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Pesquisa cardiovascular: novo modelo de programa de treinamento colaborativo

EDITORIAL

Pesquisa cardiovascular: novo modelo de programa de treinamento colaborativo

Estela AzekaI; Felipe FregniII

IInstituto do Coração (InCor) HC-FMUSP, São Paulo, SP

IIHarvard Medical School, Boston, Massachusetts

Correspondência Correspondência: Estela Azeka Rua Araripina, 95 - Cidade Jardim 05603-030 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: estelaka@cardiol.br, estela_azeka9@hotmail.com

Palavras-chave: Pesquisa, projetos de pesquisa, pesquisa biomédica, educação.

A pesquisa clínica tem importância fundamental para o avanço na prática médica, sendo o componente vital que leva descobertas da ciência básica para a prática clínica.

A Cardiologia é uma especialidade que vivenciou um rápido avanço no cuidado clínico, em parte devido à intensa pesquisa clínica na área. De fato, o número de estudos clínicos randomizados em Cardiologia aumentou de 2.689 para 4.718, quando da comparação de dois períodos (1990 a 2000 e 2000 a 2009)1, um aumento de quase 43%. A despeito do rápido avanço na pesquisa clínica, uma importante questão a ser considerada é que a metodologia na pesquisa clínica apresenta peculiaridades. Com o desenvolvimento do currículo médico, o espaço para o treinamento em metodologia de pesquisa clínica durante a graduação tem sido limitado e frequentemente médicos não estão habituados às ferramentas necessárias ao desenvolvimento da pesquisa do ponto de vista conceitual, metodológico bem como dos detalhes do processo de pesquisa. O resultado deste fato é que quando solicitam recursos a agências de fomento para pesquisa clínica podem não ser contemplados, apresentando chances reduzidas quando comparados aos doutorandos solicitantes de subsídios para pesquisa em ciências básicas.

A força-tarefa em treinamento na pesquisa cardiovascular destaca a importância, para todo pós-graduando lato senso na área cardiovascular da participação direta na pesquisa. Os padrões gerais de treinamento envolvem a instituição responsável pelo treinamento e seu corpo docente. Além de um programa de treinamento de habilidades tais como estatística e epidemiologia, um programa bem sucedido inclui também parte prática, tais como a condução de pesquisa clínica com a participação de um orientador, de forma que o pós-graduando lato senso possa adquirir a capacidade de realizar pesquisas e a responsabilidade de preparar e conduzir protocolos de pesquisa de forma eficiente2.

Embora a metodologia e o programa de treinamento em pesquisa clínica possam ser similares entre as diferentes especialidades médicas, é também crucial ter a metodologia adaptada às nuances da pesquisa clínica em cardiologia3. É evidente que um grande número de opções na pesquisa clínica é plausível; entretanto, o entendimento consistente dos conceitos do processo é necessário, bem como quão rápido ou quão efetivamente médicos irão adquirir e aplicar o conhecimento para o benefício do cuidado ao paciente.

O crescente interesse na condução de pesquisa cientificamente rigorosa e relevante, dos mecanismos fisiopatológicos da doença ao cuidado do paciente tem sido reconhecido4. Além disso, o treinamento em pesquisa translacional para cientistas Ph.D. tem chamado mais atenção, assim como um influxo de subsídios públicos e privados nesta área, o qual tem mostrado ser um campo que desafia inclusive alguns paradigmas da ciência tradicional, como recentemente descrito em um artigo publicado sobre pesquisa translacional4. Há diferentes modelos de treinamento em pesquisa clínica. Nos Estados Unidos, um deles - o K30 - foi responsável pela criação de vários tipos diferentes de programas de treinamento em pesquisa clínica. Esse modelo ajudou o desenvolvimento de aproximadamente 60 programas diferentes de treinamento em pesquisa clínica. A maioria deles envolve um treinamento intensivo de 1 a 2 anos em pesquisa clínica, oferecendo um certificado ao final (Mestrado em Ciências, Mestrado em Saúde Pública ou Doutorado). Em Cardiologia, um modelo similar é um treinamento inovador chamado Tomorrow's Research Cardiovascular Health Professionals - TORCH - que é um programa integrado de dois anos direcionado aos profissionais da saúde de diversas disciplinas que serão orientados para carreiras como líderes em pesquisa cardiovascular translacional, aplicando as descobertas à saúde humana5. Embora esses programas sejam abrangentes e apresentem excelentes resultados, eles geralmente têm como alvo o jovem médico - recém formado ou recém saído da residência médica - dessa forma, excluindo profissionais que receberam o diploma cinco ou dez anos antes.

Entretanto, uma importante inovação está sendo atualmente observada no treinamento em pesquisa clínica com o desenvolvimento de ferramentas interativas online - tais como as ferramentas Web 2.0. Elas permitem o uso de novos métodos de aprendizado colaborativo que são difíceis de serem implementados em uma sala de aula tradicional. De fato, recentemente, em uma tentativa de facilitar a disseminação de conhecimento e utilizando um programa de treinamento global, ao qual médicos de todo o mundo e de áreas remotas pudessem ter acesso fácil, foi criado6 um método inovador baseado no modelo de aprendizado à longa distância utilizando métodos de ponta tais como as ferramentas Web 2.0 (www.clinicalresearlearning.org). No início, a missão desse programa era direcionada a médicos das áreas de Medicina Física e Reabilitação; entretanto, devido ao aumento do interesse dos médicos de outras especialidades e a escassez de programas que discutissem em profundidade as questões fundamentais relacionadas à pesquisa clínica, o acesso a esse programa foi viabilizado para médicos de outras especialidades, incluindo cardiologistas. É um programa dinâmico, intensivo, colaborativo, que abrange dos conceitos básicos da pesquisa clínica, tais como a formulação de questões de pesquisa, seleção da população do estudo, randomização, métodos estatísticos cegos a tópicos mais avançados, tais como desenhos adaptativos e escores de propensão. Uma importante característica desse programa é o princípio do aprendizado colaborativo, no qual os participantes constroem o conhecimento juntos através da discussão dos tópicos do curso em um fórum. Isso geralmente resulta em uma grande variedade de comentários e pontos de vista. Esse método aplica-se não somente a pesquisadores, mas também à médicos em programas de pós-graduação lato sensu e stricto sensu nas universidades, incluindo revisores de publicações científicas interessados em aumentar sua competência em pesquisa clínica e médicos interessados em aprender Medicina baseada em evidência de forma a manterem-se atualizados com a prática clínica. Tal método pode melhorar a qualidade dos cursos de pós-graduação, desenvolver centros de pesquisa clínica e fornecer pesquisas clínicas de alta qualidade que irão beneficiar o cuidado ao paciente.

Em conclusão, todos os esforços e estratégias são compensadores e vitais para a melhora e a manutenção da qualidade da pesquisa clínica agora e no futuro, no interesse do bem estar dos pacientes com doenças cardiovasculares.

Artigo recebido em 19/10/09; revisado recebido em 15/3/10; aceito em 15/03/10.

  • 1
    Estudos clínicos randomizados em cardiologia. [Acesso em 2009 jun 10]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov,
  • 2. Loslcalzo, Tomasalli GF, Vaughan DE, Walsh RA. Task Force 7: training in cardiovascular research. J Am Coll Cardiol .2008; 51(3): 380-2.
  • 3. Bettmann M. Choosing a research project and a research mentor. Circulation 2009:119(13);1832-5.
  • 4. Carpenter S. Carving a career in translational research. Science. 2007; 317:966-7.
  • 5. Armstrong PW, Ezekowitz C, Michelakis E, Anderson T, Archer S, Ghali W, et al. Innovative strategic Canadian research training from TomorrOw's Research Cardiovascular Health Care Professionals (TORCH). Clin Invest Med. 2004;27(1):33-41.
  • 6. Imamura I, Hsing WT, Dewey L, Fregni F. How to develop research capacity using a collaborative training approach: the International Society of physical and rehabilitation medicine (ISPRM) international training program experience. J Rehabil Med. 2009;41(4): 295-6.
  • Correspondência:
    Estela Azeka
    Rua Araripina, 95 - Cidade Jardim
    05603-030 - São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010
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