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Estimulação elétrica nervosa transcutânea de curta duração no pós-operatório de cirurgia cardíaca

Resumos

FUNDAMENTO: A força muscular respiratória tem sido relacionada com a evolução no pós-operatório de cirurgia cardíaca. A estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) tem como principal finalidade terapêutica documentada a redução da dor; beneficio esse que poderia produzir benefícios secundários na força muscular respiratória e, consequentemente, nos volumes e capacidades pulmonares. OBJETIVOS: O presente trabalho procurou avaliar a efetividade da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) de curta duração para redução da dor e possíveis interferências e na força muscular respiratória, volumes e capacidade pulmonar em pacientes no pós-operatório de cirurgia cardíaca. MÉTODOS: Vinte e cinco pacientes com idade média de 59,9±10,3 anos, sendo 72% homens, homogêneos quanto a peso e altura, foram aleatoriamente alocados em dois grupos. Um grupo recebeu a TENS tratamento (n=13) e outro, a TENS placebo (n=12), por período de quatro horas, no terceiro dia do pós-operatório de cirurgia cardíaca, avaliando a dor a partir da escala visual analógica, força muscular respiratória pelas pressões respiratórias máximas, volumes e capacidade pulmonar antes e após a aplicação da TENS. RESULTADOS: A TENS de curta duração reduziu a dor de pacientes no período pós-operatório de forma significativa (p<0,001). A força muscular respiratória (p<0,001), o volume corrente (p<0,001) e a capacidade vital (p<0,05) após a TENS tratamento demonstraram melhora significativa, alterações que não ocorreram no grupo placebo. CONCLUSÃO: A TENS de curta duração mostrou-se efetiva para redução da dor, melhora da força muscular respiratória, volumes e capacidade pulmonar.

Estimulação elétrica nervosa transcutânea; cirurgia cardíaca; dor; capacidades pulmonares


BACKGROUND: Respiratory muscle strength has been related to the postoperative outcome of cardiac surgeries. The main documented therapeutic purpose of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) is the reduction of pain, which could bring secondary benefits to the respiratory muscles and, consequently, to lung capacities and volumes. OBJECTIVES: The objective of the present study was to evaluate the effectiveness of short-duration transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) in the reduction of pain and its possible influence on respiratory muscle strength and lung capacity and volumes of patients in the postoperative period of cardiac surgery. METHODS: Twenty five patients with mean age of 59.9 ± 10.3 years, of whom 72% were men, and homogeneous as regards weight and height, were randomly assigned to two groups. One group received therapeutic TENS (n = 13) and the other, placebo TENS (n = 12), for four hours on the third postoperative day of cardiac surgery. Pain was analyzed by means of a visual analogue scale, and of respiratory muscle strength as measured by maximum respiratory pressures and lung capacity and volumes before and after application of TENS. RESULTS: Short-duration TENS significantly reduced pain of patients in the postoperative period (p < 0.001). Respiratory muscle strength (p < 0.001), tidal volume (p < 0.001) and vital capacity (p < 0.05) significantly improved after therapeutic TENS, unlike in the placebo group. CONCLUSION: Short-duration TENS proved effective for the reduction of pain and improvement of respiratory muscle strength, as well as of lung volumes and capacity. (Arq Bras Cardiol 2010; 94(3):325-331)

Transcutaneous electrical nerve stimulation; cardiac surgery; pain; lung volume measurements


ARTIGO ORIGINAL

CIRURGIA CARDÍACA - ADULTOS

Estimulação elétrica nervosa transcutânea de curta duração no pós-operatório de cirurgia cardíaca

Cristie Gregorini; Gerson Cipriano Junior; Leticia Moraes de Aquino; João Nelson Rodrigues Branco; Graziella França Bernardelli

Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Cristie Gregorini Rua 7 de setembro, 31 - Juquitiba 06950-000 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: cgregorini@bol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A força muscular respiratória tem sido relacionada com a evolução no pós-operatório de cirurgia cardíaca. A estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) tem como principal finalidade terapêutica documentada a redução da dor; beneficio esse que poderia produzir benefícios secundários na força muscular respiratória e, consequentemente, nos volumes e capacidades pulmonares.

OBJETIVOS: O presente trabalho procurou avaliar a efetividade da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) de curta duração para redução da dor e possíveis interferências e na força muscular respiratória, volumes e capacidade pulmonar em pacientes no pós-operatório de cirurgia cardíaca.

MÉTODOS: Vinte e cinco pacientes com idade média de 59,9±10,3 anos, sendo 72% homens, homogêneos quanto a peso e altura, foram aleatoriamente alocados em dois grupos. Um grupo recebeu a TENS tratamento (n=13) e outro, a TENS placebo (n=12), por período de quatro horas, no terceiro dia do pós-operatório de cirurgia cardíaca, avaliando a dor a partir da escala visual analógica, força muscular respiratória pelas pressões respiratórias máximas, volumes e capacidade pulmonar antes e após a aplicação da TENS.

RESULTADOS: A TENS de curta duração reduziu a dor de pacientes no período pós-operatório de forma significativa (p<0,001). A força muscular respiratória (p<0,001), o volume corrente (p<0,001) e a capacidade vital (p<0,05) após a TENS tratamento demonstraram melhora significativa, alterações que não ocorreram no grupo placebo.

CONCLUSÃO: A TENS de curta duração mostrou-se efetiva para redução da dor, melhora da força muscular respiratória, volumes e capacidade pulmonar.

Palavras chave: Estimulação elétrica nervosa transcutânea, cirurgia cardíaca, dor, capacidades pulmonares.

Introdução

A dor é uma resposta fisiológica a diferentes agressões no organismo, e está em evidência nos pacientes de pós-operatório de cirurgia cardíaca. Apesar dos avanços terapêuticos obtidos, a utilização de recursos adjuvantes pode contribuir para o prognóstico favorável. A estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) tem se mostrado uma alternativa terapêutica adjuvante eficiente; entretanto, suas interferências secundárias são pouco descritas na literatura científica.

A dor no pós-operatório de cirurgia cardíaca é uma realidade e pode colaborar com a piora da força muscular respiratória e diminuição dos volumes e capacidade pulmonar, reduzindo a quantidade de inspirações profundas e a efetividade da tosse, ato esse imprescindível no período pós-operatório de cirurgia cardíaca. O estímulo álgico pode tornar ainda mais lento o tratamento fisioterapêutico em decorrência da não colaboração1,2. A dor perincisional limita relativamente a expansibilidade pulmonar favorecendo as complicações respiratórias. As complicações pulmonares são as causas mais significativas de morbidade no pós-operatório de cirurgia cardíaca, fatores que podem contribuir para a redução da força muscular respiratória, volumes e capacidade pulmonar, sendo a atelectasia uma das mais frequentes, atingindo aproximadamente 64% dos pacientes operados3-6.

A TENS refere-se a uma modalidade de corrente elétrica de baixa frequência que tem o propósito terapêutico de reduzir estímulos álgicos. É considerado um procedimento eficiente, de fácil aplicação, não invasivo, atóxico e relativamente de baixo custo, mas que apresenta pouco embasamento em estudos não controlados e randomizados7-9. São poucos os estudos que relatam os efeitos secundários pelo uso da TENS, sendo a maior parte deles não referente à cirurgia cardíaca.

O presente estudo tem como objetivo utilizar a TENS no pós-operatório de cirurgia cardíaca por um período curto quatro horas e avaliar seus efeitos na dor, na força muscular respiratória e nos volumes e capacidade pulmonar.

Métodos

A pesquisa foi realizada de forma a se enquadrar como um ensaio clínico prospectivo e randomizado. Os indivíduos foram alocados de forma a ter a mesma chance de pertencer ao grupo com TENS tratamento ou placebo. A aleatorização foi realizada a partir de caixa selada.

Os critérios de inclusão foram: idade entre 35-80 anos, ter realizado cirurgia cardíaca eletiva via toracotomia medioesternal longitudinal; os de exclusão: ser portador de marcapasso, estar em período gestacional, ter alterações cognitivas ou intelectuais, relatar ausência de dor no período pós-operatório, apresentar distúrbios da sensibilidade ou ter sofrido qualquer forma de analgesia no período de oito horas que antecedessem o início do protocolo.

Avaliação clinica e disfuncional

No período pré-operatório, um dia antes da cirurgia, os pacientes foram submetidos a uma avaliação clínica protocolada. Além disso, foram submetidos a avaliação de força muscular respiratória e volumes e capacidade pulmonar ainda no período pré-operatório.

No terceiro dia do período pós-operatório, quando retornaram para a unidade de internação, os pacientes foram submetidos a uma reavaliação clínica pré-TENS de forma protocolada. Nessa reavaliação foram verificados a intensidade de dor utilizando a escala visual analógica (EVA), exames de manovacuometria e ventilometria para avaliação da força muscular respiratória, volumes e capacidade pulmonar. A partir disso, a TENS foi aplicada por um período de quatro horas de acordo com a aleatorização. e ao término do período de intervenção os pacientes foram reavaliados quanto a dor, força muscular respiratória, volumes e capacidade pulmonar.

Os sinais vitais foram monitorados durante as fases pré-TENS e pós-TENS, sendo esses: frequência respiratória (f, rpm), frequência cardíaca (FC, bpm) e pressão arterial (PA, mmHg).

Estimulação elétrica nervosa transcutânea

As TENS tratamento e placebo foram aplicadas utilizando equipamento portátil de estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) (TENS Device™, KLD, Amparo, SP, Brasil). A corrente elétrica foi liberada por dois pares de eletrodos adesivos (10 x 3,5 cm), posicionados um de cada lado da incisão cirúrgica, alocados em região subclavicular, aproximadamente dois a três centímetros. A TENS tratamento manteve os parâmetros de pulso da corrente em 80 Hz (hertz), duração de pulso de 150 ms (microssegundos) e dose em miliamperes (mA), ajustada em limiar sensitivo. O equipamento placebo sofreu modificação na programação interna, alterando o capacitor de controle da constante de tempo e modificando o tempo ativo entre os pulsos, de 330 milissegundos para 33 segundos, alteração esta, proposta a fim de impedir o efeito analgésico.

Os pacientes ajustaram a intensidade da estimulação ao ponto que eles sentissem "forte" sensação de formigamento, mas ainda de modo confortável, e foram instruídos a reduzir a intensidade caso existisse desconforto.

Os grupos tratamento e placebo receberam as mesmas instruções. Mesmo não tendo certeza de que estavam recebendo corrente elétrica após algum tempo de uso, o equipamento poderia produzir corrente contínua ou intermitente.

Teste de pressões respiratórias máximas

A mensuração da força muscular respiratória foi realizada de forma protocolada de acordo com Neder e cols.10, para obtenção dos valores máximos de pressão inspiratória (Pi-máx) e expiratória máxima (Pe-máx).

Para a realização do teste de Pi-máx foi utilizado um tubo com extremidade distal aberta, em que o indivíduo inicialmente respirou normalmente por ele, sendo depois solicitado a realizar uma expiração máxima até alcançar-se o volume residual. A partir desse momento, o terapeuta acionou a válvula giratória, ocluindo assim o orifício do manovacuômetro (GerarMed, modelo MVD300, Gerar®, Brasil), mantendo um clip oclusivo nasal. Logo em seguida, o indivíduo efetuou um esforço inspiratório máximo contra a via aérea que estava ocluída. Durante o teste foram fornecidos comando verbal padronizado: "Expira, inspira. Solta todo o ar, agora puxa com força".

Para o teste de Pe-máx foi utilizado o mesmo tubo com extremidade distal aberta no qual o indivíduo foi orientado novamente a realizar a respiração normal por ele; após isso, foi solicitado que realizasse inspiração máxima até alcançar a capacidade pulmonar total. O terapeuta acionou a válvula giratória, ocluindo o orifício do manovacuômetro, mantendo um clip oclusivo nasal. Feito isso, o indivíduo efetuou um esforço expiratório máximo contra a via aérea ocluída, sendo somente utilizado comando verbal padronizado "Inspira, expira. Enche o peito de ar e agora solta com força".

Os testes foram repetidos no máximo cinco vezes, sendo considerado o melhor valor dentre os três testes cuja variação fosse inferior a 10%. Entre um teste e outro, houve um descanso de dois minutos.

Avaliação de volumes e capacidade pulmonar

Avaliação realizada a partir do exame de ventilometria (ventilômetro de Wright, modelo Mark 8, nSpire Health Inc., Longmont, RU) para a obtenção das medidas de volume minuto (VM, l/min.), volume corrente (VC, ml) e capacidade vital (CV, l). O paciente foi devidamente posicionado com o dorso apoiado à aproximadamente 90°, mantendo sua via aérea nasal ocluída com um clip e acoplando o equipamento à boca utilizando um bucal descartável. Para a medição da CV, foi solicitado ao paciente que realizasse uma inspiração máxima e em seguida foi pedido que realizasse uma expiração máxima lenta, próxima ao volume residual. Para coleta do VM o paciente foi instruído a respirar normalmente com incursões inspiratórias e expiratórias sem esforço algum pelo tempo de um minuto, após dois minutos de adaptação. A medida do VC foi obtida a partir da fração entre o VM e a frequência respiratória (f, rpm).

Avaliação da dor

Avaliada a partir da escala visual analógica11 (EVA) do tipo numérica. Os pacientes foram orientados a demarcar, com um traço transversal, o ponto que melhor representasse a sua dor ao repouso e durante a tosse. A avaliação foi realizada antes e após a aplicação da TENS.

Análise dos resultados

As variáveis contínuas e semicontínuas foram confrontadas à curva Normal e determinadas como não paramétricos pelo teste de distância K-S (Kolmogorov-Smirnov). Os dados paramétricos foram representados na forma média e desvio padrão, e os dados não paramétricos, na forma de mediana e quartis. Os dados categóricos foram representados por frequência absoluta (n) e relativa (%).

Resultados

Vinte e cinco indivíduos com média de idade de 59,9 ± 10,3 anos, sendo 18 (72%) do sexo masculino, internados na enfermaria do Hospital Universitário da Unifesp, foram selecionados para a amostra. As cirurgias incluídas no estudo foram: 18 revascularizações do miocárdio, incluindo os enxertos; 15 safenas e 16 mamárias; duas trocas de válvula aórtica; uma correção de aorta ascendente; duas trocas de válvula mitral; um mixoma; uma correção de CIA. O procedimento foi realizado sem CEC em oito pacientes. Os que realizaram com CEC apresentaram tempo de 72,2 ± 17,01 minutos. A análise dos dados referentes ao padrão da amostra revelou que os grupos eram homogêneos em relação a idade, peso e altura (Tabela 1).

Foram observados os resultados quanto a pressões respiratórias máxima, volumes e capacidade pulmonares e resposta cardiovascular nos períodos pré-operatório, pré-TENS e pós-TENS.

Com relação à dor, houve melhora ao repouso na ordem de 40%, e à tosse, 42,9% (Figura 1) no grupo tratamento em relação ao grupo placebo. No grupo placebo não foi encontrada diferença estatística (Tabela 2).


Quanto aos volumes e capacidade pulmonares (Figura 2), na comparação intergrupos, o VC apresentou melhora de 16,28% dos valores basais ao realizarmos a TENS, enquanto os valores do grupo placebo apresentaram piora de 7,36%, com diferença dos resultados de 23,64% entre os grupos. Em relação a CV, podemos observar uma melhora de 18,18% no grupo tratamento, enquanto no grupo placebo, de apenas 3,13%, com diferença entre os grupos de 15,05%. O VM também seguiu tendência de melhora no grupo tratamento (11,48%) ante o grupo placebo (1,04%), com diferença entre os grupos de 10,44%, enquanto a frequência respiratória foi equivalente entre os dois grupos. A CV, após o uso da TENS, demonstrou aumento (Figura 3) no grupo tratamento comparado ao grupo placebo entre os períodos pré e pós-TENS.



Na comparação intergrupos, quanto às variáveis Pi-máx e Pe-máx, foram observadas melhora de 23,08% da Pi-máx no grupo tratamento e piora de 9,72% no grupo placebo, com diferença de 32,80% entre os grupos. A Pe-máx apresentou melhora de 25% no grupo tratamento, sem haver alteração da mediana no grupo placebo (Figura 4). As pressões respiratórias máximas, após o uso da TENS (Figura 5), tiveram significante aumento comparado ao grupo placebo.



Discussão

Desde os anos 1970, os efeitos da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) vêm sendo estudados sobre dores agudas e crônicas. Os estudos se estenderam para também beneficiar os processos álgicos ocorridos no período pós-operatório. Este estudo prospectivo e randomizado avaliou o efeito da TENS para diminuição da dor no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Encontramos não somente o efeito positivo que a TENS trouxe para o alívio da dor, mas também para melhora da força muscular respiratória e volumes e capacidade pulmonares.

Em concordância com nossos achados, estudos preliminares também evidenciaram que a TENS é efetiva no controle da dor de leve a moderada intensidade no período pós-operatório de cirurgia, e que poderia ser útil quando os pacientes apresentassem dor de severa intensidade12,13.

Klin e cols.7, Bayindir e cols.12, Erdogan e cols.13 e Benedetti e cols.14 avaliaram em seus estudos o benefício da TENS e constataram que a eletroestimulação reduz o nível de dor pós-operatório e diminui a quantidade de analgésicos quando comparada com o grupo placebo ou controle.

Bjordal e cols.15 publicaram uma meta-análise com estudos que utilizaram a TENS como recurso analgésico no período pós-operatório entre 1966 a 2001. Nessa meta-análise mostraram que a TENS reduziu o consumo de medicação analgésica durante os três primeiros dias de pós-operatório, diminuindo os efeitos colaterais da medicação, e um desses efeitos é o de deprimir o centro respiratório. Também demonstraram uma diferença importante na avaliação da dor em pacientes que realizaram a TENS placebo versus tratamento.

Na avaliação da força muscular respiratória, verificamos que a pressão expiratória máxima apresentou um aumento após o uso da TENS. Facilitando o processo de higienização pulmonar, eliminação de muco e a efetividade da tosse. A pressão inspiratória máxima também apresentou melhora e pode estar relacionada à redução da dor, propiciando um aumento da ventilação pulmonar e reduzindo os índices de atelectasias, uma das principais causas de complicações respiratórias no pós-operatório cardíaco16.

Em nossos levantamentos bibliográficos não encontramos estudos que comparassem o uso da TENS e a força muscular respiratória. Johnson e cols.17 incluíram em seu estudo 138 pacientes que realizaram cirurgia cardíaca, nos quais foram avaliadas as pressões inspiratória e expiratória máximas e função pulmonar em dois períodos: no dia da alta hospitalar, que ocorreu em média no quinto dia de pós-operatório, e na oitava semana pós-operatória. Quando realizaram a primeira análise, a dor, de forma subjetiva, foi descrita como leve a moderada. Os autores acreditam que a dor pode ter sido fator limitante para que os pacientes realizassem o esforço máximo. Na oitava semana os pacientes ainda apresentaram redução das pressões respiratórias e função pulmonar comparada com os níveis basais e presumiram que tais achados poderiam estar relacionados à fraqueza muscular no período pós-operatório.

Lock e cols.18 e Belle e cols.19 avaliaram as pressões respiratórias e a função pulmonar na primeira, na sexta e na oitava semanas de pós-operatório de cirurgia cardíaca, e também tiveram como resultado uma redução significante das pressões respiratórias na primeira semana. No entanto, o estudo de Belle e cols.19, ao avaliar os pacientes na sexta semana, demonstrou que os valores pressóricos voltaram aos níveis basais, mas a função pulmonar ainda apresentava redução. Já Lock e cols.18 demonstraram manutenção da redução das pressões respiratórias e função pulmonar mesmo na segunda análise, ocorrida na oitava semana de pós-operatório. Os autores indagam um possível trauma em regiões costovertebrais, produzindo inibição reflexa dos músculos intercostais de modo que a caixa torácica se tornaria incapaz de resistir interiormente à força da contração do músculo diafragma.

As alterações dos volumes e capacidade em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca são em grande parte responsáveis pela morbidade desses pacientes6. As atelectasias são as complicações mais frequentes4,20,21, ocasionadas por diminuição da capacidade residual funcional levando a hipercapnia e hipoxia5,22, pelas alterações da caixa torácica17 e pelo deslocamento cranial do músculo diafragma. Podem ainda ocorrer alterações da mecânica respiratória23 por aumento da resistência das vias aéreas, pela dor pós-operatória24, por paresia do nervo frênico25, dentre outros.

Neste estudo, procuramos estudar a relação da dor com os volumes e a capacidade pulmonar no pós-operatório de cirurgia cardíaca, e foi percebido que após quatro horas de uso da TENS os pacientes apresentaram melhora da dor, permitindo aos pacientes que realizassem inspirações mais profundas, obtendo melhora da capacidade vital comparado ao grupo placebo. Além disso, o volume corrente apresentou aumento de 23% comparado ao grupo placebo, enquanto a frequência respiratória (f) tendeu a diminuir após o uso da TENS, fazendo que o volume minuto apresentasse discreta melhora. Esses dados corroboram outros estudos, como o de Ali e cols.3, que relatam a melhora do CV após o uso da TENS; Stratton e Smith26, que também relataram melhora na capacidade vital forçada (CVF) após o uso da TENS; e Cipriano e cols.27 ,que demonstraram os efeitos positivos da TENS na função pulmonar e musculoesquelética de pacientes no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Erdogan e cols.13 realizaram um estudo controlado, prospectivo randomizado e duplo cego avaliando a eficácia da TENS em cirurgias torácicas, e constataram o benefício trazido pela eletroestimulação em seus pacientes, de modo que os eles necessitavam de menos analgésicos opioides e aumentaram o esforço para tossir durante a fisioterapia.

O presente estudo pode, no entanto, apresentar importantes limitações: a amostra relativamente pequena justificada pela dificuldade de incluir pacientes que se submetessem ao procedimento cirúrgico com a mesma equipe e o mesmo protocolo anestésico; o tempo fixo e reduzido de utilização da corrente, justificada pela maior adequação a realidade e rotina do serviço hospitalar. Outra limitação refere-se à característica transversal, escolhida para realização no terceiro dia de pós-operatório, haja vista que a correta avaliação da aplicação da TENS dependia de os pacientes não estarem utilizando analgésicos endovenosos e já estarem cognitivamente aptos a responder questionário. Por fim, o fato de termos incluído em nossa amostra diversos tipos de cirurgia cardíaca, tendo todos sido homogeneizados quanto ao tipo de incisão cirúrgica (toracotomia medioesternal longitudinal).

Acreditamos que os achados desta pesquisa poderão corroborar com o estímulo e a divulgação de terapias adjuvantes de baixo custo no período pós-operatório de cirúrgica cardiovascular, podendo interferir de forma positiva num melhor desfecho clínico e disfuncional.

Conclusões

A estimulação elétrica nervosa transcutânea de curta duração é útil no controle da dor no pós-operatório de cirurgia cardíaca e permite a melhora da força muscular respiratória e aumento dos volumes e capacidade pulmonar.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Cristie Gregorini pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.

Artigo recebido em 30/10/08; revisado recebido em 08/12/09; aceito em 15/05/09.

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  • Correspondência:
    Cristie Gregorini
    Rua 7 de setembro, 31 - Juquitiba
    06950-000 - São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      30 Out 2008
    • Revisado
      08 Dez 2009
    • Aceito
      15 Maio 2009
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