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Infusão intravenosa de vasopressina causa efeitos cardiovasculares adversos dose-dependentes em cães anestesiados

Resumos

FUNDAMENTO: A arginina-vasopressina (AVP) tem sido amplamente utilizada no tratamento do choque vasodilatador. Entretanto, há muitas questões relativas ao seu uso clínico, especialmente em altas doses, pois sua utilização pode estar associada a efeitos cardíacos adversos. OBJETIVO: Investigar os efeitos cardiovasculares da AVP em infusão IV contínua nos parâmetros hemodinâmicos em cães. MÉTODOS: Dezesseis cães saudáveis sem raça definida, anestesiados com pentobarbital, receberam um cateter intravascular e foram aleatoriamente designados para dois grupos: controle (solução salina - placebo; n=8) e AVP (n=8). O grupo do estudo recebeu infusão de AVP por três períodos consecutivos de 10 minutos a doses logaritmicamente progressivas (0,01; 0,1 e 1,0 U/kg/min), a intervalos de 20 minutos. A frequência cardíaca (HR) e as pressões intravasculares foram continuamente registradas. O debito cardíaco foi medido através do método de termodiluição. RESULTADOS: Nenhum efeito hemodinâmico significante foi observado durante a infusão de 0,01 U/kg/min de AVP, mas com as doses mais altas, de 0,1 e 1,0U/kg/min, houve um aumento progressivo na pressão arterial média (PAM) e índice de resistência vascular sistêmica (IRVS), com significante diminuição na frequência cardíaca (FC) e índice cardíaco (IC). Com a dose de 1,0 U/kg/min, também foi observado um aumento significante no índice de resistência vascular pulmonar (IRVP), principalmente devido à diminuição no IC. CONCLUSÃO: A AVP em doses entre 0,1 e 1,0 U/kg/min resultou em significantes aumentos na PAM e no IRVS, com efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos em animais saudáveis. Embora essas doses sejam de 10 a 1.000 vezes maiores do que as rotineiramente utilizadas no tratamento do choque vasodilatador, nossos dados confirmam que a AVP deveria ser usada cuidadosamente e sob rígida monitoração hemodinâmica na prática clínica, especialmente se doses maiores do que 0,01 U/kg/min forem necessárias.

Arginina vasopressina; débito cardíaco; hemodinâmica; toxicidade de drogas; cães


BACKGROUND: Arginine vasopressin (AVP) has been broadly used in the management of vasodilatory shock. However, there are many concerns regarding its clinical use, especially in high doses, as it can be associated with adverse cardiovascular events. OBJECTIVE: To investigate the cardiovascular effects of AVP in continuous IV infusion on hemodynamic parameters in dogs. METHODS: Sixteen healthy mongrel dogs, anesthetized with pentobarbital were intravascularly catheterized, and randomly assigned to: control (saline-placebo; n=8) and AVP (n=8) groups. The study group was infused with AVP for three consecutive 10-minute periods at logarithmically increasing doses (0.01; 0.1 and 1.0U/kg/min), at them 20-min intervals. Heart rate (HR) and intravascular pressures were continuously recorded. Cardiac output was measured by the thermodilution method. RESULTS: No significant hemodynamic effects were observed during 0.01U/kg/min of AVP infusion, but at higher doses (0.1 and 1.0U/kg/min) a progressive increase in mean arterial pressure (MAP) and systemic vascular resistance index (SVRI) were observed, with a significant decrease in HR and the cardiac index (CI). A significant increase in the pulmonary vascular resistance index (PVRI) was also observed with the 1.0U/kg/min dose, mainly due to the decrease in the CI. CONCLUSION: AVP, when administered at doses between 0.1 and 1.0U/kg/min, induced significant increases in MAP and SVRI, with negative inotropic and chronotropic effects in healthy animals. Although these doses are ten to thousand times greater than those routinely used for the management of vasodilatory shock, our data confirm that AVP might be used carefully and under strict hemodynamic monitoring in clinical practice, especially if doses higher than 0.01 U/kg/min are needed.

Arginine vasopressin; cardiac output; hemodynamic; drug toxicity; dogs


FUNDAMENTO: La arginina-vasopresina (AVP) ha sido ampliamente utilizada en el tratamiento del choque vasodilatador. No obstante, hay muchos aspectos relativos a su uso clínico, especialmente en altas dosis, pues su utilización puede estar asociada a efectos cardíacos adversos. OBJETIVO: Investigar los efectos cardiovasculares de la AVP en infusión IV continua en los parámetros hemodinámicos en canes. MÉTODOS: Dieciséis canes saludables sin raza definida, anestesiados con pentobarbital, recibieron un catéter intravascular y fueron aleatoriamente designados para dos grupos: control (solución salina - placebo; n=8) y AVP (n=8). El grupo del estudio recibió infusión de AVP por tres períodos consecutivos de 10 minutos a dosis logarítimicamente progresivas (0,01; 0,1 y 1,0 U/kg/min), a intervalos de 20 minutos La frecuencia cardíaca (HR) y las presiones intravasculares fueron registradas continuamente. El débito cardíaco fue medido a través del método de termodilución. RESULTADOS: No se observó ningún efecto hemodinámico significativo durante la infusión de 0,01 U/kg/min de AVP, pero con las dosis más altas, de 0,1 y 1,0 U/kg/min, hubo un aumento progresivo en la presión arterial media (PAM) y en el índice de resistencia vascular sistémica (IRVS), con significativa disminución en la frecuencia cardíaca (FC) e índice cardíaco (IC). Con la dosis 1,0 U/kg/min, también se observó un aumento significativo en el índice de resistencia vascular pulmonar (IRVP), principalmente debido a la disminución en el IC. CONCLUSIÓN: La AVP en dosis entre 0,1 y 1,0 U/kg/min resultó en significativos aumentos en la PAM y en el IRVS, con efectos inotrópicos y cronotrópicos negativos en animales saludables. Aunque estas dosis sean de 10 a 1.000 veces mayores que las rutinariamente utilizadas en el tratamiento del choque vasodilatador, nuestros datos confirman que la AVP debería ser usada cuidadosamente y bajo rígido monitoreo hemodinámico en la práctica clínica, especialmente cuando son necesarias dosis mayores a 0,01 U/kg/min.

Arginina vasopresina; débito cardíaco; hemodinámica; toxicidad de drogas; canes


ARTIGO ORIGINAL

FISIOLOGIA

Infusão intravenosa de vasopressina causa efeitos cardiovasculares adversos dose-dependentes em cães anestesiados

Luiz Cláudio Martins; Maricene Sabha; Maria Ondina Paganelli; Otávio Rizzi Coelho; Silvia Elaine Ferreira-Melo; Marcos Mello Moreira; Adriana Camargo de Cavalho; Sebastião Araujo; Heitor Moreno Junior

Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Heitor Moreno Jr. Departamento de Farmacologia Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP 13083-970 - Campinas, SP - Brasil E-mail: hmoreno@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A arginina-vasopressina (AVP) tem sido amplamente utilizada no tratamento do choque vasodilatador. Entretanto, há muitas questões relativas ao seu uso clínico, especialmente em altas doses, pois sua utilização pode estar associada a efeitos cardíacos adversos.

OBJETIVO: Investigar os efeitos cardiovasculares da AVP em infusão IV contínua nos parâmetros hemodinâmicos em cães.

MÉTODOS: Dezesseis cães saudáveis sem raça definida, anestesiados com pentobarbital, receberam um cateter intravascular e foram aleatoriamente designados para dois grupos: controle (solução salina - placebo; n=8) e AVP (n=8). O grupo do estudo recebeu infusão de AVP por três períodos consecutivos de 10 minutos a doses logaritmicamente progressivas (0,01; 0,1 e 1,0 U/kg/min), a intervalos de 20 minutos. A frequência cardíaca (HR) e as pressões intravasculares foram continuamente registradas. O debito cardíaco foi medido através do método de termodiluição.

RESULTADOS: Nenhum efeito hemodinâmico significante foi observado durante a infusão de 0,01 U/kg/min de AVP, mas com as doses mais altas, de 0,1 e 1,0U/kg/min, houve um aumento progressivo na pressão arterial média (PAM) e índice de resistência vascular sistêmica (IRVS), com significante diminuição na frequência cardíaca (FC) e índice cardíaco (IC). Com a dose de 1,0 U/kg/min, também foi observado um aumento significante no índice de resistência vascular pulmonar (IRVP), principalmente devido à diminuição no IC.

CONCLUSÃO: A AVP em doses entre 0,1 e 1,0 U/kg/min resultou em significantes aumentos na PAM e no IRVS, com efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos em animais saudáveis. Embora essas doses sejam de 10 a 1.000 vezes maiores do que as rotineiramente utilizadas no tratamento do choque vasodilatador, nossos dados confirmam que a AVP deveria ser usada cuidadosamente e sob rígida monitoração hemodinâmica na prática clínica, especialmente se doses maiores do que 0,01 U/kg/min forem necessárias.

Palavras-chave: Arginina vasopressina, débito cardíaco, hemodinâmica/efeitos de drogas, toxicidade de drogas, cães.

Introdução

A arginina-vasopressina (AVP) é um neuropeptídio composto de nove aminoácidos com efeitos antidiuréticos e vasoconstritores1-7. Seu efeito poderoso no músculo vascular liso aumenta pressão sanguínea e a resistência vascular sistêmica2-4. A AVP é sintetizada nos neurônios localizados nos núcleos paraventriculares e supra-ópticos do hipotálamo e armazenada na pituitária posterior1,5,6. A liberação da vasopressina é complexa, sendo aumentada pela hiperosmolalidade, hipotensão e hipovolemia1. Há três tipos de receptores de vasopressina: V1, V2 e V3. Os receptores V1 da vasopressina, presentes nos vasos sanguíneos, são responsáveis pela vasoconstrição; os receptores V2 da vasopressina, presentes nas células dos ductos coletores renais, são principalmente responsáveis pelos efeitos antidiuréticos e os receptores V1 da vasopressina, presentes na adenohipófise, são responsáveis pela secreção de ACTH8.

A vasopressina é essencial para a homeostase cardiovascular, agindo através do rim para regular a reabsorção da água, na vasculatura para regular o tônus muscular do músculo liso e como neurotransmissor central, modulando a função autonômica do tronco cerebral1. Embora seja liberada de forma maciça em resposta à estados de estresse ou choque, uma relativa deficiência de vasopressina tem sido encontrada em choque vasodilatador prolongado, tais como vistos em sepse grave9,10. Nessa circunstância, a vasopressina exógena tem efeito pressórico acentuado, mesmo em doses que não afetariam a pressão sanguínea em indivíduos saudáveis. Esses dois achados fornecem o argumento para o uso da vasopressina no tratamento do choque séptico11,12.

Na última década, a vasopressina tem sido amplamente utilizada como agente vasopressor adjunto para o tratamento do choque vasodilatador resistente à catecolamina9,11-13, e é também recomendada para aumentar o tônus vascular periférico durante a ressuscitação cardiopulmonar como uma alternativa à epinefrina14,15. A despeito da considerável atenção à pesquisa, os mecanismos de deficiência e hipersensibilidade à vasopressina no choque vasodilatador permanecem obscuros9,12,13,16-20. Além disso, a experiência clínica com a vasopressina, bem como seus efeitos hemodinâmicos em infusões contínuas com doses progressivas tem sido limitada. Por essa razão, investigamos os efeitos cardiovasculares da vasopressina sobre os parâmetros hemodinâmicos quando usada em infusão contínua e em doses progressivas em cães saudáveis anestesiados.

Métodos

Aspectos éticos - Todos os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética e Experimentação Animal e os experimentos foram conduzidos em acordo com as diretrizes publicadas pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e as Diretrizes da Comunidade Europeia para Experimentação Animal.

Local - Laboratório de Farmacologia Cardiovascular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Campinas (UNICAMP), São Paulo, Brasil.

População - Dezesseis cães adultos saudáveis, sem raça definida, de ambos os sexos, pesando 15 ± 1 kg.

Manejo dos animais durante a preparação do modelo experimental - Os animals foram preparados como descrito por Tanus-Santos21. Após um jejum noturno com livre acesso à água, os animais foram anestesiados com uma dose de sódio pentobarbital (10 mg.kg-1, IV) e um nível adequado de anestesia foi mantido através de uma infusão contínua IV da mesma droga (2-4 mg.kg-1.h-1). Os cães receberam intubação traqueal e foram mecanicamente ventilados com ar ambiente usando um respirador volumétrico (Dual Phase Control Respirator; Harvard Apparatus, Boston, MA, EUA). O volume tidal (corrente) era de 15 ml/kg, e a taxa respiratória foi ajustada para manter um PaCO2 basal fisiológico (cerca de 35-40 mmHg, como demonstrado pela monitoração do valor final do volume corrente do CO2).

Um cateter cheio de fluido foi inserido na artéria femoral esquerda para monitoração da pressão arterial média (PAM), através de um transdutor de pressão (AS-3 Datex- Engstrom, Helsinki, Finlândia). Outro cateter plástico foi colocado na veia femoral esquerda para a administração de fluidos. Um cateter de termodiluição do tipo "Swan-Ganz" com balão na ponta foi colocado na artéria pulmonar através da veia femoral direita, e sua correta localização foi confirmada pela detecção de onda de pressão típica nessa artéria. O cateter foi conectado à um transdutor de pressão (AS-3 Datex-Engstrom, Helsinki, Finlândia) para permitir a monitoração da pressão média da artéria pulmonar (PMAP), pressão venosa central (PVC) e pressão capilar pulmonar (PCP) em cunha. Os transdutores foram zerados no nível do coração direito e recalibrados antes de cada grupo de mensurações. O debito cardíaco foi medido em triplicata através de uma injeção em bolus de 5 mL de solução salina normal e os resultados foram registrados e armazenados em um sistema computadorizado (Datex-Engstrom, Helsinki, Finlândia). A área da superfície corporal (ASC) dos cães foi calculada através da seguinte fórmula: Km .BW0.67.100-1 [onde Km para cães = 10,1; peso corporal (PC) é medido em kg; e a ASC é expressa em m2]22, e o índice cardíaco (IC), índice de resistência vascular sistêmica (IRVS) e índice de resistência vascular pulmonar (IRVP) forma calculados através de fórmulas-padrão. A frequência cardíaca (FC) foi medida através de um eletrodo de superfície (derivação I).

O experimento - Os animais foram mantidos sob infusão IV contínua de solução a 0,9% de NaCl (5mL.kg-1.h-1) durante todo o tempo do experimento. Após o final dos procedimentos de cateterização intravascular, um período de estabilização de 20 minutos foi observado e os dados hemodinâmicos basais (BL) foram inicialmente registrados. Então, os animais foram aleatoriamente designados para dois grupos iguais: CONTROLE (solução salina-placebo; grupo sham (falso-tratado); n=8) e VASOPRESSINA (n=8). O grupo CONTROLE recebeu infusões contínuas (20 mL) de NaCl 0,9% por 10 minutos, com intervalos de 20 minutos, por 3 vezes. O grupo VASOPRESSINA foi infundido com AVP (Arginina Vasopressina - Sal Acetato, Sigma Chemical Co. EUA) por 3 períodos consecutivos de 10 min em doses logaritmicamente progressivas (0,01; 0,1 e 1,0 U/kg/min) diluídas em uma solução de 20 mL de NaCl a 0.9%, com intervalos de 20 min. A FC e os dados hemodinâmicos foram registrados imediatamente após o fim de cada infusão da dose de AVP (ou placebo) em ambos os grupos.

A análise estatística foi realizada através de Teste t de Student para dados não-pareados ou análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas, seguidos pelo teste de comparações múltiplas de Dunnett. Um valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significante. Todos os cálculos estatísticos foram realizados com ajuda do software Sygma Stat para Windows (Jandel Scientific, CA, EUA).

Resultados

Os resultados são expressos como média ± EPM. Nenhuma alteração estatisticamente significante foi observada nos parâmetros hemodinâmicos durante a infusão de AVP à menor dose (0,01 U/kg/min), quando comparados com o grupo CONTROLE ou com os valores basais (p = NS).

Com a dose intermediária (0,1 U/kg/min), a vasopressina induziu significante diminuição no IC e FC, quando comparados ao grupo CONTROLE e aos valores basais. Adicionalmente, aumentos da PAM e IRVS foram verificados ao final de 10 minutos de infusão da droga (p < 0,05) (Figura 1).


Após a infusão da maior dose de vasopressina (1.0 U/Kg/min), as alterações anteriores observadas no IC, FC (diminuição) e na PAM e IRVS (aumento) foram exacerbados (p <0,05) (Figura 1). Além disso, nessa dose, o IRVP calculado mostrou um aumento estatisticamente significante (p < 0,05), principalmente devido à maior diminuição no IC do que um aumento expressivo na PMAP (Figura 2).


Discussão

Esse estudo mostrou que a infusão contínua de vasopressina por 10 minutos à uma "dose baixa" (0,001 U/kg/min) não teve efeitos apreciáveis na FC, PAM, PMAP e IC em cães saudáveis anestesiados. Entretanto, em dose "moderada" (0,1 U/kg/min) ou "alta" (1.0 U/kg/min), a vasopressina aumentou a PAM, IRVS e IRVP. Essas doses também diminuíram a FC e o IC de forma significante. Entretanto, não houve efeitos estatisticamente significantes na PVC, PMAP ou PCP. O efeito pressórico da AVP é devido à sua ação nos receptores V1 do músculo liso vascular e é mais predominante na vasculatura arteriolar sistêmica periférica do que na circulação venosa ou pulmonar13,18. Adicionalmente, a vasopressina leva à potencialização das ações da catecolamina no músculo liso vascular23,24. A vasopressina também inibe a produção de óxido nítrico no músculo liso vascular19 e age nos canais KATP20. Ambas as ações levam à vasoconstrição, o que em conjunto com o efeito sobre os receptores V1, resultam no aumento da PAM.

Em 1895, Oliver & Schaefer relataram pela primeira vez of efeitos do extrato do lóbulo posterior da pituitária sobre a pressão arterial25, e mais recentemente, ele tem sido utilizado de forma ampla em situações que necessitam do aumento da PAM, tais como choque séptico11,12 e em ressuscitação cardiopulmonar (RCP)14,15.

O uso da vasopressina como uma droga adjunta no choque vasodilatador dependente da catecolamina ou refratário tem sido sugerido, já que há uma resposta autonômica inapropriada e uma vasodilatação inflamatória excessiva nessa condição26-28. Entretanto, suas doses ideais29, bem como sua segurança durante o uso de curto e longo prazo nessa condição permanecem uma questão controversa30.

As doses recomendadas de vasopressina para casos de choque são baixas (0,01-0,04 U/min, ou 0,00014-0,0006 U/kg/min), e elas têm o objetivo de elevar a pressão arterial, bem como reduzir a necessidade de altas doses de catecolaminas11,12. Essas doses terapêuticas recomendadas são quase 20 a 100 vezes menores do que a dose mais baixa (0,01 U/kg/min) utilizada no presente estudo e que não mostrou efeitos apreciáveis sobre os parâmetros hemodinâmicos em animais saudáveis anestesiados, quando comparados aos valores basais e ao grupo controle (placebo). Esses achados podem ser explicados pelo fato de que esses cães têm a função do sistema reflexo baroreceptor normal, o que impede o efeito hemodinâmico de baixas doses de vasopressina31, ou até mesmo de altas doses32.

Por outro lado, em cães desnervados (sem o reflexo barorreceptor ativo), como mostrado por Cowley e cols.33, a curva dose-resposta (pressão arterial) para a vasopressina se deslocou para a esquerda por um fator de 60-100, quando comparada com a curva de cães intactos, nos quais foi permitido a compensação do reflexo baroreceptor. Além disso, em animais decapitados, esse fator de deslocamento pra a vasopressina foi 8.000 para doses que causaram um aumento de 50 mmHg na pressão arterial sistêmica33. Consistentes com esses achados experimentais são as observações de que a curvas dose-resposta para a vasopressina em pacientes com hipotensão ortostática idiopática (Síndrome de Shy-Drager) estavam acentuadamente deslocadas para a esquerda quando comparadas com as de indivíduos normais34,35. Achados similares também foram relatados em pacientes com morte cerebral36. Dessa forma, em pacientes com sepse grave/choque séptico, tem sido postulada uma função anormal do sistema reflexo baroreceptor, devido à doença grave, polineuropatia ou resposta inflamatória excessiva, como um possível mecanismo para sua alta sensibilidade à baixas doses de vasopressina, aumentando sua pressão arterial13.

O aumento observado na PAM causado pelo uso da AVP reforça seu uso em choque vasodilatador. Entretanto, o aumento no IRVS pode levar à diminuição da perfusão tecidual e graves efeitos adversos em pacientes que necessitam de altas doses de vasopressina em infusão contínua37. Realmente, em uma publicação recente, Westphal e cols.38, estudando os efeitos da vasopressina em ovelhas saudáveis e sépticas, relataram uma redução no IC e um aumento no IRVS e no IRVP, sugerindo que esses efeitos colaterais podem limitar o uso dessa droga como único vasopressor durante o choque séptico. Entretanto, o uso simultâneo de AVP e norepinefrina, pelos seus efeitos combinados benéficos e reduzidos efeitos adversos, podem representar uma opção terapêutica útil no paciente séptico38. Em nosso estudo, a vasopressina em "alta dose" (1,0 U/kg/min) levou à um aumento significante no IRVP, mas isso foi devido principalmente à diminuição no IC, bem como nenhum aumento significante foi observado na pressão média da artéria pulmonar (PMAP), nem na pressão capilar pulmonar (PCP) em cunha, como mostrado na Figura 2. Leather e cols.39, estudando o efeito da vasopressina na função do ventrículo direito (VD) em um modelo experimental de hipertensão pulmonar em cães, concluíram que a vasopressina causa vasoconstrição pulmonar e tem um importante efeito inotrópico negativo no VD, sugerindo que a mesma deve ser usada com cautela quando a função do VD está comprometida.

Limitações do estudo

O presente estudo tem algumas limitações. Primeiramente, medimos apenas os parâmetros hemodinâmicos globais, e nenhum efeito regional ou metabólico da infusão de vasopressina foi avaliado. Segundo, usamos doses de vasopressina que eram 10 a mil vezes mais altas do que as rotineiramente utilizadas na prática clínica para o tratamento do choque vasodilatador. Terceiro, o tempo de infusão da vasopressina foi muito curto, e provavelmente não longo o suficiente para promover a completa ativação dos mecanismos de compensação cardiovascular normais. E, finalmente, animais saudáveis foram utilizados e obviamente, os dados obtidos não podem ser diretamente extrapolados àqueles esperados em pacientes humanos sépticos.

Conclusão

A infusão intravenosa contínua de vasopressina em doses logaritmicamente crescentes (0,01; 0,1; e 1,0 U/kg/min) induziu aumentos significantes de forma progressiva na PAM e IRVS, com importantes efeitos cardiovasculares inotrópicos e cronotrópicos negativos em cães saudáveis anestesiados. Embora essas doses sejam 10 a 1.000 vezes maiores do que as usadas rotineiramente no tratamento do choque vasodilatador em humanos, nossos dados confirmam que a vasopressina pode ser utilizada, de forma cuidadosa e sob monitoração hemodinâmica (e metabólica) criteriosa na prática clínica, especialmente se doses maiores que 0,01 U/kg/min forem necessárias.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pela FAPESP.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Luiz Cláudio Martins pela Universidade Estadual de Campinas.

Artigo recebido em 13/11/08; artigo revisado recebido em19/06/09; aceito em 01/07/09.

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  • Correspondência:
    Heitor Moreno Jr.
    Departamento de Farmacologia
    Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
    13083-970 - Campinas, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Revisado
      19 Jun 2009
    • Recebido
      13 Nov 2008
    • Aceito
      01 Jul 2009
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