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Arquivos Brasileiros de Cardiologia
Print version ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.94 no.4 São Paulo Apr. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2010000400024
RELATO DE CASO
Associação de bronquite plástica com enteropatia perdedora de proteínas após operação de Fontan
Vanessa Alves Guimarães; Edmar Atik; Jussara Bianchi Castelli; Nana Miura Ikari; Ana Maria Thomaz; Antonio Augusto Barbosa Lopes
Instituto do Coração (InCor). Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo. SP - Brasil
RESUMO
Relatamos um caso incomum de associação de bronquite plástica (BP) com enteropatia perdedora de proteínas (EPP) em menina de 4 anos e 9 meses de idade. com dupla via de entrada de ventrículo único tipo esquerdo e concordância ventrículo-arterial submetida à cirurgia cavopulmonar total. com túnel lateral intracardíaco aos três anos. Tornaram-se chamativas a eliminação de molde brônquico de fibrina de 10 cm (BP) e a elevação de alfa-1-antitripsina de 52 mg/g de fezes. Em uso de sildenafila. programou-se. em caso de continuidade do processo. a ligadura do ducto torácico e transplante cardíaco.
Palavras-chave: Técnica de Fontan. bronquite. enteropatias perdedoras de proteínas.
Introdução
A operação de Fontan. embora seja a melhor paliação para corações univentriculares. acompanha-se na evolução de graves complicações. como a bronquite plástica (BP) e a enteropatia perdedora de proteínas (EPP). além de outras comorbidades1. Estima-se que a EPP incida em uma percentagem variável de cerca de 1%-13.4%2.3. A ocorrência de BP é relatada4-6 muito raramente. assim como a associação dessas duas entidades5. Por isso. é nosso propósito relatar essa rara associação.
Relato do caso
Uma paciente do sexo feminino. com 4 anos e 9 meses de idade. natural e procedente de São Paulo-SP. nascida de parto normal. a termo. sendo filha de mãe diabética. apresentou desconforto respiratório precoce e sopro cardíaco auscultado na primeira semana de vida. Na época. estabeleceu-se o diagnóstico de dupla via de entrada de ventrículo único tipo esquerdo com concordância ventrículo-arterial. comunicação interatrial (CIA). comunicação interventricular e persistência de canal arterial (CA). com hipertensão pulmonar importante. Com um mês de vida. foi submetida. em nosso serviço e com sucesso. à ampliação da CIA pelo método de Rashkind e. após 4 dias. à bandagem do tronco pulmonar e fechamento do CA. Aos três anos e 4 meses. houve acentuação da cianose e da dispneia.
O estudo hemodinâmico demonstrou pressão média de 13 mmHg na artéria pulmonar. pressão média de 10 mmHg no capilar pulmonar. com Qp/Qs = 0.9 e resistência vascular pulmonar de 1.7 UW. A seguir. foi submetida à operação cavopulmonar total com túnel lateral intracardíaco. Após três meses da intervenção. apresentou-se com anasarca. ascite e derrame pleural. A albumina sérica era de 1.7 mg/dl. Por estudo hemodinâmico. descartou-se obstrução ao fluxo venoso sanguíneo. A pressão média da artéria pulmonar. da veia cava superior e da veia cava inferior era de 15 mmHg. a pressão capilar pulmonar era de 7 mmHg e o Qp/Qs era de 0.8.
O resultado da pesquisa de alfa-1-antitripsina nas fezes foi de 52 mg/g. confirmando o diagnóstico de EPP. Com as medidas usuais. dieta hiperproteica. hipogordurosa e com triglicérides de cadeia média ao lado de anticongestivos. como furosemida. espironolactona e captopril. houve melhora do quadro. conseguindo-se até a normalidade de alfa-1-antitripsina (menor do que 3 mg/g). Após 14 meses da operação. houve nova piora do quadro de anasarca. além de tosse incessante. aparecimento de cianose e pico febril. A albumina sérica era de 2.1 mg/dl e a alfa-1-antitripsina de 13.2 mg/g. O quadro clínico melhorou com medidas anticongestivas usuais em poucos dias.
Incidentalmente. durante os exercícios de fisioterapia respiratória. a paciente expeliu molde brônquico de fibrina. com cerca de 10 cm de comprimento (Figura 1). Na radiografia de tórax. havia infiltrado peri-hilar. e na tomografia computadorizada de tórax de alta resolução. imagem hipoatenuante na luz brônquica (Figura 1). O laudo anatomopatológico do material brônquico era compatível com o diagnóstico de BP. já que se constituía de fibrina compactada e entremeada por numerosas células linfoides. com áreas ainda de tecido mucoide escasso e permeado por macrófagos xantomatosos. além de área focal com acúmulo de eosinófilos (Figura 2).
Microscopia e imuno-histoquímica excluíram causas infecciosas (bactérias. bacilos álcool-ácido resistentes. vírus e fungos). A partir do diagnóstico estabelecido da associação da BP à EPP. foram instituídas medidas clínicas de fluidificação de vias aéreas com inalações e broncodilatadores. além da furosemida. do captopril. da espironolactona e do sildenafil. Programou-se. em caso de continuidade do processo. a ligadura do ducto torácico. culminando até com possível transplante cardíaco.
Discussão
Atualmente. os fatores envolvidos no prognóstico evolutivo após a operação de Fontan consistem na feitura de comunicação adequada entre as veias sistêmicas e a artéria pulmonar. sem obstruções e com mínima perda de energia. além da coexistência de baixa resistência vascular pulmonar. bom desempenho ventricular. funcionamento normal das valvas atrioventriculares e tamanho normal da árvore arterial pulmonar. A operação tem sofrido grandes modificações técnicas e. nos dias atuais. consiste predominantemente na conexão venosa sistêmico-pulmonar realizada por tubo extracardíaco. mais do que por túnel lateral intracardíaco. com ou sem fenestração. O resultado final deixa o paciente com duas circulações em série. sendo que o retorno venoso sistêmico é orientado diretamente para a artéria pulmonar sem a presença da bomba pulsátil ventricular. Essa "fisiologia Fontan" submete os pacientes a um fluxo venoso mais lento. suscetível assim ao desenvolvimento de efusão pleural crônica. quilotórax. arritmias atriais. EPP e BP4.
Quanto à BP. constitui-se em rara entidade. É caracterizada por expectoração recorrente de peculiares moldes da própria árvore traqueobrônquica. Embora sua etiopatogenia permaneça desconhecida. a elevação da pressão venosa central e desordens do sistema linfático pulmonar e sistêmico são prováveis mecanismos patogênicos5. Esses mesmos elementos correlacionam-se com a EPP. acrescido ao fato de que. cronicamente. o baixo débito cardíaco contribuiria para o aumento da resistência vascular mesentérica. Assim. a associação de hipoperfusão mesentérica com congestão venosa afetaria a integridade da mucosa intestinal. No caso apresentado. a paciente se mostrava com pressão pulmonar normal. excluindo assim parte desse mecanismo patogênico.
Usualmente. pacientes com BP apresentam dispneia com aumento do trabalho ventilatório. episódios de tosse repetitivos e eliminação dos moldes. com predisposição a fenômenos respiratórios. como infecção e atelectasias. Radiografias de tórax geralmente revelam um infiltrado peribrônquico. além das atelectasias. Os moldes de secreção brônquica podem causar asfixia. parada cardíaca e morte. que tem sido relatada em até 29% dos pacientes com essa condição latente6.
Na EPP. em decorrência da perda entérica de proteínas séricas. há edema e má absorção na parede intestinal. ocasionando diarreia. Em alguns pacientes. esse processo é mais insidioso e a hipoproteinemia pode ocorrer na ausência de sintomas diarreicos. A doença tipicamente se inicia com edema corporal. evoluindo com ascite. efusão pleural e pericárdica. Os testes de laboratório revelam baixos níveis de proteína sérica total e albumina. O gold standart para o diagnóstico é um clearance intestinal aumentado de alfa-1-antitripsina. proteína produzida exclusivamente no fígado e excretada em pequenas quantidades pelo intestino. A diminuição dos níveis séricos de albumina reduz o transporte de cálcio. acarretando tetania e osteopenia. Outro distúrbio possível é a hipogamaglobulinemia. acarretando imunodeficiência. O início dessa enteropatia pode ter sérias consequências. resultando no aumento de morbimortalidade. Dois estudos descrevem sobrevida em 5 anos. após o diagnóstico de somente 50% dos pacientes3.
Muitas vezes. o tratamento de ambas as condições é somente sintomático. Na BP. pode ser de dois tipos: o tipo inflamatório. secundário a processos alérgicos expressivos. que pode ser manuseado com medicações inalatórias (corticosteroides. azitromicina. uroquinase); e o tipo acelular. prevalente após a operação de Fontan. que tem se beneficiado da fenestração do circuito. do uso de medicações hipotensoras pulmonares. da ligadura do ducto torácico ou então do transplante cardíaco4.7-10. No tratamento da EPP. existe ainda o recurso de exclusão cirúrgica das veias supra-hepáticas. O uso de heparina de baixo peso molecular tem sido descrito como curativo de ambas as entidades. sugerindo tratar-se da mesma fisiopatologia2.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Referências
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Correspondência:
Edmar Atik
Rua Dona Adma Jafet. 74 conj.73 - Bela Vista
01308-050 - São Paulo. SP - Brasil
E-mail: eatik@cardiol.br. conatik@incor.usp.br
Artigo recebido em 02/12/08; revisado recebido em 23/03/09; aceito em 01/09/09.