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Intervenção nos hábitos de vida em instituição pública

Resumos

FUNDAMENTO: A doença coronariana é a maior causa mortis mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e a segunda no Brasil. Morte súbita ocorre de 4 a 6 vezes mais nos que já sofreram um infarto agudo do miocárdio (IAM); em 6 anos, 18% dos homens e 35% das mulheres terão novo IAM. A prevenção secundária, cuja eficácia já foi demonstrada, é de fundamental importância. OBJETIVO: Testar a efetividade de um programa multiprofissional que visa a modificar fatores de risco para aterosclerose no sistema público. MÉTODOS: Dos 2.337 coronariopatas em tratamento ambulatorial, 513 com estudo coronariográfico concordaram em participar deste estudo, que utilizou como arma terapêutica palestras de como e por que controlar os fatores de risco. Análise estatística: variação significativa pré e pós-intervenção; teste t de Student emparelhado ou o teste de Wilcoxon; existência de diferença significativa entre dois grupos; teste t de Student para amostras independentes ou o teste de Mann-Whitney. Comparação entre três grupos: análise de variância (ANOVA) ou Kruskal-Wallis. RESULTADOS: Colesterol, LDL, triglicérides, índice de massa corpórea, índices de Castelli I e II e medida da cintura apresentaram diminuição significativa, mesmo nos pacientes sem hipolipemiante. Na avaliação do impacto em relação à dieta, verificou-se que 72% dos que não faziam dieta passaram a fazê-la. Atividade física: dos 55% sedentários, 71% passaram a exercitar-se três ou mais vezes/semana. Tabagismo: dos fumantes, 60% (9% do total) interromperam este hábito e 32% o diminuíram. CONCLUSÃO: Esses resultados demonstram a eficácia de programas para melhorar hábitos de vida, aplicados em unidades do sistema público de saúde.

Prevenção secundária; aterosclerose; fatores de risco; doença arterial coronariana


BACKGROUND: Coronary disease is the major worldwide cause of death, according to the World Health Organization (WHO) and the second in Brazil. Sudden death occurs 4 to 6 times more frequently in those who have suffered an acute myocardial infarction (AMI); within 6 years, 18% of the men and 35% of the women will have a new AMI. The secondary prevention, of which effectiveness has been previously demonstrated, is of utmost importance. OBJECTIVE: To test the effectiveness of a multiprofessional program that aims at modifying risk factors for atherosclerosis in the public health system. METHODS: Of the 2,337 patients with coronary artery disease undergoing outpatient treatment, 513 with a coronary angiography study agreed to participate in the present study, which used lectures on how and why to control risk factors as therapeutic tool. Statistical analysis: significant variation pre and post-intervention; paired Student's t test or Wilcoxon's test ; existence of a significant difference between the two groups; Student's t test for independent samples or Mann-Whitney test. Comparison among three groups: analysis of variance (ANOVA) or Kruskal-Wallis. RESULTS: Cholesterol, LDL, triglycerides, body mass index, Castelli indexes I and II and waist circumference showed a significant decrease, even in patients without hypolipemiant treatment. The assessment of the diet impact showed that 72% of the patients that did not follow a diet, started to do so. Physical activity: of the 55% sedentary patients, 71% started to exercise three or more times a week. Smoking: of the smokers, 60% (9% of the total) stopped smoking and 32% decreased the number of cigarettes. CONCLUSION: These results demonstrated the effectiveness of the programs to improve life habits when applied to the units of the public health system. (Arq Bras Cardiol. 2010; [online]. ahead print, PP.0-0)

Secondary prevention; atheroclerosis; risk factors; coronary heart disease


ARTIGO ORIGINAL

CORONARIOPATIA CRÔNICA

Intervenção nos hábitos de vida em instituição pública

Carlos Scherr; Ademir Batista da Cunha; Chyntia Karla Magalhães; Rafael Aron Abitibol; Marcelo Barros; Ivan Cordovil

Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Carlos Scherr Rua Visconde de Pirajá, 595 Sl. 1204 - Ipanema 22410-003 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: cscherr@cardiol.br, scherr@all.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A doença coronariana é a maior causa mortis mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e a segunda no Brasil. Morte súbita ocorre de 4 a 6 vezes mais nos que já sofreram um infarto agudo do miocárdio (IAM); em 6 anos, 18% dos homens e 35% das mulheres terão novo IAM. A prevenção secundária, cuja eficácia já foi demonstrada, é de fundamental importância.

OBJETIVO: Testar a efetividade de um programa multiprofissional que visa a modificar fatores de risco para aterosclerose no sistema público.

MÉTODOS: Dos 2.337 coronariopatas em tratamento ambulatorial, 513 com estudo coronariográfico concordaram em participar deste estudo, que utilizou como arma terapêutica palestras de como e por que controlar os fatores de risco. Análise estatística: variação significativa pré e pós-intervenção; teste t de Student emparelhado ou o teste de Wilcoxon; existência de diferença significativa entre dois grupos; teste t de Student para amostras independentes ou o teste de Mann-Whitney. Comparação entre três grupos: análise de variância (ANOVA) ou Kruskal-Wallis.

RESULTADOS: Colesterol, LDL, triglicérides, índice de massa corpórea, índices de Castelli I e II e medida da cintura apresentaram diminuição significativa, mesmo nos pacientes sem hipolipemiante. Na avaliação do impacto em relação à dieta, verificou-se que 72% dos que não faziam dieta passaram a fazê-la. Atividade física: dos 55% sedentários, 71% passaram a exercitar-se três ou mais vezes/semana. Tabagismo: dos fumantes, 60% (9% do total) interromperam este hábito e 32% o diminuíram.

CONCLUSÃO: Esses resultados demonstram a eficácia de programas para melhorar hábitos de vida, aplicados em unidades do sistema público de saúde.

Palavras-chave: Prevenção secundária, aterosclerose, fatores de risco, doença arterial coronariana.

Introdução

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que a maior causa mortis individual é a doença coronariana (12,4%), seguida pelos acidentes vasculares encefálicos (9,1%), perfazendo 21,5% do total1. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde (2005), o aparelho circulatório foi responsável por 31,46% dos óbitos, sendo que a maior das causas é superior à soma das duas seguintes (neoplasias e causas externas)2.

Estudos demonstram que programas de controle dos fatores de risco reduzem as admissões hospitalares, melhoram a qualidade de vida e a capacidade funcional de pacientes com aterosclerose coronariana, com grande impacto na sobrevida e na prevenção de infartos3,4. A subutilização desses programas parece estar relacionada a valores culturais e à falta de percepção de sua eficiência. Nem a população, nem os políticos parecem perceber que a melhora dos hábitos de vida ajuda a reduzir os gastos com a saúde5.

Em 1990, Ornish e cols.6 demonstraram, através da cineangiocoronariografia, a regressão do grau de estenose coronariana em 82% dos casos, com um ano de dieta vegetariana, interrupção do tabagismo, técnicas de controle do estresse emocional e atividade física moderada, sem o uso de hipolipemiantes. Outros estudos de prevenção secundária7-10 também já comprovaram a eficácia do controle dos fatores de risco, principalmente da dislipidemia, na morbimortalidade da doença coronariana. Em todos eles, além da terapêutica farmacológica, os pacientes também foram incentivados a praticar exercícios físicos regulares, iniciar uma dieta com baixos teores de gordura saturada e colesterol e a interromper o tabagismo.

Apesar disso, o registro europeu EUROASPIRE III mostrou que esse tipo de paciente continua sem se beneficiar dessas medidas, sem mudanças na prevalência do tabagismo, aumento na tendência à obesidade e da obesidade central e no aparecimento do diabete, e conclui que "uma mão cheia de remédios" não é o suficiente11.

Neste estudo, procuramos demonstrar o impacto clínico-evolutivo e socioeconômico da intervenção em fatores de risco para doença coronariana numa unidade pública de saúde, mediante à utilização de um programa social de baixo custo, com base na divulgação e ensino em massa de conceitos de eficácia já comprovada na melhoria da evolução desta patologia.

Metodologia

Em corte transversal, os 2.337 pacientes de um hospital público terciário especializado em cardiologia e cirurgia cardíaca, com diagnóstico de doença arterial coronariana e que estavam em acompanhamento pelo departamento de coronariopatia neste período, foram convidados a participar de um grupo, onde seriam acompanhados, assistiriam palestras sobre fatores de risco para aterosclerose coronariana e fariam controle periódico do perfil lipídico, da pressão arterial, do peso e da medida da circunferência abdominal.

Os critérios de inclusão foram: idade acima de 18 anos, presença de doença coronariana obstrutiva confirmada por cineangiocoronariografia e adesão à proposta de assistir às palestras agendadas pelo grupo do serviço social. Como exclusão foram: presença de cardiomiopatias de origem não isquêmica, doença orovalvar de origem reumática concomitante e outras comorbidades que dificultassem o deslocamento ou aderência ao programa, como residir em outro município ou estado.

O período de inclusão foi de 13 de agosto de 1997 até dezembro de 2002. Dos 2.337 indivíduos que se apresentaram à consulta nesse período, 513 pacientes, que já tinham sido submetidos a estudo coronariográfico, participaram de todo o programa sob forma de adesão natural e tiveram pelo menos duas dosagens do perfil lipídico, fizeram parte da coorte deste estudo prospectivo. Seus familiares também foram convidados a assistir às palestras, bem como a um vídeo, exibido continuamente no salão de espera dos ambulatórios, abordando os mesmos temas. Numa consulta com um nutricionista e uma enfermeira foram obtidos os parâmetros antropométricos - incluindo peso e altura -, calculado o índice de massa corpórea (IMC), as medidas circunferenciais da cintura (medida no ponto médio entre o rebordo costal inferior e a crista ilíaca) e do quadril (no seu maior diâmetro com a fita métrica passando pelos trocanteres maiores) e aferida a pressão arterial. Foram aplicados dois questionários, um para ser respondido pelo médico assistente (a respeito do perfil de risco, medicações, últimos exames e diagnósticos) e outro pelo paciente (sobre seus hábitos de vida e história familiar).

Os fatores de risco analisados foram: atividade física, hábitos alimentares, pressão arterial, peso corporal, circunferência abdominal, perfil lipídico, tabagismo e nível de estresse emocional.

As palestras reuniram pequenos grupos de pacientes que, em alguns casos, vieram acompanhados de familiares e tiveram como temas:

• Doença coronariana - o que é?; fatores de risco: o que são?; quais suas evidências em relação à doença coronariana; os riscos que eles representam; como controlá-los e os benefícios;

• Hipertensão arterial - o que é?; sua relação com IAM e AVC; a possibilidade de ausência de sintomas e a importância da adesão à medicação;tabagismo: seus malefícios; sua relação com a doença coronariana; a importância de sua interrupção definitiva e dicas para obter êxito;atividade física: sua importância; modalidades; como e quando praticar; seus benefícios imediatos e tardios; precauções e quantificação;

• Alimentação saudável - suas relações com as doenças cardiovasculares; como e o que comer sem perder o prazer pela comida; dicas de manipulação dos alimentos e de alimentos mais recomendados;estresse emocional: sua profunda ligação com as doenças cardiovasculares; a dificuldade de eliminá-lo na vida moderna e como minimizá-lo (a partir da metade do período de intervenção foram introduzidas técnicas orientais de relaxamento ministradas por um especialista no assunto).

Foram utilizadas as medidas métricas oficiais nacionais, como altura em metro e centímetros e o peso em quilogramas. O índice de massa corpórea (IMC) foi calculado através da relação peso/altura ao quadrado, sendo utilizado IMC maior ou igual a 30 kg/m2 como parâmetro para o diagnóstico de excesso acima de 24,9 kg/m2 e de obesidade.

A medida da circunferência abdominal foi considerada normal até 94 cm para o homem e 80 cm para a mulher, como preconizado pela International Diabetes Federation (IDF).

Foram considerados como meta o colesterol total menor ou igual a 200 mg/dl, LDL colesterol menor ou igual a 100 mg/dl, taxa de triglicerídeos menor ou igual 150 mg/dl e HDL colesterol maior ou igual a 40 mg/dl para os homens e 50 mg/dl para as mulheres, como preconiza a IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Os níveis plasmáticos do colesterol total foram medidos por procedimento enzimático (Mega-Merck, Merck, Darmstadt, Germany). O HDL colesterol foi medido por inibição seletiva.

A pressão arterial foi aferida, sempre que possível, no membro superior direito, com o paciente relaxado e na posição sentada. Foi utilizado o esfigmomanômetro de mercúrio, adequadamente calibrado, e a tensão arterial medida por profissional bem treinado. O diagnóstico de hipertensão arterial foi feito quando os níveis excederam 140/90 mmHg - 130/80 mmHg para os diabéticos -, ou no caso do paciente se encontrar em tratamento para hipertensão arterial.

Foram considerados sedentários todos aqueles que não tinham atividade física regular ao menos três vezes na semana, com duração de pelo menos 30 minutos.

Quanto ao costume de fumar, foi usado como critério o consumo habitual e diário de cigarros, em qualquer quantidade, e considerado ex-tabagista todo aquele que não esteja fumando há pelo menos 30 dias.

Já o critério utilizado para definir uma pessoa como ansiosa ou emocionalmente estressada foi totalmente subjetivo: considerou-se a própria avaliação do paciente.

Um grupo multiprofissional, constituído por cardiologistas, enfermeiras, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras, foi treinado para fornecer em 15-20 minutos as informações e orientações sobre os principais fatores de risco, visando a uma informação objetiva, prática e clara, poupando desperdício de tempo dos pacientes. Também foram condensadas as visitas médicas e as coletas de exames, objetivando a redução de gastos pelos pacientes, evitando-se, por exemplo, muitos deslocamentos e perda de horas de trabalho. Esse grupo foi orientado a não utilizar certos termos, como "é proibido" e "não pode", abolindo ao máximo qualquer caráter repressor, dando preferência a outros termos, tais como "diminuir", "evitar" e "cortar os excessos". A única exceção foi em relação ao tabagismo, que foi veementemente combatido.

Procurou-se difundir intensamente o conceito da melhoria dos hábitos de vida, viabilizando a informação e o acesso a fatos plenamente consagrados pela ciência. Todo o processo foi baseado numa linguagem fácil, acessível e com um enfoque otimista e não punitivo. Os pacientes receberam uma agenda com a programação, contendo as datas das palestras, seus temas, os dias que deveriam apresentar-se em jejum de 12-14 horas para coleta de exames e um folheto explicativo a respeito de sua doença e do significado de cada um dos principais fatores de risco para aterosclerose.

O fluxograma/programa utilizado no estudo está descrito no Esquema 1.


Foram considerados para fins de análise somente os dados referentes aos pacientes que participaram de todo um ciclo de palestras e que tiveram ao menos duas dosagens dos lípides, sendo uma necessariamente ao entrar para o grupo e outra após ser completado todo o ciclo de orientações. Durante o programa os pacientes continuaram sendo acompanhados e medicados paralelamente por seus médicos assistentes, que apesar de fazerem parte do corpo clínico de um hospital de referência em cardiologia, não estavam obtendo o êxito desejado no controle dos fatores de risco destes indivíduos. Findo o período de 120 dias, os pacientes passaram a ser seguidos somente por seus médicos, mas continuaram sendo monitorados à distância pelo grupo do estudo e convidados para reuniões periódicas, em grupos maiores com a equipe multiprofissional, realizadas no auditório do hospital a fim de reforçar as recomendações e responder às dúvidas. Após um período de pelo menos 12 meses, fomos informados da evolução do controle dos seus fatores de risco pelos médicos assistentes.

Através de questionário aplicado pela assistente social e desenvolvido pela instituição para ser facilmente compreendido por indivíduos de diferentes níveis socioculturais, realizou-se uma nova avaliação sobre o comportamento dos pacientes em relação à mudança nos hábitos de vida e como o programa influenciou seu comportamento e o de sua família em relação à participação no tratamento de sua doença. Foram avaliados também o grau de compreensão das palestras, a clareza da informação prestada por cada profissional e os eventuais benefícios práticos por terem acesso às informações, neste caso através de questionário escrito e sem identificação do paciente.

Análise estatística

Para verificar a variação da pré para a pós-intervenção em variáveis numéricas foi utilizado o teste t de Student pareado ou o teste não paramétrico de Wilcoxon, quando a variável não apresentava distribuição normal. Na avaliação das médias entre dois grupos foi aplicado o teste t de Student para amostras independentes ou o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Já na comparação entre três grupos foi realizada a Análise de Variância (ANOVA) ou a Análise de Variância de Kruskal-Wallis para dados sem distribuição normal. Para a comparação de proporções dos fatores de risco entre os sexos (ou faixas etárias) foi utilizado o teste de qui-quadrado (χ2). O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software estatístico SAS System.

Resultados

A comparação da amostra inicial (2.337 paciente) e do perfil dos pacientes que participaram do estudo (513) foi a seguinte, respectivamente: idade média 62,7 ± 9,9 (26-89) e 62,5 ± 9,5 (29-87); sexo masculino: 60,8% e 67,8%; cine: 59,5% e 100%; IAM: 57,4% e 11,7%; angina: 17,2% e 41,8%; revascularização cirúrgica: 17,2% e 21,1%; ATC: 9,6% e 17,1%: IMC > 25 kg/m2: 66% e 56%; uso de AAS: 83,4% e 87,6%; uso de hipolipemiante: 14,8% e 19,1%; sob orientação nutricional: 65% e 72,6%.

A amostra deste estudo foi considerada representativa do corte transversal inicial.

O percentual de pacientes com colesterol total (Col.) > 200 mg/dl ou LDL > 100 mg/dl logo na primeira dosagem laboratorial foi de 91,6%.

O perfil lipídico inicial (pré-intervenção) quando comparado com após o ciclo de palestras (pós-intervenção) pode ser visto na Figura 1. O comportamento do índice de massa corpórea também apresentou evolução favorável, diminuindo de 27,17 para 26,80 kg/m2 (p = 0,0001), bem como a medida da circunferência abdominal, 93,9 cm (desvio-padrão 11 cm) em média na medição inicial e 93,07 cm (desvio-padrão 10,90 cm), alcançando alta significância estatística (p < 0,001). A pressão arterial também mostrou bom desempenho, mas não será objeto deste estudo.


Do total, 137 indivíduos (26,7%) fizeram uso continuado de hipolipemiante e 51% nunca o fizeram por motivos diversos. Porém, avaliando-se isoladamente esse grupo, notou-se haver melhora do perfil lipídico, mesmo naqueles que não estavam em uso desse tipo de medicação, colaborando para demonstrar a efetividade do programa. No entanto, vale ressaltar que os resultados foram mais contundentes e intensos naqueles que estavam em uso de medicação específica, particularmente em relação ao colesterol total e ao LDL colesterol, onde se notou um benefício significativamente maior.

Em relação aos hábitos alimentares, ao final do ciclo de palestras, 72% dos que não tinham atenção à sua alimentação passaram a ter quando avaliados por seus recordatórios alimentares (Figura 2). Já em relação à atividade física, somente 36% tinham atividade regular ao menos três vezes na semana ao entrar no programa, na avaliação após o ciclo de palestras - dos 55% que não se exercitavam, 71% passaram a exercitar-se três ou mais vezes na semana (Figura 3). Mas não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao perfil lipídico ou ao IMC quando comparado a se o paciente manteve sua atividade física, passou a praticar ou continuou sedentário.



No início do estudo, 47% dos indivíduos eram ex-fumantes e 9% ainda mantinham este hábito (apesar de alertados e acompanhados por cardiologistas) - destes, 60% interromperam o vício estimulados pelo programa. Apesar de numericamente o grupo fumante inicial ser pequeno, os resultados sem o uso de medicamentos foi altamente relevante (Figura 4).


Finalmente, quando os pacientes foram consultados a respeito da qualidade do programa, 84,3% responderam ótimo/muito bom. Quanto ao benefício encontrado, 89,9% consideraram muito benéfico. Quando perguntamos para aqueles que iniciaram a atividade física qual o benefício encontrado, 70,1% alegaram ter se sentido muito melhor. Quanto à compreensão, 92,6% responderam não ter tido dificuldades. E quanto à participação dos familiares no tratamento, em 70,2% dos casos passou a ser muita. No quesito grau de estresse emocional, 59,3% dos pacientes alegou ter melhorado muito ao utilizar as recomendações feitas nas palestras.

Adiante, apresentamos os níveis de lípides observados ao longo do período de seguimento (Tabela 1).

Nessa terceira análise do perfil lipídico, notou-se retrocesso estatisticamente significativo dos níveis de colesterol total e de sua fração LDL em relação ao ganho inicial. As perdas no número de indivíduos analisados foram ocasionadas pela não solicitação por parte do médico assistente ou não realização do exame pelo paciente.

Discussão

A intervenção multiprofissional já comprovou seus benefícios em relação à atuação médica isolada, com 4,4 vezes mais pacientes na meta de lípides, 2,7 vezes na meta da pressão arterial, 1,9 vezes mais pacientes em atividade física e 1,3 vezes seguindo dieta pobre em gordura, o que foi acompanhado por uma redução de 24% em eventos cardiovasculares12.

Na nossa amostra, não foi encontrada variação estatística em relação aos lípides e ao IMC, quando comparados àqueles que continuaram com sua dieta alimentar e os que a iniciaram, estimulados pelo programa. Também não alcançou significância a comparação entre os que já faziam atividade física regular, os que a iniciaram e os que permaneceram sedentários, com relação à lípides e IMC. O estudo West of Scotland Coronary Prevention13 também não apresentou melhora significativa nos níveis lipêmicos no grupo controle, que não utilizou qualquer medicação hipolipemiante.

Os resultados aqui apresentados não tiveram a mesma performance que Ornish e cols.3 obtiveram sem o uso de medicamentos para melhorar os níveis lipêmicos somente com a melhora dos hábitos de vida. Nesse caso, os dados foram significativos tanto na avaliação de um ano como na de 5 anos14. Às mesmas conclusões chegaram Rutledge e cols.15 na avaliação, por dois anos, de 43 homens e mulheres coronariopatas que aderiram a um programa de modificação dos fatores de risco, comparados com 28 que abandonaram o programa, apontando queda dos níveis de colesterol total e LDL como efeitos do controle alimentar. Nesse caso, as condições foram bastante semelhantes às que foram utilizadas neste estudo, pois os pacientes não foram retirados do seu habitat natural, como no caso estudado por Ornish e cols., em que os indivíduos foram confinados em um hotel. Os pacientes aqui apresentados foram avaliados no mundo real. Também no estudo STARS16, o grupo que fez dieta mostrou bons resultados na diminuição do LDL colesterol.

No entanto, cabe lembrar os resultados obtidos pelo The Lyon Diet Heart Study, que comparou a evolução de um grupo de 302 pacientes após IAM, fazendo uso de uma dieta mediterrânea, com outros 303 pacientes que fizeram a dieta usual recomendada após IAM. Esses coronariopatas utilizaram menos gorduras saturadas, colesterol e ácido linoleico e consumiram mais os ácidos oleico e alfalinoleico que seus controles. Comparados após 27 meses e também aos 46 meses, constatou-se uma significativa diminuição na mortalidade geral e de morte cardíaca combinada com morte por IAM. Tais resultados não corresponderam a diferenças significativas na diminuição do IMC, lípides séricos ou da pressão arterial entre os dois grupos. Esse fato levantou a hipótese de que a dieta mediterrânea tenha um efeito benéfico, acima de sua relação com os níveis de diminuição do colesterol total17-19.

Entre as limitações deste estudo podemos destacar que foi realizado em bases reais da vida dos pacientes, com estes permanecendo nas suas casas e desempenhando suas atividades diárias normalmente. Todos os dados compilados, portanto, partiram das informações prestadas por cada paciente, a não ser a dosagem dos níveis séricos dos lipídeos, peso corporal, índice de massa corpórea e medida da circunferência abdominal, e podem gerar distorções da realidade. O tempo entre a verificação dos níveis séricos iniciais e a segunda avaliação pode ter sido pequeno para que efeitos mais contundentes da atividade física, dieta, melhor controle do estresse mental e a interrupção do fumo pudessem ter sido comprovados. Alguns pacientes, especialmente os mais graves, quando opinaram sobre a eficácia do programa, o fizeram sem levar em conta a gravidade de sua patologia. Talvez, no que concerne aos resultados relacionados com a queda dos níveis de HDL colesterol, ou mesmo à ação somente da dieta, atividade física, interrupção do tabagismo e diminuição do grau de ansiedade não tenham sido mais impactantes pelo fato do período de avaliação ter sido entre 3-6 meses, tempo insuficiente para que conclusões mais expressivas fossem feitas. A não inclusão de um grupo controle deve-se a questões éticas. Não seria ético deixar de alertar e recomendar adequadamente o controle dos fatores de risco, mas a análise dos dados destes mesmos pacientes antes, durante e um ano após o programa podem validar a intervenção, considerando-se que estavam e continuaram sendo tratados por cardiologistas de um centro de excelência e referência nacional em cardiologia. Este estudo não teve por objetivo relacionar os achados com desfechos clínicos ou análise angiográfica, como em alguns exemplos anteriores. Foi considerado que esses dados já mostraram sua eficácia e aqui somente tentamos mostrar a viabilidade do programa e seus efeitos. São também da maior relevância os resultados obtidos em uma terceira dosagem dos lípides séricos em 149 desses pacientes. O intervalo de tempo entre a primeira dosagem e essa terceira foi em torno de um ano: na ocasião, os pacientes já tinham voltado aos cuidados de seus médicos assistentes integralmente. Nessa etapa, foi utilizada a Análise de Variância para medidas repetidas e o teste de comparações múltiplas de Bonferroni. Da segunda para a terceira avaliação houve um aumento significativo dos níveis do colesterol total, LDL colesterol, índices de Castelli I e II, como também do HDL colesterol, sem variação para os triglicerídeos (Tabela 1). Apesar desse retrocesso, os valores da terceira avaliação não chegaram a alcançar os níveis iniciais. Tais dados representam, no nosso entender, a necessidade permanente do combate aos fatores de risco, não se podendo deixar de esclarecer e lembrar aos pacientes da importância da manutenção de bons hábitos de vida. Não se pode esquecer também que esses pacientes estavam sendo tratados num centro cardiológico sem obter êxito esperado na melhoria dos fatores de risco e que sem o estímulo do grupo pesquisador os índices voltaram a piorar.

Verifica-se, em pesquisa no PUBMED, que existem poucos dados brasileiros a respeito do controle dos fatores de risco na prevenção secundária da doença coronariana, o que corrobora com as afirmações feitas neste estudo. Uma das pesquisas consultadas, de autoria de Ladeia e Guimarães20, demonstrou o precário controle desse tipo de paciente: 58% com pressão arterial não controlada, 62,5% com IMC maior que 25 kg/m2 e somente 8,1% com LDL colesterol menor que 100 mg/dl, como também foi demonstrado pelos dados iniciais deste estudo.

Outro estudo, realizado em países de baixo ou médio poder econômico - dentre os quais o Brasil -, que contribuiu com 836 pacientes coronariopatas, mostrou que 12,5% ainda eram fumantes, 25% não sabiam dos benefícios da atividade física e 47,5% eram sedentários, além de uma significante proporção de pacientes não informados sobre os fatores de risco, embora atendidos por profissionais de saúde, incluindo médicos21.

Uma proposta como essa, de grande efetividade, que pode ser executada em unidades de perfis diversos e que dispôs de baixa tecnologia, tem papel social fundamental, diminuindo custos, sofrimento e possivelmente a necessidade de intervenções maiores. Além disso, tem a vantagem de poder ser adaptado para realidades diversas no serviço público de saúde.

Reunindo os pacientes em pequenos grupos pode-se otimizar o tempo de todos e também concentrar as visitas dos pacientes, diminuindo os gastos com deslocamentos e perdas de horas de trabalho. O custo desse programa foi exclusivamente o do tempo para treinar os profissionais (uma nutricionista, um psiquiatra, uma enfermeira, um assistente social e 4 cardiologistas), durante seu horário de trabalho, em torno de duas horas no total, complementadas por constantes questionamentos do coordenador aos profissionais das diversas áreas no sentido de cada vez mais facilitar a compreensão e aderência dos pacientes.

Nas unidades que não contam com a disponibilidade de um trabalho multiprofissional, esse programa também será factível com um coordenador médico orientando enfermeiras e assistentes sociais e mesmo nos casos em que só existe o médico seria possível desenvolver ações semelhantes.

Conclusões

Houve uma melhora significativa nos fatores de risco avaliados. Observamos uma maior aderência a uma dieta saudável, diminuição do número de tabagistas, maior número de pacientes praticando atividades físicas regularmente (no mínimo três vezes por semana) e diminuição do grau de estresse emocional (segundo avaliação dos próprios pacientes). Foi detectada diminuição dos valores do colesterol total, LDL colesterol, triglicérides, índice de massa corpórea, circunferência abdominal e nos índices de Castelli I e II, todos com significância estatística. Ainda há uma grande distância, como verificado entre as recomendações de prevenção secundária e a aderência a estas por parte de especialistas e pacientes, que pode ser melhorada a partir da incorporação de um programa multidisciplinar como o aqui proposto.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Carlos Scherr pela Universidade Federal Fluminense.

Artigo recebido em 07/11/08; revisado recebido em 15/07/09; aceito em 03/12/09.

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  • Correspondência:
    Carlos Scherr
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      07 Nov 2008
    • Revisado
      15 Jul 2009
    • Aceito
      03 Dez 2009
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