Acessibilidade / Reportar erro

Relação entre a esfericidade, a função ventricular e o tamanho do infarto em ratos

Association between sphericity, ventricular function and size of the infarction in rats

Resumos

FUNDAMENTO: A esfericidade do ventrículo esquerdo (VE) é fator associado com disfunção ventricular, mas não está bem caracterizada no modelo de ratos infartados. OBJETIVO: Analisar a relação entre o índice de esfericidade, a função ventricular e a área infartada no modelo experimental em ratos. MÉTODOS: Seis meses após infarto (IAM, n=33) ou cirurgia simulada (SHAM, n=18), os animais foram submetidos a ecocardiograma. O índice de esfericidade foi obtido pela razão entre as áreas diastólicas nos eixos maior e menor do VE. RESULTADOS: O grupo IAM apresentou menor índice de esfericidade (1,32 × 0,23 vs 1,57 × 0,33; p=0,002), de função sistólica e espessura relativa (0,13 × 0,003 vs 0,18 × 0,04; p<0,001) e maior índice de estresse parietal (1,27 × 0,33 vs 0,88 × 0,25; p<0,001). Houve correlação significativa entre tamanho do infarto e esfericidade (p=0,046). Na análise de regressão linear, o tamanho de infarto (p=0,014), mas não a esfericidade (p=0,683) e o estresse parietal (p=0,176), foi fator de predição da função sistólica. Remodelação excêntrica (p=0,011), mas não a esfericidade (p=0,183) ou o tamanho de infarto (p=0,101), foi fator preditor do estresse parietal. Adicionalmente, o tamanho do infarto (p=0,046), mas não remodelação excêntrica (0,705), foi fator preditor da esfericidade. O tamanho do infarto (p=0,015) e o estresse parietal (p=0,011), mas não a esfericidade (p=0,705), foram preditores de remodelação excêntrica. CONCLUSÃO: A esfericidade está associada mas não é fator determinante do estresse parietal, da remodelação excêntrica e da função sistólica ventricular no modelo de infarto experimental em ratos.

Infarto do miocárdio; ratos; função ventricular


BACKGROUND: The left ventricular (LV) sphericity is a factor associated with ventricular dysfunction, but it is not well-characterized in the experimental infarction model in rats. OBJECTIVE: To analyze the association between the sphericity index (SI), the ventricular function and the infarcted area in an experimental rat model. METHODS: Six months after the infarction (AMI, n=33) or simulated surgery (SHAM, n=18), the animals were submitted to an echocardiogram. The SI was obtained through the ratio between the diastolic areas at the LV long axis and the short axis. RESULTS: The AMI group presented the lowest index of sphericity (1.32 × 0.23 vs 1.57 × 0.33; p=0.002), systolic function and relative thickness (0.13 × 0.003 vs 0.18 × 0.04; p<0.001) and the highest index of parietal stress (1.27 × 0.33 vs 0.88 × 0.25; p<0.001). There was a significant correlation between the infarct size and sphericity (p=0.046). At the linear regression analysis, the infarct size (p=0.014), but not the sphericity (p=0.683) and the parietal stress (p=0.176), was the predictive factor of the systolic function. Eccentric remodeling (p=0.011), but not sphericity (p=0.183) or the infarct size (p=0.101), was a predictive factor of parietal stress. Additionally, the infarct size (p=0.046), but not the eccentric remodeling (0.705), was a predictive factor of sphericity. The infarct size (p=0.015) and the parietal stress (p=0.011), but not the sphericity (p=0.705), were the predictors of eccentric remodeling. CONCLUSION: The sphericity is associated, but it is not a determinant factor of parietal stress, of eccentric remodeling and ventricular systolic function in an experimental infarction model in rats.

Myocardial infarction; rats; ventricular function


FUNDAMENTO: La esfericidad del ventrículo izquierdo (VI) es factor asociado a la disfunción ventricular, sin embargo no está bien caracterizada en el modelo de ratones infartados. OBJETIVO: Analizar la relación entre el índice de esfericidad, la función ventricular y el área infartada en el modelo experimental en ratones. MÉTODOS: Seis meses tras el infarto (IAM, n = 33) o cirugía simulada (SHAM, n = 18), los animales fueron sometidos a ecocardiograma. El índice de esfericidad se obtuvo mediante la razón entre las áreas diastólicas en los ejes mayor y menor del VI. RESULTADOS: El grupo IAM presentó menor índice de esfericidad (1,32 ± 0,23 vs 1,57 ± 0,33; p = 0,002), de función sistólica y espesor relativo (0,13 ± 0,003 vs 0,18 ± 0,04; p < 0,001) y mayor índice de estrés parietal (1,27 ± 0,33 vs 0,88 ± 0,25; p < 0,001). Hubo correlación significativa entre tamaño del infarto y esfericidad (p = 0,046). En el análisis de regresión lineal, el tamaño de infarto (p = 0,014), pero no la esfericidad (p = 0,683) y el estrés parietal (p = 0,176), fue factor de predicción de la función sistólica. Remodelación excéntrica (p = 0,011), pero no la esfericidad (p = 0,183) o el tamaño de infarto (p = 0,101), fue factor predictor del estrés parietal. Adicionalmente, el tamaño del infarto (p = 0,046), pero no de la remodelación excéntrica (0,705), fue factor predictor de la esfericidad. El tamaño del infarto (p = 0,015) y el estrés parietal (p = 0,011), no la esfericidad (p = 0,705), fueron predictores de la remodelación excéntrica. CONCLUSIÓN: La esfericidad está asociada no es factor determinante del estrés parietal, de la remodelación excéntrica y de la función sistólica ventricular en el modelo de infarto experimental en ratones.

Infarto del miocardio; ratones; función ventricular


ARTIGOS ORIGINAIS

EXPERIMENTAL

Relação entre a esfericidade, a função ventricular e o tamanho do infarto em ratos

Association between sphericity, ventricular function and size of the infarction in rats

Marcos F. Minicucci; Paula S. Azevedo; Beatriz B. Matsubara; Luiz S. Matsubara; Sergio A. R. Paiva; Leonardo A. M. Zornoff

Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, Botucatu, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Leonardo Antônio Mamede Zornoff Departamento de Clínica Médica - Rubião Jr 18618-000 - Botucatu, SP - Brasil E-mail: lzornoff@cardiol.br, lzornoff@fmb.unesp.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A esfericidade do ventrículo esquerdo (VE) é fator associado com disfunção ventricular, mas não está bem caracterizada no modelo de ratos infartados.

OBJETIVO: Analisar a relação entre o índice de esfericidade, a função ventricular e a área infartada no modelo experimental em ratos.

MÉTODOS: Seis meses após infarto (IAM, n=33) ou cirurgia simulada (SHAM, n=18), os animais foram submetidos a ecocardiograma. O índice de esfericidade foi obtido pela razão entre as áreas diastólicas nos eixos maior e menor do VE.

RESULTADOS: O grupo IAM apresentou menor índice de esfericidade (1,32 × 0,23 vs 1,57 × 0,33; p=0,002), de função sistólica e espessura relativa (0,13 × 0,003 vs 0,18 × 0,04; p<0,001) e maior índice de estresse parietal (1,27 × 0,33 vs 0,88 × 0,25; p<0,001). Houve correlação significativa entre tamanho do infarto e esfericidade (p=0,046). Na análise de regressão linear, o tamanho de infarto (p=0,014), mas não a esfericidade (p=0,683) e o estresse parietal (p=0,176), foi fator de predição da função sistólica. Remodelação excêntrica (p=0,011), mas não a esfericidade (p=0,183) ou o tamanho de infarto (p=0,101), foi fator preditor do estresse parietal. Adicionalmente, o tamanho do infarto (p=0,046), mas não remodelação excêntrica (0,705), foi fator preditor da esfericidade. O tamanho do infarto (p=0,015) e o estresse parietal (p=0,011), mas não a esfericidade (p=0,705), foram preditores de remodelação excêntrica.

CONCLUSÃO: A esfericidade está associada mas não é fator determinante do estresse parietal, da remodelação excêntrica e da função sistólica ventricular no modelo de infarto experimental em ratos.

Palavras-chave: Infarto do miocárdio, ratos, função ventricular.

ABSTRACT

BACKGROUND: The left ventricular (LV) sphericity is a factor associated with ventricular dysfunction, but it is not well-characterized in the experimental infarction model in rats.

OBJECTIVE: To analyze the association between the sphericity index (SI), the ventricular function and the infarcted area in an experimental rat model.

METHODS: Six months after the infarction (AMI, n=33) or simulated surgery (SHAM, n=18), the animals were submitted to an echocardiogram. The SI was obtained through the ratio between the diastolic areas at the LV long axis and the short axis.

RESULTS: The AMI group presented the lowest index of sphericity (1.32 × 0.23 vs 1.57 × 0.33; p=0.002), systolic function and relative thickness (0.13 × 0.003 vs 0.18 × 0.04; p<0.001) and the highest index of parietal stress (1.27 × 0.33 vs 0.88 × 0.25; p<0.001). There was a significant correlation between the infarct size and sphericity (p=0.046). At the linear regression analysis, the infarct size (p=0.014), but not the sphericity (p=0.683) and the parietal stress (p=0.176), was the predictive factor of the systolic function. Eccentric remodeling (p=0.011), but not sphericity (p=0.183) or the infarct size (p=0.101), was a predictive factor of parietal stress. Additionally, the infarct size (p=0.046), but not the eccentric remodeling (0.705), was a predictive factor of sphericity. The infarct size (p=0.015) and the parietal stress (p=0.011), but not the sphericity (p=0.705), were the predictors of eccentric remodeling.

CONCLUSION: The sphericity is associated, but it is not a determinant factor of parietal stress, of eccentric remodeling and ventricular systolic function in an experimental infarction model in rats.

Key words: Myocardial infarction; rats; ventricular function.

Introdução

Após o infarto agudo do miocárdio (IAM), podem ocorrer alterações da arquitetura ventricular envolvendo tanto a região infartada como a não infartada. Atualmente, prevalece o conceito de que as alterações morfológicas sejam consequência de alterações celulares, moleculares e intersticiais cardíacas que ocorrem em resposta a determinada agressão. O conjunto dessas adaptações, que são detectadas clinicamente por alterações na composição, massa, volume e geometria cardíaca, é chamado de remodelação cardíaca1-4.

A presença e a intensidade da remodelação estão diretamente associadas a pior prognóstico, pois esse processo resulta em maior prevalência de ruptura ventricular, aneurismas e arritmias malignas. Adicionalmente, a remodelação está relacionada ao aparecimento e à progressão da disfunção ventricular1-7.

Devemos considerar que uma das estratégias mais utilizadas para o estudo da remodelação decorrente da oclusão coronariana é o modelo do infarto experimental no rato. Entre outros fatores, a utilização desse modelo acontece em decorrência da similaridade entre as alterações fisiopatológicas que ocorrem nos ratos e humanos após o infarto8,9.

Nos últimos anos, o índice de esfericidade, obtido por meio do ecocardiograma, vem sendo utilizado para a avaliação da remodelamento ventricular secundário a diferentes etiologias10-16. No entanto, a utilização desse índice no modelo de ratos infartados é incomum e, portanto, não está caracterizada. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a relação entre o índice de esfericidade, a função ventricular e o tamanho da lesão isquêmica no modelo do infarto experimental em ratos.

Métodos

O protocolo experimental do presente trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Experimentação Animal de nossa instituição, estando em conformidade com os Princípios Éticos na Experimentação Animal adotado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal.

Infarto experimental

Foram utilizados ratos Wistar machos, pesando entre 200 e 250 g. O infarto agudo foi produzido de acordo com método já descrito previamente17,18. Em resumo, os ratos foram anestesiados com cetamina (50 mg/kg) e submetidos a toracotomia lateral esquerda. Após exteriorização do coração, o átrio esquerdo foi afastado e a artéria coronária esquerda ligada com fio mononylon 5.00 entre a saída da artéria pulmonar e o átrio esquerdo. A seguir, o coração retornou ao tórax, os pulmões foram inflados com pressão positiva e o tórax fechado por suturas com algodão 10. Em 18 animais não foi realizada oclusão coronariana.

Os animais foram mantidos em gaiolas para recuperação, alimentados com ração comercial padrão e livre acesso a água, com controle de luz (ciclos de 12 horas), temperatura de aproximadamente 250 C e umidade controlada.

Estudo ecocardiográfico

Após período de observação de seis meses, os animais sobreviventes foram anestesiados com cloridrato de cetamina (50 mg/kg) e xilazina (1 mg/kg), por via intramuscular, para o estudo ecocardiográfico. Após tricotomia da região anterior do tórax, os animais foram posicionados em decúbito dorsal em canaleta especialmente projetada e que permite leve rotação lateral esquerda para realização do exame, utilizando-se equipamento da Philips (modelo TDI 5000) dotado de transdutor eletrônico multifrequencial até 12 MHz. A avaliação dos fluxos transvalvar mitral e aórtico foi realizada com o mesmo transdutor operando em 5,0 MHz. As medidas das estruturas cardíacas foram efetuadas nas imagens ao modo-M, obtidas com o feixe de ultrassom orientado pela imagem bidimensional, na posição paraesternal eixo menor. A imagem da cavidade ventricular esquerda foi obtida posicionando o cursor do modo-M entre os músculos papilares, logo abaixo do plano da valva mitral. As imagens da aorta e do átrio esquerdo foram obtidas na posição paraesternal eixo menor, com o cursor do modo-M posicionado ao nível da valva aórtica. O registro da imagem monodimensional (velocidade: 100 mm/s) foi realizado por meio da impressora modelo UP-890MD da Sony Co. Todas as medidas foram efetuadas de acordo com as recomendações da American Society of Echocardiography19 e já validadas no modelo de ratos infartados20. O diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) e a espessura da parede posterior do VE (HDVE) foram medidos no momento correspondente ao diâmetro máximo da cavidade. O diâmetro sistólico do VE (DSVE) foi medido no momento da excursão sistólica máxima da parede posterior da cavidade. As áreas diastólicas (AD) e sistólicas (AS) do VE foram medidas no modo bidimensional, por meio de planimetria, em dois planos paraesternais: eixo longo e eixo menor. O índice de esfericidade foi determinado dividindo-se a área diastólica obtida no eixo maior pela área diastólica obtida no eixo menor, e o índice de estresse da parede ventricular esquerda foi determinado pela fórmula: (área diastólica/2 x HDVE)21. A função sistólica do VE foi avaliada calculando-se a fração de variação de área (FVA=AD-AS/AD x 100)20. O fluxo diastólico transmitral (ondas E e A) foi obtido com o transdutor na posição apical de quatro câmaras. As medidas referentes aos fluxos foram realizadas diretamente no monitor do ecocardiógrafo.

Estudo morfométrico

Após o estudo ecocardiográfico, os animais foram sacrificados e os corações foram retirados, dissecados, e os ventrículos direito e esquerdo, incluindo o septo interventricular, foram separados. Amostras de tecido cardíaco foram fixadas em solução de formol a 10% por período de 48 horas, segundo método já descrito22,23.

Os cortes histológicos foram corados em lâmina com solução Hematoxilina-Eosina (HE) e Masson para aferição do tecido infartado, empregando-se microscópio LEICA DM LS acoplado a câmera de vídeo, que envia imagens digitais a computador dotado de programa de análise de imagens Image Pro-plus (Media Cybernetics, Silver Spring, Maryland, USA).

O tamanho do infarto foi determinado em cortes entre 5 e 6 mm do ápice, pelo fato de os valores dessa região corresponderem à média dos valores obtidos de cortes de todo coração24,25. Para estimativa do tamanho do infarto, por meio de análise histológica, foram determinadas as circunferências epicárdicas e endocárdicas dos segmentos infartados e não infartados. O tamanho do infarto é expresso como porcentual das medidas da circunferência ventricular18.

Análise estatística

As comparações entre os grupos foram feitas com o teste t de Student quando os dados apresentavam distribuição normal. Quando os dados apresentavam distribuição não normal, as comparações entre os grupos foram feitas com o teste U Mann-Whitney. Os dados foram expressos em média × desvio padrão ou mediana, com percentil 25 e 75. As correlações foram feitas pelo teste de Pearson. Os valores preditivos foram analisados por análise de regressão linear simples. Os resultados foram considerados estatisticamente significantes se p<0,05.

Resultados

Os tamanhos do infarto no grupo IAM, em mediana com percentil 25 e 75, foram 42 (33 a 51).

Os resultados do estudo ecocardiográfico estão na tabela 1. Os animais infartados apresentaram maiores diâmetros do átrio esquerdo e maior cavidade do ventrículo esquerdo na diástole e na sístole. A relação HDVE/DDVE foi menor nos animais infartados (S = 0,18 × 0,04; IAM = 0,13 × 0,003; p<0,001). Considerando variáveis funcionais, os animais infartados apresentaram menores valores da FAV. Em relação à função diastólica, o infarto resultou em maiores valores da onda E, sem alterações na relação E/A, sugerindo padrão restritivo. Considerando o índice de esfericidade, essa variável foi menor (S = 1,57 × 0,33; IAM = 1,32 × 0,23; p=0,002) (fig. 1) e o índice de estresse parietal foi maior (S = 0,88 × 0,25; IAM = 1,27 × 0,33; p<0,001) nos animais infartados (fig. 2).



A análise de Pearson mostrou correlações estatisticamente significantes entre as variáveis HDVE/DDVE, tamanho de infarto, FAV, esfericidade e estresse parietal (tab. 2).

Na análise de regressão univariada, o tamanho de infarto (p=0,014), mas não a esfericidade (p=0,683) e o estresse parietal (p=0,176), foi fator de predição da função sistólica, avaliada pela FAV. Em relação ao estresse parietal, HDVE/DDVE (p=0,011), mas não a esfericidade (p=0,183) e o tamanho de infarto (p=0,101), foi fator preditor. Considerando a esfericidade, o tamanho do infarto (r2=0,122; p=0,046), mas não HDVE/DDVE (0,705), foi fator preditor. Em relação à remodelação excêntrica, o tamanho do infarto (p=0,015) e o estresse parietal (p=0,011), mas não a esfericidade (p=0,705), foram preditores.

Discussão

Após o infarto agudo do miocárdio, o processo de remodelação se caracteriza, classicamente, por aumento da cavidade ventricular. Na fase aguda, a dilatação ventricular é consequência do processo de expansão do infarto, enquanto a dilatação cavitária tardia é consequência do processo de hipertrofia excêntrica1-4,26. Por essa razão, o diagnóstico da remodelação após o infarto, clinicamente, baseia-se na detecção do aumento da cavidade do ventrículo esquerdo. Para tanto, os métodos mais utilizados são o ecocardiograma, a ventriculografia e a ressonância magnética27. Nossos dados estão em concordância com esse conceito, já que os animais infartados apresentaram aumento da cavidade ventricular esquerda tanto na sístole como na diástole, bem como menor espessura relativa da parede, avaliados pelo ecocardiograma, caracterizando clinicamente o processo de hipertrofia excêntrica pós-infarto.

Aspecto importante a ser considerado refere-se ao fato de que a remodelação pós-infarto caracteriza-se por outra importante alteração da geometria ventricular, além do aumento da cavidade ventricular. Em estudo pioneiro em ratos submetidos à oclusão da artéria coronária esquerda, os diâmetros longitudinais e transversais do ventrículo esquerdo foram estudados, por planimetria, tanto na sístole como na diástole, em diferentes regiões. Os autores verificaram que o ventrículo infartado assumia configuração globalmente arredondada, em ambas as situações28. Posteriormente, em diferentes modelos de agressão, observou-se que a cavidade ventricular esquerda pode perder sua configuração elíptica normal e também adquirir configuração mais esférica4,29. Em concordância com esse conceito, nossos dados confirmaram que os animais infartados apresentaram configuração geométrica do ventrículo esquerdo de padrão mais esférico, avaliados pelo índice de esfericidade.

Outro aspecto relevante a ser considerado é que a configuração esférica, além de ser marcador do processo de remodelação, pode ter implicações fisiopatológicas após o infarto. Em primeiro lugar, em corações normais, tanto a tensão sistólica como a diastólica são máximas na região medial do ventrículo, de valor intermediário na base e mínima no ápice. Já em corações infartados com forma esférica, há aumento importante da tensão parietal no ápice, de forma a igualá-la aos valores da região medial, embora aqui também ocorra aumento de seus valores. Além dessa redistribuição de forças, verifica-se aumento significativamente maior da tensão parietal na diástole do que na sístole. Acredita-se que o aumento desse estresse estimularia a replicação dos sarcômeros, preferencialmente em série28,30. Portanto, a esfericidade pode ser considerada como estímulo para a progressão do processo de remodelação na fase crônica do infarto. Nossos dados não estão em concordância com esse conceito, pois em nosso trabalho, a esfericidade não foi fator preditor de remodelação ventricular de padrão excêntrico. No entanto, em concordância com a literatura, o tamanho do infarto e o estresse parietal foram determinantes da remodelação.

Outra consequência da esfericidade é que esse fenômeno pode apresentar implicações hemodinâmicas. Nos últimos anos, estudos experimentais, após o infarto, verificaram que a contratilidade miocárdica dos animais infartados não apresentava alterações. Esse fenômeno ocorria apesar da presença de dilatação ventricular esquerda, acompanhada de sinais de disfunção e de insuficiência cardíaca, como congestão pulmonar. Os autores concluíram que, apesar da capacidade intrínseca do músculo na geração de força ser igual entre os animais com e sem infarto, os ratos infartados apresentavam função ventricular deprimida31,32. Desse modo, o próprio processo de remodelação, pelas mudanças geométricas ocorridas, poderia comprometer a função global do coração31,33. Um dos mecanismos pelos quais esse fenômeno poderia ocorrer é por meio do aumento do estresse parietal em consequência da esfericidade33. Em nosso trabalho, entretanto, a esfericidade não foi fator determinante para o estresse parietal, o mesmo ocorrendo com o tamanho do infarto. Em nosso estudo, a variável preditora do estresse foi a remodelação ventricular de padrão excêntrico. Adicionalmente, o estresse parietal não foi fator determinante da função sistólica, ao contrário do tamanho do infarto.

Os fatores determinantes da esfericidade não estão completamente esclarecidos. Aceita-se que a prevalência e a intensidade da esfericidade possam ser influenciadas por diferentes fatores, especialmente a perda do tecido contrátil, a remodelação de padrão excêntrico e o processo de expansão. Esses fatores poderiam modificar a distribuição de forças no ventrículo infartado e resultar em mudanças da geometria para o padrão esférico. Em nosso trabalho, entretanto, remodelação excêntrica não foi determinante da esfericidade. Por sua vez, o tamanho do infarto foi fator de predição da esfericidade, mas no limite da significância estatística. Portanto, nossos dados sugerem que, nesse modelo, o principal fator determinante da esfericidade poderia ser a expansão do infarto.

Em relação ao significado prognóstico da esfericidade, existem evidências em humanos sugerindo que a configuração esférica está associada com maior mortalidade após o infarto34. No entanto, apesar de sua importância como marcador, bem como de suas implicações fisiopatológicas no processo de remodelação, a esfericidade não está muito bem caracterizada no modelo de infarto experimental em ratos. Esse fato ocorre a despeito desse modelo ser amplamente utilizado para o estudo de novos tratamentos e das repercussões secundárias à oclusão coronariana.

Devemos considerar que no modelo de infarto experimental em ratos, a crítica relação entre as alterações funcionais e o tamanho do infarto já está bem caracterizada35,36. Entretanto, o mesmo não ocorre com a esfericidade. Portanto, acreditamos que nosso estudo acrescenta importantes dados sobre a relação da esfericidade com a remodelação excêntrica, a função ventricular e com o tamanho do infarto. Pelo conjunto de nossos resultados, nesse modelo, o índice de esfericidade poderia ser usado como marcador do processo de remodelação, mas não apresentou implicações fisiopatológicas em relação à função ventricular, estresse parietal e geometria de padrão excêntrica.

Finalmente, devemos considerar potencial limitação dos nossos resultados. Nosso estudo avaliou apenas os animais que sobreviveram por longo tempo ao infarto. Em tese, esses animais não desenvolveram forma mais grave de insuficiência cardíaca, pois animais com disfunção ventricular importante não sobrevivem a esse tempo de observação.

Conclusão

Em conclusão, apesar da presença de correlações entre o tamanho do infarto, a esfericidade e a função ventricular, a esfericidade não é fator determinante do estresse parietal, da remodelação excêntrica e da função sistólica no modelo de infarto experimental em ratos.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Marcos F. Minicucci pela Faculdade de Medicina de Botucatu.

Artigo recebido em 16/04/09; revisado recebido em 01/10/09; aceito em 07/10/09.

  • 1. Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular remodeling after myocardial infarction: experimental observations and clinical implications. Circulation. 1990; 81: 1161-72.
  • 2. Pfeffer JM, Pfeffer MA, Braunwald E. Influence of chronic captopril therapy on the infarcted left ventricle of the rat. Circ Res. 1985; 57:84-95.
  • 3. Zornoff LAM, Paiva SAR, Duarte DR, Spadaro J. Ventricular remodeling after myocardial infarction: concepts and clinical implications. Arq Bras Cardiol. 2009; 92: 150-6.
  • 4. Cohn JN, Ferrari R, Sharpe N. Cardiac remodeling- concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. J Am Coll Cardiol. 2000; 35: 569-82.
  • 5. White HD, Norris RM, Brown MA, Brandt PW, Whitlock RM, Wild CJ. Left ventricular end-systolic volume as the major determinant of survival after recovery from myocardial infarction. Circulation. 1987; 76: 44-51.
  • 6. Gaudron P, Eilles C, Kugler I, Ertl G. Progressive left ventricular dysfunction and remodeling after myocardial infarction: potential mechanisms and early predictors. Circulation. 1993; 87: 755-63.
  • 7. Dhalla NS, Saini-Chohan HK, Rodriguez-Leyva D, Elimban V, Dent MR, Tappia PS. Subcellular remodelling may induce cardiac dysfunction in congestive heart failure. Cardiovasc Res. 2009; 81: 429-38.
  • 8. Goldman S, Raya TE. Rat infarct model of myocardial infarction and heart failure. J Card Fail. 1995; 1: 169-77.
  • 9. Litwin SE. The rat model of postinfarction heart failure. Heart Fail. 1995; 11: 182-95.
  • 10. Zhong L, Su Y, Yeo SY, Tan RS, Ghista DN, Kassab G. Left ventricular regional wall curvedness and wall stress in patients with ischemic dilated cardiomyopathy. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2009; 296: H573-84.
  • 11. Matsumura Y, Gillinov AM, Toyono M, Wada N, Yamano T, Thomas JD, et al. Usefulness of left ventricular shape to predict the early recovery of left ventricular function after isolated aortic valve replacement for aortic valve stenosis. Am J Cardiol. 2008; 102: 1530-4.
  • 12. Li F, Chen YG, Yao GH, Li L, Ge ZM, Zhang M, et al. Usefulness of left ventricular conic index measured by real-time three-dimensional echocardiography to predict left ventricular remodeling after acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 2008; 102: 1433-7.
  • 13. Krittayaphong R, Boonyasirinant T, Saiviroonporn P, Thanapiboonpol P, Nakyen S, Udompunturak S. Correlation between NT-pro BNP levels and left ventricular wall stress, sphericity index and extent of myocardial damage: a magnetic resonance imaging study. J Card Fail. 2008; 14: 687-94.
  • 14. Lentini S, Muré P, Monaco F, Gaeta R. Reducing the sphericity index in patients with ischemic mitral regurgitation and dilated heart. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2008; 7: 371-2.
  • 15. Gelsomino S, Lorusso R, Capecchi I, Rostagno C, Romagnoli S, Billè G, et al. Left ventricular reverse remodeling after undersized mitral ring annuloplasty in patients with ischemic regurgitation. Ann Thorac Surg. 2008; 85: 1319-30.
  • 16. Soliman OI, Geleijnse ML, Theuns DA, Nemes A, Vletter WB, van Dalen BM, Reverse of left ventricular volumetric and structural remodeling in heart failure patients treated with cardiac resynchronization therapy. Am J Cardiol. 2008; 101: 651-7.
  • 17. Zornoff LAM, Matsubara BB, Matsubara LS, Paiva SAR, Spadaro J. Early rather than delayed administration of lisinopril protects the heart after myocardial infarction in rats. Basic Res Cardiol. 2000; 95: 208-14.
  • 18. Minicucci MF, Azevedo PS, Duarte DR, Matsubara BB, Matsubara AO. Comparison of different methods to measure experimental chronic infarction size in the rat model. Arq Bras Cardiol. 2007; 89: 83-7.
  • 19. Sahn DJ, DeMaria A, Kisslo J, Weyman AE. The Committee on M-mode standardization of the American Society of Echocardiography. Recommendations regarding quantitation in M-mode echocardiography: results of a survey of echocardiographic measurements. Circulation. 1978; 58: 1072-83.
  • 20. Solomon SD, Greaves SC, Ryan M, Finn P, Pfeffer MA, Pfeffer JM. Temporal dissociation of left ventricular function and remodeling following experimental myocardial infarction in rats. J Card Fail. 1999; 5: 213-23.
  • 21. Pantos C, Mourouzis I, Markakis K, Tsagoulis N, Panagiotou M, Cokkinos DV. Long-term thyroid hormone administration reshapes left ventricular chamber and improves cardiac function after myocardial infarction in rats. Basic Res Cardiol. 2008; 103: 308-18.
  • 22. Zornoff LAM, Paiva SAR, Matsubara BB, Matsubara LS, Spadaro J. Combination therapy with angiotensin converting enzyme inhibition and AT1 receptor inhibitor on ventricular remodeling after myocardial infarction in rats. J Cardiovasc Pharmacol Ther. 2000; 5: 203-9.
  • 23. Matsubara LS, Matsubara BB, Okoshi MP, Cicogna AC, Janicki JS. Alterations in myocardial collagen content affect rat papillary muscle function. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2000; 279: H1534-9.
  • 24. Spadaro J, Fishbein MC, Hare C, Pfeffer MA, Maroko PR. Characterization of myocardial infarcts in the rat. Arch Pathol Lab Med. 1980; 104: 179-83.
  • 25. Oh B-H, Ono S, Rockman HR, Ross J Jr. Myocardial hypertrophy in the ischemic zone induced by exercise in rats after coronary reperfusion. Circulation. 1993; 87: 598-607.
  • 26. Hockman JS, Bulkley BH. Expansion of acute myocardial infarction: an experimental study. Circulation. 1982; 65: 1446-50.
  • 27. Anand IS, Florea VG, Solomon SD, Konstam MA, Udelson JE. Noninvasive assessment of left ventricular remodeling: concepts, techniques and implications for clinical trials. J Card Fail. 2002 8 (Suppl 6): S452-64.
  • 28. Capasso JM, Li P, Zhang X, Anversa P. Heterogeneity of ventricular remodeling after acute myocardial infarction in rats. Am J Physiol. 1992; 262: H486-95.
  • 29. Mann DL, Bristow MR. Mechanisms and models in heart failure: the biomechanical model and beyond. Circulation. 2005; 111: 2837-49.
  • 30. Gaballa MA, Goldman S. Ventricular remodeling in heart failure. J Card Fail. 2002; 8 (Suppl 6): S476-85.
  • 31. Anand IS. Ventricular remodeling without cellular contractile dysfunction. J Card Fail. 2002; 8 (Suppl 6): S401-8.
  • 32. Peron AP, Saraiva RM, Antonio EL, Tucci PJ. Mechanical function is normal in remanent myocardium during the healing period of myocardial infarction--despite congestive heart failure. Arq Bras Cardiol. 2006; 86: 105-12.
  • 33. Mann D. Basic mechanisms of left ventricular remodeling: the contribution of wall stress. J Card Fail. 2002; 8 (Suppl 6): S202-6.
  • 34. Wong SP, French JK, Lydon AM, Manda SO, Gao W, Ashton NG, et al. Relation of left ventricular sphericity to 10-year survival after acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 2004; 94: 1270-5.
  • 35. Pfeffer MA, Pfeffer JM, Fishbein MC, Fletcher PJ, Spadaro J, Kloner RA, et al. Myocardial infarct size and ventricular function in rats. Circ Res. 1979; 44: 503-12.
  • 36. Raya T, Gay RG, Lancaster L, Aguirre M, Moffett C, Goldman S. Serial changes in left ventricular relation and chamber stiffness after larger myocardial infarction in rats. Circulation. 1988; 77: 1424-31.
  • Correspondência:
    Leonardo Antônio Mamede Zornoff
    Departamento de Clínica Médica - Rubião Jr
    18618-000 - Botucatu, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Maio 2010

    Histórico

    • Recebido
      16 Abr 2009
    • Aceito
      07 Out 2009
    • Revisado
      01 Out 2009
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br