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Monitorização ambulatorial da pressão arterial em pacientes normotensos com hipotireoidismo subclínico

Resumos

FUNDAMENTO: O hipotireoidismo manifesto está associado com elevação da pressão arterial diastólica; entretanto, a associação entre o hipotireoidismo subclínico (HS) e alteração da pressão arterial (PA) é desconhecida. OBJETIVO: O objetivo do presente estudo foi avaliar a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) por 24 horas em pacientes normotensos com HS em comparação a indivíduos normotensos eutireóideos (EU). MÉTODOS: Foi realizado um estudo transversal com 50 participantes (HS = 30 e EU = 20) que não apresentavam diferenças em relação a fatores de risco para hipertensão. A monitorização ambulatorial de pressão arterial foi realizada com um monitor Dynamapa®, utilizando-se um método oscilométrico validado pela AAMI (Association for the Advancement of Medical Instrumentation) e pela BHS (British Hypertension Society). RESULTADOS: Os níveis séricos médios de TSH e T4 livre foram respectivamente 6,9 ± 2,2 µUI/ml e 1,1 ± 0,2 ng/dl em pacientes com HS. Apesar de não haver diferença em relação à média da pressão arterial sistólica e diastólica entre os dois grupos, houve uma correlação positiva entre os níveis de pressão arterial diastólica média (PADM) e os valores séricos de TSH em pacientes com HS (r:0,477; p = 0,004). Essa correlação foi detectada por medidas diurnas (r:0,498; p = 0,002) e noturnas (r:0,322; p = 0,032). CONCLUSÃO: A pressão arterial não diferiu entre pacientes com ou sem HS; contudo, os resultados sugerem que a progressão de hipotireoidismo subclínico para níveis mais elevados de TSH pode aumentar o risco cardiovascular através do aumento da pressão arterial diastólica.

Hipotireoidismo; pressão arterial; monitorização ambulatorial da pressão arterial


BACKGROUND: Overt hypothyroidism is associated with elevation of diastolic blood pressure; however the association of subclinical hypothyroidism (SH) with arterial blood pressure (ABP) alteration is unknown. OBJECTIVE: The aim of the present study was to evaluate ambulatory blood pressure monitoring (ABPM), over 24 hours, in normotensive patients with SH in comparison to euthyroid (EU) normotensive individuals. METHODS: A cross-sectional study was performed with 50 participants (SH = 30 and EU = 20) that did not differ regarding risk factors for hypertension. The ABPM was carried out with a DINAMAPA TM monitor, using the oscillometric method validated by AAMI (Association for the Advancement of Medical Instrumentation) and by the BHS (British Hypertension Society). RESULTS: The mean serum TSH and FT4 were respectively 6.9 ± 2.2 µUI/ml and 1.1 ± 0.2 ng/dl in SH patients. Although there was no difference in the mean values of systolic and diastolic blood pressure between the two groups, there was a positive correlation between the mean values of diastolic blood pressure (DBP) and serum TSH levels in SH patients (r:0.477; p = 0.004). These correlations were detected at daytime (r:0.498; p = 0.002) and sleep-time (r:0.322; p = 0.032) measurements. CONCLUSION: The blood pressure was not different between patients with or without SH; however, the results suggest that the progression of subclinical hypothyroidism to higher levels of TSH may increase the cardiovascular risk by increasing diastolic blood pressure.

Hypothyroidism; blood pressure; blood pressure monitoring, ambulatory


ARTIGO ORIGINAL

MAPEAMENTO AMBULATORIA DA PA (MAPA)

Monitorização ambulatorial da pressão arterial em pacientes normotensos com hipotireoidismo subclínico

Marcia Martins Ferreira; Patricia de Fatima dos Santos Teixeira; Vera Aleta R. Mansur; Vaneska Spinelli Reuters; Cloyra Paiva Almeida; Mario Vaisman

HUCFF-Faculdade de Medicina - UFRJ; Previ-Lab, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Patricia de Fatima dos Santos Teixeira Av. Pref. Dulcidio Cardoso, 1000/1703 - Barra da Tijuca 20620-311 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: pfatima@hucff.ufrj.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O hipotireoidismo manifesto está associado com elevação da pressão arterial diastólica; entretanto, a associação entre o hipotireoidismo subclínico (HS) e alteração da pressão arterial (PA) é desconhecida.

OBJETIVO: O objetivo do presente estudo foi avaliar a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) por 24 horas em pacientes normotensos com HS em comparação a indivíduos normotensos eutireóideos (EU).

MÉTODOS: Foi realizado um estudo transversal com 50 participantes (HS = 30 e EU = 20) que não apresentavam diferenças em relação a fatores de risco para hipertensão. A monitorização ambulatorial de pressão arterial foi realizada com um monitor Dynamapa®, utilizando-se um método oscilométrico validado pela AAMI (Association for the Advancement of Medical Instrumentation) e pela BHS (British Hypertension Society).

RESULTADOS: Os níveis séricos médios de TSH e T4 livre foram respectivamente 6,9 ± 2,2 µUI/ml e 1,1 ± 0,2 ng/dl em pacientes com HS. Apesar de não haver diferença em relação à média da pressão arterial sistólica e diastólica entre os dois grupos, houve uma correlação positiva entre os níveis de pressão arterial diastólica média (PADM) e os valores séricos de TSH em pacientes com HS (r:0,477; p = 0,004). Essa correlação foi detectada por medidas diurnas (r:0,498; p = 0,002) e noturnas (r:0,322; p = 0,032).

CONCLUSÃO: A pressão arterial não diferiu entre pacientes com ou sem HS; contudo, os resultados sugerem que a progressão de hipotireoidismo subclínico para níveis mais elevados de TSH pode aumentar o risco cardiovascular através do aumento da pressão arterial diastólica.

Palavras-chave: Hipotireoidismo, pressão arterial, monitorização ambulatorial da pressão arterial.

Introdução

O hipotireoidismo subclínico (HS) é definido como uma elevação nos níveis séricos do hormônio estimulador da tireoide (TSH) com níveis circulantes normais de hormônios tireoidianos livres (T4 livre e T3 livre)1,2. A prevalência na população em geral é de 1 a 10%, de acordo com diferentes estudos3-7.

O hormônio da tireoide tem diversos efeitos na hemodinâmica cardiovascular, tais como frequência cardíaca, débito cardíaco, resistência vascular sistêmica e pressão arterial8,9. Fatores que afetam a resistência periférica ou o débito cardíaco podem estar envolvidos no controle da pressão arterial, afetando a equação básica de pressão arterial = débito cardíaco x resistência periférica10. O hormônio da tireoide exerce efeito no músculo liso vascular periférico através do T3 convertido a partir do T4 pelas desiodases tipos 1 e 2; a presença da última foi detectada na média aórtica de ratos11. Experimentos envolvendo células aórticas endoteliais e do músculo liso vascular revelaram relaxamento em resposta à exposição ao T3, sugerindo que o T3 agiu diretamente nas células do músculo liso vascular causando o relaxamento vascular. Há uma correlação entre os hormônios da tireoide e a resistência vascular sistêmica (RVS), e a deficiência de hormônio tireoidiano leva ao aumento da RVS12. O hipotireoidismo está associado com uma menor vasodilatação endotélio-dependente, e estudos com animais propuseram que o estado da tireoide altera as capacidades tanto para a formação quando para a resposta ao óxido nítrico. A disfunção endotelial em pacientes com HS pode ocasionar uma redução na disponibilidade de óxido nítrico com resultante dano na vasodilatação fluxo-mediada12,13.

O hipotireoidismo manifesto resulta em uma alta resistência vascular sistêmica com o consequente aumento da pressão arterial diastólica14-17. É ainda desconhecido se o HS está associado com a alteração da pressão arterial (PA). A medida da pressão arterial pelo método tradicional de obtenção de um pequeno número de leituras através da técnica auscultatória é caracterizada pela alta variabilidade. As razões para essa variabilidade consistem desde problemas na técnica do examinador, ao efeito do "jaleco-branco" (elevação transitória da pressão arterial em ambiente médico), até à própria variabilidade inerente da pressão arterial18. A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) possibilita a mensuração da pressão durante o sono e permite a avaliação dos padrões circadianos da pressão arterial19. O presente estudo avaliou a pressão arterial através da monitoração ambulatorial (MAPA) por um período de 24 horas, em pacientes normotensos com HS e comparou os resultados com controles eutireóideos normotensos.

Métodos

Trinta pacientes com HS (29 mulheres e 1 homem) e vinte indivíduos (18 mulheres e 2 homens) foram recrutados do ambulatório do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para serem incluídos no estudo, os pacientes com HS foram submetidos a duas dosagens laboratoriais séricas de TSH com um intervalo mínimo de seis semanas, ambas com níveis de TSH acima do limite superior normal (4,0 mUI/ml) e tiroxina livre (T4 livre) dentro do intervalo normal (0,9-1,8 ng/dl). Todos os participantes tinham dezoito anos ou mais e deram seu consentimento por escrito para participar do estudo, o qual foi aprovado pelo Comitê Institucional de Ética de acordo com a Declaração de Helsinki. Indivíduos em tratamentos com drogas ou que apresentavam quaisquer doenças que pusessem afetar a função da tireoide ou pressão arterial foram excluídos do estudo. Também foram excluídos pacientes em tratamento para hipertensão e aqueles com IMC > 30 kg/m² ou com diagnóstico de diabete melito. Para avaliar pacientes com HS, somente nas formas leves, foram excluídos pacientes com níveis séricos de TSH três vezes maiores que o valor de referência máximo de diferentes métodos laboratoriais (> 12,0 mUI/ml). Existem mais evidências na literatura sobre consequências negativas de níveis séricos de TSH maiores que 10,0 mUI/ml no HS, contudo, o intervalo de referência superior de diferentes métodos laboratoriais pode variar entre 4,0 e 5,5 mUI/ml1.

Os indivíduos eutireóideos apresentavam um histórico negativo de doenças da tireoide, um exame físico normal da glândula tireoide e dosagens séricas de TSH e T4 livre dentro dos intervalos normais (0,4- 4,0mUI/ml e 0,9-1,8 ng/dl) sem a presença de anticorpos (anti-TPO) anti-tireoperoxidase no soro.

Amostras em jejum de sangue venoso dos participantes foram obtidas pela manhã, a partir da veia antecubital. TSH, T4 livre e anti-TPO séricos foram medidos através de ensaios imunoquimioluminescentes (DPC - Diagnostic Products Corporation/Immulite 2000®). Os intervalos de referência para o TSH e T4 livre foram, respectivamente, 0,4-4,0 mUI/ml e 0,9-1,8 ng/dl. Níveis de anti-TPO > 35 UI/ml foram considerados positivos. Os coeficientes de variação intra-ensaios foram 3,8-12,5%, 4,4-7,5% e 4,3-5,6% para TSH, T4 livre e anti-TPO, respectivamente. Os coeficientes de variação entre ensaios foram 4,6-12,5%, 4,8-9,0% e 7,8-10,5%. Níveis de colesterol total, HDL-colesterol e triglicérides séricos foram medidos por testes imunoenzimáticos (Dimension®; Dade Boehring S.A.). A lipoproteína de baixa densidade-colesterol (LDL-c) foi calculado pela fórmula de Friedwald (LDL = CT - (HDL + TG/5).

Todos os participantes tiveram sua pressão arterial medida em três ocasiões, durante a visita clínica, por um médico responsável pelo estudo, utilizando um esfigmomanômetro de mercúrio. PA > 140 / 90 mmHg foi considerada um resultado anormal, requerendo uma reavaliação e a exclusão do protocolo.

A monitorização da pressão arterial (MAPA) foi realizada com um monitor Dynamapa®, usando o método oscilométrico, validado pela AAMI (Association for the Advancement of Medical Instrumentation) e pela BHS (British Hypertension Society). As medidas foram feitas a cada 15 minutos de intervalo durante o dia e em intervalos de 30 minutos à noite. Valores médios de PAS, PAD e PA média (PAM) foram registrados em todas as leituras ao longo de 24 horas. A diferença entre a PA média durante o dia e a noite foi calculada. A queda nos valores noturnos da pressão arterial média, sistólica e diastólica também foi expressa como uma porcentagem dos valores da PA média diurnos. Os pacientes foram classificados como dippers ou não-dippers quando a queda da PAM foi > 10% ou < 10%, respectivamente. Os resultados foram interpretados de acordo com a The Seventh Joint of High Blood Pressure, e os indivíduos com diagnóstico de hipertensão foram excluídos20.

Análise estatística

Os resultados foram expressos como a média ± DP e comparados com dois grupos usando o teste t de Student para distribuição normal dos dados, e o teste de Mann-Whitney para dados não-paramétricos. O grupo HS também foi avaliado de acordo com os níveis séricos de TSH. Pacientes no primeiro grupo HS apresentaram níveis séricos de TSH que não atingiam duas vezes o valor de referência superior de TSH e aqueles no segundo grupo apresentavam maiores níveis séricos de TSH, até um máximo de 12,0 mUI/ml. Foi feita uma comparação entre três grupos (Eutireoidismo vs Pacientes com HS com níveis séricos > 4,0-8,0 mUI/ml vs pacientes com HS com níveis séricos de TSH > 8.0 mUI/ml) através dos testes de Kruskall-Wallis ou ANOVA. As correlações entre duas variáveis contínuas foram avaliadas pelos índices de correlação de Pearson ou Spearman, de acordo com os padrões de distribuição (normal ou não-normal). O teste c2 e o teste exato de Fisher foram usados para comparar as proporções das variáveis qualitativas em dois grupos. Uma curva ROC foi elaborada para detectar qual nível sérico de TSH tinha melhor sensibilidade e especificidade para ser associado a níveis mais altos de pressão arterial diastólica. Um valor p < 0,05 foi aceito como estatisticamente significante.

Resultados

Vinte indivíduos eutireóideos e trinta pacientes com HS foram incluídos no estudo. A presença de anti-TPO foi detectada em 21 pacientes com HS. Os dois grupos de estudo apresentavam idades médias e IMC similares (Tabela 1). Pacientes e controles eram uniformes em termos de gênero, etnia, tabagismo atual, estilo de vida sedentário, estado de menopausa, histórico familiar de hipertensão e níveis de colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol e triglicérides. Os níveis séricos médios de TSH foram 6,9 ± 2,2 µUI/ml (variação 4,15 a 11,8 µUI/ml) em pacientes com HS e 1,48 ± 0,6µUI/ml nos controles. Os níveis de T4 livre foram significativamente menores nos pacientes HS, embora estivessem dentro dos parâmetros normais (1,1 vs 1,25ng/dl, p = 0,001). A pressão arterial clínica foi similar em ambos os grupos (Tabela 1).

Não houve diferença entre a pressão arterial sistólica e diastólica medidas durante o dia e à noite e no período de 24 horas entre os pacientes com HS e os eutireóideos (Tabela 2). Adicionalmente, quando os pacientes com HS foram avaliados de acordo com os níveis séricos de TSH, os grupos do estudo demonstraram aspectos similares nos parâmetros de pressão arterial na MAPA (Tabela 2). Não foram observadas diferenças estatísticas nas frequências de pacientes dippers entre os grupos; contudo, a queda noturna na PAD (maior que 10%) ocorreu em 60% dos pacientes com HS e 80% no grupo de controle (p = 0,131). O descenso noturno da PAS ocorreu em 70% e 71% dos pacientes e dos controles, respectivamente (p = 0,941).

Na avaliação do grupo HS, foi observado que os níveis séricos de TSH estavam positivamente correlacionados com os valores médios da pressão arterial diastólica durante o dia (rs:0,498; p = 0,002) e à noite (rs:0,322; p = 0,032), conforme mostrado nas figuras 1 e 2. Houve correlação positiva entre os dados médios de 24h da pressão arterial diastólica (PAD) e os níveis séricos de TSH nos pacientes com HS (r: 0,477; p = 0,004). Não houve associação entre TSH e PAS ou descenso noturno da PA (os índices de correlação foram menores que 0,100, com valores p > 0,100). A média do descenso noturno da PA foi de 15,8 ± 0,06% no grupo controle, 14,5 ± 0,07% no grupo HS com níveis séricos abaixo de 8,0 µUI/ml, e 13,0 ± 0,07 µUI/ml em pacientes com HS com TSH sérico > 8,0-12,0 µUI/ml (p = 0,591).



A curva ROC mostrou que o valor de corte do TSH sérico melhor associado às elevações de PA diurna e noturna (sensitividade e especificidade de 100%) era de 3,15 mUI/ml. Avaliando a PA diurna, a área sob a curva foi de 0,795 para um valor maior que 70 mmHg para esta variável de estado, e 0,568 para o valor de 80 mmHg (Fig. 3). A área sob a curva foi de 0,821 para um valor maior que 70 mmHg de PA noturna.


Discussão

O presente estudo sugere uma possível associação entre aumento da PAD e progressão do HS para níveis mais altos de TSH. Contudo, não foram detectadas diferenças nos valores médios da pressão arterial sistólica ou diastólica no grupo HS em comparação com os indivíduos eutireóideos.

Os resultados também sugerem que elevação na PAD, ainda dentro dos parâmetros da normalidade, pode ocorrer como resposta aos incrementos nos níveis séricos de TSH acima de 3,15 mUI/ml, em pacientes de meia-idade. É importante destacar que os pacientes incluídos no presente estudo eram indivíduos normotensos. Os mecanismos pelos quais os níveis séricos de TSH podem causar aumento de pressão podem estar associados a uma disfunção mínima da tireoide e à redução da ação do hormônio tireoidiano na vascularização periférica. Os hormônios tireoidianos agem diretamente nas células musculares e causam vasodilatação, ao reduzir a resistência arteriolar8,9.

A singularidade do presente estudo foi a avaliação através de MAPA por um período de 24 horas, e não apenas da PA ocasional. Estudos anteriores apresentaram resultados diferentes a respeito dos aspectos cardiovasculares do HS porque muitos deles tinham definições diversas dos estados da doença e critérios de inclusão. O hipotireoidismo pode ser um indicador de maior dano cardiovascular ao órgão alvo, já que está associado com médias mais altas de PAS 24h, pressão de pulso 24h e variabilidade da PAS de 24 horas21. Um estudo recente mostrou que pacientes hipertensos de perfil não-dipper tinham níveis menores de T3 livre sérico que pacientes de perfil dipper e que o T3 livre era um fator independente para predição da hipertensão de perfil não-dipper. Apesar da exclusão dos pacientes com HS, os níveis séricos médios de TSH dos não dippers foi 3,5 ± 5,0 mUI/ml22.

Pelo nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a avaliar a PA pela MAPA, em um grupo de pacientes com HS, com rígidos critérios de inclusão, para minimizar possíveis variáveis confundidoras na variabilidade da PA. Os grupos HS e controle foram homogêneos em relação aos fatores de risco para PA elevada, para evitar possíveis interferências de fatores independentemente associados com o aumento do nível de PA. Estudos anteriores utilizaram a medida usual da PA com um esfigmomanômetro de mercúrio ou aneroide, que podem ser influenciados pela técnica do examinador, pelo efeito do jaleco-branco (a elevação transitória, mas variável da PA em ambiente médico) e pela variabilidade inerente da PA. A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) fornece informações sobre a PA durante as atividades diurnas e durante o sono, não sofre essas influências e é válida para a avaliação do efeito do "jaleco-branco" na hipertensão18,19.

As discrepâncias nos resultados da avaliação da PA em indivíduos com HS podem refletir um viés de seleção resultante do formato do estudo baseado na clínica e da falta de informação a respeito dos fatores de risco de hipertensão dos participantes. No estudo Whickham, mulheres com HS e níveis séricos de TSH > 6,0 mUI/ml apresentaram PAM maior que os controles, mas os resultados não foram ajustados por idade7.

Luboshitzky e cols.23 estudaram 57 pacientes do sexo feminino com HS e detectaram uma pressão arterial diastólica maior quando comparada com os controles23. Seus pacientes apresentavam níveis maiores de TSH que os apresentados neste estudo, e incluíam participantes com hipertensão. O percentual de pacientes com PA elevada, valores elevados limítrofes de colesterol, colesterol total/HDL-c e triglicérides, foi significativamente maior do que nos controles.

Faber e cols.24 encontraram uma diminuição na resistência vascular sistêmica e na pressão arterial média com a terapia de reposição com LT-4 em 16 mulheres (idade média 60 anos) com HS e TSH sérico médio = 17,1mU/l24. Nagasaki e cols.25 também demonstraram que pacientes com HS apresentavam aumento de PAD, em um grupo de pacientes idosos (65,2 ± 2,6 anos), com níveis séricos mais baixos de HDL-colesterol25. Owen e cols.26 encontraram PAD mais alta em 19 indivíduos do sexo feminino com HS em comparação a 10 controles eutireóideos e redução da PA após tratamento com LT4 em HS, mas os pacientes apresentaram níveis de colesterol total e LDL significativamente maiores do que os indivíduos eutireóideos26.

Estudos também pretenderam avaliar a associação de níveis mais altos de TSH e hipertensão em pacientes eutireóideos. Um grande estudo recente de base populacional, que incluiu 5.872 pacientes, relatou uma agregação familiar de concentrações altas-normais de TSH em famílias hipertensas27. Guimieak e cols.28 relataram T4 livre sérico menor e níveis de TSH maiores em 194 indivíduos eutireóideos em comparação com 90 pessoas normotensas eutireóideas (TSH 1,7 ± 0,9 mU/ml versus 1,5 ± 0,8 mU/ml), mas os indivíduos eram mais velhos e apresentavam maior IMC que os normotensos, além de outros fatores que poderiam influenciar a PA e que não foram avaliados, como a dislipidemia28.

A ausência de níveis mais altos de PA nos pacientes com HS em comparação aos indivíduos eutireóideos mostrada neste estudo é consistente com os dados do estudo transversal de 2.033 participantes realizado por Walsh e cols.29, mostrando que os valores médios de PAS, PAD e a prevalência de hipertensão não diferiam de forma significante entre os indivíduos HS (n = 82) e os indivíduos eutireóideos (n = 1.591). Contudo, ao contrário de nosso estudo, eles não demonstraram que um aumento no TSH sérico acima de 10,0 mU/ml poderia estar associado com qualquer aumento na PAS ou PAD29.

Kvetny e cols.30 também não encontraram diferenças significativas na PA ao comparar 249 indivíduos com HS (TSH médio = 3,7 mU/ml) e 963 indivíduos eutireóideos30. No estudo de Rotterdam não foram detectadas diferenças entre 124 mulheres com HS leve (TSH médio 6,6 mU/ml) e 931 mulheres eutireóideas31. É importante observar que os participantes eram mais velhos que aqueles dos estudos citados anteriormente (69,0 ± 7,9 anos). Resultados de um grande estudo de coorte prospectivo com 496 participantes com HS (TSH médio = 6,67 mU/ml) e 2.639 controles eutireóideos, também não mostraram maior prevalência de hipertensão32. Estes dois últimos trabalhos diferem do presente estudo porque a idade média dos participantes era maior que 65 anos. Biondi et al33 estudaram 26 indivíduos com HS (TSH sérico médio = 8,6 mUI/ml) e 30 controles eutireóideos e encontraram PA e RVS similares, mas os pacientes eram mais jovens (36 ± 12 anos) em comparação àqueles do presente estudo33. Monzani e cols.34 não encontraram valores de PA maiores em um grupo de 20 indivíduos com HS quando comparados a 20 controles, também mais jovens (34,3 ± 12,3 anos) e com menor TSH médio (5,4 ± 2,4 mUI/ml)34. Arem e cols.35, estudando 8 pacientes com HS antes e depois de um tratamento com tiroxina não encontraram modificação na PA (TSH sérico = 14,8 ± 9,5 mU/ml)35.

Uma limitação do presente estudo é o pequeno número de participantes incluídos a partir de uma base de dados não-populacional, mas a análise de diferentes variáveis confundidoras, que foram similares entre os grupos, e os rígidos critérios de exclusão minimizam essas características. A inclusão de pacientes com HS com pequena elevação no TSH é importante, já que esse grupo de pacientes corresponde à maioria dos pacientes com HS na população em geral e a ausência de um consenso sobre a associação de HS e doença cardiovascular está especialmente presente nesse subgrupo de pacientes com HS.

A ausência de níveis mais elevados de PA em HS pode ser justificada pela apresentação leve do HS e pela ausência de outras variáveis confundidoras no grupo, como a presença de fatores de risco para hipertensão. Entretanto, a correlação positiva entre níveis séricos de TSH e PAD pode denotar um maior risco cardiovascular associado ao hipotireoidismo subclínico. Esses dados devem ser confirmados em estudos futuros com grupos populacionais maiores e através da avaliação dos potenciais benefícios com terapia de reposição com LT-4 em estudos clínicos randomizados.

Artigo recebido em 15/06/09; revisado recebido em 26/08/09; aceito em 24/09/09.

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  • Correspondência:
    Patricia de Fatima dos Santos Teixeira
    Av. Pref. Dulcidio Cardoso, 1000/1703 - Barra da Tijuca
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      24 Set 2009
    • Revisado
      26 Ago 2009
    • Recebido
      15 Jun 2009
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