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Angioplastia versus tratamento clínico em oligossintomáticos: tempo de parar?

PONTO DE VISTA

Angioplastia versus tratamento clínico em oligossintomáticos: tempo de parar?

Pedro José Negreiros de Andrade

Departamento de Medicina Clínica- Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE - Brasil

Correspondência Correspondência: Pedro José Negreiros de Andrade Francisco Holanda, 992/1101 - Dionisio Torres 60130-040 - Fortaleza, CE - Brasil E-mail: pedroneg@cardiol.br, pedroneg@gmail.com

Palavras-chave: Angioplastia, terapêutica, stents farmacológicos, pacientes oligossintomáticos.

Acaba de ser publicado no New England Journal of Medicine, o tão esperado estudo BARI 2-D1. Na parte que interessa a cardiologistas, 2.368 pacientes com diabete tipo 2 e coronariopatia foram randomizados para dois braços: tratamento ótimo da diabete ou terapêutica de revascularização, que poderia ser por cirurgia ou angioplastia. A randomização foi realizada independente da escolha da melhor terapêutica de revascularização para cada paciente, a qual ficava a critério dos médicos, não sendo o estudo uma comparação entre angioplastia e cirurgia.

Analisando os suplementos da publicação, vemos que os pacientes eram, em sua maioria, oligossintomáticos. Do total, 17% eram assintomáticos; 21,4% não tinham angina, mas sim o que os investigadores consideraram ser o "equivalente angioso"; dos pacientes com angina, a grande maioria estava em classe funcional I ou II; só 8,6% tinham angina classe III ou IV; e só 9,5% apresentavam angina instável. Demonstrando a condição predominantemente não cirúrgica dos pacientes, apenas 17% tinham fração de ejeção menor que 50%; só 30% eram triarteriais; e só 13% tinham lesão proximal da artéria descendente anterior. Era pois um grupo, regra geral, de pouca gravidade angiográfica, em muitos dos quais a revascularização miocárdica, por qualquer método, seria questionável. A revascularização cirúrgica, por não preencherem os critérios clássicos angiográficos de indicação (tronco, três vasos com má função ventricular ou três vasos com lesão proximal de descendente anterior), e a revascularização por angioplastia, pela condição de diabéticos e, principalmente, por serem oligossintomáticos. Os resultados foram os esperados por quem quer que acompanhe trabalhos desse tipo ao longo dos últimos 27 anos2-8. A mortalidade em 5 anos foi de 11,7% no grupo terapêutica de revascularização e de 12,2% no grupo terapêutica clínica (NS). Não houve diferença nos eventos maiores, morte, infarto ou acidente vascular cerebral: 22,8% no grupo revascularização e 24,1% no grupo terapêutica clínica (NS). A angioplastia não reduziu a mortalidade (10,8% versus 10,2%), nem eventos (21,1% versus 23%). A cirurgia também não reduziu significantemente a mortalidade (13,4% versus 16,4%), embora tenha reduzido eventos (22,4% versus 30,4%), possivelmente por ser indicada para um subgrupo de doentes com lesões mais extensas.

Ao ter conhecimento dos resultados do estudo, a Sociedade Americana de Cardiologia Intervencionista divulgou nota em que lembra serem os stents eluídos em drogas a melhor opção para coronariopatas diabéticos e que eles teriam sido utilizados em uma minoria (30%) de pacientes. Realmente o pouco emprego de stents farmacológicos pode ter contribuído para o resultado pobre da angioplastia em termos de redução de eventos, mas não em termos de redução da mortalidade. Além disso, há indícios da existência de subgrupos de pacientes estáveis nos quais os benefícios da intervenção percutânea seriam maiores que os encontrados nos pacientes do estudo Bari-2D9. Mas o que vale a pena questionar é algo bem mais simples: esse estudo acrescenta alguma coisa ao que já sabíamos? Após os resultados de seis estudos randomizados (sete, com o COURAGE, totalizando mais de 5.000 pacientes) que uniformemente não mostravam benefícios da angioplastia em pacientes oligossintomáticos, porque testá-la mais uma vez em pacientes tão pouco sintomáticos, quase sempre não cirúrgicos, e com a agravante de serem diabéticos? Diante de tudo que já se sabe, não será hora de parar com estudos randomizados como esse, principalmente em face à certeza de que o julgamento clínico tende a separar melhor as opções de tratamento, conforme é consenso universal e já foi comprovado pelo estudo MASS II10?

Antes que venha a ocorrer um novo, grande e caro estudo, comparando stents revestidos com tratamento clínico em pacientes similares, essas perguntas precisam ser respondidas.

Artigo recebido em 30/06/09; revisado recebido em 30/10/09; aceito em 15/12/09.

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  • Correspondência:
    Pedro José Negreiros de Andrade
    Francisco Holanda, 992/1101 - Dionisio Torres
    60130-040 - Fortaleza, CE - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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