impressão entre os profissionais que realizam esse procedimento de que o risco de estenose de VPs tem diminuído nos últimos anos, em especial após a introdução das técnicas de isolamento do vestíbulo das VPs4 e do emprego de sistemas de mapeamento tridimensional6. Todavia, mesmo com a utilização dessas novas técnicas, a estenose das VPs continua a ser reportada4,6.

No presente relato, vários fatores podem ter contribuído para a ocorrência de estenose da VPSE, destacando-se, entre eles, o isolamento individual dos vestíbulos ipsilaterais das VPs, o que se relaciona com risco aumentado de estenose de VPs6. Outro fator relevante poderia ser a inadvertida aplicação de radiofrequência no óstio da VPSE, como resultado da estreiteza do istmo entre os orifícios da VPSE e o apêndice atrial esquerdo, como visualizado em nosso paciente pela angiotomografia6 (Figuras 1B, 1C e 1D). Por fim, deve-se enfatizar que durante o procedimento teve-se o cuidado de limitar a potência da aplicação de radiofrequência (30-50 W, 50°C), realizando-se a interrupção da aplicação de radiofrequência sempre que se detectava a formação de microbolhas pela ecocardiografia intracardíaca. Todavia, ressalta-se que mesmo com a utilização dessa estratégia, uma lesão térmica excessiva pode ocorrer no óstio das VPs, como reportado em estudos experimentais7.

Sob o ponto de vista clínico, a quase totalidade dos pacientes com estenose discreta (< 50%) ou moderada das VPs (50-70%) não manifesta sintomas4,5. A ocorrência de sintomas respiratórios (tosse, hemoptise e dispnéia) está associada à estenose acentuada de uma VP (> 70%) ou ao acometimento de múltiplas VPs4,5. Todavia, sabe-se que pacientes com estenose acentuada ou oclusão de uma das VPs podem permanecer assintomáticos4,5,8, como observado no presente relato. Nesse contexto, embora ainda controversa, a estratégia de avaliar sistematicamente com tomografia ou ressonância todos os pacientes submetidos ao isolamento das VPs, independente da manifestação de sintomas, se justifica plenamente pelo presente caso. Nos pacientes assintomáticos, a falha ou demora no reconhecimento da estenose da VP, com consequente interrupção da anticoagulação após o procedimento, pode resultar na oclusão trombótica da VP, com efeitos adversos na perfusão pulmonar e risco de desenvolvimento de infarto pulmonar, infecções respiratórias e até de hipertensão pulmonar a longo prazo5.

A angioplastia com ou sem implante de stent tem sido indicada para os pacientes com sintomas relacionados à estenose acentuada de uma VP ou ao acometimento de múltiplas VPs4,5. Nos pacientes assintomáticos, com estenose acentuada de somente uma VP, não há consenso sobre a necessidade de tratamento intervencionista precoce, embora as evidências disponíveis sugiram que a intervenção precoce seja benéfica para esses pacientes5. No presente relato, embora o paciente não manifestasse sintomas, deve ser ressaltado o benefício imediato que o tratamento intervencionista acarretou à função do pulmão esquerdo, resultando na normalização de sua perfusão no período de 3 a 4 meses após a angioplastia. Por fim, é oportuno enfatizar que o resultado da angioplastia da VP no presente paciente só poderá ser definitivamente avaliado após um período mais longo de seguimento8.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 23/04/09; revisado recebido em 26/06/09; aceito em 07/08/09.

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  • Correspondência:
    Alvaro Valentim Lima Sarabanda
    AOS 02 Bloco B apto 604
    70660-022 - Brasília, DF - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jan 2010

    Histórico

    • Recebido
      23 Abr 2009
    • Revisado
      26 Jun 2009
    • Aceito
      07 Ago 2009
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