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Relação de indicadores antropométricos com fatores de risco para doença cardiovascular

Resumos

FUNDAMENTO: Estudos têm sido realizados para identificar o melhor preditor antropométrico de doenças crônicas em diferentes populações. OBJETIVO: Verificar a relação entre medidas antropométricas e fatores de risco (perfil lipídico e pressão arterial) para doenças cardiovasculares. MÉTODOS: Estudo transversal com 180 homens e 120 mulheres, idade média de 39,6±10,6 anos. Avaliou-se: índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), percentual de gordura corporal (%GC), relação cintura quadril (RCQ), perfil lipídico, glicemia e pressão arterial. RESULTADOS: IMC, CC e RCQ foram maiores nos homens e %GC nas mulheres (p<0,001). A proporção de casos alterados de RCQ e %GC em relação a LDL-c e CT foi maior no sexo masculino. Indivíduos normais para CC tiveram alteração para LDL-c, CT e HDL-c. Houve correlação entre IMC e CC (homens: r=0,97 e mulheres: r=0,95; p<0,001). Nos homens a melhor correlação (p<0,001) foi entre CC e RCQ (r=0,82) e nas mulheres %GC e CC (r=0,80). Triglicerídeos (TG) teve correlação com RCQ (masculino: r=0,992; feminino: r= 0,95; p<0,001), e com CC (masculino: r=0,82; feminino: r=0,79; p<0,001). Na análise múltipla (Razão de prevalência - RP, Intervalo de Confiança - IC), o IMC esteve associado ao colesterol total (RP=1,9; IC95% 1,01-3,69; p=0,051) no sexo masculino e fracamente associado com TG/HDL-colesterol (RP= 1,8; IC95% 1,01-3,45; p=0,062) no sexo feminino. CONCLUSÃO: O IMC e a RCQ foram os indicadores antropométricos com maior correlação com o perfil lipídico em ambos os sexos. Esses dados suportam a hipótese de que o IMC e a RCQ podem ser considerados como fatores de risco para a doença cardiovascular.

Doenças cardiovasculares; obesidade; antropometria; fatores de risco


BACKGROUND: Studies have been carried out to identify the best anthropometric predictor of chronic diseases in different populations. OBJECTIVE: To verify the relation between anthropometric measures and risk factors (lipid profile and blood pressure) for cardiovascular diseases. METHODS: Transversal study carried out with 180 males and 120 females, with mean age 39.6±10.6 years old. Body mass index (BMI), waist circumference (WC), body fat percentage (%BF), waist-to-hip ratio (WHR), lipid profile, glycemia and blood pressure were the variables assessed. RESULTS: BMI, WC and WHR were higher among males, and %BF were higher among females (p<0.001). The proportion of altered cases of WHR and %BF in relation to LDL-cholesterol and total cholesterol (TC) was higher among males. The individuals considered normal for WC presented alteration in the values of LDL-c, TC and HDL-cholesterol. There was a correlation between BMI and WC (males: r=0.97 and females: r=0.95; p<0.001). Among males, the best correlation (p<0.001) was presented between WC and WHR (r=0.82) and among females, %BF and WC (r=0.80). Triglycerides (TG) presented correlation to WHR (males: r=0.992; females r=0.95; p<0.001), and to WC (males: r=0.82; females r=0.79; p<0.001). In the multiple analysis (Prevalence ratio - PR, Confidence interval - CI), the BMI were associated with total cholesterol (PR=1.9; 95%CI 1.01-3.69; p=0.051) among males and slightly associated with TG/HDL-cholesterol (PR= 1.8; IC95% 1.01-3.45; p=0.062) among females. CONCLUSION: BMI and WHR were the anthropometric indicators with strongest relation to lipid profile in both sex groups. This data support the hypothesis that BMI and WHR may be considered as risk factors for cardiovascular disease.

Cardiovascular diseases; obesity; anthropometry; risk factors


FUNDAMENTO: Se vienen efectuando estudios para identificar el mejor predictor antropométrico de enfermedades crónicas en diferentes poblaciones. OBJETIVO: Verificar la relación entre mediciones antropométricas y factores de riesgo (perfil lipídico y presión arterial) para enfermedades cardiovasculares. MÉTODOS: Estudio transversal con 180 varones y 120 mujeres, edad promedio de 39,6 ± 10,6 años. Se evaluó: índice de masa corporal (IMC), circunferencia de la cintura (CC), porcentaje de grasa corporal (%GC), relación cintura cadera (RCC), perfil lipídico, glucemia y presión arterial. RESULTADOS: IMC, CC y RCC fueron mayores en los varones y %GC en las mujeres (p < 0,001). La proporción de casos alterados de RCC y %GC en cuanto a LDL-c y CT fue mayor en el sexo masculino. Individuos normales para CC tuvieron alteración para LDL-c, CT y HDL-c. Hubo correlación entre IMC y CC (varones: r = 0,97 y mujeres: r = 0,95; p < 0,001). En los hombres la mejor correlación (p < 0,001) fue entre CC y RCC (r = 0,82) y en las mujeres %GC y CC (r = 0,80). Triglicéridos (TG) tuvo correlación con RCC (masculino: r = 0,992; femenino: r = 0,95; p < 0,001), y con CC (masculino: r = 0,82; femenino: r = 0,79; p < 0,001). En el análisis múltiple (razón de prevalencia - RP, intervalo de confianza - IC), el IMC estuvo asociado al colesterol total (RP = 1,9; IC95% 1,01-3,69; p = 0,051) en el sexo masculino y débilmente asociado con TG/HDL-colesterol (RP = 1,8; IC95% 1,01-3,45; p = 0,062) en el sexo femenino. CONCLUSIÓN: El IMC y la RCC fueron los indicadores antropométricos con mayor correlación con el perfil lipídico en ambos los sexos. Estos datos soportan la hipótesis de que el IMC y la RCC pueden ser considerados como factores de riesgo para la enfermedad cardiovascular.

Enfermedades cardiovasculares; obesidad; antropometría; factores de riesgo


ARTIGO ORIGINAL

EPIDEMIOLOGIA

Relação de indicadores antropométricos com fatores de risco para doença cardiovascular

Mirele Arruda Michelotto de OliveiraI; Regina Lúcia Martins FagundesI; Emília Addison Machado MoreiraI; Erasmo Benício Santos de Moraes TrindadeI; Tales de CarvalhoII

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC – Brasil

IIUniversidade do Estado de Santa Catarina/Clínica Cardiosport, Florianópolis, SC – Brasil

Correspondência Correspondência: Regina Lúcia Martins Fagundes Rua das Amendoeiras 118 - Lagoa da Conceição 88062-290 - Florianópolis, SC - Brasil E-mail: remartin@ccs.ufsc.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Estudos têm sido realizados para identificar o melhor preditor antropométrico de doenças crônicas em diferentes populações.

OBJETIVO: Verificar a relação entre medidas antropométricas e fatores de risco (perfil lipídico e pressão arterial) para doenças cardiovasculares.

MÉTODOS: Estudo transversal com 180 homens e 120 mulheres, idade média de 39,6±10,6 anos. Avaliou-se: índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), percentual de gordura corporal (%GC), relação cintura quadril (RCQ), perfil lipídico, glicemia e pressão arterial.

RESULTADOS: IMC, CC e RCQ foram maiores nos homens e %GC nas mulheres (p<0,001). A proporção de casos alterados de RCQ e %GC em relação a LDL-c e CT foi maior no sexo masculino. Indivíduos normais para CC tiveram alteração para LDL-c, CT e HDL-c. Houve correlação entre IMC e CC (homens: r=0,97 e mulheres: r=0,95; p<0,001). Nos homens a melhor correlação (p<0,001) foi entre CC e RCQ (r=0,82) e nas mulheres %GC e CC (r=0,80). Triglicerídeos (TG) teve correlação com RCQ (masculino: r=0,992; feminino: r= 0,95; p<0,001), e com CC (masculino: r=0,82; feminino: r=0,79; p<0,001). Na análise múltipla (Razão de prevalência - RP, Intervalo de Confiança - IC), o IMC esteve associado ao colesterol total (RP=1,9; IC95% 1,01-3,69; p=0,051) no sexo masculino e fracamente associado com TG/HDL-colesterol (RP= 1,8; IC95% 1,01-3,45; p=0,062) no sexo feminino.

CONCLUSÃO: O IMC e a RCQ foram os indicadores antropométricos com maior correlação com o perfil lipídico em ambos os sexos. Esses dados suportam a hipótese de que o IMC e a RCQ podem ser considerados como fatores de risco para a doença cardiovascular.

Palavras-chave: Doenças cardiovasculares, obesidade; antropometria/métodos, fatores de risco.

Introdução

A doença cardiovascular é considerada mundialmente a principal causa de morte e de invalidez. Apesar da queda na proporção de mortes ocorridas por doença cardiovascular, em países desenvolvidos, nas últimas décadas, os índices têm crescido enormemente em países de baixa e média renda1.

Têm-se estabelecido uma relação positiva entre as manifestações cardiovasculares e os fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida. Ressaltando-se ainda, o efeito multiplicativo da co-existência desses com os fatores de risco, os quais aumentam exponencialmente o risco da doença arterial coronariana2. A partir do estudo de Framinghan3, identificaram-se os principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares, sendo estes: hipertensão arterial, níveis elevados de colesterol e/ou reduzidos de HDL-colesterol, tabagismo, diabetes mellitus e idade.

Além desses, as Diretrizes da World Heart Federation4 destacam outros fatores de risco, que podem aumentar o risco total, tais como: sobrepeso/obesidade, inatividade física, dieta aterogênica, estresse (socioeconômico e psicosocial), história familiar de doença cardiovascular prematura e fatores genéticos e raciais.

A obesidade e mais recentemente o sobrepeso são problemas crescentes em muitos países, incluindo o Brasil, e várias tentativas têm sido feitas para identificar o melhor preditor antropométrico de doenças crônicas em diferentes populações. A adiposidade abdominal tem sido considerada um dos melhores preditores de doenças cardiovasculares. No entanto, embora a técnica de diagnóstico por imagem seja o método mais eficiente, ele é limitado quando usado em estudos epidemiológicos, devido ao seu alto custo e as dificuldades metodológicas. Portanto, marcadores antropométricos, como por exemplo, a circunferência da cintura e a relação cintura-quadril, têm sido amplamente utilizados em estudos epidemiológicos conduzidos na Europa5 e nos Estados Unidos6. Porém, poucos são os estudos que têm explorado a acurácia dessas medidas em países subdesenvolvidos. Além disso, existem controvérsias com relação ao melhor indicador para gordura abdominal7.

Portanto, o objetivo desse estudo foi verificar a relação entre medidas antropométricas e fatores de risco (perfil lipídico e pressão arterial) para doenças cardiovasculares.

Métodos

Estudo transversal, realizado entre agosto e outubro de 2005, em prontuários de indivíduos atendidos em uma Clínica de Prevenção e Reabilitação, com atendimento caracterizado como Sistema de Medicina Suplementar ou Particular, em Florianópolis, Santa Catarina. A amostra estudada (n = 300) foi a partir do total de atendimento (n = 708). Os critérios de inclusão foram: adultos (20-59 anos), de ambos os sexos e que não faziam uso de medicação para hipertensão, diabetes e dislipidemias (sem diagnóstico). Foram excluídos: gestantes (n = 40), lactantes (n = 37), atletas (n = 78) e usuários de medicação (n = 253). As medidas antropométricas e os pontos anatômicos de referência foram coletados segundo Ross e Marfell-Jones8. O peso foi medido com uma balança mecânica tipo plataforma com capacidade para 150 Kg, com escala de 100 g, modelo 110 CH (Welmy Indústria e Comércio Ltda, Santa Bárbara do Oeste, São Paulo, Brasil). Altura foi medida com estadiômetro, Modelo Wood com especificidade de 0,001 m (WCS/CARDIOMED, Curitiba, Paraná, Brasil). O estado nutricional foi classificado pelo índice de massa corporal (IMC) em kg/m2, segundo a Word Health Organization (WHO) em 19989. O percentual de gordura corporal (% GC) foi obtido por meio da fórmula de SIRI, onde [% Gordura = (4,95/ densidade corporal) - 4,5 x 100], a partir da estimativa da densidade corporal determinada pelas equações propostas por Durnin e Wolmersley10. As medidas de pregas triciptal, biciptal, subescapular e suprailíaca foram tomadas com plicômetro, modelo Slimguide. Todos estes instrumentos são da marca Berfer (Francisco Berral de La Rosa, Universidade de Córdoba, Espanha). Foram realizadas três medidas e a média aritmética foi utilizada como valor final. O %GC foi classificado segundo Heyward e Stolarczyk11. A circunferência da cintura foi aferida em centímetros, na borda da crista ilíaca com fita métrica inextensível modelo Gulick, marca Mabbis (CARDIOMED, Curitiba, Paraná). A circunferência do quadril foi aferida em centímetros na área de maior protuberância glútea, em um plano horizontal12. A relação cintura-quadril foi obtida a partir dos valores de circunferência da cintura e do quadril e para a classificação destes foram utilizados os pontos de corte recomendados pela WHO9. A pressão arterial (PA) em mmHg foi obtida com um esfignomanômetro com coluna de mercúrio, modelo Aneroide e marca Wan-Med (CARDIOMED, Curitiba, Paraná). A PA foi aferida três vezes, com intervalo de dois minutos entre cada aferição, registrando-se a média das mesmas, de acordo com as determinações das IV Diretrizes Brasileiras Hipertensão Arterial13. O perfil lipídico foi caracterizado pelos níveis séricos de colesterol total (CT) e triglicerídeos (TG) ambos em mg/dl obtidos pelo método enzimático colorimétrico automatizado14. O colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) em mg/ dl foi determinado pelo método de precipitação seletiva, acoplado à dosagem do método enzimático colorimétrico automatizado14. O colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) em mg/dl foi obtido pela fórmula de Friedewald14, sendo válida para valores de TG até 400 mg/dl14. A glicemia em mg/dl foi determinada pelo método da hexoquinase15. Os pontos de corte foram utilizados conforme proposto por Grundy e cols.16 e Grund e cols.17.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (protocolo nº376/05) e está de acordo com a World Medical Association - Declaração de Helsinki18.

As análises foram realizadas utilizando-se os programas SPSS versão 14.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos) e STATA (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos). Inicialmente foi apresentada a análise descritiva das variáveis mediante proporções, médias e desvios-padrão. Utilizou-se o teste de T não Pareado para amostras independentes, para comparar os resultados médios das variáveis analisadas. O coeficiente de correlação linear de Person foi utilizado para avaliar o nível de correlação entre as variáveis testadas.

A montagem do modelo logístico foi baseada com a finalidade de observar o quanto as variáveis antropométricas (IMC, CC, RCQ e %GC) podem prever, em termos probabilísticos, a presença do fator de risco dislipidemia. As variáveis antropométricas foram usadas como preditoras e a presença ou não de dislipidemia. Foi categorizada em 0 (ausência) e 1 (presença). As variáveis independentes selecionadas para análise foram: colesterol total (CT), LDL e HDL colesterol, triglicerídeos (TG), pressão arterial sistólica e diastólica (PAS e PAD) e glicemia de jejum.

A associação entre as variáveis antropométricas e as variáveis independentes entre os homens e mulheres foi realizada por meio das razões de prevalência, intervalos de confiança e teste do qui-quadrado e de tendência linear. A análise múltipla foi realizada por meio da regressão de Poisson, apresentando as razões de prevalências e respectivos intervalos de confiança de 95%. As variáveis com p<0,20 na análise bivariada foram selecionadas para entrarem na análise múltipla. O critério de permanência das variáveis no modelo final foi p<0,05.

Resultados

A amostra constituiu-se de 300 pacientes (180 homens e 120 mulheres), com idade média de 39,59 ± 10,6 anos, dos quais 60% eram do sexo masculino. Observa-se na Tabela 1 que houve uma diferença significativa entre os sexos para as variáveis: idade (p < 0,05), IMC (p < 0,01), e % GC, CC, RCQ, HDL-colesterol, TG e TG/ HDLc (p < 0,001).

Na distribuição da amostra pelo percentual de valores alterados das frações lipídicas, pressão arterial e glicemia segundo valores normais e alterados das variáveis antropométricas observa-se que o sexo masculino tem o maior percentual de casos alterados para a CC [n = 59 (32,8%)], RCQ [n = 77 (42,8%)] e % GC [n = 174 (96,7%)]. Para os casos alterados de RCQ e % GC em relação a LCD-colesterol e CT, observa-se maior número de casos no sexo masculino [LCD-c vs RCQ (42,9%) e % GC (100%); CT vs RCQ (47,8%) e % GC (100%)]. A CC dentro da normalidade teve maior número de casos alterados para LDL-colesterol (64,6%), CT (61,1%) e HDL colesterol (71,1%). Os indivíduos com valores alterados para LDL-colesterol e CT estavam todos com o percentual %GC também alterado.

A Tabela 3 mostra a correlação dos indicadores antropométricos entre si, com o perfil lipídico, a glicemia e a pressão arterial, segundo o sexo. A correlação mais evidente foi verificada entre o IMC e a CC tanto para os homens (r = 0,970; p < 0,001) como para as mulheres (r = 0,945; p < 0,001). A correlação entre os indicadores de gordura abdominal, CC e RCQ foi semelhante em ambos os sexos (masculino: r = 0,821; feminino: r = 0,801; p < 0,001). No sexo feminino o %GC correlacionou-se mais intensamente com CC (r = 0,767; p < 0,001) do que no sexo masculino. Na análise entre as variáveis antropométricas e o perfil lipídico, observou-se que a correlação mais evidente se deu entre RCQ e TG [r = 0,992 (masculino) e r = 0,953 (feminino); p < 0,001] e RCQ e TG/ HDL-colesterol [r = 0,875 (masculino) e r = 0,798 (feminino); p < 0,001], seguido da CC e TG [r = 0,817 (masculino) e r = 0,792 (feminino); p < 0,001]. As demais correlações entre os indicadores antropométricos e o perfil lipídico, considerando o CT, LDL-c e HDL-c, embora significativas, foram correlações fracas. Em relação à glicemia, esta não se correlacionou com nenhum dos indicadores antropométricos. Da mesma forma, não houve correlação entre as variáveis antropométricas e os níveis de pressão arterial diastólica. Ao contrário, observou-se correlação significante, porém fraca, entre IMC e CC e os níveis de pressão arterial sistólica, no sexo feminino (Tabela 3).

Nas análises bivariadas encontrou-se, para o sexo masculino, uma relação linear positiva da variável IMC e LDL-colesterol (p = 0,030), CT (p = 0,005). Nas mulheres, também foi observada relação linear positiva com a variável IMC e CT (p = 0,092) e TG (p = 0,036) (Tabela 4). A variável RCQ teve uma relação linear positiva com HDL-colesterol (p = 0,161) no sexo masculino e no feminino a relação foi com a relação TG/HDL-colesterol (p = 0,142). Na análise múltipla, o IMC está associado no sexo masculino ao colesterol total (RP = 1,9; IC95% 1,01 - 3,69; p = 0,051) e para o sexo feminino, observou-se que o IMC pode relacionar-se com TG/ HDL-colesterol (RP = 1,8; IC95% 1,01 - 3,45; p = 0,062) (Tabela 4).

Discussão

Estudos epidemiológicos têm mostrado uma correlação clara entre a obesidade e os fatores de risco cardiovasculares19,20. No diagnóstico do estado nutricional da população estudada, classificado segundo o IMC, foi prevalente o sobrepeso e a obesidade. De modo semelhante ao que ocorreu com o estudo de Ribeiro e cols.21 que estudando uma população adulta de Minas Gerais, quanto ao IMC, observou 41,7% de sobrepeso e 11,1% de obesidade. A Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição - PNSN (1989) mostrou em torno de 40% da população adulta brasileira apresentava algum grau de excesso de peso20.

Ressalta-se, entretanto, que o uso do IMC, como uma medida de classificação do estado nutricional pode ser útil em estudos populacionais, embora pouco refinada em relação à distribuição da gordura corporal. Assim, as medidas como a RCQ e a CC podem dar informação adicional quanto à natureza da obesidade22,23.

Dalton e cols.24, investigando a correlação entre o IMC, a CC e a RCQ e os fatores de risco para doenças cardiovasculares em uma amostra da população adulta australiana, também encontraram diferenças na prevalência de sobrepeso e de obesidade. Esses autores, utilizando o IMC, encontraram 39% dos adultos australianos com sobrepeso e 20,8% com obesidade. Quando foi utilizada a CC, 30,5% dos adultos foram classificados como obesos, enquanto que apenas 15,8% estiveram dentro desta classificação quando esta se baseou na RCQ. Dados adicionais comprovaram que houve diferença entre os sexos para os parâmetros CC e RCQ: a prevalência de sobrepeso foi maior nos homens e a obesidade foi mais significativa nas mulheres.

Na presente investigação observou-se que os homens apresentaram valores ligeiramente mais elevados de LDL-colesterol e de pressão arterial sistólica. A média de valores de HDL-colesterol foi menor entre os homens do que entre as mulheres. Entretanto, o sexo feminino apresentou valores médios de triglicerídeos estatisticamente mais elevados. Os homens, no entanto, apresentaram valores médios de CC e RCQ maiores do que as mulheres, sugerindo um excesso de tecido adiposo intra-abdominal. Estes dados podem ter sido os que contribuíram para as alterações observadas no perfil lipídico. Cercato e cols.20 obtiveram resultados semelhantes estudando uma amostra de 1.213 adultos brasileiros de ambos os sexos, com os homens apresentando valores médios mais elevados de CC e RCQ e valores médios reduzidos de HDL-colesterol.

Velásquez-Meléndez e cols.25 avaliando a capacidade preditiva da CC, em 79 mulheres, observaram que a CC > 80 cm correspondeu a 89,8% de mulheres com IMC > 25 kg/ m2 e CC > 88 cm a 88,5% de mulheres com IMC > 30 kg/ m2. Esses autores mostraram ainda que a obesidade abdominal, definida pela CC > 88 cm, esteve associada significativamente com a hipertensão arterial.

No estudo de Pereira e cols.26, com 3.282 indivíduos adultos, realizado no município do Rio de Janeiro, observou-se que, comparada com outros indicadores de deposição de gordura, a RCQ apresentou menor correlação com o IMC e maior capacidade preditiva de hipertensão, permitindo maior discriminação de indivíduos em risco de doenças crônicas.

Nesta pesquisa, a correlação entre os indicadores antropométricos, mostrou que a CC esteve mais relacionada com o IMC e a RCQ do que com %GC. Este achado sugere que a RCQ seria menos dependente da adiposidade total. Esses resultados foram semelhantes aos observados por outros estudos5,24,27.

Sampaio e cols.28 com o objetivo de avaliar a correlação entre o índice de massa corporal e indicadores antropométricos de distribuição de gordura em adultos e idosos, observaram também uma correlação positiva e forte entre IMC e CC28.

Investigação realizada com uma população adulta no Rio Grande do Sul29 encontrou uma prevalência de inadequações de 5,6% para o colesterol total e de 7% para glicemia maior que 126 mg/dl. Ribeiro e cols.21 observaram valores superiores ao valor de referência para CT (47,2%), e valores inferiores para HDL-colesterol (42,7%) e hipertensão arterial em 37,2% da amostra. A prevalência de hipertensão arterial observada em ambos os sexos, no presente estudo, esteve elevada em relação à estimativa de hipertensão arterial na população brasileira, que é de 15%, segundo o Ministério da Saúde em 200430.

O presente estudo verificou que o sexo masculino tem o maior percentual de casos alterados para a CC, RCQ e %GC. O percentual de casos alterados de RCQ foi maior em número em relação a LCD-colesterol e CT no sexo masculino. O sexo masculino parece estar em pior situação do que as mulheres para doenças cardiovasculares31. Na avaliação do percentual da GC total observou-se que para os casos alterados, quase todos os indivíduos tinham alteração para os indicadores de dislipidemia, pressão arterial e glicemia em ambos os sexos. O percentual de GC gordura foi associado como fator de risco em mulheres diabéticas32.

Na presente investigação a CC não foi preditor para risco de doenças cardiovasculares, pois a maior parte dos indivíduos que tinham a CC normal apresentaram valores alterados para a LDL-colesterol, CT, HDL, glicemia e pressão arterial dados semelhantes observados no estudo de Ross e cols.33. Esses dados suportam a hipótese de que o depósito de quantidades relativamente maiores de gordura intra-abdominal afeta de forma adversa às concentrações de lipídios e de lipoproteínas circulantes.

Um estudo brasileiro avaliando 1.213 adultos na cidade de São Paulo evidenciou que as principais dislipidemias associadas com a obesidade central seriam representadas pelo aumento significativo dos níveis de triglicerídeos e/ou pela diminuição dos teores de HDL-colesterol20. Da mesma forma, Hu e cols.34, estudando uma amostra de Índios Americanos, verificaram que as principais anormalidades lipídicas/ lipoproteicas relacionadas à obesidade foram a diminuição do HDL-colesterol e o aumento dos triglicerídeos, especialmente nos homens. Esses autores observaram também que a adiposidade central esteve mais associada com perfis anormais de lipídios.

No presente estudo foi observado que o CT e o LDL-c estiveram mais correlacionados com o IMC no sexo masculino e com o percentual de gordura no sexo feminino. Ou seja, correlacionaram-se mais significativamente com as medidas de adiposidade total, sugerindo que a gordura corporal total parece ser mais relevante em relação a essas variáveis (CT e LDL-c) do que o depósito de gordura na área central do corpo. Esses achados foram semelhantes aos resultados encontrados por outros pesquisadores7,24.

Nas análises bivariadas os indicadores antropométricos IMC e RCQ foram associados a fatores de risco para doenças cardiovasculares (LDL-colesterol e CT no sexo masculino e TG e TG/ HDL-colesterol no sexo feminino). Na análise conjunta entre a RCQ e os indicadores HDL-colesterol (sexo masculino) e TG/ HDL-colesterol (sexo feminino) verificou-se que a adiposidade visceral pode ser considerada como preditor de risco para doenças cardiovasculares35. Na análise múltipla o IMC foi associado ao CT nos homens. No sexo feminino houve tendência de associação do IMC com o HDL-colesterol. O IMC pode ser considerado fator de risco para doenças cardiovasculares para o sexo masculino e a RCQ tende a ser um preditor para risco de doença cardiovascular para o sexo feminino.

Conclusão

O IMC e a RCQ foram os indicadores antropométricos com maior correlação com o perfil lipídico em ambos os sexos. Esses dados suportam a hipótese de que o IMC e a RCQ podem ser considerados como fatores de risco para a doença cardiovascular.

Limitação do estudo

Por se tratar de uma amostra composta de 300 pacientes. Por ter ocorrido elevada prevalência de normalidade nos homens para o TG (100%).

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Mirele Arruda Michelotto de Oliveira pela UFSC e UPESC.

Artigo recebido em 16/07/08; revisado recebido em 14/11/08; aceito em 13/08/09.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Revisado
      14 Nov 2008
    • Recebido
      16 Jul 2008
    • Aceito
      13 Ago 2009
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