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Polimorfismo K121Q do gene ENPP1 e cardiopatia isquêmica em pacientes com diabete melito

Resumos

FUNDAMENTO: O gene ecto-nucleotídeo pirofosfatase/fosfodiesterase 1 (ENPP1) é um gene candidato à resistência insulínica. A resistência à insulina é um componente importante da síndrome metabólica e tem sido implicada no desenvolvimento de doença cardíaca isquêmica (DCI). OBJETIVO: Avaliar a associação entre o polimorfismo K121Q do gene ENPP1 e a presença da DCI em pacientes caucasianos com diabete melito (DM) tipo 2. MÉTODOS: Estudo transversal foi realizado em pacientes com DM tipo 2 (n=573; 50,6% homens; idade 59,5±10,4 anos). DCI foi definida pela presença de angina ou infarto agudo do miocárdio pelo questionário cardiovascular da Organização Mundial da Saúde e/ou alterações compatíveis no ECG (código Minnesota) ou cintilografia miocárdica. O polimorfismo K121Q foi genotipado através da técnica de PCR e digestão enzimática. RESULTADOS: DCI esteve presente em 209 (36,5%) pacientes. A frequência dos genótipos KK, KQ e QQ entre os pacientes com DCI foi 60,8%, 34,4% e 4,8%, semelhante à distribuição dos genótipos entre os pacientes sem DCI (64,0%, 32,7% e 3,3%, P = 0,574). Não se observou diferença nas características clínicas ou laboratoriais entre os três genótipos, nem em relação à presença de síndrome metabólica. CONCLUSÃO: Nenhuma associação foi encontrada entre o polimorfismo K121A do gene ENPP1 e a presença de DCI ou características fenotípicas de resistência insulínica.

Polimorfismo genético; isquemia miocárdica; diabetes mellitus tipo 2; síndrome metabólica


BACKGROUND: The ecto-nucleotide pyrophosphatase/phosphodiesterase 1 (ENPP1) gene is a candidate gene for insulin resistance. Insulin resistance is a major component of metabolic syndrome (MetS) and has been implicated in ischemic heart disease (IHD). OBJECTIVE: To evaluate the association between the K121Q polymorphism of the ENPP1 gene and IHD in white patients with type 2 diabetes mellitus (DM). METHODS: A cross-sectional study was performed in type 2 DM patients (n = 573, 50.6% males, age 59.5±10.4 years). IHD was defined by the presence of angina or myocardial infarction according to the Worth Health Organization cardiovascular questionnaire and/or compatible electrocardiographic (Minnesota Code), or perfusional abnormalities in myocardial scintigraphy. The K121Q polymorphism of ENPP1 gene was genotyped using PCR-based methods and restriction enzyme digestion. RESULTS: IHD was present in 209 (36.5%) patients. The distribution of KK, KQ and QQ genotypes among patients with IHD was 60.8%, 34.4% and 4.8%, not different from the genotype distribution in the group without IHD (64%, 32.7% and 3.3%, P=0.574). No difference was found in the clinical and laboratory characteristics between the three genotypes, neither regarding the prevalence of Metabolic Syndrome. CONCLUSION: No association was found between polymorphism K121A of ENPP1 gene and the presence of IHD.

Polymorphism genetic; Myocardial ischemia; Diabetes mellitus type 2; Metabolic syndrome


FUNDAMENTO: El gen ecto-nucleótido pirofosfatasa/fosfodiesterasa 1 (ENPP1) es un gen candidato a la resistencia insulínica. La resistencia a la insulina es un componente importante del síndrome metabólico y ha sido involucrada en el desarrollo de enfermedad cardiaca isquémica (ECI). OBJETIVO: Evaluar la asociación entre el polimorfismo K121Q del gen ENPP1 y la presencia de ECI en pacientes caucásicos con diabetes melitus (DM) tipo 2. MÉTODOS: SE Realizó un estudio transversal en pacientes con DM tipo 2 (n=573; 50,6% hombres; edad 59,5±10,4 años). Se definió la ECI por la presencia de angina o infarto agudo de miocardio mediante el cuestionario cardiovascular de la Organización Mundial de la Salud y/o alteraciones compatibles en el ECG (código Minnesota) o centellograma miocárdico. El polimorfismo K121Q fue genotipificado mediante la técnica de PCR y digestión enzimática. RESULTADOS: La ECI estuvo presente en 209 (36,5%) pacientes. La frecuencia de los genotipos KK, KQ y QQ entrel os pacientes con ECI fue del 60,8%, 34,4% y 4,8%, semejante a la distribución de los genotipos entre los pacientes sin ECI (64,0%, 32,7% y 3,3%, P = 0,574). No se observó diferencia en las características clínicas o de laboratorio entre los tres genotipos, ni en relación con la presencia de síndrome metabólico. CONCLUSIÓN: No se encontró ninguna asociación entre el polimorfismo K121A del gen ENPP1 y la presencia de ECI o características fenotípicas de resistencia insulínica.

Polimorfismo genético; isquemia miocárdica; diabetes melitus tipo 2; síndrome metabólico


ARTIGO ORIGINAL

BIOLOGIA MOLECULAR

Polimorfismo K121Q do gene ENPP1 e cardiopatia isquêmica em pacientes com diabete melito

Milene MoehleckeI; Caroline K. KramerI, II; Cristiane B. LeitãoI, II; Ana Luiza KraheIII; Ivaldir BalboscoIV; Mirela Jobim de AzevedoI, II; Jorge L. GrossI, II; Luis Henrique CananiI, II

IHospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS - Brasil

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS - Brasil

IIIUniversidade Luterana do Brasil, Canoas, RS - Brasil

IVHospital São Vicente de Paula, Rio Grande, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Luis Henrique Canani Av Montenegro 216/703, Petrópolis 90460-160, Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: luiscanani@yahoo.com

RESUMO

FUNDAMENTO: O gene ecto-nucleotídeo pirofosfatase/fosfodiesterase 1 (ENPP1) é um gene candidato à resistência insulínica. A resistência à insulina é um componente importante da síndrome metabólica e tem sido implicada no desenvolvimento de doença cardíaca isquêmica (DCI).

OBJETIVO: Avaliar a associação entre o polimorfismo K121Q do gene ENPP1 e a presença da DCI em pacientes caucasianos com diabete melito (DM) tipo 2.

MÉTODOS: Estudo transversal foi realizado em pacientes com DM tipo 2 (n=573; 50,6% homens; idade 59,5±10,4 anos). DCI foi definida pela presença de angina ou infarto agudo do miocárdio pelo questionário cardiovascular da Organização Mundial da Saúde e/ou alterações compatíveis no ECG (código Minnesota) ou cintilografia miocárdica. O polimorfismo K121Q foi genotipado através da técnica de PCR e digestão enzimática.

RESULTADOS: DCI esteve presente em 209 (36,5%) pacientes. A frequência dos genótipos KK, KQ e QQ entre os pacientes com DCI foi 60,8%, 34,4% e 4,8%, semelhante à distribuição dos genótipos entre os pacientes sem DCI (64,0%, 32,7% e 3,3%, P = 0,574). Não se observou diferença nas características clínicas ou laboratoriais entre os três genótipos, nem em relação à presença de síndrome metabólica.

CONCLUSÃO: Nenhuma associação foi encontrada entre o polimorfismo K121A do gene ENPP1 e a presença de DCI ou características fenotípicas de resistência insulínica.

Palavras-chave: Polimorfismo genético, isquemia miocárdica, diabetes mellitus tipo 2, síndrome metabólica.

Introdução

A resistência à ação da insulina é um dos principais mecanismos envolvidos na patogênese tanto do diabete melito (DM) tipo 2 quanto da Síndrome Metabólica (SM)1. Além disso, a resistência à ação da insulina é também associada a fenótipos envolvidos na definição de SM, tais como obesidade central, hipertensão arterial, dislipidemia e tolerância diminuída à glicose. O estado de resistência à ação da insulina é mais frequente em indivíduos idosos, obesos e sedentários, e sua presença é provavelmente o resultado da interação entre o ambiente e fatores genéticos.

A influência genética na ação da insulina foi descrita em estudos de famílias. Reinhard e cols.2 avaliaram o impacto do diagnóstico de SM no risco de doenças cardiovasculares em famílias alemãs com grande base genética para doença cardíaca isquêmica (DCI). Os autores mostraram que a SM é um preditor independente de morbidade e mortalidade cardiovascular, especialmente em pacientes jovens com histórico familiar de DCI precoce.

O gene ecto-nucleotídeo pirofosfatase/fosfodiesterase 1 (ENPP1) é proeminente entre os possíveis candidatos para o desenvolvimento de SM, pois seu polimorfismo K121Q parece estar associado à ação da insulina3-5. O ENPP1 codifica uma glicoproteína de membrana de classe 2 que influencia negativamente a sensibilidade à ação da insulina inibindo o sinal do receptor de insulina tirosina quinase. A variante 121Q (alelo de risco) se liga ao receptor de insulina tirosina quinase com mais afinidade se comparado com seu alelo selvagem 121K, resultando em menor autofosforilação do receptor. Em um estudo multicêntrico, a variante 121Q foi associada com maior risco de desenvolvimento precoce de DM tipo 2 e infarto agudo do miocárdio se comparado ao alelo 121K6. Em uma meta-análise recente de 15.801 pacientes com DM do tipo 2 e 26.241 indivíduos-controle, o alelo 121Q foi associado com um crescente risco de DM do tipo 2, que foi modulado pelo índice de massa corporal (IMC)7. No entanto, o papel preciso do polimorfismo K121Q no desenvolvimento de complicações vasculares da DM do tipo 2, especialmente em relação à doença cardiovascular aterosclerótica, ainda não foi plenamente analisado.

Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a associação da variante 121Q do gene ENPP1 em pacientes brancos com DM do tipo 2 com a presença de DCI, SM e fenótipos relacionados.

Métodos

Pacientes

Foi realizado um estudo transversal com uma amostra composta por 573 pacientes brancos com DM tipo 28 em acompanhamento ambulatorial no Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Brasil. Estes pacientes são participantes de um estudo que se iniciou em 2002 e está sendo conduzido no estado do Rio Grande do Sul objetivando estudar DM e suas complicações crônicas. Além do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, outros três hospitais participaram do Projeto, conforme a seguir: Grupo Hospitalar Nossa Senhora da Conceição, Hospital São Vicente de Paula e Hospital Universitário de Rio Grande.

Avaliação clínica

Os pacientes foram submetidos a uma avaliação padronizada descrita previamente9, que incluía: idade, a duração da DM e medicamentos em uso no momento. Exame físico e testes laboratoriais foram realizados para avaliar as complicações crônicas do DM e os fatores de risco cardiovascular. O peso e a altura foram medidos com os pacientes usando roupas leves e sem sapatos. O IMC foi calculado pela relação peso (kg)/altura2 (m). A circunferência da cintura foi medida na altura da cicatriz umbilical10. A hipertensão arterial foi definida como a pressão de >140/90 mmHg ou pelo uso corrente de medicamentos anti-hipertensivos11. Pacientes que fumaram regularmente no ano anterior foram considerados como fumantes ativos.

A DCI foi diagnosticada na presença de angina ou possível infarto do miocárdio de acordo com o questionário cardiovascular da Organização Mundial de Saúde (OMS) e/ou mudanças eletrocardiográficas compatíveis (Código de Minnesota: padrões Q e QS [1.1-2, 1.3]; junção e infradesnivelamento do segmento S-T [J] [4.1-4]; itens da onda T [5.1-3], e bloqueio completo do ramo esquerdo [7.1])12 e/ou anormalidades perfusionais (fixas ou variáveis) em cintilografia do miocárdio em repouso ou após uso de dipiridamol. Estas ferramentas de diagnóstico para isquemia do miocárdio em pacientes com DM tipo 2 foram previamente avaliadas em um estudo prospectivo13.

O diagnóstico de vasculopatia periférica foi baseado na presença de claudicação intermitente (questionário cardiovascular da OMS) ou ausência de pulso nos membros inferiores durante exame físico.

A retinopatia diabética (RD) foi avaliada por um oftamologista experiente a partir de fundoscopia direta sob midríase. A RD foi classificada como ausente e não-proliferativa (RDNP) (microaneurismas, exsudatos duros e hemorragia) ou RD proliferativa (RDP) (presença de neovasos e/ou tecido fibroso em cavidade vítrea). Nefropatia diabética (ND) foi definida pela taxa de excreção urinária de albumina (EUA) na ausência de infecção urinária ou outras anormalidades do trato urinário em pelo menos duas medições isoladas e foi classificada como microalbuminuria (EUA 20-199 μg/min) ou macroalbuminuria (EUA >200 μg/min)14.

SM foi definida de acordo com os critérios do Programa Nacional de Educação sobre Colesterol - Painel de Tratamento de Adultos III como a presença de dois ou mais dos seguintes fatores além de DM: obesidade abdominal (circunferência abdominal >102 cm em homens e >88 cm em mulheres); altos níveis de triglicerídeos no soro (>150 mg/dl); baixo colesterol HDL (<40 mg/dl em homens ou <50 mg/dl em mulheres), e alta pressão arterial (>130/85 mmHg ou uso de medicamentos anti-hipertensivos)15.

Testes laboratoriais

A EUA foi medida usando a técnica de imunoturbidimetria em amostra de urina estéril de 24h, sem o uso de inibidores da enzima conversora ou bloqueadores dos receptores de angiotensina. Níveis de glicose de jejum foram determinados pelo método da glicose-oxidase; creatinina pela reação de Jaffe, e HbA1c, por cromatografia líquida de alta performance (HPLC; Merck-Hitachi 9100; valores de referência: 4-6%); os níveis de triglicerídeos e colesterol foram medidos usando o método enzimático, e o LDL foi calculado pela equação de Friedewald. A insulina no soro foi medida por radio imuno ensaio (Elecsys R Systems 1010/2010/ modular analysis E170 - ROCHE) em uma amostra de pacientes que não estavam usando insulina e que possuíam creatinina no soro <1,3 mg/dl. A resistência à insulina foi estimada pelo Modelo de Avaliação da Homeostase {Índice Homeostasis Model Assessment = [insulina de jejum (mUI/ml) X jejum de glicose sanguínea (mmol/l)] / 22,5)}, validado recentemente16.

Análise molecular

Os indivíduos foram genotipados para polimorfismo ENPP1 K121Q conforme descrito anteriormente17. O DNA foi isolado dos linfócitos usando procedimentos padrão18. Todas as RCPs foram realizadas em um volume final de 25 contendo 50 ng de DNA genômico, 20 mmol/l Tris-Cl, (pH 8.4), 50 mmol/l KCl, 1.5 mmol/l MgCl2, 0.2 mmol/l dNTPs, 1 unidade de TaqDNA polimerase, e 1 μmol/l de primes específicos para obter exon 4 (frente: 5'-CTG TGT TCA CTT TGG ACA TGT TG-3' e verso: 5'-GAC GTT GGA AGA TAC CAG GTT G-3'). Os produtos RCP foram digeridos pela enzima de restrição AvaII e separados em gel de agarose. O alelo codificando a variante K apareceu como um fragmento simples de 238 pares de base e o alelo codificando a variante Q como dois fragmentos de 148 e 90 pares de base cada.

Análise estatística

O teste t de Student para amostras independentes ou o teste U de Mann-Whitney foram usados para comparar as características de pacientes com ou sem DCI conforme mais apropriado. Os testes chi-quadrado e de análise de variância simples (One-Way ANOVA) foram utilizados para comparar as características clínicas e laboratoriais de pacientes divididos de acordo com seus genótipos. O teste de Tukey foi utilizado para comparações post hoc múltiplas. O Equilíbrio de Hardy-Weinberg foi calculado utilizando frequência de alelos e o teste chi-quadrado. As variáveis com uma distribuição não-normal foram submetidas à transformação logarítmica. As variáveis contínuas foram descritas como média ± desvio padrão, ou mediana e mínimo-máximo, e as variáveis categóricas foram expressas como número de casos e porcentagem. Um valor de P <0.05 (bicaudal) foi considerado como significativo. As análises foram realizadas usando-se o programa Pacote Estatístico para as Ciências Sociais (SPSS, versão 14.0 para Windows).

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e todos os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Pacientes

A idade média dos 573 pacientes incluídos foi de 59,5 ± 10,4 anos com um tempo de duração de DM conhecido de 11,7 ± 9,2 anos e IMC de 28,9 ± 5,2 kg/m2. As mulheres somavam 49,4% (n = 283) da amostra. A DCI estava presente em 209 (36,5%) pacientes. As características clínicas e laboratoriais dos pacientes, divididos de acordo com a presença de DCI são descritas na Tabela 1.

Pacientes com DCI apresentaram maior duração de DM e maior frequência de fumantes (P = 0,010) (Tabela 1). As outras características clínicas tais como idade, distribuição de homens e mulheres, pressão arterial, IMC e circunferência abdominal não foram diferentes. A respeito dos dados laboratoriais, o grupo com DCI apresentou maiores níveis de creatinina no soro (1,61 ± 1,8 vs 1,30 ± 1,37 mg/dl, P = 0,024) e taxas mais altas de EUA [15 (0,8-3162) vs 5,3 (0,1-7680) μg/min, P <0,001] do que pacientes sem DCI. A SM ocorreu em 96,1% (n = 323) dos pacientes sem DCI e em 91,8% (n = 178) do grupo com DCI (P = 0,118).

A presença de DCI foi mais frequente entre aqueles com qualquer grau de RD (RDNP/RDP) (44,2% vs 33,7%, P=0,003), ND (micro/macroalbuminuria) (47,4% vs 32,1%, P <0,001) ou doença vascular periférica (52,5% vs 33,0, P <0,001) do que entre aqueles sem estas complicações.

Polimorfismo K121Q e doença cardíaca isquêmica e síndrome metabólica

Os genótipos avaliados estavam em Equilíbrio de Hardy-Weinberg (P >0,05), e a frequência do alelo de risco (alelo Q) era de 20,5%. As características clínicas e laboratoriais dos pacientes divididos de acordo com os diferentes genótipos não foram diferentes entre os três grupos (Tabela 2).

Quando os pacientes foram divididos de acordo com a presença de DCI, a distribuição de genótipos KK, KQ e QQ foi de 60,8%, 34,4% e 4,8%, não diferente da distribuição genotípica observada no grupo sem DCI (64%, 32,7% e 3,3%, P = 0,574) (Tabela 1). O Alelo Q ocorreu em 22% (n = 81) dos pacientes com DCI e em 19,6% (n = 131) dos pacientes sem DCI (P = 0,328). A prevalência de SM de acordo com os genótipos KK, KQ e QQ foi de 96,3%, 95% e 88,2% (P = 0,279). Estes resultados não mudaram quando os pacientes foram divididos assumindo um modelo dominante (KQ/QQ vs KK).

Discussão

Nesta amostra de pacientes brancos brasileiros com DM tipo 2, o alelo 121Q do gene ENPP1 não foi associado à presença de DCI, nem com características associadas à resistência à insulina, incluindo IMC, obesidade abdominal, hipertensão arterial, um pior perfil lipídico, controle glicêmico ou presença de SM. A ausência de uma associação deste polimorfismo a características de resistência à ação da insulina merece alguns comentários. Primeiramente, esta associação pode não existir, e as relações descritas em outros estudos são na verdade espúrias devido a um erro de tipo 2. Se esta hipótese é rejeitada, a relevância de uma associação positiva deveria ser discutida. Para detectar uma diferença significativa na frequência do alelo Q em pacientes com (22%) e sem DCI (19,6%) (α = 0,05 e β = 80%), seria necessário avaliar em torno de 4.500 pacientes. Mesmo que isso fosse significativamente diferente, sua aplicabilidade seria questionada por conta de seu pequeno efeito e dependeria de outros polimorfismos ou interações de genes. Uma explicação mais plausível é que a expressão do gene variante depende do grupo étnico que está sendo estudado. Na verdade, mesmo entre Europeus Caucasianos a expressão fenotípica deste polimorfismo varia. A relação entre o polimorfismo K121Q e a sensibilidade à ação da insulina foi demonstrada em indivíduos Caucasianos19-21, mas não em todos os estudos20,22,23. A ausência do efeito do alelo de risco demonstrado em alguns grupos pode ser o resultado de diferenças na base genética destas populações, ou pode ser devido ao fato que o polimorfismo está em desequilíbrio com outras variantes genéticas não identificadas.

A associação do alelo 121Q com o risco e o agravamento de DCI foi avaliada recentemente em um estudo caso-controle que incluiu indivíduos da Itália e dos Estados Unidos6. Naquele estudo, os autores não demonstraram uma associação significativa entre o polimorfismo K121Q e a presença de DCI em pacientes com DM tipo 2. No entanto, os eventos isquêmicos ocorreram em idade mais precoce no grupo de pacientes com alelo Q, mesmo com análise ajustada para sexo, IMC, fumo, hipertensão e local de recrutamento (P=0,04). O desenho transversal do presente estudo impede qualquer análise da influência deste polimorfismo no curso da DCI.

Uma possível limitação deste estudo é que apenas um polimorfismo do gene foi avaliado. Isso possibilita a exclusão da ideia de que este polimorfismo está ligado a DCI, mas não o gene ENPP1 per se, já que o polimorfismo K121Q é apenas um entre os mais estudados. Outro aspecto poderia ser relacionado ao critério adotado para a DCI. O paciente foi diagnosticado com DCI quando um dos testes avaliados (o questionário cardiovascular da OMC, ECG em repouso, cintilografia miocárdica) foi dado como positivo. Não possuímos informações detalhadas sobre qual teste foi positivo em todos os 573 pacientes neste estudo transversal multicêntrico. No entanto, como todos os pacientes estudados se submeteram ao questionário cardiovascular da OMS e o ECG em repouso, podemos afirmar que no grupo de pacientes sem DCI, 100% destes testes foram negativos. Além disso, demonstramos anteriormente13 que a presença de DCI de acordo com o questionário cardiovascular da OMS conferiu um risco relativo para eventos cardíacos de 2,13 (95%CI 1,11-4,07; P = 0,022), ainda melhor do que o risco conferido pelo ECG em repouso ou na cintilografia miocárdica. Além disso, quando o questionário cardiovascular da OMS foi associado a um ECG normal, o valor preditivo negativo para eventos cardíacos foi de 82,1%. Nesta situação, testes adicionais são provavelmente desnecessários.

Em conclusão, nesta amostra de pacientes Brasileiros brancos com DM tipo 2, o polimorfismo K121Q do gene ENPP1 não foi associado à presença de DCI nem com fenótipos relacionados à resistência à insulina ou SM.

Agradecimentos

Agradecemos ao Projeto de Núcleos de Excelência do Ministério de Ciência e Tecnologia (PRONEX), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre pelo apoio financeiro.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado por CNPq, FIPE - HCPA.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 29/07/08; revisado recebido em 02/09/08; aceito em 11/09/08.

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  • Correspondência:
    Luis Henrique Canani
    Av Montenegro 216/703, Petrópolis
    90460-160, Porto Alegre, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Revisado
      02 Set 2008
    • Recebido
      29 Jul 2008
    • Aceito
      11 Set 2008
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