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O pré-condicionamento isquêmico influencia a contratilidade ventricular na cirurgia sem extracorpórea

Resumos

FUNDAMENTO: O pré-condicionamento isquêmico é um método que prepara e protege a célula para suportar um período de isquemia prolongada com menor dano celular possível. OBJETIVO: Avaliar a influência do pré-condicionamento isquêmico na contratilidade ventricular esquerda durante a cirurgia de revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea. MÉTODO: Quarenta pacientes com indicação para revascularização do miocárdio foram randomizados em dois grupos, com e sem pré-condicionamento isquêmico. O pré-condicionamento isquêmico foi obtido realizando a oclusão coronária por dois minutos e liberação do fluxo sanguíneo por um minuto, sendo realizados dois ciclos. A contratilidade ventricular esquerda foi avaliada por meio de Doppler pulsado da aorta torácica descendente (Hemosonic 100). As medidas da aceleração do fluxo sanguíneo na aorta foram obtidas antes do início do procedimento, após o posicionamento do coração e com cinco e dez minutos de oclusão coronária. RESULTADOS: No início do procedimento, a aceleração do fluxo foi de 9,37 ± 2,9m/s² no grupo com pré-condicionamento, e de 12,5 ± 3,1 m/s² no grupo sem pré-condicionamento (p = 0,23). Após o posicionamento do coração foi de 8,47 ± 3,3 e 8,31 ± 3,6 m/s² (p=0,96); com cinco minutos foi de 8,7 ± 4,1 e 7,94 ± 2,9 m/s² (p = 0,80); e com dez minutos foi de 9,2 ± 4,5 e 7,98 ± 3,4 m/s² (p=0,71), respectivamente. No entanto, o comportamento da contratilidade ventricular foi diferente ao longo do tempo. No grupo pré-condicionado houve manutenção da contratilidade ventricular em relação ao início do procedimento (p = 0,52), enquanto que no grupo sem pré-condicionamento houve redução da contratilidade ventricular (p = 0,0034). CONCLUSÕES: O Pré-condicionamento isquêmico evitou a redução da contratilidade ventricular esquerda durante a realização da revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea.

Concentração miocárdica; isquemia miocárdica; ponte de artéria coronária sem circulação extracorpórea


BACKGROUND: Ischemic preconditioning is a method that prepares and protects cells to tolerate a long period of ischemia with the least possible injury. OBJECTIVES: Evaluate the influence of ischemic preconditioning over left ventricular function during off-pump myocardial revascularization. METHOD: Forty patients with clinical indication for off-pump myocardial revascularization were randomized in two groups, with or without ischemic preconditioning. Ischemic preconditioning was carried out by performing coronary occlusion for two minutes and releasing blood flow for one minute; two cycles were performed. Left ventricular contractility was evaluated through transesophageal Doppler by measuring blood flow acceleration in the descending aorta - Hemosonic 100. The acceleration measurements were performed at the start of the surgery, after heart positioning and five and ten minutes after coronary occlusion. RESULTS: There was no significant difference in left ventricular contractility between the two groups. At the beginning of the procedure flow acceleration was 9.37 ± 2.9m/s² in the preconditioning group and 12.5 ± 3.1 m/s² in no-preconditioning group (p = 0.23); after positioning of heart, it was 8.47 ± 3.3 and 8.31 ± 3.6 m/s² (p = 0.96); after five minutes - 8.7 ± 4.1 and 7.94 ± 2.9 m/s² (p = 0.80); and after ten minutes - 9.2 ± 4.5 and 7.98 ± 3.4 m/s² (p = 0.71). However, contractility evolution was different throughout time in each group. The preconditioning group maintained left ventricular contractility during the entire procedure, since the beginning (0.52), while the group without ischemic preconditioning presented reduction in left ventricular contractility (p = 0.0034). CONCLUSION: Ischemic preconditioning prevented the decrease in left ventricular contractility during off-pump myocardial revascularization surgery.

Myocardial contraction; myocardial ischemia; coronary artery bypass; off-pump


ARTIGO ORIGINAL

CIRURGIA CARDÍACA - ADULTOS

O pré-condicionamento isquêmico influencia a contratilidade ventricular na cirurgia sem extracorpórea

José Ernesto Succi; Luís Roberto Gerola; Guilherme Menezes Succi; Renata A.C.F. de Almeida; Leonardo Sérgio Rocha Novais; Bruno Rocha

Hospital Bandeirantes em São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Luís Roberto Gerola Rua dos Otonis, 880/81 - Vila Clementino 04025-002 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: lrgerola@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O pré-condicionamento isquêmico é um método que prepara e protege a célula para suportar um período de isquemia prolongada com menor dano celular possível.

OBJETIVO: Avaliar a influência do pré-condicionamento isquêmico na contratilidade ventricular esquerda durante a cirurgia de revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea.

MÉTODO: Quarenta pacientes com indicação para revascularização do miocárdio foram randomizados em dois grupos, com e sem pré-condicionamento isquêmico. O pré-condicionamento isquêmico foi obtido realizando a oclusão coronária por dois minutos e liberação do fluxo sanguíneo por um minuto, sendo realizados dois ciclos. A contratilidade ventricular esquerda foi avaliada por meio de Doppler pulsado da aorta torácica descendente (Hemosonic 100). As medidas da aceleração do fluxo sanguíneo na aorta foram obtidas antes do início do procedimento, após o posicionamento do coração e com cinco e dez minutos de oclusão coronária.

RESULTADOS: No início do procedimento, a aceleração do fluxo foi de 9,37 ± 2,9m/s2 no grupo com pré-condicionamento, e de 12,5 ± 3,1 m/s2 no grupo sem pré-condicionamento (p = 0,23). Após o posicionamento do coração foi de 8,47 ± 3,3 e 8,31 ± 3,6 m/s2 (p=0,96); com cinco minutos foi de 8,7 ± 4,1 e 7,94 ± 2,9 m/s2 (p = 0,80); e com dez minutos foi de 9,2 ± 4,5 e 7,98 ± 3,4 m/s2 (p=0,71), respectivamente. No entanto, o comportamento da contratilidade ventricular foi diferente ao longo do tempo. No grupo pré-condicionado houve manutenção da contratilidade ventricular em relação ao início do procedimento (p = 0,52), enquanto que no grupo sem pré-condicionamento houve redução da contratilidade ventricular (p = 0,0034).

CONCLUSÕES: O Pré-condicionamento isquêmico evitou a redução da contratilidade ventricular esquerda durante a realização da revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea.

Palavras-chave: Concentração miocárdica, isquemia miocárdica, ponte de artéria coronária sem circulação extracorpórea.

Introdução

O pré-condicionamento isquêmico (PCI) é definido como breves períodos de isquemia, intercalados com reperfusão, que antecedem um período de isquemia sustentada. Esse procedimento é realizado com o objetivo de preparar e proteger a célula para eventuais danos causados por um período de isquemia prolongada1.

Vários autores vêm demonstrando esse efeito protetor do pré-condicionamento isquêmico nos diversos tecidos do organismo2-5.

No miocárdio, esse efeito vem sendo estudado clinicamente e constatado que pacientes com sintomas de angina apresentam melhor evolução e menor mortalidade durante um episódio de infarto do miocárdio, quando comparados com aqueles que eram assintomáticos antes do mesmo evento6.

A cirurgia de revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea representa, desde a década de 19807, uma alternativa terapêutica efetiva no tratamento da insuficiência coronária, e vem sendo utilizada rotineiramente por vários serviços, com vantagens em relação à cirurgia convencional nos pacientes com graves morbidades clínicas no pré-operatório8,9.

Além disso, apresenta como característica da técnica operatória a necessidade de breves períodos de oclusão coronária para a realização da anastomose vascular10.

Aproveitando essa característica técnica, realizamos um estudo clínico randomizado com o objetivo de avaliar a influência do pré-condicionamento isquêmico na contratilidade ventricular esquerda durante a revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea.

Método

População estudada

Este estudo foi analisado e aprovado pelo comitê de ética médica do Hospital Bandeirantes em São Paulo.

Quarenta pacientes com indicação para tratamento cirúrgico da insuficiência coronária foram submetidos à revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea. Esses pacientes foram randomizados em dois grupos, com e sem pré-condicionamento isquêmico.

Vinte e sete pacientes eram do sexo masculino e 13 do sexo feminino, a idade variou de 40 a 88 anos, com média de 66,7 anos.

Todos os pacientes apresentavam angina estável, fazendo uso de beta-bloqueador, nitrato e ácido acetilsalisílico (AAS), sendo que o AAS foi suspenso cinco dias antes da operação. As características clínicas pré-operatórios estão apresentadas na tabela 1. Não havia diferenças significantes e todos os pacientes tinham função ventricular normal.

Em todos os pacientes a artéria torácica interna esquerda foi utilizada para revascularizar a artéria interventricular anterior (descendente anterior). A coronária direita e os ramos marginais da artéria circunflexa foram revascularizados com enxertos de veia safena magna.

Somente o território da artéria interventricular anterior foi submetido ao pré-condicionamento isquêmico.

Procedimento cirúrgico

Após a monitorização do paciente e a pré-oxigenação, a indução anestésica foi realizada com sufentanil até a dose de 0,5μg/kg e propofol até a perda dos reflexos. O relaxamento muscular foi obtido com brometo de pancurônio (0,1 a 0,2mg/kg ou atracúrio 0,5mg/kg).

Após a esternotomia e dissecação da artéria torácica interna esquerda, estávamos prontos para iniciar a revascularização do miocárdio.

Os dois grupos foram estabilizados hemodinamicamente através do uso de volume e/ou drogas vasoativas antes do início do procedimento. Dessa forma, os dois grupos apresentavam as mesmas condições hemodinâmicas quanto à pressão arterial, volemia e frequência cardíaca.

Em todos os pacientes, o coração foi posicionado através de pontos aplicados no pericárdio e tracionados para exposição da artéria interventricular anterior. O estabilizador a vácuo octopus foi sempre utilizado, além do garroteamento proximal da artéria interventricular anterior para interrupção do fluxo sanguíneo e, com isso, realizar a anastomose da artéria torácica interna esquerda com a artéria coronária.

Pré-condicionamento isquêmico

Padronizamos como método de pré-condicionamento isquêmico a oclusão da artéria interventricular anterior proximalmente por um período de dois minutos, seguido da abertura dessa artéria por um minuto. Realizamos dois ciclos com essa sistemática e após isso iniciávamos a anastomose.

Avaliação da contratilidade ventricular esquerda

A avaliação da contratilidade ventricular esquerda foi realizada através da mensuração da aceleração do fluxo sanguíneo na aorta torácica descendente. Para isso, utilizamos um método não invasivo; Doppler pulsátil da aorta torácica descendente obtido pelo aparelho transesofágico Hemosonic 100.

Após a indução anestésica, foram introduzidos por via oral transdutores de Ecografia e Doppler, posicionados para obter o fluxo da aceleração do sangue na aorta torácica descendente (fig. 1).


Por meio dessa aceleração (Acc) do sangue na aorta descendente, tínhamos a análise da função do ventrículo esquerdo durante o procedimento.

Essas medidas foram realizadas em quatro momentos: no início do procedimento, após o posicionamento do coração, com cinco minutos e com dez minutos de garroteamento da artéria coronária nos dois grupos.

Análise estatística

A análise das variáveis qualitativas nos dois grupos foi realizada através do teste Qui quadrado ou teste exato de Fisher. A comparação das variáveis quantitativas entre os dois grupos, nos momentos estudados, foi realizada com o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Para se avaliar o comportamento dos grupos ao longo do tempo, foi utilizado o teste não paramétrico de Friedman (análise de variância). Em todos os testes considerou-se p < 0,05 como valor de significância.

Resultados

Não houve mortalidade nesta série, assim como não tivemos complicações no pós-operatório hospitalar. O número de enxertos realizados foi semelhante nos dois grupos: 2,2 enxertos/paciente no grupo PCI e 2,1 no grupo sem PCI (ns).

Na análise do fluxo sanguíneo aórtico, observamos que a aceleração (Acc), no início do procedimento e antes do posicionamento do coração, no grupo com pré-condicionamento isquêmico (PCI) foi de 9,37 ± 2,9 m/s2, e no grupo sem pré-condicionamento (s/PCI) foi de 12,5 ± 3,1 m/s2 (ns) (gráfico 1).


Quando realizamos o posicionamento ("tombo") do coração para o início das anastomoses, a Acc foi de 8,47 ± 3,3 m/s2 no grupo PCI, e de 8,31 ± 3,3 m/s2 no grupo s/ PCI (ns) (gráfico 2).


Durante a realização das anastomoses, a aceleração (Acc) com cinco e dez minutos de garroteamento coronário não apresentou diferenças de comportamento nos grupos com e sem pré-condicionamento, conforme observamos nos gráficos 3 e 4.



Embora não tenha ocorrido diferença entre os grupos nos quatro momentos quanto à aceleração do fluxo sanguíneo, constatamos que o comportamento foi diferente, entre os grupos, ao longo do tempo.

No grupo em foi realizado o pré-condicionamento isquêmico, houve manutenção da aceleração do fluxo sanguíneo na aorta descendente, enquanto que no grupo em que não foi realizado o pré-condicionamento isquêmico, houve redução significante desse fluxo sanguíneo ao longo do tempo (gráfico 5).


Na tabela 2 estão apresentados os dados comparativos entre os dois grupos e em cada grupo ao longo do tempo, com os respectivos valores estatísticos.

Com PCI: Com precondicionamento isquêmico; Sem PCI: Sem precondicionamento isquêmico; I: início; T: posicionamento do coração (Tombo), 5': cinco minutos de oclusão coronária, 10': dez minutos de oclusão coronária. Com PCI X sem PCI: comparação entre os dois grupos em cada momento.

Discussão

No presente estudo, observamos que no grupo em que foi realizado o pré-condicionamento isquêmico houve manutenção da aceleração do fluxo sanguíneo na aorta durante o procedimento cirúrgico, denotando sustentação da contratilidade miocárdica, enquanto que nos pacientes em que não foi realizado o pré-condicionamento, houve redução significativa da aceleração do fluxo sanguíneo.

Os primeiros estudos sobre o pré-condicionamento foram realizados com análises do músculo cardíaco1. Neely e Grotyohann1 mostraram experimentalmente que períodos curtos de isquemia, antes de uma isquemia miocárdica sustentada, produzem um efeito protetor contra a lesão de isquemia e reperfusão.

No entanto, foi Murry e cols.11 que documentaram o efeito protetor do pré-condicionamento isquêmico no miocárdio de cães e difundiram o termo pré-condicionamento.

Posteriormente, vários órgãos e tecidos em que o pré-condicionamento pode ser aplicado foram estudados, assim como seus benefícios protetores na preservação da integridade celular2-5,12-17.

São vários os mecanismos envolvidos no fenômeno do pré-condicionamento isquêmico.

A isquemia induz a liberação de mediadores químicos que estimulam receptores de canais de potássio ATP-sensíveis na membrana mitocondrial, levando à redução local de Ca++ e ao aumento na produção de ATP. Alguns desses mediadores são: adenosina, opióides, bradicinina, fatores endoteliais e radicais livres18. A manutenção dos níveis de ATP e fosfato de creatina associado à redução do consumo energético pela célula parece ser um dos efeitos do pré-condicionamento na respiração celular14,19-21.

Além disso, parece haver, durante os períodos de isquemia do pré-condicionamento, uma diminuição dos depósitos de glicogênio e uma diminuição da glicólise no período de isquemia sustentada22. Essa característica, associada à lavagem dos catabólitos nos períodos de reperfusão do PCI, conduz a um menor acúmulo de lactato e íons hidrogênio (H+), diminuindo a velocidade da progressão da acidose isquêmica14.

Na cardiologia clínica, cada vez mais se difunde o conceito protetor da angina pré-infarto, esse aparente paradoxo é uma das observações clínicas que mais reflete o efeito protetor do pré-condicionamento isquêmico.

Metade dos pacientes vítimas de infarto do miocárdio tem sintomas de angina precedendo o infarto. Vários autores chamam à atenção para a melhor evolução hospitalar com menor mortalidade e melhor preservação da função ventricular nos pacientes com infarto do miocárdio que tinham angina prévia6,23,24.

O tratamento cirúrgico da insuficiência coronária, especificamente na revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea, que necessita obrigatoriamente da oclusão coronária para realização das anastomoses vasculares, tem no conceito do pré-condicionamento isquêmico um vasto campo de pesquisa e condição de aplicabilidade imediata dos possíveis benefícios.

Laurikka e cols.25 aplicaram o conceito de pré-condicionamento isquêmico em 32 pacientes que foram submetidos à revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea. Esses pacientes foram randomizados em dois grupos, com e sem pré-condicionamento. No grupo pré-condicionado houve menor liberação enzimática no pós-operatório e melhor recuperação do trabalho do ventrículo esquerdo avaliado com cateter de Swang-Ganz.

Wu e cols.26 randomizaram 40 pacientes submetidos à revascularização do miocárdio com e sem pré-condicionamento isquêmico, sendo dois ciclos de dois minutos de isquemia e três de reperfusão. Houve redução do índice cardíaco e dos trabalhos dos ventrículos direito e esquerdo nas primeiras seis horas de pós-operatório no grupo sem pré-condicionamento. Os autores não observaram diferenças nos níveis de CKMB, troponina I, lactato e mioglobina nos dois grupos.

Em nosso meio, estudos realizados aplicando o pré-condicionamento isquêmico, através do pinçamento intermitente da aorta em cirurgias com circulação extracorpórea, demonstraram menor liberação de CKMB e roponina I27,28.

Além dos aspectos hemodinâmicos e enzimáticos, observou-se a redução de arritmias supraventriculares e ventriculares no pós-operatório com o uso do pré-condicionamento isquêmico29.

A avaliação do débito cardíaco e da contratilidade ventricular esquerda habitualmente é realizada através do cateter de Swang-Ganz, que é utilizado na maioria das vezes no pós-operatório para adequada avaliação das condições hemodinâmicas do paciente. Contudo, no intraoperatório, esse método da avaliação do débito cardíaco pode ser influenciado, e até dificultado, pelo posicionamento e manipulação do coração, que poderia causar o deslocamento desse cateter e dificultar as análises do débito cardíaco, além de ser um método invasivo.

Por essas razões, para avaliar a influência do pré-condicionamento isquêmico na contratilidade ventricular, utilizamos um método não invasivo para identificar as possíveis alterações hemodinâmicas durante a cirurgia sem circulação extracorpórea.

O Hemosonic 100, através da Doppler ecografia, mede a aceleração máxima do fluxo sanguíneo na aorta, que é um parâmetro da contratilidade miocárdica que se correlaciona com o índice de dp/dt do ventrículo esquerdo obtido no estudo hemodinâmico30.

Sabbah e cols.31 avaliaram pela ecografia a aceleração do fluxo sanguíneo na aorta em três grupos de pacientes, e compararam com a fração de ejeção obtida durante estudo hemodinâmico através da ventriculografia esquerda. No primeiro grupo, com fração de ejeção maior que 60%, o pico de aceleração foi de 19 ± 5 m/s2; no segundo, com fração de ejeção entre 41% e 60%, foi de 12 ± 2 m/s2; e no terceiro grupo, com fração de ejeção menor que 40%, o pico de aceleração foi de 8 ± 2 m/s2. Isso demonstra a correlação linear entre a aceleração do fluxo sanguíneo na aorta e a fração de ejeção, que os autores concluem ser um método eficaz para avaliação não invasiva da contratilidade ventricular esquerda.

Quando analisamos os dois grupos (com e sem PCI), momento a momento, não encontramos diferenças na função ventricular, no entanto, os grupos apresentam comportamentos diferentes ao longo do tempo.

Observamos que no grupo pré-condicionado houve manutenção dos valores de aceleração do sangue na aorta, entre o início e o final do procedimento, enquanto que no grupo controle, ocorreu uma redução significativa.

Provavelmente, como os dois grupos são constituídos de pacientes com função ventricular esquerda preservada não foi possível identificar diferenças nos grupos em momentos específicos. Contudo, essa diferença poderia ser maior nos pacientes com disfunção ventricular, e ainda que isso não ocorra, a manutenção das condições iniciais e a não redução da função ventricular já justificariam a aplicação do método.

Além do mais, quando fazemos o pré-condicionamento, estamos também avaliando a tolerância à oclusão coronária. Embora não tenha ocorrido nesta série, alguns pacientes podem apresentar supradesnivelamento de ST, ou mesmo bloqueio atrioventricular, e necessitar conversão para circulação extracorpórea de emergência.

Outro aspecto que pode influenciar os resultados é a variação anatômica das artérias coronárias. Algumas vezes a artéria descendente anterior é praticamente única na parede anterior ou emite ramos diagonais mais distais, que ficam envolvidos na região que foi garroteada; outras vezes existem ramos diagonais proximais não envolvidos na oclusão coronária, e esses ramos diagonais permanecem perfundindo parte da parede anterior. Essa variação anatômica poderia determinar uma heterogeneidade na área de pré-condicionamento, e eventualmente influenciar na contratilidade ventricular esquerda.

Conclusões

O pré-condionamento isquêmico evitou a redução da contratilidade ventricular esquerda durante a realização da revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 24/08/08; revisado recebido em 08/10/08; aceito em 12/11/08.

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  • Correspondência:

    Luís Roberto Gerola
    Rua dos Otonis, 880/81 - Vila Clementino
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Revisado
      08 Out 2008
    • Recebido
      24 Ago 2008
    • Aceito
      12 Nov 2008
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