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Cintilografia para detecção de comprometimento miocárdico na forma indeterminada da doença de Chagas

Resumos

FUNDAMENTO: Métodos cardiológicos não invasivos têm sido utilizados na identificação de comprometimento miocárdico na doença de Chagas. OBJETIVO: Verificar se a cintilografia miocárdica de perfusão em repouso e esforço é capaz de identificar comprometimento miocárdico precoce na forma indeterminada da doença de Chagas. MÉTODOS: Dezoito pacientes portadores da forma indeterminada da doença de Chagas e igual número de controles normais, pareados pelo sexo e idade, foram submetidos a cintilografia miocárdica de repouso e esforço com sestamibi-99mTc com o objetivo de detectar lesões cardíacas precoces. RESULTADOS: Os resultados não mostraram defeitos de perfusão ou da função ventricular nos pacientes na fase indeterminada da doença de Chagas e nos controles normais, exceto em um paciente que apresentou sinais de disfunção ventricular na análise funcional na cintilografia miocárdica de perfusão sincronizada com o eletrocardiograma (ECG). CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo, em que pese o pequeno número de pacientes, mostraram que a cintilografia miocárdica de repouso e esforço com sestamibi-99mTc não é um método eficaz para detectar precocemente alterações miocárdicas na forma indeterminada da doença de Chagas.

Cintilografia; miocárdio; função ventricular; doença de Chagas


BACKGROUND: Non-invasive cardiological methods have been used for the identification of myocardial damage in Chagas disease. OBJECTIVE: To verify whether the rest/stress myocardial perfusion scintigraphy is able to identify early myocardial damage in the indeterminate form of Chagas disease. METHODS: Eighteen patients with the indeterminate form of Chagas Disease and the same number of normal controls, paired by sex and age, underwent rest/stress myocardial scintigraphy using sestamibi-99mTc, aiming at detecting early cardiac damage. RESULTS: The results did not show perfusion or ventricular function defects in patients at the indeterminate phase of Chagas disease and in the normal controls, except for a patient who presented signs of ventricular dysfunction in the myocardial perfusion scintigraphy with electrocardiographic gating. CONCLUSION: The results of this study, considering the small sample size, showed that the rest/stress myocardial scintigraphy using sestamibi-99mTc is not an effective method to detect early myocardial alterations in the indeterminate form of Chagas disease.

Scintilography; myocardium; ventricular function; Chagas disease


FUNDAMENTO: Métodos cardiológicos no invasivos han sido utilizados en la identificación de compromiso miocárdico en la Enfermedad de Chagas. OBJETIVO: Verificar si la gammagrafía miocárdica de perfusión en reposo y esfuerzo es capaz de identificar compromiso miocárdico precoz en la forma indeterminada de la Enfermedad de Chagas. MÉTODOS: Dieciocho pacientes portadores de la forma indeterminada del Mal de Chagas e igual número de controles normales, apareados por sexo y edad, fueron sometidos a gammagrafía miocárdica de reposo y esfuerzo con sestamibi-99mTc con el objetivo de detectar lesiones cardíacas precoces. RESULTADOS: Los resultados no mostraron defectos de perfusión o de la función ventricular en los pacientes en la fase indeterminada de la Enfermedad de Chagas y en los controles normales, excepto en un paciente que presentó signos de disfunción ventricular en el análisis funcional en la gammagrafía miocárdica de perfusión sincronizada con el electrocardiograma (ECG). CONCLUSIÓN: Los resultados de este estudio, en el cual, pese al pequeño número de pacientes, mostraron que la gammagrafía miocárdica de reposo y esfuerzo con sestamibi-99mTc no es un método eficaz para detectar precozmente alteraciones miocárdicas en la forma indeterminada del Mal de Chagas.

Gammagrafía; miocardio; función ventricular; enfermedad de Chagas


ARTIGO ORIGINAL

CARDIOLOGIA NUCLEAR

Cintilografia para detecção de comprometimento miocárdico na forma indeterminada da doença de Chagas

Ivana Moura AbuhidII; Enio Roberto Pietra PedrosoI; Nilton Alves de RezendeI

IFaculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

IIInstituto de Medicina Nuclear e Diagnóstico Molecular, Belo Horizonte, MG - Brasil

Correspondência Correspondência: Nilton Alves de Rezende Rua Aimorés 462/116 - Funcionários 30140-070 - Belo Horizonte, MG - Brasil E-mail: narezende@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Métodos cardiológicos não invasivos têm sido utilizados na identificação de comprometimento miocárdico na doença de Chagas.

OBJETIVO: Verificar se a cintilografia miocárdica de perfusão em repouso e esforço é capaz de identificar comprometimento miocárdico precoce na forma indeterminada da doença de Chagas.

MÉTODOS: Dezoito pacientes portadores da forma indeterminada da doença de Chagas e igual número de controles normais, pareados pelo sexo e idade, foram submetidos a cintilografia miocárdica de repouso e esforço com sestamibi-99mTc com o objetivo de detectar lesões cardíacas precoces.

RESULTADOS: Os resultados não mostraram defeitos de perfusão ou da função ventricular nos pacientes na fase indeterminada da doença de Chagas e nos controles normais, exceto em um paciente que apresentou sinais de disfunção ventricular na análise funcional na cintilografia miocárdica de perfusão sincronizada com o eletrocardiograma (ECG).

CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo, em que pese o pequeno número de pacientes, mostraram que a cintilografia miocárdica de repouso e esforço com sestamibi-99mTc não é um método eficaz para detectar precocemente alterações miocárdicas na forma indeterminada da doença de Chagas.

Palavras-chave: Cintilografia, miocárdio/lesões, função ventricular, doença de Chagas.

Introdução

A doença de Chagas é reconhecida por sua alta morbidade e mortalidade. Ela apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas que variam de acordo com as regiões geográficas, refletindo possivelmente fatores genéticos relacionados tanto ao homem quanto ao parasita1. Estima-se que a doença de Chagas atinja cerca de 16 a 18 milhões de pessoas na América do Sul, sendo o comprometimento cardíaco a complicação mais grave, manifestando-se em cerca de um terço dos pacientes infectados durante suas vidas2,3. Estudos clínicos e experimentais separam o comprometimento cardíaco na doença de Chagas em três fases distintas: uma miocardite inicial, seguida na maioria das vezes por um período de 10 a 30 anos de completa ausência de manifestações cardíacas ou de outros sistemas, denominada fase indeterminada, e finalmente a miocardiopatia ou comprometimento de outros órgãos (doença de Chagas instalada)4,5. O comprometimento cardíaco na doença de Chagas constitui-se, na maioria das vezes, em uma miocardiopatia que pode se manifestar por meio de arritmias cardíacas, aneurisma da ponta do ventrículo esquerdo, insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo sistêmico e morte súbita6. Todos esses aspectos provocam grande impacto na capacidade laborativa, em incapacidades precoces para determinadas atividades e morte prematura, tornando-se um problema social e de saúde pública para aqueles pacientes assintomáticos com sorologia positiva para a doença, ou seja, aqueles que estão "classificados" na forma indeterminada da Doença7. Esse aspecto é importante porque a possibilidade de identificar os pacientes com maior risco para o desenvolvimento de cardiopatia poderia, em tese, permitir o melhor alocamento desses pacientes no mercado de trabalho.

Segundo os critérios atualmente aceitos, o diagnóstico da forma indeterminada da doença de Chagas exige que o paciente apresente pelo menos um exame sorológico positivo, mas sem sinais e/ou sintomas cardiovasculares ou do aparelho digestivo, eletrocardiograma convencional normal e radiografias do coração, esôfago e intestino grosso sem alterações (critérios de Araxá). Dessa forma, a fase indeterminada termina apenas quando surgem sintomas cardiovasculares ou digestivos ou anormalidades radiológicas ou eletrocardiográficas3.

Por sua vez, estudos de necropsia, assim como outros métodos mais sensíveis como a ergometria, estudos da atividade autonômica, ecocardiografia de alta resolução, ecocardiografia associada ao índice de TEI e eletrocardiografia dinâmica, em graus variados, mostraram que aproximadamente 25% a 30% dos pacientes chagásicos classificados na forma indeterminada da doença de Chagas apresentavam algum grau de comprometimento cardíaco8-17. Como já salientado, aproximadamente um terço dos pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas desenvolve miocardiopatia 10 a 30 anos após a infecção inicial18. Por essa razão, é importante estabelecer a estratificação de risco para a identificação precoce do comprometimento cardíaco nessa fase da doença, o que permitiria intervenções terapêuticas precoces, assim como um possível realocamento na cadeia produtiva evitando conflitos sociais6,12.

Os métodos de medicina nuclear rotineiramente utilizados na avaliação da função cardíaca já foram utilizados na miocardiopatia chagásica instalada19-23 . Entretanto, a utilidade da cintilogafia de perfusão miocárdica com sestamibi-99mTc sincronizada com ECG avaliando simultaneamente a perfusão miocárdica e função ventricular, ao contrário de outros métodos cardiológicos não invasivos, ainda não foi utilizada de forma sistemática na tentativa de identificar precocemente comprometimento miocárdico na forma Indeterminada da doença de Chagas.

Pacientes e métodos

O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Dezoito pacientes portadores da forma indeterminada da doença de Chagas e igual número de indivíduos normais foram estudados. Além dos dados demográficos (idade e sexo), foram também verificados os fatores de risco para doença arterial coronariana-DAC (hipertensão arterial, diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia e história familiar para DAC, assim como evento coronariano prévio-angina do peito típica ou infarto do miocárdio). O diagnóstico da forma indeterminada da doença de Chagas obedeceu aos critérios de Araxá: sorologia positiva para a doença, ausência de sinais e/ou sintomas cardiovasculares ou digestivos, eletrocardiograma convencional, radiografia do tórax, radiografia contrastada do esôfago e enema opaco normais. Os indivíduos controles foram recrutados no Laboratório de Medicina Nuclear, eram assintomáticos com sorologia negativa para a doença e eletrocardiograma normal e pareados com os chagásicos pelo sexo e idade. No grupo controle não foi realizada radiografia de tórax, esôfago e intestino grosso. Em ambos os grupos foram excluídos pacientes que apresentavam pelo menos um fator de risco comprovado para DAC. A cintilografia miocárdica com sestamibi-99mTc foi realizada antes e após esforço físico. O sestamibi marcado com tecnécio foi preparado de acordo com as instruções do fabricante (Cardiolite; Bristol Myers Squibb GmbH) e cada paciente e respectivo controle receberam 1110 MBq de Sestamibi-99mTc administrado por via intravenosa. Todas as imagens cintilográficas foram obtidas em gama câmaras de duas cabeças (GE Health Care, Milwaukee, WI) antes e após o esforço físico com intervalos de 48 horas utilizando-se a técnica de tomografia por emissão de fótons únicos (SPECT) sincronizada com o eletrocardiograma (Gated-Spect). A interpretação das imagens foi baseada na análise visual direta e também na verificação quantitativa das imagens de perfusão obtidas automaticamente com os programas computadorizados CEQUAL, ECtoll-box e QGS/QPS para avaliação simultânea da fração de ejeção. Foi feita análise semiquantitativa da perfusão pela soma de valores de escores em estresse (SSS, do inglês Summed Stress Score). A contratilidade do ventrículo esquerdo foi avaliada pela análise da mobilidade de suas paredes visualizando-se o contorno subendocárdico. Todos os exames foram interpretados por dois médicos especialistas em medicina nuclear sem conhecimento prévio do quadro clínico dos pacientes.

Para a comparação das médias das variáveis quantitativas obtidas na cintilografia nos dois grupos, tanto no repouso quanto após o esforço, foi utilizado o teste t de Student pareado, e como critério de determinação de significância o nível de 5%. A análise estatística foi processada no software estatístico SPSS.

Resultados

Todos os pacientes preencheram os critérios para o diagnóstico da forma indeterminada da doença de Chagas e não apresentavam fatores de risco para DAC. Dez pacientes eram do sexo masculino com a idade variando de 32 a 53 anos (média de 43,2 anos). O sexo e a idade foram semelhantes no grupo controle. Os resultados da cintilografia miocárdica com sestamibi-99mTc antes e após o esforço físico são mostrados na tabela 1. Nos chagásicos, a média da FEVE foi de 54,1±8,6 em repouso e 57,3±10,5 após esforço. Embora pequena, essa diferença foi significativa (p=0,004; IC95%= -5,25 - -1,16). No grupo controle a FEVE foi de 55,9±9,1 e 58,1±10,3 em repouso e após o esforço (p=0, 003; IC95%= -4,38 - -1,67). Não houve diferença na FEVE entre os grupos no repouso (p=0, 064; IC95%= -4,98 _-1,89) e após o esforço (p=0, 066; IC95%= -4,78 _-1,80). O porcentual de aumento da FEVE após o esforço foi semelhante entre os grupos (5,6%). Tanto os pacientes chagásicos como os indivíduos controles apresentaram padrão normal na distribuição do radiofármaco nas paredes miocárdicas na análise qualitativa e quantitativa antes e após o esforço físico.

Apenas um paciente (#9) apresentou disfunção miocárdica caracterizada por hipocontratilidade difusa das paredes miocárdicas e redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo obtida pelo processamento automático do programa QGS, cujo limite inferior da normalidade é 44%24. Esse paciente foi re-examinado dois meses depois para verificar possível erro metodológico, quando se constatou que já apresentava sintomatologia cardiovascular e estava em tratamento medicamentoso para insuficiência cardíaca.

Discussão

A cintilografia miocárdica de perfusão de repouso e esforço é um método de investigação diagnóstica e prognóstico não invasivo de várias doenças cardiovasculares, especialmente da doença arterial coronariana (DAC)25. Em nosso estudo, apenas um paciente diagnosticado inicialmente com a forma indeterminada da doença de chagas apresentou cintilografia alterada. Esse paciente apresentou extrassístoles ventriculares no teste de esforço, sinais de disfunção do ventrículo esquerdo na análise funcional com hipocontratilidade difusa das paredes miocárdicas e redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo tanto em repouso como após esforço físico, mas aspecto perfusional normal. É possível que esse paciente tenha sido equivocadamente classificado na forma indeterminada da doença de Chagas de acordo com os critérios de Araxá, uma vez que, dois meses depois, já estava em tratamento para insuficiência cardíaca. Esse aspecto é relevante, pois a utilização de outros métodos de diagnóstico de disfunção miocárdica mais sensíveis coloca em dúvida os critérios de Araxá para a definição da forma indeterminada da doença de Chagas que deveriam ser revistos. A ausência de sintomas, a radiografia simples do tórax e o eletrocardiograma normal não são suficientes para excluir comprometimento funcional miocárdico. Esse fato é comprovado pelos resultados normais desses exames no paciente # 9 desta série de casos, que apresentava disfunção ventricular na cintilografia de perfusão. Dessa forma, deveria ser considerada com critério diagnóstico da forma indeterminada clássica da doença de Chagas a demonstração ecocardiográfica bidimensional normal12 ou outros métodos cardiológicos diagnósticos não invasivos15,17. Inserem-se também nesse contexto os resultados da angiografia radioisotópica que mostraram comprometimento do ventrículo direito em pacientes com a forma indeterminada e digestiva exclusiva da doença de Chagas26, como também os estudos utilizando metaiodobenzylguanidina (MIBG) marcada com 123I e Tálio-201 que evidenciaram alteração da inervação ínferoapical do VE, com ou sem alteração perfusional apical em 12 pacientes com forma indeterminada dessa doença27. Esses fatos consubstanciam a noção de que pacientes com ECG e exames radiológicos normais possam de fato ter alterações de função de um ou outro dos ventrículos, como ocorreu com o paciente #9 desta série. Uma vez que a disfunção global sistólica do ventrículo esquerdo é o fator prognóstico mais importante da morbidade e mortalidade na doença de Chagas, a identificação precoce com métodos mais sensíveis e o tratamento específico desses pacientes poderiam, em tese, melhorar a sobrevida e reduzir a morbidade12. Todos os outros pacientes, assim como os controles apresentaram testes funcionais e perfusionais qualitativos e quantitativos normais em repouso e após o esforço físico.

A patogênese da miocardiopatia chagásica ainda permanece obscura. Numerosos trabalhos sugerem que, após a fase inflamatória aguda da doença, instala-se ou persiste uma miocardite "silenciosa" na fase indeterminada com destruição progressiva das fibras miocárdicas e fibrose reparativa. Os mecanismos envolvidos nesse processo incluem uma microangiopatia caracterizada por edema de células endoteliais, demonstrado em estudos in vitro, em animais e também em seres humanos. São também apontados mecanismos neurogênicos, inflamação em resposta à presença do parasita nas fibrocélulas cardíacas e mecanismos autoimunes propiciando a lesão miocárdica12,28. Pacientes com doença de Chagas e dor torácica sugestiva de isquemia miocárdica submetidos a cinecoronariografia mostraram coronárias normais na maioria dos casos, mas alterações perfusionais discretas detectadas com Tálio-201 sugestivas de isquemia miocárdica, possivelmente em decorrência de doença microvascular, que poderiam ser responsabilizadas pelos sintomas anginosos dos pacientes22. Entretanto, deve ser enfatizado que esses estudos foram realizados na fase crônica da doença e utilizando-se o radiotraçador Tálio-201, marcador tanto de fluxo como de integridade da membrana celular. Em nosso estudo, a realização dos exames na fase indeterminada e a utilização do sestamibi-99mTc, um marcador praticamente exclusivo de fluxo miocárdico regional, poderiam explicar, pelo menos em parte, os resultados normais observados.

Em que pese o pequeno número de pacientes estudados, possivelmente em razão dos critérios de inclusão que incluíram a realização do enema opaco nos chagásicos, os pacientes com a chamada forma indeterminada dessa doença apresentam distribuição homogênea do radiofármaco nas paredes miocárdicas semelhante ao observado em pessoas normais. Dessa forma, a cintilografia miocárdica não é um exame com sensibilidade e especificidade suficientes para a detecção de comprometimento miocárdico precoce na forma indeterminada da doença de Chagas.

Com a solicitação cada vez mais frequente da cintilografia de perfusão miocárdica, contudo, pacientes com forma indeterminada da doença de Chagas podem ocasionalmente ser encaminhados para avaliação de suspeita clínica de doença arterial coronariana. Embora estudos com cintilografia miocárdica tenham demonstrado defeitos perfusionais fixos, reversíveis ou com distribuição reversa na fase crônica da doença utilizando-se Tálio-201, na forma indeterminada a perfusão miocárdica com sestamibi-99mTc mostrou-se normal em nosso estudo.

Em pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas, portanto, a presença de imagens cintilográficas de esforço normais podem sugerir pequena probabilidade de doença arterial coronariana, e a presença de defeitos perfusionais transitórios induzidos pelo esforço físico ou estresse farmacológico deve ser considerada indicador de isquemia miocárdica possivelmente relacionada a doença arterial coronariana. Por sua vez, um padrão de distribuição homogênea do radiofámaco associado com indicadores de disfunção ventricular, como observado no paciente #9, sugere uma probabilidade maior de cardiomiopatia primária do que doença arterial coronariana.

A cintilografia miocárdica de perfusão sincronizada com ECG (G-SPECT) é reconhecida como de utilidade na diferenciação da etiologia das miocardiopatias isquêmica das não isquêmicas. Pacientes com doença miocárdica isquêmica apresentam defeitos mais graves e extensos associados a áreas de hipocinesia ou acinesia segmentares, enquanto os pacientes com miocardiopatia de etiologia não isquêmica apresentam um padrão de perfusão mais homogêneo, com hipocinesia difusa. Assim, é pouco provável a etiologia isquêmica como causa de miocardiopatia em pacientes com cintilografia de perfusão normal. Nessa eventualidade, a causa mais provável é de se tratar de miocardiopatia primária. Diante dessas considerações, a avaliação da disfunção miocárdica na forma indeterminada da doença de Chagas por métodos mais sensíveis, como os testes de disfunção autonômica, deve preceder a cintilografia miocárdica de perfusão. Naqueles pacientes com miocardiopatia instalada, a cintilografia de perfusão de repouso e esforço somente seria útil para distinguir a etiologia isquêmica da não isquêmica.

Agradecimento

O professor NAR recebe auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), no Programa Pesquisador Mineiro II.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pela FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Ivana Moura Abuhid pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Artigo recebido em 15/05/09; revisado recebido em 14/08/09; aceito em 04/03/10.

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  • Correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jul 2010

    Histórico

    • Aceito
      04 Mar 2010
    • Revisado
      14 Ago 2009
    • Recebido
      15 Maio 2009
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