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Quantificação de vasos linfáticos na cardiomiopatia dilatada e chagásica crônica

COMUNICAÇÃO BREVE

Quantificação de vasos linfáticos na cardiomiopatia dilatada e chagásica crônica

Luiz Alberto Benvenuti; Ana Maria Gonçalves da Silva; Vera Demarchi Aiello

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor) - FMUSP, Instituto de Medicina Tropical (LIM 06) - FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Luiz Alberto Benvenuti Rua Madalena, 477/31 - Vila Madalena 05434-090 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: anpluiz@incor.usp.br

Palavras-chave: Cardiomiopatia chagásica, cardiomiopatia dilatada, vasos linfáticos.

Introdução

O recente desenvolvimento de anticorpos específicos para o endotélio linfático tem permitido sua detecção por técnica imuno-histoquímica1. Apesar desse avanço metodológico, o estudo morfológico dos vasos linfáticos do miocárdio tem sido negligenciado e muito pouco se sabe sobre isso nas diferentes cardiopatias.

A insuficiência cardíaca congestiva acarreta edema intersticial em diferentes órgãos e tecidos, incluindo o miocárdio, devendo esse excesso de fluido ser drenado pelo sistema linfático. O edema do miocárdio está implicado no desenvolvimento de fibrose intersticial e prejudica o desempenho cardíaco2.

O objetivo deste estudo é comparar os vasos linfáticos do miocárdio de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva secundária a cardiomiopatia dilatada idiopática ou a cardiomiopatia chagásica crônica com os vasos linfáticos do miocárdio normal.

Métodos

Foram previamente avaliadas algumas características morfológicas de biópsias endomiocárdicas de pacientes portadores de insuficiência cardíaca congestiva classe funcional III ou IV, secundária a cardiomiopatia dilatada idiopática (CDI) ou cardiomiopatia chagásica crônica (CCC), essa última caracterizada por testes sorológicos positivos para a doença de Chagas e pela presença de miocardite linfo-histiocitária crônica3,4. Neste estudo foram reavaliadas as biópsias de 31 pacientes com CDI (média de idade: 40,65 ±12,14 anos; 22 do sexo masculino) e 24 pacientes com CCC (média de idade: 43,71 ± 9,29 anos; 21 do sexo masculino), em que foi possível obter novos cortes histológicos que apresentassem ao menos 1,25 mm2 de área analisável (cinco campos microscópicos de 400 x). Como grupo-controle, coletamos pequenas amostras do endomiocárdio do ventrículo direito normal de 11 indivíduos falecidos por causas não cardiovasculares e submetidos a necropsia (média de idade: 50,82 ± 15,39; 3 do sexo masculino). Essas amostras foram rotineiramente processadas e incluídas em parafina. Cortes seriados a 4 µm foram corados pela hematoxilina-eosina, tricrômico de Masson ou submetidos à técnica imuno-histoquímica para detecção de vasos linfáticos.

Imuno-histoquímica

Cortes histológicos foram incubados com anticorpo monoclonal D2-40 (Dako Corporation, CA) diluído 1:100, overnight, a 4ºC. As reações foram desenvolvidas com o polímero marcado com peroxidase EnVision (Dako Corporation, CA) por 30 minutos à temperatura ambiente e visualizados com 3,3' diaminobenzidina. Cortes histológicos de pele normal foram usados como controles positivos e negativos, omitindo-se o anticorpo primário nos últimos.

Histopatologia e morfometria

Foram avaliados o diâmetro médio dos miócitos, a área fracional de colágeno, a área fracional dos vasos linfáticos e o diâmetro do vaso linfático de maior calibre de cada amostra. Miocardite foi caracterizada pela presença de infiltrado inflamatório mononuclear associado a degeneração e/ou necrose dos miócitos, de acordo com o critério de Dallas5. O diâmetro dos miócitos e a área fracional de colágeno foram avaliados conforme previamente descrito3,4. A área total ocupada pelo corte histológico, a área total ocupada pelos vasos linfáticos e o diâmetro do vaso linfático de maior calibre foram medidos com ajuda de sistema computadorizado de análise de imagens. A área fracional dos linfáticos foi calculada pela razão entre a área total ocupada pelos vasos linfáticos e a área total ocupada pelo corte histológico, multiplicada por 100.

Análise estatística

Os dados morfométricos dos três grupos foram comparados usando o teste de análise de variância de postos de Kruskal-Wallis. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

Resultados

Os vasos linfáticos estavam presentes entre os miócitos, ao redor dos vasos sanguíneos ou, mais raramente, no endocárdio. Os vasos linfáticos apresentavam-se esparsos, em muito menor número que os vasos sanguíneos, e sua densidade variou grandemente de amostra para amostra e mesmo em diferentes áreas da mesma amostra. Ocasionalmente havia numerosos vasos linfáticos colapsados, ramificados e agrupados, particularmente ao redor de arteríolas (fig. 1). Pacientes dos grupos CDI e CCC apresentaram maior diâmetro dos miócitos (p < 0,001) e maior área fracional de colágeno (p < 0,001) que os indivíduos do grupo controle, sem diferenças entre os dois primeiros grupos. Não houve diferença estatística entre os grupos em relação à área fracional de vasos linfáticos (p = 0,075), salientando-se que a mediana do grupo controle foi a mais elevada dos três grupos. O diâmetro do vaso linfático de maior calibre foi menor no grupo CDI comparado ao grupo controle, mas não ao grupo CCC (p = 0,035), sem diferenças entre esses dois últimos grupos (fig. 2). Miocardite linfo-histiocitária esteve presente em 20/24 (83%) pacientes do grupo CCC e em nenhum paciente dos grupos CDI ou controle.



Discussão

A investigação dos vasos linfáticos nas diversas cardiopatias humanas tem sido negligenciada. Isso se deve em grande parte à dificuldade em diferenciar esses vasos dos sanguíneos, o que até há pouco tempo só era possível a partir do exame pela microscopia eletrônica. Entretanto, o recente desenvolvimento de anticorpos monoclonais capazes de reconhecer especificamente o endotélio linfático1 tem mudado esse panorama, e alguns estudos morfológicos sobre as alterações dos vasos linfáticos na doença isquêmica do coração e no transplante cardíaco foram relatados6,7.

O coração dos mamíferos apresenta um plexo linfático subendocárdico, vasos linfáticos no miocárdio (em muito menor número que os capilares sanguíneos) e um plexo linfático subepicárdico, este último contendo vasos coletores de maior calibre que acompanham os ramos epicárdicos das artérias coronárias2,8.

Em nossas amostras os vasos linfáticos apareceram focalmente colapsados, ramificados e agrupados, impedindo sua contagem fidedigna. Assim, optamos por avaliar sua área fracional, que, ao contrário do número absoluto, sofre influência do estado de distensão vascular.

Até onde é do nosso conhecimento, há apenas um relato abordando os vasos linfáticos do miocárdio em cardiomiopatias: analisando por microscopia eletrônica amostras de coração de pacientes com CDI, os autores relataram dilatação dos linfáticos em áreas de edema intersticial e rarefação e irregularidade dos mesmos em áreas de fibrose intersticial9. O presente estudo é o primeiro a realizar exame imuno-histoquímico morfométrico dos vasos linfáticos do miocárdio em cardiomiopatias. Apesar de esperarmos aumento de sua área fracional, condicionadas pela insuficiência cardíaca congestiva dos pacientes e também pelo processo inflamatório crônico (miocardite linfo-histiocitária) no grupo CCC, as medidas morfométricas não confirmaram essa hipótese. Pelo contrário, apesar de estatisticamente não significante, pacientes dos grupos CDI e CCC apresentaram menor área fracional de linfáticos que o grupo controle. Além disso, pacientes do grupo CDI apresentaram menor diâmetro do vaso linfático de maior calibre comparado aos indivíduos do grupo controle. É possível que tais resultados inesperados possam estar relacionados à maior área fracional de colágeno (fibrose) dos grupos CDI e CCC, o que acarretaria rarefação e atrofia dos vasos linfáticos, conforme previamente relatado9.

Os resultados deste estudo são preliminares, pois a relativa escassez e a grande variabilidade regional dos vasos linfáticos do miocárdio tornam difícil a interpretação conclusiva de dados obtidos pela avaliação de amostras pequenas, como a biópsia endomiocárdica. Nossos resultados devem ser confirmados por estudos posteriores, utilizando-se amostras amplas de corações de pacientes submetidos a transplante cardíaco ou necropsia.

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Thales de Brito, que gentilmente nos cedeu o anticorpo D2-40.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pósgraduação.

Artigo recebido em 15/05/09; revisado recebido em 25/07/09; aceito em 07/10/09.

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  • Correspondência:

    Luiz Alberto Benvenuti
    Rua Madalena, 477/31 - Vila Madalena
    05434-090 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010
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